Aarão ou Arão e o Bezerro
de ouro (CC)
(Deverá
“clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)
1.
Introdução
Sugerimos
que leia primeiro o nosso artigo DECÁLOGO - Dez Mandamentos (CC), caso ainda o
não tenha lido, pois é nesse contexto que iremos abordar este assunto.
Inicialmente o Bezerro de Ouro era um capítulo do artigo sobre o Decálogo a que
decidimos dar maior desenvolvimento, abordando o assunto em separado.
A
principal passagem bíblica que está na origem deste artigo é Êxodo 32:1/6
De
acordo com a tradução da Bíblia de Jerusalém, seria: Êxodo 32
1 Quando o povo viu que Moisés tardava em descer da montanha, congregou-se em torno de Aarão e lhe disse: “Vamos, faz-nos um deus que vá à nossa frente, porque a esse Moisés, a esse homem que nos fez subir da terra do Egito, não sabemos o que lhe aconteceu”. 2 Aarão respondeu-lhes. “Tirai os brincos de ouro das orelhas de vossas mulheres, de vossos filhos e filhas e trazei-mos”. 3 Então todo o povo tirou das orelhas os brincos e os trouxeram a Aarão. 4 Este recebeu o ouro das suas mãos, o fez fundir em um molde e fabricou com ele uma estátua de bezerro. Então exclamaram: “Este é o teu Deus, ó Israel, o que te fez subir da terra do Egito.” 5 Quando Aarão viu isso, edificou um altar diante da estátua e fez uma proclamação: “Amanhã será festa para Iahweh”. (a)
6 No dia seguinte, levantaram-se cedo, ofereceram holocaustos
e trouxeram sacrifícios de comunhão. O povo assentou-se para comer e para
beber, depois se levantou para se divertir.
Consultei
alguns comentários sobre Arão e notei uma certa preocupação em encobrir esta
sua transgressão que tem, evidentemente, de ser ponderada no seu contexto
histórico e cultural e não na nossa cultura em que mais uma religião, ou mais
um deus, é direito de opção de todo o cidadão, numa sociedade livre e
democrática. Não podemos ignorar o problema, mas temos de meditar em Arão na
realidade em que ele viveu. (b)
Há
pouca informação sobre esta passagem nos comentários que consultei. Este
assunto ou é simplesmente ignorado, ou tenta-se diminuir a culpa de Arão, ou
apresentar como vítima do povo de Israel, um Arão atemorizado, que ainda tentou
pedir os brincos e objectos de ouro, pensando que assim pudessem desistir da
ideia de fazer um deus com as suas joias. As escrituras só dizem que entregaram
os brincos dando a entender que foi tudo, voluntária e espontaneamente.
Ficaremos para sempre sem saber quantos problemas familiares estiveram na
origem das mulheres que entregaram “voluntariamente” as suas valiosas jóias sem
que fossem previamente ouvidas.
Claro
que estes versículos não constam do leccionário litúrgico que se repete de três
em três anos, nem das revistas de escola bíblica dominical, onde as passagens
mais polémicas não aparecem.
2.
Quem foi Aarão ou Arão?
Vejamos
em primeiro lugar, quem foi propriamente Arão.
Em
Êxodo 6:20 e 1º Crónicas 6:3 vemos que era
filho de Anrão e irmão de Moisés e de Miriam. Era também pai de Nadabe, Abiú,
Eleazar e Itamar.
Em
Êxodo 7:7 vemos que era
três anos mais velho do que Moisés. Certamente que tinha nascido antes do Faraó
decidir matar todas as crianças recém-nascidas de sexo masculino.
Em
Êxodo 4:28 vemos que,
quando Moisés voltou ao Egipto, contou a Arão toda a sua experiência e como
Deus o enviara para libertar o seu povo.
Arão
acompanhou a Moisés, quando foram ter com o Faraó em Êxodo 7:10 quando Arão
transformou a sua vara em serpente.
Também
foi Arão que, com a sua vara transformou as águas do Nilo em sangue, como vemos
em Êxodo 7:20.
Em
Êxodo 12:31 o Faraó mandou
chamar a Moisés e Arão para dizer-lhes que deixava sair os israelitas, o que
mostra que os considerava como representantes do seu povo. Certamente que
Moisés era o mais conhecido no Egipto, mas em certas descrições da Bíblia, Arão
aparece como o personagem principal, pois era ele que falava e fazia prodígios
com a sua vara.
Vemos
em Êxodo 27:21, que Arão e
seus filhos ficaram encarregados de zelar pelo Lugar Santo. Isto significa que
Arão foi considerado Sumo-Sacerdote vitalício, passando tal cargo a ser
hereditário.
Os
principais personagens pertenciam à mesma família. Moisés chamou a seu irmão
Arão e seus sobrinhos Nadabe e Abiú para cargos hereditários. Será que foram
escolhidos pelo seu valor e dedicação? Ou simplesmente por serem familiares de
Moisés?
3.
Bezerro de ouro
O
caso do “Bezerro de Ouro” está intimamente relacionado com o Decálogo.
Como
já vimos, no artigo anterior sobre o Decálogo, em Êxodo 24:14 quando Moisés
subiu ao monte pela sexta vez, já sabia que iria demorar mais tempo, pelo que,
desta vez, delegou a sua autoridade em Arão e Hur durante a sua ausência.
Afinal,
pelo que consta em Êxodo 32:1/6 e Êxodo 32:35, Arão foi
pressionado pelo povo, não só para ser o sucessor de Moisés, que supunham já
ter falecido, como para lhes dar um deus. Os antigos textos afirmam que “ …o povo acercou-se de Arão… ” Nós hoje diríamos que fizeram uma manifestação para
reivindicar um governo e um deus.
Mesmo
admitindo que estas passagens sejam somente um resumo do que aconteceu, temos
de ser realistas. Moisés não disse quanto tempo iria demorar e ao fim de 10 ou 20
dias, certamente pensaram que já teria falecido, hipótese bem provável ao verem
o monte a
fumegar, com ruídos que interpretaram como trovões e relâmpagos que ocorriam na
montanha segundo Êxodo 20:18 e era natural
que escolhessem um novo dirigente.
Ao
fim de 30 e de 40 dias, certamente que o povo de Israel teria de exigir
explicações e pedir algum novo chefe. Moisés já estava a ficar esquecido, pois
o seu povo já não esperava que voltasse e eles não podiam ficar para sempre
parados no deserto. O povo queria saber a quem seguir e em que acreditar.
Penso
que é perfeitamente compreensível a reacção do povo. O que faria o povo
português, ou brasileiro, ou de qualquer outro país, se o seu Rei ou Presidente
desaparecesse em circunstâncias tão estranhas? Será que ficaria à espera tanto
tempo? Até também podemos estabelecer um paralelo de ideias com igrejas dos
nossos dias. Que faria uma igreja em que desaparecesse o seu pastor ou padre?
Não elegeriam outro pastor, ou pediriam para que outro padre fosse nomeado?
A
situação tornou-se insustentável para Arão, que certamente, apoiado pelo povo
se sentiu como o natural sucessor de Moisés, que aliás delegara nele a sua
autoridade. Penso que Arão já era considerado pelo povo como o seu dirigente
máximo. Faltava só “legalizar” essa situação com alguma liturgia que todos
vissem.
Até
aqui tudo é natural e compreensível. Segundo vemos na passagem em estudo, já
não havia dúvidas de que Arão fosse o novo dirigente, pois foi a ele que
pediram para fazer um deus, sem especificar que deus seria.
Mas
Arão não se limitou a ser o sucessor de Moisés. Pela descrição que temos em Êxodo 32:1/6, mesmo
admitindo que nem todos os pormenores tenham ficado registados, esta descrição
não deixa margem para dúvidas de que a ideia do Bezerro de Ouro foi ideia de
Arão. Foi ele que construiu, ou pelo menos dirigiu a construção do bezerro de
ouro. Vemos também no versículo 3 (Então todo o povo
tirou das orelhas os brincos e os trouxeram a Aarão.) que todo o povo apoiou com entusiasmo a
construção do Bezerro de Ouro.
4.
Mas, porquê um bezerro?
Bezerro
é o filho da vaca e do touro. Não sabemos o seu tamanho, mas certamente que não
seria em tamanho natural, por ser todo em ouro. Israel nunca teve grande
tradição na escultura, devido à sua teologia que certamente a dificultava. Não
podemos esperar que fosse possível distinguir se seria uma vaca pequena, ou
futuro touro ou se já seria boi, pois as suas esculturas não tinham certamente
a perfeição das esculturas gregas.
Mas,
porquê um bezerro? De onde terá vindo a inspiração de Arão? Várias antigas
civilizações tinham o touro, a vaca e possivelmente também o boi, na sua
teologia, desde a Grécia, Índia, China etc. Mas são civilizações distantes e
não consegui saber se o culto do touro foi da mesma época da história. O que
julgo mais provável é que Arão tenha tentado copiar o Touro Ápis, símbolo da
força e da fecundidade, que era cultuado no Egipto, nomeadamente em Mênfis,
desde a primeira dinastia e que certamente era do conhecimento de Arão.
Talvez
tenha sido uma decisão política de Arão. Escolher um deus que tivesse certa afinidade
com o deus de outros povos era uma aproximação cultural. Faz lembrar os
encontros de “famílias políticas” dos vários países dos nossos dias. Além
disso, Arão decide convocar uma festa para consolidar a sua popularidade entre
o povo e para que este se alegrasse com os cânticos de louvor. Ficaria assim
consolidada a sua posição como dirigente máximo em Israel e sanadas eventuais
divergências entre o povo.
Se
Moisés não voltasse e Arão ficasse definitivamente como dirigente de Israel,
será que a história de Israel seria diferente, com mais liberdade e sem os
horrorosos crimes das guerras de ocupação da terra prometida?
5.
Quais os responsáveis pelo Bezerro de Ouro?
Já
sabemos que o povo israelita foi a principal vítima dessa transgressão. Mas,
quais os principais responsáveis?
Atendendo
ao contexto histórico desse acontecimento, certamente que não houve nenhuma
decisão pública em que todos participassem, muito menos podemos pensar numa
consulta popular através do voto livre e democrático numa cultura onde não
havia liberdade de opinião, muito menos liberdade de religião.
O
povo limitou-se a seguir as instruções do seu máximo dirigente, entregando os
brincos das suas mulheres e suas filhas, para fazer um deus como alguns pediram
e Arão lhes ordenou. Mais tarde, em Êxodo 32:21/24, é o próprio
Arão que justifica o seu comportamento perante Moisés.
Ao
povo, que estava farto de caminhar pelo deserto, foi apresentado um deus que
todos podiam ver e que lhes dava música, cânticos e danças. Havia muita alegria
e muita emoção.
Geralmente,
quanto mais emoção, menos reflexão. Ainda hoje, as igrejas evangélicas que mais
crescem são as que têm os melhores grupos de louvor, muitas vezes a cargo de profissionais
muito bem pagos, e têm muito entusiasmo e apelo à emoção. Mas geralmente essas
não são as que têm a teologia mais séria nem os crentes mais esclarecidos.
Esse
deus foi apresentado pelo máximo dirigente religioso depois da “morte de
Moisés”, como supunham. O Bezerro de Ouro foi apresentado a um povo habituado a
seguir cegamente os seus dirigentes religiosos e sem capacidade de reflexão que
nunca desenvolveram. O difícil seria, deixar de seguir a Arão, que lhes falou
em nome de Moisés, que nele delegou a sua autoridade.
Temos
depois o regresso de Moisés. Em Êxodo 32:19/20 vemos que este
desfez o bezerro em pó, que lançou em água que obrigou os israelitas a beber.
Não compreendo esta atitude de Moisés na sua ira.
Atendendo
à grande inércia química do ouro, possivelmente nada terá acontecido a quem
bebeu água com pó de ouro, a não ser uma digestão mais difícil, tudo dependendo
da percentagem de ouro misturado na água, onde este não se dissolve.
Não
aconselho ninguém a experimentar. No entanto, fica desde já o convite a algum
profissional de saúde (nutricionista, médico, farmacêutico, enfermeiro etc.)
para enviar a sua opinião sobre as consequências de beber água com pó de ouro.
(c)
De
acordo com a TEB, Êxodo 32 20 – Tomando o bezerro que tinham feito, queimou-o, reduzindo-o a pó,
esparramou-o na superfície da água e fez com que os filhos de Israel a bebessem.
Mas na mesma tradução da TEB em Deuteronómio 9:21 podemos ler: E, tomei o pecado que havíeis feito, o bezerro, eu o
queimei, despedacei, esmigalhei, reduzi-o a pó, e atirei o pó na torrente que
desce da montanha. Mais outra
contradição que afecta a credibilidade destas passagens veterotestamentárias.
Por
causa da transgressão do Bezerro de Ouro, como vemos em Êxodo 32:25/29, morreram três
mil homens. Segundo podemos concluir do versículo 29, eles lutaram entre si,
alguns mataram seus próprios filhos e/ou seus irmãos, para que pudessem ser
abençoados pelo deus de Moisés. Não será isto, um caso de sacrifícios humanos
exigidos pelo deus de Moisés?
Vemos
que mais uma vez, eles obedeceram cegamente aos seus dirigentes religiosos, a
ponto de matar os seus próprios familiares por motivos teológicos.
Será
que se pode pedir responsabilidades a esses ingénuos desgraçados? Ou não seria
mais justo responsabilizar e condenar os seus dirigentes religiosos?
6.
Qual o castigo de Arão?
Mas
afinal, que aconteceu a Arão, que me parece o principal responsável, por esta
transgressão? Claro que temos de meditar nesse contexto cultural, em que não
havia liberdade de expressão nem liberdade de religião.
Nada
encontrei nas Escrituras sobre algum castigo de Arão.
Em Deuteronómio 9:20
vemos que Moisés orou por Arão e o seu deus em vez de castigar Arão, castiga
com a pena de morte aos que lhe obedeceram e mais tarde nomeia Arão como sumo-sacerdote!!!
Em
Êxodo 34:31 Moisés chama
Arão e os principais dos levitas. Em Êxodo 35:19 Arão recebe
vestes litúrgicas de tecido finíssimo, para servir no santuário e em Números 17 há a descrição
da vara de Arão que floresceu… mas durante a noite. Também não há testemunhas
desse acontecimento, que até me faz lembrar os “milagres” de certas igrejas…
Como
explicar esta duplicidade de critérios na justiça do deus de Moisés?
Será
que os mais altos sacerdotes estavam acima de qualquer crítica, tal como os
nossos políticos que não podem ser responsabilizados pelos seus actos?
7.
Quem podia entrar no Lugar Santíssimo?
No
lugar santo do Tabernáculo, e mais tarde, cerca do ano 950 AC, no Templo de
Salomão, só os sacerdotes podiam entrar. Mas no lugar Santíssimo que ficava
dentro do lugar santo, só Arão ou algum dos seus descendentes, podia entrar só
uma vez por ano. Êxodo 30:10
É
vulgar afirmar-se que esses sumo-sacerdotes que entravam no lugar santíssimo,
levavam uma corda amarrada ao pé ou à cintura, pois caso não estivessem já
perdoados dos seus pecados e pecados do povo que representavam, certamente
morreriam e ninguém poderia lá entrar para ir buscar os seus corpos.
Nada
encontrei nos textos canónicos sobre este assunto. Se alguém souber onde está
essa informação, agradeço que nos ajude com a sua colaboração.
Mas
julgo que seja uma antiga tradição sem fundamento bíblico, pois pelo menos por
duas vezes, Jerusalém foi conquistada. Primeiro no ano 587 AC por Nabucodonosor
II e já depois de Cristo, no ano 70 DC, quando os Romanos que destruíram o
Templo e certamente que os conquistadores entraram em todas as salas do Templo.
Não consta que alguém tenha falecido ao entrar no lugar santíssimo. Quando mais
necessária seria essa prova de poder do deus de Israel, para levantar a moral
do povo conquistado, não consta que tivesse funcionado.
Há
também outras dúvidas que não podemos deixar de colocar.
Se
o lugar Santíssimo estava dentro do lugar santo, separado só por uma cortina,
num clima quente e seco, numa época em que não havia ruas asfaltadas em
Jerusalém, e certamente o vento quente e seco arrastava a poeira, como estaria
o Lugar Santíssimo ao fim do primeiro século depois da sua construção? Não
podemos pensar que lá entraria alguma “mulher da limpeza”. Segundo informa o
escritor Joaquim Jeremias no seu livro “Jerusalém no tempo de Jesus”, “Os direitos religiosos da mulher eram tão
limitados quanto os seus deveres religiosos. Segundo Josefo, no Templo só lhes
era permitido penetrar no átrio dos gentios e no das mulheres…” Como
estaria a limpeza do Lugar Santíssimo ao fim de tantos séculos?
O
Lugar Santíssimo, onde só Arão ou algum dos seus descendentes podia entrar, uma
vez por ano, estava encoberto aos olhares dos próprios sacerdotes por cortinas
de linho fino torcido Êxodo 26. Mas essas
cortinas tiveram de durar vários séculos. Certamente que envelheceram,
apodreceram e tiveram de ser substituídas. E mesmo antes disso, nunca foram
lavadas? Quem é que as substituiu? Foi o Sumo-Sacerdote, geralmente já muito
idoso que trepou num escadote para as substituir? Conseguiu substituir tudo
sozinho com uma corda amarrada ao pé, dificultando os seus movimentos? Quem o
ajudou nesse trabalho sem entrar e sem ver o Lugar Santíssimo?
8. Hipóteses de interpretação
Esta passagem do Bezerro de Ouro,
deixa-nos várias dúvidas que possivelmente nunca serão esclarecidas:
Como quase sempre, em teologia, podemos
chegar a duas ou mais conclusões, de acordo com os pressupostos de que
partimos:
8.1 - Em primeiro lugar, raciocinando no
contexto cultural evangélico, temos a posição fundamentalista.
Considerando que estamos perante textos
inspirados, que são a verdade, onde não há nem sombra de erro. Basta-nos a
leitura destes textos onde encontramos o Deus de Moisés, que eles viram e mais
tarde exigiu o sacrifício das três mil vítimas para acalmar a sua fúria. Foi
castigado o povo de Israel e não Arão, por ser um “intocável servo do Senhor”
E pronto. Não há mais nada a dizer, nem
são permitidas outras opiniões.
8.2 - Em segundo lugar, ultrapassando as
“fronteiras teológicas” que consideram a inerrância bíblica. Se aceitarmos que
estamos perante textos históricos que nos transmitem, não uma descrição
imparcial com rigor histórico, mas a versão dos israelitas, podemos questionar
o seguinte:
8.2.1 - Quando em Êxodo 24:1 Moisés subiu ao
monte pela quinta vez, houve um grupo de sacerdotes que o acompanhou, entre
eles Arão, que tinha mais intimidade com Moisés. Em Êxodo 24:10 encontramos a
afirmação de que “…viram
o Deus de Israel…”.
Não há em toda a Bíblia afirmação
semelhante, embora no Novo Testamento, o evangelho de João 1:18 e a epístola 1ª João 4:12 afirmem que
ninguém viu a Deus. Isto é uma contradição que esperemos que os
fundamentalistas, que defendem a inerrância bíblica do Génesis ao Apocalipse,
nos saibam explicar.
O
próprio capítulo 24 afirma que não se poderiam aproximar de Deus, o que nos
levanta sérias dúvidas de que tivessem visto a Deus, pois em vez de descreverem
como Deus é, descrevem somente o pavimento onde estava Deus!!! Alem de, como já
dissemos, quando o povo pediu a Arão que lhes fizesse uma estátua dum deus, se
ele na verdade tivesse visto a Deus, certamente que diria que Deus só há um,
que já tinha visto, e teria tentado fazer uma imagem do que viu.
A
única hipótese que encontro para o livro de Êxodo não estar em contradição com
o evangelho de João, é que em Êxodo 24:10 eles viram o
“Deus de Israel”, como está na maior parte das traduções. Esse era um deus que,
como era vulgar nessa época com todos os deuses dos vários povos, lutava a
favor do seu povo contra todos os outros povos. Mas não era a esse deus que o
apóstolo João se referia. Ele referia-se ao Deus Pai, de toda a humanidade, o
Deus de todos que o receberem. João 1:12
8.2.2
– Temos ainda o problema de Arão ter escapado da fúria do deus de Israel que
vitimou três mil homens deixando impune o principal responsável pelo Bezerro de
Ouro.
Talvez Arão soubesse demais. Certamente
que Arão tinha uma longa experiência ao lado de Moisés e nalguns casos até Arão
foi o personagem principal. Quando, perante o Faraó, invocaram as pragas do
Egipto, era Arão que falava e utilizava o seu cajado. Mas não é a isto que me
refiro.
Então
Arão e seus
filhos Nadabe e Abiú, a quem esta descrição do Êxodo parece dar algum destaque em
relação dos outros anciãos, fizeram o mesmo que todos os outros? Ou será que nessa
altura, Arão se aproximou um pouco mais do “local proibido” do qual não se
podia aproximar, e acidentalmente viu a “oficina” onde foram talhadas as
“tábuas” de pedra, ou algum indício, ou alguma prova de que as tábuas de pedra
escritas pelo “dedo de Deus”, foram afinal escritas por Moisés?! Sendo assim,
Moisés ficaria refém de Arão, que caso fosse condenado à morte por ter feito o
Bezerro de Ouro, se poderia defender acusando Moisés de enganar o seu povo e
isso seria o fim da autoridade e dos privilégios dos levitas sobre o povo de
Israel. Nessa hipótese, Arão não só teria escapado da punição por ter sido o
autor moral do Bezerro de Ouro, como até conseguiu “negociar” com Moisés para
que este lhe desse o cargo de Sumo-sacerdote vitalício e hereditário como preço
da sua colaboração.
Bem
sei que esta hipótese será um tanto escandalosa para os mais “espirituais” e
fundamentalistas. Mas não prescindo de mencionar todas as hipóteses,
raciocinando fora da cultura evangélica, admitindo que nalguns casos a Bíblia
não seja tão inerrante.
8.2.3 - Outra dúvida importante é
precisamente o comportamento do deus de Moisés. Como muitas vezes tem
acontecido através dos tempos, poupa os seus sacerdotes e descarrega a sua ira
no povo israelita, exigindo até sacrifícios humanos ao povo que dizia proteger.
Êxodo 32:25/29. Segundo o
versículo 29, a morte dos três mil homens e certamente muitos feridos que não
são mencionados (mortos e feridos pelos seus próprios compatriotas), foi o
preço exigido pelo deus de Moisés “…para que o Senhor vos
conceda hoje uma bênção”.
9. Conclusão
Ao chegar ao fim deste artigo, tenho a sensação
de que não há uma descrição credível dos acontecimentos. O que temos, é a
“versão oficial dos acontecimentos”, ou aquilo que interessava aos levitas que
escreveram, que fosse o pensamento do povo de Israel, ou o que foi escrito pelo
próprio Moisés, que certamente registou o que lhe interessava para garantir os
privilégios da sua descendência e dos levitas. Ou se, como defendem alguns
historiadores, foi escrito no tempo de Salomão, que registou a história que lhe
interessava, tal como foram os registos sobre seu pai o Rei David, como digo no
meu artigo David ou Davi (CC).
Afinal, Moisés, depois de assumir a
posição de chefia do seu povo, teve a preocupação de assegurar os mais altos
cargos para os seus familiares, seu irmão Arão e seus sobrinhos Nadabe e Abiú,
claro que com uma prévia propaganda das suas qualidades (que no caso de Arão
foi um fracasso), mas a decisão já estava tomada de que Arão seria o seu
sucessor.
Não sabemos o que aconteceu aos outros
dois sobrinhos, Eleazar e Itamar, mas certamente que estavam entre os setenta
anciãos de Israel.
Estará a atitude de Moisés para com os
seus familiares em sintonia com o exemplo do nosso Único Mestre em Mateus 12:47/50?
Será que podemos afirmar, que depois dos
3200 anos que nos separam da época de Moisés e Arão a humanidade pouco mudou?
Não é isso que fazem muitos dos governantes dos nossos países e até muitos dos dirigentes
das nossas igrejas?
Quando Jesus voltar e começar o
Julgamento Final, que poderá Arão ou Moisés responder se alguma mulher disser:
Confiscaram-me todas as joias
que tinha, sem nada me perguntarem. Derreteram o ouro para fazer um bezerro sem
que eu tivesse qualquer interferência. Depois assassinaram o meu marido e meus
filhos como castigo por um crime em que eu e toda a minha família se limitou a
obedecer aos dirigentes de Israel. Foi essa a bênção que me
prometeram?
Terminamos com a principal pergunta. Quem foi o principal culpado pelo Bezerro de Ouro?
Camilo
– Marinha Grande, Portugal
Novembro
de 2012
(a)- Nas
cópias dos originais aparece em letras hebraicas YHVH. No hebraico não havia
vogais, pelo que não nos é possível saber como pronunciavam o nome. Para
conseguirmos ler, temos de colocar algumas das nossas vogais o que deu as
palavras Jeová ou Iahweh que consideramos o nome do Deus de Moisés em hebraico.
Mas neste contexto, parece não fazer sentido os israelitas terem feito um
bezerro de ouro para o adorar e ao mesmo tempo adorar ao seu antigo Deus. Julgo
ser por isso que algumas traduções, como a TEB, Almeida, BPT ou Capuchinhos
traduzirem por “Senhor”, Jerusalém traduz por Iahweh, Louis Segond traduz por
L’ Eternel (o Eterno), a Vulgata por Domini etc.
(b)- Neste estudo, vou-me referir
prioritariamente ao livro do Êxodo, escrito provavelmente no tempo de Salomão,
pois é o mais próximo da época da Arão, escrito com base na tradição oral ou
possivelmente nalguns manuscritos deixados por Moisés. Como já afirmámos no
nosso artigo sobre o Decálogo, segundo a maioria dos historiadores, Moisés
esteve no Monte Sinai pouco antes do ano 1200 AC, durante a 19ª Dinastia do
Egipto. Se Salomão viveu entre 972 e 933 AC, estes acontecimentos foram
registados cerca de 260 anos depois, quando ainda estaria bem “viva” e credível
a tradição oral. Temos também o discurso de Moisés na entrada da Terra
Prometida em Deuteronómio
9:9/21, em que repete a sua experiência na entrega dos Dez Mandamentos.
Também no Novo Testamento, em Actos 7:37/41 Estêvão
refere-se a estes acontecimentos, portanto cerca de 1240 anos depois destes
ocorrerem.
Também
o Alcorão comenta essa passagem em Alcorão
20:80/94 em que Moisés repreende a Arão que lhe responde que
teve de fazer o Bezerro de Ouro para evitar uma divisão entre os israelitas.
Admitindo que esta passagem do Alcorão foi escrita cerca do ano 620 DC, foi
1820 anos depois destes acontecimentos.
(c)-
Certamente que Moisés lhes deu a beber água com pó de ouro para os castigar.
Mas há certos indícios de que os antigos egípcios usavam o ouro para temperar
os seus alimentos. Claro que só os alimentos dos mais ricos.
Podem ver casos da utilização do ouro na
alimentação, bem dos nossos dias, em:
http://www.zevariedades.com/trufa-de-chocolate-com-ouro-comestivel/
http://expresso.sapo.pt/azeite-com-ouro=f758006
Literatura
consultada:
Bíblia
de Jerusalém, TEB, Almeida, BPT, Capuchinos.
“Jerusalém
no tempo de Jesus” de Joaquim Jeremias – Paulus, São
Paulo
Para
voltar ao artigo DECÁLOGO - Dez Mandamentos (CC)
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COMENTÁRIOS RECEBIDOS
David Oliveira –
Brasil, Novembro de 2012
Lendo este
artigo do bezerro de ouro lembrei-me das dinastias dos chefes das igrejas neo
pentecostais de hoje. A coisa funciona assim: O chefe fundador cria um grupo
fechado, normalmente chamado de “obreiros”. São os mais achegados, os
protegidos, porém esses não entram no esquema financeiro, isto é, não ganham
nada. Em algumas igrejas esses indivíduos têm outros nomes “mais bíblicos”
como: anciãos, presbíteros, diáconos etc. Há um outro grupo que compõe a
“equipe”, porém são profissionais pagos, os guarda-costas. É verdade! A família
do chefe precisa de guarda-costas e carro blindado!!!
A família do
“pastor chefe” começa a angariar títulos, sendo que a primazia fica por conta
do chefe. Este começa com o título de um “simples pastor”, depois bispo e finalmente
apóstolo. Já se espera um outro título ainda mais sublime que será... talvez
“anjo da igreja” e quem sabe futuramente arcanjo, e quem sabe depois... Jesus
II. São uma espécie de semideuses intermediários que reinam absolutos e não
toleram questionamentos ou oposições.
A
“primeira-dama” nunca quer ficar muito atrás e começa a “mexer com os
pauzinhos” no recôndito da alcova. Logo consegue a nomeação para “pastora” e
daí para bispa é um pulinho só! E já existe até “apóstolas”!!!
O filho mais
velho sai da adolescência e já entra num seminário custeado pela igreja, claro.
Depois de formado, todos os “santos” o ajudam a chegar a bispo. Não chegam a
apóstolos porque o chefe o breca na sua marca. Opa!!!
Assim que os
filhos e a primeira-dama já conquistaram os seus cabides de empregos, o chefe
decide que já é hora de ingressarem na política. Toda a igreja vai trabalhar
para o filhinho mais querido ser eleito deputado. Aqui na minha cidade, capital
de um Estado, um desses “filho de apóstolo” concorreu a vaga de prefeito! Não
ganhou; aliás, perdeu feio! Mesmo se dizendo filho do apóstolo fulano. O seu
“curral eleitoreiro” não é tão grande quanto a sua ambição.
O povo
precisa acreditar em um líder que o faça alimentar a ilusão de um deus do jeito
que querem. Esse líder lhes dirá exatamente o que querem ouvir porque ele sabe
muito bem como aceitam a coleira, assim como Moisés e sua família de
sacerdotes.
Lamentável,
mas essa idéia de manobra de massa do Velho
Testamento ainda persiste com mais atração do que o seu antagônico, o Evangelho
de Jesus.