Discriminação religiosa na Índia (CC)

(Párias cristãos)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

 

 

Em 2005/09/22 a página Uniaonet, do nosso irmão Yrorrito, publicou a seguinte mensagem que lhe enviei.

 

Reparei nesta notícia na tua página: “Cristãos na Índia realizaram uma semana de jejum e oração após a demora do governo em determinar os direitos iguais para os cristãos párias...” Entrei na página deles (www.folhagospel.com /www.portasabertas.org.br), mas não encontrei essa notícia. Gostaria de perguntar, em primeiro lugar, quais são os direitos desiguais ou discriminatórios para os cristãos “párias”, previstos na legislação indiana.

Claro que num país com população mais de cinco vezes a população brasileira, há de tudo e é muito fácil encontrar casos se discriminação, tanto na Índia como no Brasil ou em Portugal. Mas outra coisa diferente, são as leis discriminatórias. E que dizer da discriminação do africano na América?

Camilo _  Estamos repassando sua mensagem à Folha Gospel e a Portas Abertas _Yrorrito

 

Já estamos em Outubro e o irmão Yrorrito não recebeu nenhuma resposta dessas duas organizações, “Folha Gospel”, e “Portas Abertas”, o que nos leva a concluir que estamos perante informações pouco verdadeiras, ou deturpadas, que foram divulgadas por essas organizações, com a finalidade de denegrir o prestígio da Índia.

Sei que o ir. Yrorrito várias vezes contactou a Embaixada da Índia em Brasília, a fim de confirmar notícias semelhantes que publica na sua página, segundo ele próprio me informou, pedindo esclarecimentos, mas nunca lhe responderam, pelo que lamentamos a falta de resposta e aparente passividade duma organização que deveria defender o prestígio do seu país.

Não sou jurista, mas esta informação parece-me contradizer o artigo 15 da Constituição da Índia, que podemos ler no artigo “Alguns artigos da Constituição da Índia” que temos nesta nossa página.

O termo pária (ou “dalit” como dizem em inglês), não está previsto na Constituição da Índia, onde segundo o referido artigo 15 O Estado não poderá discriminar qualquer cidadão com base em religião, raça, casta, sexo, local de nascimento ou qualquer deles. Mas este artigo 15 tem algumas alíneas que permitem uma certa “discriminação positiva” para crianças, mulheres e classes mais desfavorecidas.

As castas nunca foram abolidas pela legislação indiana, simplesmente porque não estão previstas na Constituição. Só pode ser revogado o que estiver em vigor. No entanto, o Governo indiano não pode estar indiferente a uma cultura milenar que não se pode mudar com simples promulgação de novas leis, que certamente são o passo mais importante, mas não suficiente para mudar todas as mentalidades.

Podemos comparar com o que se passa na realidade brasileira. Antigamente havia os grandes senhores, donos de grandes extensões de terreno e os seus escravos que nada possuíam. Actualmente, já não há escravatura no Brasil, mas será que a simples proibição de escravatura, com a promulgação de novas leis, foi o suficiente para resolver a má distribuição da riqueza, nomeadamente das terras com aptidão agrícola e os graves problemas sociais do Brasil?

A divisão em castas é da teologia hindu, e como na Índia há liberdade de religião (a), não compete ao Governo indiano interferir em assuntos teológicos. Da mesma maneira, se os judeus indianos exercerem forte discriminação da mulher, em obediência ao Velho Testamento, ou os islâmicos em relação ao Alcorão, ou se os cristãos católicos ou evangélicos também discriminarem a mulher, por exemplo no acesso ao sacerdócio, o que está em contradição com o artigo 15 da Constituição indiana, isso também é considerado assunto de teologia em que o Governo indiano não interfere.

 

Mas, enquanto o nosso irmão Yrorrito, responsável pela página Uniaonet, tentava esclarecer a notícia que divulgou na sua página, nós tentamos obter informações por outros meios e vou transcrever o esclarecimento que recebi dum verdadeiro servo do Senhor e verdadeiro indiano.

 

Índia, 28/09/2005.

PÁRIAS CRISTÃOS (b)

 

Sobre a situação e controvérsia acerca dos párias (c) que se “converteram ao cristianismo”, tenho a comentar o seguinte:

Após rápida reflexão sobre apenas dois dos casos concretos que conheci “in loco”, cheguei à seguinte conclusão:

1) É preciso analisar cada caso isoladamente, levando em conta a realidade dos factos que envolvem cada um deles, para que seja possível entender melhor essa polémica de uma forma desapaixonada e imparcial.

2) Há, sim, uma espécie de “pressão”... “preconceito” e/ou “perseguição” ainda que camuflada com outros adjectivos, sobre esses indianos oriundos dessa casta - dos párias - que de alguma forma e, por diferentes razões, “abraçam a fé cristã”.

Analisemos, pois, esses dois casos que tive oportunidade de conhecer de perto, na tentativa de fundamentar nossa percepção nesse sentido.

 

1º Caso - Conheci há algum tempo atrás uma jovem cristã oriunda dessa casta dos párias. Ela chamava-se Sindhu. Após ser “confrontada” com as Boas Novas e “tocada” pelo amor de Cristo através do trabalho desenvolvido por alguns irmãos que pertenciam à Jocum aqui na Índia, Sindhu “se converteu” decidindo seguir a Jesus. Logo essa jovem se interessou por compartilhar os feitos de Deus em sua própria vida junto à comunidade onde morava. E o Senhor a estava usando para atrair outros para Si mesmo através de suas simples actividades visando esse objectivo.

No entanto, a influência da vida daquelas pessoas com quem ela passou a conviver após a sua conversão, não foi “saudável”, nem muito menos “positiva” pois carecia de sabedoria e desprendimento dos valores culturais daquela gente... que na sua maioria eram estrangeiros vindos da Holanda e dos EUA.

Sindhu agora passara a se incomodar quando algumas pessoas do seu convívio diário, continuavam a tratá-la como uma hindu. E sua tentativa de superar essa situação convergiu com a mudança oficial de seu nome original (de nascimento) para um outro nome ocidental....e assim oficialmente Sindhu passou a chamar-se Raquel.

Em pouco tempo ela também abandonou seus saris e punjabs, que são as vestimentas típicas e tradicionais em toda a Índia. Sindhu, ingenuamente submeteu-se a um processo de desculturação incentivada por esses evangelistas. Fez isso na tentativa de demonstrar “heroicamente” para todos que se aproximassem dela, que já não era mais uma indiana. Que “santa ilusão”! Pois essa sua decisão foi recebida pela comunidade indiana como uma agressão à sua própria cultura, ou ainda, uma imposição da fé e dos valores culturais da religião do Ocidente. Embora sendo indiana, acabou por aceitar outra cultura, comportando-se como estrangeira na sua própria terra.

E aqui percebo claramente que o “evangelho” que foi compartilhado a Sindhu, não foi o verdadeiro Evangelho de Jesus, cuja mensagem começa com o desafio aos missionários “se alguém me quer seguir, negue-se a si mesmo....Lucas 14:25/35 ... e mais... Considere-se crucificado juntamente com Cristo, segundo as palavras de Paulo em Gálatas 2:20.

Esses “pseudo cristãos” que lhe falaram acerca da mensagem de Cristo, parece que também não tinham decidido, de coração, se identificar com o povo indiano, assumindo, verdadeiramente, a postura daquilo que chamo de missionário integrado culturalmente, que na realidade é do que mais carecemos na Índia de nossos dias! Alguém cuja ambição maior e desejo é verdadeiramente seguir o exemplo do seu Mestre e Senhor descrito em Filipenses 2.

Essa “gente branca” que nos vem evangelizar, geralmente nunca quer perder a “pinta de estrangeiro ou de turista”.... que apresenta naturalmente através de sua pessoa. E o que é pior ainda... Muitos deles, “orgulhosamente” insistem em exibir ou destacar através de seu modo de vestir e de se comportar, que seus costumes e tradições devem sim prevalecer sob os nossos.... em nossa própria terra! Será esse o Evangelho a que Paulo se refere em 1ª Coríntios 9:19/23?

Assim... todos os indianos que abraçam a fé propagada por algumas dessas pessoas pertencentes a denominações mais legalistas e tradicionais, devem retirar seu bigodinho... bem como as mulheres devem abandonar o seu tradicional sari... ou pelo menos... devem vesti-lo da maneira que o pastor decidir... de preferência cobrindo rigorosamente toda a sua barriga.

 

Há na Constituição Indiana alguns artigos que defendem os direitos dessa casta, lhes conferindo alguns privilégios ou facilidades imerecidas.... Por exemplo: o Governo nacional garante para todo o pária desejoso de ascender na esfera intelectual, a reserva de sua vaga em qualquer Universidade em que ele deseja estudar, sem que tenha que competir em pé de igualdade com os outros estudantes, que também concorrem a uma vaga nessa mesma Universidade. Esse mesmo “privilégio” é observado nos cargos e funções junto aos departamentos do Governo, sendo que para isso o pária precisa usar de muita “boa influência”.... para que venha a assumir um bom e bem remunerado cargo em qualquer departamento do Governo.

É nesse momento do usufruto de ambos os privilégios - Universidade e cargo no Governo que o “pária cristão” se confronta com a realidade de que agora ele não é mais um “genuíno pária” hindu.... e muito provavelmente vai enfrentar a realidade de ser descartado..... tendo seu “privilégio negado” ou desfrutado por outro.... Isso porque, no caso da “nossa Raquel”, a partir do seu “novo nome” todos já percebem que ela é uma “pária cristã”. E nesse caso.... ela perde literalmente o privilégio que tinha assegurado pela lei antes da sua conversão.

 

Analisando agora o outro caso:

2º Caso - Conheci há alguns anos atrás um bom irmão que frequenta uma respeitável denominação evangélica aqui na Índia, a “Igreja dos Irmãos”. Esse amigo chama-se Dayanada. Ele vem do estado de Karnataka, de onde provêm muitos párias ou intocáveis que se deslocam para as grandes cidades em busca de oportunidade de emprego. Geralmente eles trabalham em sectores considerados aqui na Índia “menos dignos”.... que corresponde aos “trabalhos sujos ou pesados”... como construir as estradas... limpeza de banheiros etc.

O Irmão Dayanada não mudou seu nome após o encontro pessoal com o Salvador Jesus. E, com muita sabedoria e simplicidade procura demonstrar a sua fé em Cristo e seu genuíno desejo de segui-Lo em temor e obediência. Dayanada não teve oportunidade de prosseguir seus estudos, mas seu irmão mais jovem conseguiu concluir seu Curso de Medicina desfrutando desse privilégio assegurado aos párias hindus na Faculdade de Medicina. Um outro irmão do Dayanana é advogado e também conseguiu sua vaga desfrutando desse mesmo privilégio assegurado pelo Governo aos párias hindus. Em ambos os casos, no formulário de matrícula da Universidade eles tiveram que declarar sua religião bem como sua casta de origem. Se o pária é hindu ou budista ele tem sua vaga garantida... mas caso seja cristão, o governo não lhe assegura a vaga... mas claramente o descarta por considera-lo um “traidor de sua tradição” e cultura. Isso é um facto concreto aqui na Índia.

 

Estes são os casos que estão sendo discutidos no Parlamento. E penso eu que, os casos polémicos em discussão no momento, correspondem aos casos em que alguns “médicos párias” ou “párias advogados” NÃO foram honestos no preenchimento do formulário de matrícula omitindo sua conversão (ou religião) para garantir sua vaga, dando informações falsas.

Destaco: Posso estar enganado nesse sentido. Pois não tenho lido os jornais que têm trazido essa polémica à tona... Mas sinceramente, creio que esses... na realidade são os chamados “amigos de Deus e do adversário”. Para não dizer directamente do diabo! Eles nunca se converteram de forma sincera e genuína.

Pergunto: Será correcto, sábio e justo os cristãos sérios deste país se associarem nessa “briga” para assegurar os privilégios desse tipo de “párias cristãos”? Penso que não.

Continuo sendo amigo do Dayanada que sempre me vem visitar no Mercado. Pessoalmente gosto e aprecio seu jeito simples de ser um seguidor de Jesus mesmo sendo um autêntico pária. Pois no Reino dos Céus não há castas.... não há párias.... não há brâmanes,... chatrias,... ou intocáveis... mas somente pecadores que foram salvos pela Graça!

Um abraço,

 

(a) Tenho informação sobre alguns casos de intransigência religiosa como aliás acontece um pouco em quase todos os países. A Índia não deixa entrar missionários, mas estes continuam a entrar como turistas. Aliás, também em Portugal a maior parte dos missionários brasileiros entra mentindo às nossas autoridades, com visto de turista.

(b) Este esclarecimento, foi enviado por um verdadeiro servo do Senhor, que não vou tratar por Pastor, pois é pessoa séria (embora ainda haja Pastores sérios), mas se o tratar por Sadú cristão, estarei mais próximo da realidade. Certamente que sabem que o Sadú é o homem santo do hinduísmo. Como acontece com muitas verdadeiras igrejas evangélicas indianas, não estão interessados em contactar com os que no Ocidente se consideram como “evangélicos” e eu respeito e compreendo essa atitude.

(c) No inglês da Índia, costumam utilizar a palavra “dalit” que corresponde à palavra pária na nossa língua. Devido ao fraco nível cultural de muitos evangélicos, e à grande permeabilidade à língua inglesa que se nota nas igrejas evangélicas brasileiras, já se está generalizando a utilização da palavra “dalit” ou “dalite”, nessas igrejas, e como vimos, também nas mensagens divulgadas pela Uniaonet. Mas, na “Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas”, procuraremos falar um português correcto, dentro das nossas possibilidades.  

 

 

Como podemos concluir, o problema dos párias cristãos, é não poderem beneficiar dessa “discriminação positiva” concedida exclusivamente aos párias hindus. Os párias cristãos são tratados em pé de igualdade em relação a todos os indianos de outras castas, não podendo beneficiar desse privilégio.

Pessoalmente penso que todo o cidadão deve lutar por direitos iguais para todos, e ter a honestidade de rejeitar privilégios. Mas eu vivo em Portugal, na Comunidade Europeia, embora descendente de indianos e de chineses, culturalmente sou português e não quero ingenuamente pensar que, o que é válido em Portugal, possa funcionar noutras culturas bem diferentes. O importante é tentar compreender a realidade indiana, pois as soluções, eles já as encontraram. 

As castas não existem legalmente na Índia dos nossos dias. Mas uma tradição milenar, não desaparece duma geração para outra, continua na cultura e no pensamento do povo indiano. Certo dia em Bombaim, perguntei a uma Senhora de certo nível cultural, se ainda havia castas na Índia e o que pensava disso. A resposta foi a habitual. “Isso é coisa do passado, já há muitos anos que passou à história”. Mas a sua filha acrescentou: “Tens o jornal aí em cima dessa mesa. Abre na página em que os jovens escrevem para fins matrimoniais. Vais ver que todos indicam a sua casta. Se não for assim, ninguém responde.”

Penso que o meu falecido tio, goês de grande cultura, que foi Juiz em Diu no tempo do Governo português, tinha razão quando um dia lhe perguntei se havia racismo na Índia. Ele respondeu-me: “Racismo não. Mas continua a haver castismo.”

Realmente são coisas diferentes. O racismo geralmente tem base legal e uma raça não se pode aproximar de outra, como acontecia antigamente na África do Sul e na própria Índia quando era dominada pela Inglaterra. Na Índia dos nossos dias, as castas não têm base legal, e até o Governo indiano procura ajudar os párias, mas não pode mandar em casa de cada um. Todo o indiano é livre para dizer que em sua casa, os únicos párias que lá podem entrar, são os seus criados, e cada um é senhor da sua casa.

O problema das castas não é problema de legislação, pois essa está correcta. Trata-se de mudar o pensamento do povo, e a Igreja teria um importante papel a desempenhar se houvesse verdadeiros missionários. Mas pelo que já vimos, grande parte dos missionários não são a solução, mas fazem parte do problema devido à falta de integração cultural, apresentando um “evangelho” ocidentalizado, comercializado e americanizado, que nada diz ao povo indiano e por vezes constitui uma autêntica “agressão cultural”, que o povo indiano, com uma cultura milenar, não recebe tão passivamente como o povo brasileiro.

Não podemos esquecer de que Cristo não era europeu nem americano, pois Ele nasceu e viveu na Ásia Menor, assim como poderia ter nascido em qualquer país e em qualquer cultura. Certamente que o povo indiano está mais próximo geograficamente do local onde Cristo viveu, do que o americano ou brasileiro, assim como culturalmente estará mais apto a compreender a mensagem original de Jesus, que até me parece mais próxima do Bhagavad Guitá do que do Velho Testamento.

 

Camilo – Marinha Grande, Outubro de 2005.

 

 

 

Em 2005/10/06 a Uniaonet, divulgou a seguinte notícia, que lhe foi enviada pela página “VENHA O TEU REINO – REDE DE INTERCESSÃO” segundo nos informa o nosso irmão Yrorrito.

Talvez estes irmãos que não conheço, se tenham limitado a dar seguimento a notícias que receberam, sem estarem devidamente esclarecidos sobre a realidade da Índia.

 

A campanha em favor dos cristãos dalits - os intocáveis, a mais baixa casta hindu - obteve duas vitórias importantes em afirmação dos seus direitos de igualdade com os dalits hindus, siks ou budistas. Tanto o Tribunal do Povo de Mudarai, em junho, como também a Suprema Corte da Índia, no dia seguinte, reviram actos e leis que excluíam os cristãos dalits de acções políticas afirmativas como cotas de empregos em serviços públicos e outras destinadas a reverter a imensa desigualdade a que são submetidas as pessoas desta casta. Ore para que as bases legais e culturais deste injusto regime de castas sejam revistas na Índia. Louve a Deus por esta vitória e peça que sirva de exemplo e inspiração por uma luta pacífica nos tribunais da Índia.

Peça ao Senhor que envie ventos de avivamento e conversões genuínas sobre os pobres e oprimidos dalits. . .

 

Desta vez, não vou fazer mais comentários. Julgo que os leitores da “Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas”, já estarão em condições de separar a verdade da mentira, nestas notícias divulgadas pelas páginas evangélicas na internet.

 

Camilo – Marinha Grande, Outubro de 2005.

 

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas