DECÁLOGO - Dez Mandamentos (CC)

Inspiração divina, pirataria teológica, síntese teológica...?

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

 

1. Introdução

 

Isto não é uma pregação, mas uma investigação teológica. A nossa preocupação não é a evangelização, muito menos a “edificação” seja de quem for, mas simplesmente a procura da Verdade, sejam quais forem as consequências, mesmo que para tal seja necessário ultrapassar as nossas próprias convicções teológicas.

Vamos tentar meditar livremente sobre o Decálogo, com a mentalidade que menciono no meu artigo Direito à heresia (CC) apresentando alguns pensamentos sobre o Decálogo para que os visitantes da minha página possam livremente e sem a tutela de algum “profissional de religião”, tomar a opção que entendam ser a mais verdadeira, ou apresentar outras ideias possíveis sobre o Decálogo.

Algumas das afirmações deste artigo serão certamente um escândalo não só para judeus, como também para muitos cristãos e islâmicos que aceitam a inspiração do Velho Testamento.

Se não quer ser questionado nas suas convicções, o conselho que lhe dou é que desista já da leitura deste artigo e que não entre na minha página, a Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas, em especial que não leia os artigos da secção dos Temas polémicos ou os estudos sobre David ou Davi (CC)  ou Pôncio Pilatos (CC), que poderão afectar as suas convicções teológicas.

 

 

2. Decálogo de Moisés

 

O Decálogo, segundo a tradição judaica, aceite também por muitos cristãos e islâmicos, foi escrito pessoalmente pelo Deus de Moisés em “tábuas” de pedra que lhe foram entregues.

A descrição bíblica é um pouco confusa. Moisés já conhecia bem o monte Sinai, pois enquanto pastoreava os rebanhos do seu sogro deve ter subido várias vezes a esse monte e certamente que nem todas ficaram registadas. Mas vejamos quantas vezes ele subiu ao monte Sinai, depois de libertar o seu povo, enquanto este o esperava na base da montanha.

Pela primeira vez em Êxodo 19:3 que afirma “subiu Moisés…”.

Pala segunda vez em Êxodo 19:9. O próprio versículo não diz que Moisés subiu ao monte, mas no versículo seguinte (vr.10) Deus disse: “Vai ao povo…”.

Pela terceira vez, Moisés subiu ao monte, como vemos em Êxodo 19:20 que afirma “… Moisés subiu.

À quarta vez levou consigo a Arão desde Êxodo 19:24 até Êxodo 20:1/17, quando o Deus de Moisés transmitiu-lhe verbalmente o Decálogo que Moisés registou no “livro” do pacto que é mencionado em Êxodo 24:7.

Em Êxodo 24:1 Deus chama Moisés pela quinta vez, dizendo que deveria ir acompanhado de Arão, Nadabe, Abiú e setenta anciãos que não se poderiam aproximar de Deus e teriam de o adorar ao longe.

Vemos em Êxodo 24:12 que Deus pela sexta vez chama a Moisés para receber as tábuas de pedra com a Lei gravada por Deus. Mas, parece que Moisés já sabia que dessa vez iria demorar mais tempo, pois entrega o poder de governar Israel a Arão e Hur Êxodo 24:14 e subiu ao monte com Josué Êxodo 24:13. Dessa vez, Moisés demorou 40 dias, como vemos em Êxodo 24:18.

Nos capítulos seguintes, Êxodo 25, Êxodo 26, Êxodo 27, Êxodo 28, Êxodo 29 e Êxodo 30 há uma muito pormenorizada descrição do Tabernáculo bem como das vestes dos sacerdotes.

Em Êxodo 31:18 vemos que finalmente Deus entrega as duas tábuas de pedra. Como vem na tradução da TEB Em seguida, tendo acabado de falar com Moisés sobre o monte Sinai, deu-lhe as duas tábuas do Documento, tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus.

Em Êxodo 32:30 Moisés sobe ao monte Sinai pela sétima vez.

Depois destes acontecimentos, em Êxodo 34:1, Deus manda Moisés subir novamente ao Sinai e preparar outras duas tábuas de pedra como as primeiras para o próprio Deus reescrever os Dez Mandamentos. Em Êxodo 34:28 ficamos em dúvida se foi Moisés que escreveu ou se foi o seu Deus. Mesmo examinando o contexto deste versículo, vemos no vr. 27, que Deus manda Moisés escrever. Mas escrever o quê? Tudo aquilo que Deus lhe dissera anteriormente, ou somente o Decálogo? 

 

Esta descrição suscita-nos algumas perguntas:

Para que foram necessárias tantas subidas e certamente outras tantas descidas do monte Sinai? O texto não é bem claro, mas supomos que dessa vez, enquanto o povo esperava em baixo, Moisés subiu e desceu sete vezes ao Monte Sinai, que tinha 2240 metros de altitude, (a) admitindo que a sua localização pela tradição esteja correcta. Mas, claro que Moisés não subiu desde o nível do mar. Examinando as proximidades do Monte Sinai que fica numa região alta, admitindo que o povo ficou a uma altitude de cerca de 1000 ou 1200 metros, mesmo assim, Moisés que já tinha 80 anos de idade, teria de trepar pelo menos 1040 metros de rocha para atingir o topo da montanha.

 

Como vemos em Êxodo 19:14, eles lavaram as suas roupas. Portanto, estavam num local onde certamente havia água em quantidade para lavar a roupa de toda a população. Não há estatísticas que nos permitam saber ao certo quantos eram, mas podemos efectuar uma estimativa. Joaquim Jeremias, no seu livro “Jerusalém no tempo de Jesus” dá a estimativa de vinte mil sacerdotes e levitas, que com suas mulheres e filhos corresponderiam a 50 ou 60 mil pessoas, e sugere uma população de um milhão de judeus em toda a Palestina. Mas Joaquim Jeremias refere-se ao tempo de Jesus.

Mesmo admitindo que na época de Moisés fosse só meio milhão de pessoas, para lavar a roupa de todos, teriam de estar perto de algum rio, que é difícil de encontrar nessa zona desértica. Penso que tal só seria possível se estivessem perto de alguma alta montanha com neve, na época em que esta derrete e escorre pela encosta com água abundante e límpida.   

 

Êxodo 24:9/11 afirma que viram a Deus, afirmação que me parece uma contradição com o evangelho de João 1:18 e a epístola 1ª João 4:12.

Eles não descrevem como era o seu deus, mas falam somente nos pés de deus assentes num pavimento. Parece que não se tratava de linguagem simbólica, mas pelo menos sugerem um deus em forma humana e afirmam que comeram e beberam. São afirmações bem materiais para podermos admitir que se trata de linguagem simbólica.

Se Arão, Nadabe, Abiú, e os setenta dos anciãos de Israel tivessem visto a Deus, em vez do Bezerro de Ouro, não teriam tentado fazer alguma estátua parecida com o deus que viram?   

A imagem dum deus em cima dum imponente estrado ou sentado num alto trono, era vulgar com quase todas as religiões dessa época, nomeadamente no Egipto onde ainda hoje se podem ver os antigos deuses em lugares imponentes dos seus templos. Também o facto de comerem e beberem perante o seu deus, era acontecimento natural não só no Tabernáculo e posteriormente Templo de Jerusalém Levítico 7:11/19, como também nos templos dos vários deuses dessa época e até na época de Paulo, que se refere ao assunto em 1ª Coríntios 8:4/8.

 

 

3. A origem do Decálogo

 

Claro que em primeiro lugar coloco a explicação aceite pela maioria dos leitores. Foi o Deus de Moisés que pessoalmente escreveu os dez mandamentos em placas de pedra.

Mas haverá outras interpretações? Penso que há perguntas que ficarão para sempre sem uma resposta definitiva.

Segundo a maioria dos historiadores, Moisés esteve no Monte Sinai pouco antes do ano 1200 AC, durante a 19ª Dinastia do Egipto. Nessa época, as principais civilizações, dessa zona do planeta, já tinham a escrita, nomeadamente os hieróglifos do Egipto, geralmente esculpidos em pedra ou pintados em folhas de papiro, planta que crescia abundantemente no rio Nilo, e a escrita cuneiforme da Mesopotâmia, terra de Abraão, escrita efectuada com um estilete em barro fresco que posteriormente era seco ao sol ou cozido ao fogo, que eram as principais formas de escrita dessa época. Por que motivo, o Deus de Moisés terá optado pelo sistema egípcio e não o mais tradicional aos judeus? Pode ser por no local não encontrar argila nem folhas de papiro, mas ter muita pedra à sua disposição. Mas por que o Deus de Moisés escolheu o cimo do monte para se manifestar?

Se, segundo vemos em Êxodo 24:12 que na tradução da TEB está: O Senhor disse a Moisés: Sobe a mim na montanha e permanece lá, para que te dê as tábuas de pedra: a Lei e o mandamento que escrevi para que possas ensiná-los. Será que foi o Deus de Moisés que preparou as pedras e depois escreveu? Não sabemos que tipo de ferramentas o Deus de Moisés utilizou para escrever, mas dessa vez Moisés ficou 40 dias no monte, como vemos em Êxodo 24:18. Será que Deus necessitou de 40 dias para preparar o Decálogo em pedra? Ou foi Moisés que necessitou desse tempo? Vemos em Êxodo 24:14 que Moisés, mesmo antes dessa subida ao monte, nomeou Arão e Hur para o substituírem. Então, parece que já sabia que dessa vez iria demorar muito tempo!

Os judeus não tinham tradição de escrever em pedra. Essa era tipicamente uma tradição egípcia. Só encontrei na Bíblia duas outras ocasiões em que escreveram em pedra: Em Êxodo 34.28 quando Moisés faz a “segunda via” do Decálogo para substituir as tábuas que quebrara, e em Josué 8:32 . Há mais versículos sobre o assunto, nomeadamente em Deuteronómio, mas referem-se à descrição destes mesmos acontecimentos.

A escrita tradicional da Babilónia, onde estão as origens de Israel, pois foi o país de onde saiu Abraão, era a escrita cuneiforme, que influenciou também a religião judaica, nomeadamente nos seus salmos. (b) Todas as religiões sofreram influência de outras mais antigas. 

 

 

4. Bezerro de ouro

 

O caso do “Bezerro de Ouro” está intimamente relacionado com o Decálogo.

Mas, para evitar que este artigo se torne demasiado grande e cansativo, resolvi abordar o tema do “Bezerro de Ouro” noutro artigo em separado, que convido a ler, “clicando” em Aarão ou Arão e o Bezerro de ouro (CC)

 

 

 

5. O texto do Decálogo

 

Tentando raciocinar num contexto de história, não podemos deixar de questionar o seguinte:

 

5.1 Quais as testemunhas desta descrição, da entrega dos Dez Mandamentos, cuja autoria a tradição atribui a Moisés?

Parece não haver testemunhas, pois Moisés sempre foi sozinho. O povo israelita não subiu ao monte e mesmo quando Arão, Nadabe, Abiú e os setenta anciãos subiram ao monte, não puderam aproximar-se do deus de Moisés. Então, que foram lá fazer? Se adorassem a Deus no acampamento na base da montanha, o deus de Moisés não os conseguiria ouvir?

Em Êxodo 24:13 vemos que Josué subiu ao monte com Moisés, mas os versículos seguintes só falam em Moisés, dando a entender que este também não se terá aproximado do deus de Moisés.

Ficamos assim sem qualquer testemunha que possa confirmar a descrição de Moisés da entrega do Decálogo.

Mas há outro pormenor mais importante. Como explicar esta atitude do deus de Moisés que rejeita a proximidade do ser humano, até dos seus próprios sacerdotes, em contradição com o Deus Pai que Jesus revelou que procura todo o ser humano sem distinção de pessoas?

Era o deus de Moisés que não queria que algum ser humano se aproximasse, ou era Moisés que tinha alguma coisa a esconder?

 

5.2 Temos todo o aparato desta descrição, das espectaculares manifestações de poder que antecederam a entrega do Decálogo, como aliás era habitual na mitologia das religiões dessa época. Mas, será que o seu texto é alguma coisa de novo, de importante para toda a humanidade, alguma coisa que ninguém ouvira até essa data e que iria mudar a história de toda a humanidade, como afirmam as igrejas?

Vejamos quais seriam os textos de outras religiões mais antigas, nomeadamente religiões que fossem do conhecimento de Moisés.

Temos em primeiro lugar o “Livro dos mortos do Velho Egipto” que Moisés certamente conhecia, pois foi educado no Egipto. Capítulo 125 do “Livro dos mortos

Em segundo lugar, como homem culto dessa época, Moisés devia conhecer as “Tábuas de conjurar assírio-babilónicas”, não só pela cultura geral adquirida no Egipto, como pela tradição oral dos descendentes de Abraão que saiu da Babilónia.

Comparando o Decálogo com esses dois antigos documentos, não podemos deixar de suspeitar de que haja partes do Decálogo que foram “pirateadas” desses antigos documentos, ou são simplificações ou partes de alguns mandamentos destes antigos “decálogos”.

Cito, por exemplo o mandamento do Decálogo (vr.13)Não cometerás homicídio” como está na TEB ou “Não mates” na BPT que no Livro dos Mortos está “Não fiz chorar ninguém. Não matei. Não mandei matar” e nas Tábuas e Conjurar está “Derramou o sangue de seu próximo?” Se o Decálogo de Moisés é para levar a sério, como justificar as três mil vítimas que vemos em Êxodo 32:25/29, por decisão de Moisés, em nome do seu deus?

Quanto ao roubo, enquanto Moisés se limita a dizer (vr.15) “Não roubes” como está na BPT e na Jerusalém está “Não roubarás”, ou na TEB não raptarás”, como está nalgumas das antigas cópias dos manuscritos, sendo o rapto uma forma de roubar a liberdade se raptar um homem livre ou no caso dum escravo, roubar ao seu dono, o Livro dos Mortos diz: “Não roubei. Não fui ganancioso, Não furtei” fazendo a distinção entre o furto e o roubo com violência.

 

 

Velho Egipto

Capítulo 125 do “Livro dos mortos

Alguns artigos do Decálogo de Moisés

Êxodo 20:12/17 - Tradução da Bíblia de Jerusalém

Tábuas de conjurar assiro-babilónicas

“Série Shurpu

 

Não cometi injustiça contra os homens

 

12- Honrar teu pai e tua mãe; para que se prolonguem os teus dias na terra que Iahweh teu Deus te deu

Seja desatado, grandes deu­ses... aquilo pelo qual NN es­tá doente, angustiado, triste, preo­cupado!

 

Não matei os bois destinados ao sacrifício...

 

13 – Não matarás

 

Comeu ele aquilo que o seu deus abomina, aquilo que a sua deusa abomina...?

 

Não fiz o que o deus abomina

14 – Não cometerás adultério

Desprezou ele pai e mãe, e teve em pouca consideração a irmã mais velha? Deu ele no pequeno e esqueceu do grande?

Não acusei falsamente nenhum servo diante de seu chefe

 

15 – Não roubarás

Disse ele “não é” em lugar de “é”?

Disse ele “é” em lugar de “não é”?

Não deixei a ninguém passar fome

 

16 – Não apresentarás um falso testemunho contra o teu próximo.

Disse coisa impura, coisa irreflectida?

 

Não fiz chorar ninguém

 

17 – Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a sua mulher, nem o seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença a seu próximo.

Proferiu calúnias?

 

Não matei

 

Usou balanças falsas?

 

Não mandei matar

 

 

Invadiu a casa de seu pró­ximo?

 

Não agi mal contra ninguém

 

 

Aproximou-se demais da mu­lher de seu próximo?

Não diminuí as ofertas de ali­mentos nos templos

 

 

Derramou o sangue de seu próximo?

Não cometi adultério...

 

 

Deixou ir um homem em sua nudez?

Não aumentei nem diminuí a medida do trigo

 

 

Tirou o vestido de seu pró­ximo?

Não diminuí a medida do campo

 

 

Tirou à família de um homem honesto?

Não enganei na medida do campo...

 

 

Dividiu uma família bem unida?

Não roubei

 

 

Levantou-se contra o que pre­sidia?

Não fui ganancioso

 

 

Sua boca era justa, mas o seu coração não era correcto?

Não furtei

 

 

Sua boca era sim e seu cora­ção não?..."

Não matei homens...

 

 

 

Não falei mentiras

 

 

Contentei o deus com aquilo que ele ama

 

 

Dei pão aos famintos, água aos sedentos, vestidos aos nus e con­dução para os que não tinham barco.

 

 

 

 

Noto que enquanto o Decálogo dá ideia duma certa passividade, pois é possível ser um bom crente do judaísmo quem se limitar a não fazer o mal, mas deixar que outros morram à fome sem lhes dar qualquer ajuda, o Livro dos Mortos do Velho Egipto mostra muito mais vitalidade ao afirmar: “Contentei o deus com aquilo que ele ama” e “Dei pão aos famintos, água aos sedentos, vestidos aos nus e condução para os que não tinham barco.”

É bem possível, que estes mandamentos para dar pão e água aos necessitados, tenha salvo os judeus quando foram ao Egipto para não morrerem à fome. Não só no caso de Abraão quando este enganou o Faraó dizendo que Sara era sua irmã como vemos em Génesis 12:10/20, como no caso de Jacob e José do Egipto em Génesis 47:1/6 quando o Faraó os colocou em Gósen, nas terras mais férteis no delta do Nilo onde foram bem tratados pelo Faraó dessa época. 

Seria necessário passar mais de mil anos, para que João Batista apresentasse pensamentos semelhantes em Mateus 3:7/9, Lucas 3:7/8. Para ser, discípulo de João Batista, não basta a ausência do mal. Depois disso, só Cristo poderia ultrapassar com o Sermão do Monte.

 

 

6. Como interpretar o Decálogo?

 

Temos várias possíveis interpretações para o Decálogo de Moisés.

 

6.1 Em primeiro lugar, com a mentalidade de quem já antecipadamente está resolvido a acreditar em tudo, como diria o velho Tertuliano, teólogo e apologista cristão (160/220 dC) “Credo quia absurdum”, bastará a leitura dos textos bíblicos, por mais absurdos que sejam, pois é o livro inspirado que o afirma. Neste caso, que julgo ser a posição de muitos dos visitantes da Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas, não haverá mais nada a acrescentar.

É certamente uma posição que respeito, pois na minha página há liberdade de pensamento e liberdade de expressão. Mas este grupo, dos que aceitam simplesmente por estar na Bíblia, pode-se dividir em dois: Aqueles que não querem ler mais nenhuma outra explicação e outros que, embora em princípio aceitem a veracidade da descrição só por ser bíblica, não prescindem de conhecer outras explicações.

 

6.2 Poderíamos considerar que o Deus Supremo, que está muito acima de qualquer religião, terá inspirado tantos egípcios, como babilónicos como a Moisés e possivelmente a outros povos, pois não podemos limitar o seu poder e o seu direito de contactar com quem entender, quando e como entender, pelos meios que entender, mesmo que isso seja inconveniente para a nossa teologia.

Assim, o Deus supremo teria contactado e inspirado a cada povo no seu contexto cultural, o que viria explicar as semelhanças entre os vários “decálogos”, mas também a tendência dos vários dirigentes religiosos tentarem monopolizar toda a revelação de Deus em favor da sua religião.

Um bom exemplo dessa tendência foi a destruição do Templo de Gerizim na Samaria, que se destinava a servir o mesmo Deus. Os judeus destruíram Gerizim por motivos económicos, pois embora detestassem os samaritanos, não queriam perder as contribuições destes.

Em João 4:21/24 Jesus demarca-se dos dois templos, de Jerusalém e de Gerizim, pois os verdadeiros adoradores devem adorar em Espírito e em Verdade. O Deus Pai, de toda a humanidade, não se identifica com nenhum povo, nenhum local, nenhuma cultura, nenhuma língua, pois todos pecaram e só Ele é o Deus Pai de toda a humanidade.

 

6.3 O ser humano vive em sociedade, mas tal só é viável de acordo com certas leis, como o respeito pela vida e segurança do próximo, respeito pela propriedade privada etc. São leis comuns a todas as sociedades, pois sem elas não é possível a vida em sociedade. Assim, as semelhanças entre todos esses “decálogos” seria uma consequência dos problemas comuns a todas as sociedades organizadas.

 

6.4 Outra interpretação possível é considerar Moisés como um homem bem-intencionado, que conseguiu libertar o seu povo. Mas que ao dar a esse povo de “escravos” recém-libertados, inconstantes, violentos, habituados a viver sob o chicote dos capatazes, a liberdade para que não estavam preparados, teve de encenar a entrega do decálogo com cenas de terror, sem permitir a aproximação do povo.

Bem sei que para muitos crentes, esta hipótese de que Moisés copiou ou “pirateou” o Decálogo de outras religiões mais antigas e mais avançadas, afecta o prestígio de Moisés e a sua idoneidade como homem. Mas, temos de ser realistas, pois ele não teve outra alternativa.

 

 

7. Conclusão

 

Prefiro não concluir, pois para tal, teria de tomar uma opção e não sei qual a opção certa, nem se esta estará entre as que apresento.

Mas, deixo o assunto em aberto, convidando os leitores desta página a colaborar, enviando as suas opiniões para eventual publicação em resposta à questão: Qual a verdadeira origem do Decálogo?, desde que tenham outras ideias próprias e não seja simplesmente o que aprenderam nas igrejas ou nos seminários de teologia.

Caso não seja já colaborador desta página, deverá enviar também a sua identificação (nome, morada, data e local de nascimento, profissão, religião e cargo que desempenha na sua religião, bem como outras informações que nos queira enviar).

Esperamos que indique e justifique a sua opinião sobre o Decálogo de Moisés, evitando comentários às outras opiniões que não sejam aceitáveis.

Como diz o Pastor Osni de Figueiredo de São Paulo no seu comentário ao meu artigo Direito à Heresia (CC) o filósofo iluminista Voltaire cunhou a célebre máxima “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-las.

Eu não digo tanto. Não sei se teria coragem de defender a liberdade de expressão até à morte. Mas uma coisa farei, que é defender a liberdade de expressão nesta página de teologia que não está comprometida com nenhuma igreja ou religião e onde todos podem colaborar desde que utilizem linguagem séria e sem a agressividade. É verdade, que por vezes, me vejo obrigado a fazer um certo “controle de qualidade”, quando recebo artigos para eventual colaboração. Geralmente são artigos enviados por jovens que se limitam a repetir o que aprenderam na igreja ou no seminário, sem qualquer reflexão pessoal, ou artigos muito ingénuos, ou artigos com linguagem imprópria ou insultuosa, ou que pretendem servir-se da minha página para divulgar doutrinas da sua denominação, pois não é esse o objectivo desta página na internet.

Todos os comentários deverão ser enviados para ---

 

Camilo – Marinha Grande, Portugal

Outubro de 2012

 

 

 

 

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(a) Admitimos que a localização do monte Sinai que a tradição judaica, assim como a tradição cristã e islâmica indicam ser o Sinai mencionado na Bíblia, esteja correcta, pois não há uma certeza. Já foram sugeridos outros locais, alguns com actividade vulcânica, a sudeste do golfo de Akaba, a noroeste da Arábia, que seriam uma boa explicação para a descrição de certas passagens que encontramos no livro de Êxodo.

 

 (b) Já nos séculos passados que os arqueólogos encontraram referências a Ugarit nos escritos egípcios e de outros povos da antiguidade, mas não se sabia a sua localização, até que em 1929 arqueólogos franceses localizaram vestígios de Ugarit, perto da cidade de Ur.

Ugarit existiu desde 6000 AC. Foi encontrada enorme quantidade de antigas placas de barro com escrita cuneiforme que pertenceram a duas grandes bibliotecas de Ugarit e contêm muita informação sobre o período entre 1400 a 1200 AC. Era uma cidade que ocupava cerca de 21 hectares, importante centro comercial e cultural para onde convergiam os barcos e caravanas vindas por terra da Síria, Mesopotâmia e Anatólia, pois em Ugarit havia indústrias têxteis e de produtos cerâmicos, metálicos ou de madeira. 

Algumas dessas antiquíssimas placas de barro, contêm Salmos muito semelhantes aos do Rei David. Mas penso que seria precipitado da nossa parte dizer que David pirateou esses Salmos, pois eles não estão assinados. Não sou nenhum admirador do Rei David, como certamente ficou claro no meu artigo David ou Davi (CC). Mas neste caso, até considero que David teve o mérito de traduzir ou mandar traduzir esses antigos Salmos para os incluir na literatura religiosa do seu tempo.

 

 

 

 

Literatura consultada:

Várias traduções da Bíblia (TEB, Almeida, BPT, Jerusalém)

“Atlas Bíblico” – Edições Zairol, Ldª. – Mem Martins, Lisboa

Dicionário de teologia bíblica – Bauer – Edições Loyola – São Paulo

Google Earth

“Religião” - de Karl-Heinz Ohlig – Casa da Letras - Lisboa

“Jerusalém no tempo de Jesus” de Joaquim Jeremias – Paulus, São Paulo

 

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas