Fundamentalismos
(MC)
(Deverá
“clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)
Num debate recente na RTP, falou-se do
fundamentalismo islâmico e o ex-Presidente da República Dr. Mário Soares interrompeu
o Dr. Pacheco Pereira, para interpor: “E não há fundamentalistas cristãos?!”
Tenho uma grande admiração pelo Dr.
Mário Soares, mas nesta questão do fundamentalismo islâmico e fundamentalismo
cristão, sendo eu um cristão não-fundamentalista, acho necessário sublinhar
diferenças importantes entre esses dois fundamentalismos. Não creio que o
terrorismo que está a destruir tantas vidas seja causado pelo verdadeiro
Islamismo, mas não é possível negar-se que é a área fundamentalista dessa
religião que o protagoniza. Comparar esse movimento violento com o
fundamentalismo cristão é uma simplificação injusta e perigosa.
O que caracteriza o fundamentalismo
religioso é a pretensão de tomar à letra as palavras do livro que a sua
religião considera de inspiração divina, no Judaísmo o Antigo Testamento; no
Cristianismo o Antigo e o Novo Testamento e no Islamismo o Alcorão.
O fundamentalismo cristão começa por ter
uma dificuldade importante: é que, para se poder dizer “cristão”, mesmo um
fundamentalista tem de fazer a leitura de toda a Bíblia tendo como referência
principal Jesus Cristo e o seu ensino, onde só a resistência pacífica tem
lugar.
Qualquer texto do Antigo Testamento que
encoraje comportamentos de vingança, de retaliação contra o próximo, encontra
uma correcção em Jesus Cristo que nem a astúcia pode evitar. Não ignoramos que
fundamentalistas cristãos têm feito piruetas hermenêuticas para justificarem
atitudes opostas ao ensino evangélico – mas as suas interpretações são tão
facilmente desmontáveis que não convencem. Sendo a Bíblia no seu todo uma
colectânea de 66 livros escritos por vários autores e através de vários
séculos, é inevitável que os seus leitores tropecem constantemente num
pluralismo que lhe é inerente, mesmo quando não o queiram reconhecer. E é por
isso que os fundamentalistas cristãos não possam ser de total inflexibilidade –
ou só serão radicais minorias que pouco peso podem ter
na sociedade.
Não creio, por isso, que se deva temer
especialmente o alegado fundamentalismo evangélico que rodeia o Presidente Bush
dos Estados Unidos. Quem tiver uma experiência do mundo evangélico e
protestante tem de reconhecer que os cristãos que auto-reclamam do
fundamentalismo são, na generalidade, pessoas cujo comportamento social não
perturba ninguém. Lembro-me nos anos 60 havia em Portugal uma liga
fundamentalista. O seu principal mentor era o professor João Oliveira Coelho,
da Figueira da Foz. Ora o Sr. Oliveira Coelho era um cidadão duro, às vezes
agreste, mas um homem honrado, um estudioso digno de respeito, e os
companheiros conhecidos da sua liga e do seu boletim eram também pessoas de
bem. Lembro-me de um dia, jovem pastor, usei a palavra “fundamentalista” num
tom crítico e ouvi de um leigo idoso e respeitável, Sr. Evaristo Nunes Correia,
fá falecido, este comentário: “Não há desdouro nenhum em ser fundamentalista.
Eu também o sou!”. No seu relacionamento na igreja e na sociedade nunca esse
cristão dedicado deixara de reflectir o carácter do Mestre, Jesus Cristo.
O problema do fundamentalismo
evangélico, penso, é uma certa ingenuidade que o leva, por vezes, a apoiar
causas que são mais complexas do que se crê. Mas é preciso sublinhar: o
Islamismo tem grandes correntes no seu seio que rejeitam o fundamentalismo e a
violência.
Figueira da Foz, Novembro de 2006.
Transcrição da Revista Novo Despertar, da Igreja Lusitana