Fundamentalismo e liberdade religiosa (CC) (a)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

 

 

1.   Introdução

 

Recebi há dias, dum respeitável evangélico de origem brasileira, vivendo na Índia há mais de dez anos, a seguinte mensagem em que questiona a abertura que dou à minha página na internet, a Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas com “espaço” para todas as religiões sérias e milenárias, divulgarem a base da sua fé.

Embora o assunto já tenha sido abordado na INTRODUÇÃO dessa secção da minha página dedicada a outras religiões, admitindo que essa seja também a dúvida de muitos evangélicos, principalmente em certas zonas do Brasil, que discordam mas não têm a tradição de se manifestar, pois sempre foram educados a ser meros receptores passivos dos ensinos dos seus Pastores, em ambientes em que os leigos se devem limitar a ouvir e “aprender”, decidi publicar esta mensagem, para que na minha resposta pudesse dar um maior desenvolvimento e esclarecer um maior número de leitores sobre os objectivos desta minha página na internet.

Assim, esta minha resposta será dirigida a todos esses evangélicos, pois é neles que penso ao responder à mensagem que apresento a seguir, pois entendo que merece toda a nossa atenção num debate mais aprofundado e gostaria que viesse a suscitar a intervenção de outros colaboradores ou visitantes de várias religiões, sobre este importante assunto, que são os objetivos da Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas.

 

 

“Partindo do facto de que o Irmão Camilo clama ser um seguidor de Jesus, e portanto “se diz ser um crente convicto dos factos registrados nos Evangelhos que narram o nascimento, a vida irrepreensível e santa; a morte na Cruz do Calvário e a ressurreição de Cristo”. Posso afirmar que o Irmão defende essa VERDADE acima de qualquer outra crença, religião ou filosofia de vida.

Então por conclusão implícita nessa realidade... podemos afirmar que o Irmão Camilo sabe que qualquer outra alternativa de apontar para Salvação eterna do espírito do homem, é uma MENTIRA, UMA ILUSÃO, OU UMA FALSA DOUTRINA. ENTÃO... se o Irmão Camilo afirma que Jesus é a VERDADE, o Islamismo; o Hinduísmo e o Budismo são mentiras!

Pergunto: QUAL SERIA, ENTÃO, O MOTIVO QUE JUSTIFICARIA A DIVULGAÇÃO DESSAS MENTIRAS NA SUA PÁGINA, Irmão Camilo?

Me responda isso, por favor, especialmente levando em conta o facto de que possivelmente muita “gente ingênua” visita a sua Página, pelo simples facto de estar em busca da VERDADE.

Será que o pano-de-fundo dessa sua atitude não seria o desejo de ganhar a simpatia dos mouros por motivos que desconhecemos? Ou ainda... Será que é o desejo de ganhar mais Ibope nas estatísticas de visitações à sua Página?

Que resposta o Irmão Camilo daria ao Senhor Jesus, se Ele questionasse hoje a sua responsabilidade de esta “enviando para o inferno” essas vidas, porque elas acreditaram na mentira do Islamismo que o Irmão insiste em divulgar na sua Página, defendendo o princípio de que se trata de “um espaço de reflexão aberto e sem fronteiras teológicas”?

E assim..... com isso deixando ou entregando essas pobres vidas ao seu próprio “destino” com o “empurrãozinho dado pelo Irmão Camilo através da leitura do Alcorão que eles encontraram disponível na sua Página... 

Com carinho e a apreciação do seu amigo,

XXXXX

 

 

2. Prezado irmão XXXXX

 

Antes de responder à sua mensagem, vamos em primeiro lugar examinar e tentar compreender as suas perguntas e os pressupostos de que parte:

Penso que as questões que me coloca são fruto duma posição evangélica fundamentalista que eu respeito, embora não seja a minha posição teológica, pois na minha página na internet há “espaço” para todas as opiniões (b), desde que expostas de maneira correcta, o que não é bem o caso desta sua mensagem, que considero de certa forma ofensiva para as outras religiões ao considerar os seus deuses como falsos. Considero esta afirmação perfeitamente desnecessária, pois certamente que o crente de qualquer religião, acredita na veracidade do seu deus ou deuses, bem como na literatura considerada como inspirada pela sua religião, e não nos deuses e literatura de outras religiões.

Gostaria que não houvesse mais referências pouco elogiosas aos deuses de outras religiões a não ser em casos bem justificados, pois ninguém é intocável, nem os deuses, mas terá de haver sempre uma boa justificação. Se, por exemplo, eles incentivam à violência e colocam em risco a nossa segurança, certamente que devem ser criticados. Não basta dizer que os outros deuses são falsos por não corresponderem ao que lhe ensinaram ou que os outros livros religiosos estão errados por não estarem em sintonia com a Bíblia. Essa lógica já funcionou na Igreja Católica, mas actualmente só subsiste em algumas igrejas evangélicas, mesquitas ou sinagogas fundamentalistas.

Decidi publicar esta sua mensagem, pois de certa forma o irmão se expressa em nome dos evangélicos fundamentalistas. Não que estes o tivessem escolhido para os representar, mas por expressar pensamento dum evangélico fundamentalista.

Se esta sua mensagem fosse lida numa igreja evangélica fundamentalista, como há tantas no Brasil, certamente que iria suscitar muitos “améns”, “aleluias” e os aplausos da assistência. Mas poderíamos estabelecer um paralelo de ideias e imaginar a transculturação destes pensamentos para uma mesquita fundamentalista, ou para uma sinagoga fundamentalista. Não iriam também os islâmicos da mesquita, ou os judeus da sinagoga aplaudir a divulgação da sua “verdade” em detrimento de todas as outras religiões?

Por quanto tempo ainda será possível manter esta atitude intransigente num mundo cada vez mais globalizado pelos meios de comunicação, que também para a teologia se tornou numa aldeia global? Será que as várias religiões poderão continuar, cada uma no seu gueto defendendo a “sua verdade” sem se isolarem do mundo real em que vivemos, correndo o risco de se auto-excluírem até ficarem reduzidas a um grupo em vias de extinção num mundo cada vez mais informado?

Mas, serão os meios de comunicação, nomeadamente a internet, o fim da Religião? Penso que não, mas será o enfraquecimento e o descrédito das religiões e ao mesmo tempo o crescimento do nosso conceito de Deus. Como digo no meu artigo Teologia e Internet (CC), estive no mês de Janeiro na Índia, país com grande experiência na tolerância religiosa, e vi em escolas primárias, que as crianças, depois de cantar o hino nacional do seu país, invocam a Deus, sem mencionar a que deus se referem, cada uma interpretando de acordo com as suas tradições. Penso que, de certa forma, as religiões vão perder a sua influência, mas o conceito de Deus vai crescer. Já poucos acreditam no deus que cabe no nosso templo ou na nossa teologia. Deus já não é o que está no templo ou no alto das nuvens, mas o que coexiste em todo o Universo, inclusive no espaço que ocupamos, que está bem perto, que nos vê, que nos compreende e que controla todas as mais pequeninas células do nosso organismo.

 

2.1 Irmão Camilo clama ser um seguidor de Jesus, e portanto “se diz ser um crente convicto dos factos registrados nos Evangelhos que narram o nascimento, a vida irrepreensível e santa; a morte na Cruz do Calvário e a ressurreição de Cristo”

Confirmo que sou um crente em Jesus o Cristo, mas não confirmo as conclusões que tira desta minha afirmação, pois não sou fundamentalista. Quero mais uma vez deixar bem claro que sou crente em Cristo, mas não sou evangélico nem fundamentalista e não gostaria de ser confundido com o que não sou. Estou mais próximo das igrejas do Protestantismo tradicional europeu, onde houver liberdade de reflexão e escolas bíblicas dominicais de adultos, tipo participativo com debate teológico, coisa que ainda nunca encontrei no Brasil, mas não sou membro de nenhuma igreja.

Ser crente em Cristo, não significa acreditar em tudo que dizem e/ou ensinam as igrejas sejam quais forem, nem que aceite cegamente os textos bíblicos, como inerrantes. Essas são afirmações que me atribui, mas não posso confirmar. Isso é somente o que as igrejas evangélicas fundamentalistas ensinam que o crente em Cristo deve “perguntar” e deve “pensar”. A inerrância bíblica é afirmação da teologia que não prescindo de questionar. Como digo no meu artigo A Bíblia é a Palavra de Deus? (CC) a inerrância bíblica é dogma católico que protestantes e evangélicos “herdaram” do Catolicismo Romano.

Quanto à vida irrepreensível e santa do Mestre, isso é questão de perspectiva. Para qualquer cristão isso é verdade, mas para um judeu, de acordo com Êxodo 31:14 Jesus deveria ser morto por ter curado doentes no sábado. Também em João 8:3/7 transgrediu a lei de Moisés em Levítico 20:10 e Deuteronómio 22:22 por não apedrejar a mulher adúltera até à morte e mais casos poderia citar em que Jesus se tornou imundo, de acordo com o judaísmo, por tocar em leprosos quando os curou etc. Aquilo que é louvável no cristianismo, pode ser altamente condenável noutras religiões. Santo no Velho Testamento significa separado ou consagrado. Até poderíamos dizer “confiscado para uso dos levitas”.

Repare nas condições a que tinha de obedecer um sacerdote para se aproximar do altar em Levítico 21:16/23 Não podia ter nenhum defeito físico, mas poderia ser um grande malandro. Estará isto de acordo com o ensino de Jesus sobre santidade? (c)

Penso que o prezado irmão, também não leva a sério tudo que a Bíblia ensina no Velho Testamento, pois não acredito que cumpra o que vem em Êxodo 22:20. Nesse caso, vivendo na Índia, seria um perigo para os seus vizinhos se levasse a sério este mandamento que está na Bíblia, pois suponho que como evangélico fundamentalista considera toda a Bíblia como a Palavra de Deus, inerrante, eterna e imutável do Génesis ao Apocalipse. Nem Israel dos nossos dias leva o Velho Testamento a sério pois já não é uma teocracia mas um país secular onde a sua Constituição é a Lei mais importante.

Muitas dessas leis, que são bíblicas, pois estão no Velho Testamento, seriam um escândalo para quem conhece a mensagem de Cristo. Em parte, até compreendo que antigamente a Igreja Católica não incentivasse a leitura da Bíblia onde nem tudo é bom, pois no Velho Testamento encontramos forte incentivo ao racismo, xenofobia, machismo, intransigência religiosa e falta de liberdade de expressão, inclusive falta de liberdade de religião, que só foi possível em Israel com a colonização romana. O Velho Testamento estabelece a pena de morte para os mais variados casos, com manifesto desprezo peça vida humana. Foi pena, no passado, o Catolicismo não ter divulgado o Novo Testamento, colocando com toda a razão, algumas reservas ao Velho Testamento.

Eu acredito que a maior parte dos factos narrados na Bíblia representa a interpretação do escritor bíblico que tem de ser ponderada no seu contexto histórico e cultural, pelo raciocínio do historiador e não do vulgar pastor evangélico. Dou um maior desenvolvimento a este assunto da interpretação da Bíblia no ponto 2. Bases de raciocínio, do meu artigo David ou Davi (CC)

Sim, também penso que Jesus morreu e a sua morte foi confirmada por Lucas que era médico, embora não por observação directa, e os guardas que o crucificaram eram certamente pessoas experientes. A sua ressurreição também foi confirmada por várias testemunhas e não me parece credível que o grupo de apóstolos que se tinha desfeito, fugindo cada um para seu lado se pudesse reconstituir se Jesus não ressuscitasse. Admito que seria possível especular sobre o que consideravam “morte” nesse contexto histórico: Deixar de respirar? Paragem cardíaca? Perda de actividade cerebral? Mas julgo que tal descrição não seria possível nesse contexto histórico nem podemos esperar por uma certidão de óbito passada pelo médico Dr. Lucas.  

Se as testemunhas da ressurreição fossem somente as três mulheres que nesse domingo foram ao sepulcro, Maria Madalena (que consideravam possuída por demónios), Maria mãe de Tiago e Salomé, testemunhas que não mereceram muita credibilidade dos próprios apóstolos, certamente que eu também não aceitaria a ressurreição de Cristo, mas houve várias pessoas que o reconheceram entre elas também Tomé, que considero a principal testemunha como digo no meu artigo Tomé (CC).

 

2.2 podemos afirmar que o Irmão Camilo sabe que qualquer outra alternativa de apontar para Salvação eterna do espírito do homem, é uma MENTIRA, UMA ILUSÃO, OU UMA FALSA DOUTRINA. ENTÃO... se o Irmão Camilo afirma que Jesus é a VERDADE, o Islamismo; o Hinduísmo e o Budismo são mentiras!

Esta afirmação é do prezado irmão e não é minha.

Bem sei quais as passagens bíblicas neotestamentárias em que baseia a sua convicção teológica. Mas lembro que, de acordo com uma boa hermenêutica, qualquer afirmação teológica só se pode considerar verdadeiramente neotestamentária quando conseguir resumir tudo quanto o Novo Testamento disser sobre o assunto. Não basta mencionar somente as passagens que mais convêm à nossa teologia, mas é necessário resumir tudo quanto o Novo Testamento disser sobre esse assunto.

Se o prezado irmão acredita em toda a mensagem de Cristo, lembro o que ele afirmou sobre a salvação e Julgamento Final em Mateus 7:15/23,  Mateus 25:31/46 e Lucas 13:23/30. Nestas passagens em Mateus, que considero das mais importantes sobre a salvação do ser humano, embora sejam sempre incómodas para certas convicções teológicas, Jesus não faz qualquer referência às convicções teológicas de cada um nem aos sacramentos ou ordenanças. Tudo isso é útil, mas de nada servirá se não houver obras de acordo com a vontade de meu Pai, que está nos céus, que Cristo possa aceitar. Os versículos 22 e 23 de Mateus 7, são bem claros. Muitos cristãos leigos, ou missionários, ou dirigentes religiosos que profetizaram, exorcizaram demónios, fizeram muitos milagres e tinham uma teologia impecável, serão rejeitados pelo Mestre. Se a salvação fosse somente pela nossa teologia, como seria a situação de Satanás que percebe mais de teologia do que todos nós?

Mas, nestas passagens, vejo também a possibilidade de muitos que não aceitaram Cristo como seu salvador por nunca lhes terem falado do Evangelho ou que rejeitaram um “evangelho” que lhes foi imposto pela força da espada ou de interesses económicos, ou um “evangelho” deturpado, pragmatizado, politizado, ao serviço dos grandes impérios, poderem ser aceites se tiverem a mentalidade do Mestre, pois Deus é soberano e não está limitado ou condicionado por qualquer teologia.

Relacionado com este assunto, também convido a ler o meu artigo Santidade ao Senhor - Bom Samaritano (CC).

De nada servirá decorar certos versículos para os transformar em “código de acesso” ou “password” que nos abra a porta dos Céus, como um “abre-te Sésano” da teologia. Isto sim, é que é uma falsa doutrina que Jesus desmascarou.

Quanto à definição que faz da Verdade ou Mentira. Acredito que só Deus é a Verdade e Jesus o Cristo é a mais perfeita revelação de Deus que conheço, portanto Jesus também é a Verdade, mas ao aceitar a afirmação de Jesus que é a Verdade, não é correcto concluir que tudo o resto seja mentira. O irmão não pode limitar o poder de Deus pelo seu raciocínio e/ou pela sua teologia, nem proibir que Ele se revele seja a quem for. Se, como Jesus afirmou em Mateus 7:20 é pelos frutos que podemos diferenciar os verdadeiros dos falsos profetas, tenho sérias dúvidas de que a Verdade possa estar em igrejas que exploram os mais pobres, que geralmente são os mais ingénuos, com a cobrança do dízimo. (d) 

Uma interpretação fundamentalista de qualquer religião, levará a considerar como falsos todos os outros deuses excepto os seus. Se os evangélicos fundamentalistas entendem que só eles estão certos, então que o demonstrem pelas suas obras. Penso que não há religiões 100% verdadeiras, pois só Deus é a Verdade. Bem sei que irei escandalizar a muitos se disser que todas as religiões são potencialmente perigosas, principalmente as monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo), pois falam em paz e amor, mas a história tem demonstrado o contrário.

 

2.3 Penso que o prezado irmão parte do princípio de que a Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas é uma página evangélica. Assim, deveria no seu entender, limitar-se à divulgação da teologia evangélica.

Como já afirmei, nem eu sou evangélico nem a minha página na internet está ligada a alguma igreja ou religião, mas é um “espaço” de livre reflexão teológica que não encontro nas igrejas e/ou religiões que conheço.

Aceito a crítica que já me têm feito, de que o seu título deveria ser “Estudos teológicos sem fronteiras”, mas mantive o mesmo título inicial, não só por já ser conhecido por muitos visitantes, como pelo facto da maior parte dos artigos serem escritos por cristãos (protestantes, católicos ou evangélicos) embora tenha também artigos de islâmicos, ateus, agnósticos, hindus e budistas, que tanto parecem incomodar o prezado irmão.

Bem sei que nas vulgares páginas sobre teologia na internet (evangélicas, católicas, islâmicas, protestantes etc.) não é habitual haver referências a outras religiões. Ou quando há referências a outras igrejas ou religiões, nomeadamente em Seminários e Escolas Bíblicas é sempre o dirigente religioso que “ensina” o que pensam as outras igrejas ou religiões, muitas vezes apresentando uma meia verdade ou informação tendenciosa. Num caso destes, como podem confirmar a veracidade desses “ensinos”? Que credibilidade podem ter esses “cursos sobre outras igrejas ou religiões” se os seus crentes (das outras igrejas ou religiões) não estiverem presentes? Qual o motivo de alguns entusiastas por esses cursos rejeitarem o método que utilizo de convidar crentes com posições teológicas divergentes a dizerem em que crêem?

Já houve casos de grupos de estudo bíblico católicos em Portugal, convidarem crentes de outras igrejas para dizerem em que crêem. Até já participei numa dessas reuniões, mas infelizmente estes casos são bem raros.

Será que não tenho o direito de utilizar a internet com uma página de reflexão teológica onde todos possam divulgar o que pensam, desde que utilizem linguagem correcta?!

Será que o prezado irmão tem receio de que as igrejas evangélicas fundamentalistas não consigam sobreviver se houver igual liberdade de expressão para todas as religiões?

 

 

3. Resposta às suas perguntas.

 

3.1 - QUAL SERIA, ENTÃO, O MOTIVO QUE JUSTIFICARIA A DIVULGAÇÃO DESSAS MENTIRAS NA SUA PÁGINA

Ao afirmar que a versão do Alcorão e do Bhagavad Guitá que tenho na minha página são mentiras, será que posso concluir que já leu esses livros?

Se já leu, por que é que os outros não os podem ler? Se não leu, será que rejeita esses livros milenares sem os conhecer, por lealdade à sua igreja e à sua preparação teológica?

Admitindo que o Alcorão e o Bhagavad Guitá sejam mentiras, será que o irmão defende o pensamento medieval que está na base do Tribunal da Santa Inquisição de que “só a verdade tem direitos, e como só nós temos a verdade….”

A Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas não é página evangélica, e eu sou um crente em Cristo, que tenta meditar na sua mensagem tal como o fazem muitos evangélicos, católicos, protestantes, ortodoxos, ou islâmicos, embora estes o considerem como Profeta.

A finalidade da minha página não é primariamente a evangelização, mas destina-se a ser um “espaço” de liberdade de pensamento e liberdade de expressão que compreendo não ser fácil nas várias religiões que defendem a sua teologia.

Geralmente a grande maioria das pessoas tornam-se evangélicas, ou islâmicas, ou católicas, ou judias, ou hindus etc. por terem nascido nessa religião e/ou por nunca terem conhecido outra diferente. Penso que são poucos, aqueles que meditam nas várias, ou pelo menos em algumas, religiões e tomam conscientemente a sua opção. Será que assim serão verdadeiros crentes das suas religiões se nunca conheceram outras igrejas e/ou religiões e sempre viveram em ambientes em que lhes foi negada toda e qualquer informação divergente da sua teologia?

Será que, com a sua mensagem sugere que eu também colabore com essa mentalização doutrinária baseada na falta de informação, caso não sejam até informações falsas ou deturpadas que circulam entre os evangélicos? (e)

O motivo de apresentar o Alcorão e o Bhagavad Guitá na minha página foi precisamente esse. Por ver que duma maneira geral as religiões (todas as que conheço) têm uma grande preocupação com a formação religiosa dos seus membros e ao mesmo tempo um grande receio da livre investigação teológica. São muito poucos os casos de liberdade de pensamento nas religiões.

Não é o Alcorão ou o Bhagavad Guitá que me escandalizam. O pior são certos livros do Velho Testamento que muitos cristãos consideram como Palavra de Deus, inspirada, eterna e imutável, onde é revelado o deus de Moisés que se comporta como qualquer deus da tribo ou da cidade de há mais de 4000 anos, que lutava a favor do seu povo, contra todos os outros povos, utilizando os meios mais bárbaros para os destruir, como o próprio Velho Testamento descreve em Josué 6 :17/24 ou Josué 8:23/30 e os crentes mais “espirituais” consideram como “grandes manifestações do poder de Deus”. Pergunto: Qual deus? O deus de Moisés, deus das tribos de Israel? Ou o Deus Pai de toda a humanidade que Jesus revelou?

Eu aceito, como normativa para os nossos dias, só a Revelação de Jesus Cristo, que se encontra no Novo Testamento. O Velho Testamento e o deus de Moisés, em que não acredito, tem certamente certo valor histórico, mas eu não aceito colocar, por exemplo, o Evangelho de João em pé de igualdade com os livros de Levítico, Deuteronómio ou Josué, pois isso seria colocar a Mensagem de Cristo em pé de igualdade com a mensagem dos antigos profetas e patriarcas do Velho Testamento. Esta situação seria semelhante à do hindu que aceita a Cristo para o colocar em pé de igualdade com muitos outros deuses.

 

3.2 levando em conta o facto de que possivelmente muita “gente ingênua” visita a sua Página, pelo simples facto de estar em busca da VERDADE.

Penso que, perante os visitantes da minha página, não seria muito delicado da minha parte se não reagisse à classificação de “gente ingênua” que dá a “muitos” dos visitantes da Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas Certamente que entre tantos visitantes, não posso garantir que alguns não sejam ingénuos. Mas duma maneira geral, penso que até pelo contrário, os que procuram esclarecimentos mais desenvolvidos por não se contentarem com os ensinos que ouvem nas igrejas serão os que têm maior cultura e capacidade intelectual.

Um dos motivos que me leva a não ser católico é não aceitar a infalibilidade do Papa. Assim, como poderei aceitar a … não direi infalibilidade, pois a teologia reformada não o permite, mas a “quase infalibilidade” do pastor evangélico para seguir passivamente os seus ensinos sem os questionar?!

 

3.3 Será que o pano-de-fundo dessa sua atitude não seria o desejo de ganhar a simpatia dos mouros por motivos que desconhecemos? Ou ainda... Será que é o desejo de ganhar mais Ibope nas estatísticas de visitações à sua Página?

Não entendi bem quem são os que classifica de “mouros”. Serão os islâmicos?! Os hindus?!

Certamente que não posso ignorar as estatísticas da minha página na internet, mas o principal é a busca da Verdade e não o número de visitantes. Dou muito mais importância à qualidade dos visitantes do que à sua quantidade.

Se seguisse a orientação evangélica fundamentalista na minha página, talvez tivesse muito mais visitantes, mas a minha página não tem qualquer finalidade comercial relacionada com o número de visitantes. Até a propaganda comercial que me podia dar algum dinheiro por cada “clique” nessas imagens de propaganda, retirei da minha página e mantenho o mesmo aspecto sem tentar meter som nem movimentos na sua apresentação, para chamar a atenção dos visitantes, pois não é esse o tipo de visitantes que me interessa.

Sobre este assunto, quero lembrar que não sou pastor nem ambiciono ser, para me preocupar demasiado com o número de visitantes da minha página. Nunca vivi da religião, mas pelo contrário sempre contribuí para as igrejas, pois tenho uma profissão honesta de Engenheiro de Construção Civil, embora já esteja aposentado. Geralmente os pastores é que se preocupam com o número de membros das suas igrejas, que aliás considero perfeitamente natural.

Certamente que gostaria de ganhar a simpatia de todos os que procuram meditar em teologia, mas essa não é a prioridade da minha página. A prioridade é ser um “espaço” de liberdade de pensamento e liberdade de expressão que não encontrei nas várias igrejas e religiões. Ao publicar este artigo, bem sei que muitos deixarão de visitar a minha página na internet, mas talvez venham outros. O importante é que continue a ser um “espaço” de livre reflexão teológica.

Será que pretende que acabe com essa liberdade para transformar minha página em mais uma página evangélica fundamentalista como há tantas no Brasil? A Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas é das poucas que tem colaboração de protestantes, de evangélicos fundamentalistas, de católicos, de islâmicos e tem alguns artigos de hindus, de budistas, agnósticos e ateus. Julgo que não haverá muitas páginas de reflexão teológica nestas condições.

Não sei como interpretar uma certa agressividade que vejo nesta sua referência àqueles a que chama de “mouros”. Será fruto do ambiente cultural da sua igreja?

Eu não necessito de ganhar a simpatia daqueles a que chama de “mouros”. Primeiro porque nasci em Moçambique e desde a escola primária que tenho bons amigos hindus e islâmicos e em segundo lugar porque sou português e a origem da língua e da cultura portuguesa que vem do latim e do grego, também ficou para sempre relacionada com a língua árabe e com culturas Orientais.

 

3.4 Que resposta o Irmão Camilo daria ao Senhor Jesus, se Ele questionasse hoje a sua responsabilidade de esta “enviando para o inferno” essas vidas, porque elas acreditaram na mentira do Islamismo que o Irmão insiste em divulgar na sua Página, defendendo o princípio de que se trata de “um espaço de reflexão aberto e sem fronteiras teológicas”?

É interessante a questão que me coloca. Penso que também alguns islâmicos fundamentalistas me poderiam colocar questão semelhante: Ao colocar uma versão do Alcorão na minha página, juntamente com o Bhagavad Guitá dos hindus e a Bíblia, não poderei contribuir para que islâmicos se tornem hindus ou hindus se tornem católicos?!

Eu defendo a liberdade de religião. Liberdade de cada um escolher a sua opção teológica incluindo o ateísmo e agnosticismo que são também opções teológicas. Não tenciono interferir, mas respeitar essa liberdade de todo o ser humano.

Mas eu não creio que alguém se possa tornar islâmico ou hindu, só por ler as traduções do Alcorão ou do Bhagavad Guitá que tenho nesta minha página. Peço desculpa por esta minha incredulidade. Mas certamente que os meus amigos islâmicos ou hindus gostarão de saber que acredita no poder dos seus livros religiosos.

Então, qual a solução que defende o prezado irmão? Será acabar com a liberdade de religião? Será o regresso ao obscurantismo medieval em que as autoridades impunham a igreja oficial? Seria essa a Igreja Evangélica? 

 

3.5 E assim..... com isso deixando ou entregando essas pobres vidas ao seu próprio “destino” com o “empurrãozinho dado pelo Irmão Camilo através da leitura do Alcorão que eles encontraram disponível na sua Página...  

Não aceito a expressão pobres vidas aos que meditam livremente em teologia, sem a tutela de dirigentes religiosos e escolhem conscientemente o seu destino seguindo a sua própria consciência.

“Pobres vidas” são as dos que nasceram em determinada religião (evangélica, islâmica, judaica, protestante, católica etc.) e seguem as suas tradições que nunca tiveram possibilidades de questionar, por falta de informação idónea e imparcial e falta de liberdade de expressão.

“Pobres vidas” são também as dos que confundem “conversão” com “suicídio intelectual”, passando e assumir uma cómoda posição heterónoma, obedecendo cegamente aos seus dirigentes religiosos.

Jesus anunciou a sua mensagem numa época em que Israel era província romana, e em que já havia várias religiões em Israel, e o primitivo cristianismo cresceu nesse ambiente em que havia certa liberdade de religião, até o Concílio de Niceia (325), quando passou a ser religião privilegiada, com protecção do Imperador Constantino e esse foi o fim do primitivo cristianismo. Poucos anos mais tarde, o Imperador acabou com a liberdade de religião, passou a perseguir as outras religiões e confiscou edifícios e fontes de rendimento de outras religiões para as entregar aos “cristãos”. 

Bem sei que no Brasil, muitos evangélicos ambicionam ter um Presidente evangélico. Penso que isso seria o fim da liberdade dos nossos irmãos brasileiros.

Quanto tenho de votar para cargos políticos, geralmente prefiro votar num candidato ateu ou agnóstico que me dá melhores garantias de vir a defender a liberdade e igualdade entre as religiões, pois não quero para o meu país a liberdade que há nas igrejas.

 

 

4. Conclusão

 

Quero agradecer ao prezado irmão pela sua mensagem que representa o pensamento de muitos evangélicos fundamentalistas.

Eu não sou fundamentalista mas, vou repetir, a minha página não se destina a divulgar só o que penso; tem lugar para todos, desde que utilizem linguagem aceitável.

Eu acredito no Deus supremo. Não me refiro ao Jeová de Moisés que se comporta como os outros primitivos e sanguinários deuses das tribos ou das cidades, que lutavam a favor do seu povo contra todos os outros povos, mas refiro-me ao Deus Pai que Jesus revelou, que não é protestante, nem judeu, nem católico, nem evangélico, nem islâmico, nem hindu nem de nenhuma religião, pois é o Pai supremo, muito acima de todas as religiões, perante quem teremos de comparecer no Julgamento Final.

Acredito em Jesus, o Cristo, como a mais perfeita revelação do Pai que conheço. Mas não posso afirmar que Deus não se tenha revelado a outros povos e culturas, noutras épocas, nem que não possa efectuar novas revelações no futuro, pois a teologia não pode limitar ou monopolizar o poder do Pai nem o seu direito de contactar com algum dos seus filhos sempre que o entender, pelos meios que entender, mesmo os que contrariem a nossa tradição e a nossa teologia.

Penso que divergimos no conceito do que é um verdadeiro Cristão.

Considero como verdadeiro Cristão aquele que segue a Cristo e tem somente o pensamento de Cristo como normativo para a sua vida. Não é possível seguir a Cristo e a Moisés.

Verdadeiro Cristão é aquele que conhece e respeita as outras religiões, mas segue a Cristo.

Verdadeiro cristão é o que contacta livremente com o Pai em oração, liberto de barreiras teológicas e/ou culturais Mateus 6:5/8. Nenhum verdadeiro filho pode tolerar que alguém lhe venha impor barreiras teológicas, ou “ensinar” quaisquer rituais, ou servir de intermediário para contactar com o seu próprio Pai.

Quem só conhece a sua religião, pode ser mais fanático, mais agressivo e até muito mais eficiente em divulgar a sua fé, mas não pertence verdadeiramente à sua própria religião.

 

 

Camilo – Marinha Grande

Março de 2012

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas

 

 

 

 

(a). Para entender o significado que dou à palavra “fundamentalismo”, aconselho a leitura dos artigos Fundamentalismos (MC) do Pastor Cardoso e o meu artigo Fundamentalismo (CC)

Ao colocar este título, quero dizer que, embora valorizando muito a liberdade religiosa, esta deverá ser acompanhada de igual liberdade religiosa de todos os cidadãos. Atualmente é inegável que temos liberdade religiosa em toda a Comunidade Europeia, mas não temos igual liberdade para todos, pois alguns países têm legislação especial para determinadas religiões, como é o caso de Portugal em que a Igreja Católica não se rege pela lei geral, mas pela Concordata que constitui privilégio do Catolicismo em relação às outras igrejas e religiões, bem como a Inglaterra que privilegia a Igreja Anglicana e a Grécia a Igreja Ortodoxa Grega.

 

(b) Esta página de internet destina-se a apoiar e incentivar a reflexão teológica. Não faço censura teológica, mas por vezes tenho de fazer algum “controle de qualidade” quando recebo mensagens ou artigos para publicação demasiado ingénuos, ou que nada têm de novo, ou simples traduções ou repetições do que os jovens ouviram nas igrejas que nada têm de reflexão pessoal.

 

(c) Sobre o assunto da santidade no Velho Testamento e santidade que Jesus ensinou, aconselho a leitura do meu artigo Santidade ao Senhor - Bom Samaritano (CC).

 

(d) A quem ainda tiver dúvidas sobre a validade do dízimo nos nossos dias, convido a ler os artigos sobre o dízimo que estão na Secção Temas polémicos desta página.

 

(e) Sobre este assunto, veja os meus artigos Sacrifícios Humanos na Índia dos nossos dias? (CC) ou Discriminação religiosa na Índia (CC)

 

 

 

Todos os comentários, enviados para eventual publicação, deverão ser encaminhados para --- indicando o título do artigo a que se referem.

Só serão publicados comentários de pessoas devidamente identificadas indicando a igreja ou religião a que pertencem, salvo se já forem colaboradores desta página na internet.

Os artigos desta página na internet poderão ser divulgados livremente, desde que o sejam na totalidade e mencionem a sua origem e o nome do autor. Mas sugerimos que coloque o título do artigo e uma ligação ao artigo na Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas Neste caso seria http://www.estudos-biblicos.net/funda-relig.html