Telenovela “Caminho das índias” e a realidade (CC)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

Introdução

 

Embora esteja em Portugal, como a internet tem acesso a todo o mundo, e devido à minha página a “Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas”, tenho contactos com pessoas um pouco por todo o mundo lusófono e também noutros países onde haja falantes da nossa língua.

Um dos países onde tenho mais contactos é certamente o Brasil e não me passou despercebido, nos últimos tempos, um súbito interesse pela Índia. Nessa altura, já suspeitava que fosse consequência duma telenovela da TV da Rede Globo, a que não tinha acesso na rede de canais de TV em Portugal, mas posteriormente já deram alguns capítulos dessa telenovela, também em Portugal.

No entanto, chegaram à minha caixa do correio electrónico, certas mensagens que possivelmente serão uma reacção a esse súbito interesse pela Índia, não sei se devido a motivos religiosos do fanatismo evangélico que reage com agressividade a todas as referência a outras religiões, neste caso, ao hinduísmo que é a religião maioritária na Índia, ou se será reacção por motivos económicos, devido ao receio de perderem turistas em favor do turismo indiano. Só quem está no Brasil e tem seguido essa telenovela, e as reacções do povo brasileiro, é que melhor do que eu, poderá avaliar as causas das mensagens que adiante irei referir neste artigo.

Até aqui, tudo bem... ou pelo menos seria tudo tolerável. Embora sendo atitudes lamentáveis, seriam compreensíveis até certo ponto. Mas aqui está o problema que me levou a abordar o assunto. É que algumas dessas referências à Índia, que pretendem “esclarecer” o povo brasileiro, ultrapassam o aceitável, são injustas, falsas ou insultuosas e o público brasileiro poderá ser enganado por essas informações que circulam pela internet.

Conheço alguma coisa da parte ocidental da Índia, pois já lá fui várias vezes, inclusive no ano passado e presentemente acabo de regressar da minha oitava viagem à Índia, mais propriamente ao Estado de Goa, onde tenho familiares e amigos, pois meu pai era indiano e eu sou português de origem indiana da parte de meu pai e de origem chinesa da parte da minha mãe, ambos já falecidos. A Índia concedeu-me o “cartão PIO” que significa “Person of indian origen” o que me dá possibilidade de lá entrar sem visto no passaporte, e por lá ficar o tempo que entender, arranjar emprego e todos os direitos de qualquer cidadão indiano, excepto o de votar ou exercer cargos políticos. Portanto, não posso ficar indiferente a certas falsas acusações que são apresentadas ao povo brasileiro e até chegam à minha caixa do correio aqui em Portugal.

 

Vejamos algumas dessas “informações”:

 

1) Opinião dum Pastor fundador da Jocum no Brasil, publicada na página da internet Uniaonet, que a recebeu e divulgou esta mensagem, que é da responsabilidade de quem a enviou.

 

Olá amigos,

Recebi este e-mail de um amigo. Muito interessante! Leia.

A Rede Globo, no seu papel da desinformação, tem tentado inculcar no povo os seus conceitos políticos, éticos e religiosos.

A novela das oito, confesso que nunca um só capítulo, mas só pelos comerciais dá prá perceber em qual direção a "Aldeia Global" quer levar o povo brasileiro e para onde quer que ela vá exportar essa sujeira.

Na tal novela o país asiático da India é pintado como um paraíso e atores como Lima Duarte e Juliana Paes mergulham alegremente nas águas do Rio Ganges. As imagens que seguem mostra claramente o que é, em realidade, a vida de um povo que vive numa miséria espiritual inacreditável. Uma sandice onde crianças já nascem para a prostituição, pois nasceram na casta das prostitutas. É esse tipo de conceito que deve estar entrando na casa de milhares de brasileiros que não conseguem ver outro tipo de diversão do que assistir a mais esse lixo que a Globo apresenta aos seus telespectadores.

Espero que isto traga algumas reflexões a nós. Temos que dar o melhor de nós no afã de testemunhar a nossos amigos, vizinhos, colegas de trabalho e escola que conhecemos um Deus de amor e que Ele não exige de nós sacrifícios irracionais como aquele vivido pelo povo Indiano e que hoje entra mascarado na casa de tantos brasileiros. Ainda, que nós como sal e luz (Isaias 49) temos que tentar fazer a diferença entre povos como a India, abençoando missionários que se dispuseram estar entre eles, orando por abertura de olhos e salvação para este povo e ainda contribuindo com a obra missionária naquele país.

Deus os abençoe e como o anjo disse a Paulo "Vai fala e não te cales" Atos 18:9

Pr. Davi Galúcio

Fundador de JOCUM-AP

3251 6508, 8124 3420

 

2) Recebi também dum amigo daqui de Portugal a seguinte mensagem, que foi ter à sua caixa de correio electrónico, e ele enviou-me por saber das minhas ligações à Índia, pedindo a minha opinião. Essa mensagem, foi-lhe enviada por outro que também a recebeu… etc. Já não é possível saber qual a sua origem, mas pelo estilo literário e pelas referências à Rede Globo e à novela “Caminho das Índias”, supomos que veio do Brasil.

 

ANTES QUE A "GLOBO" TE CONVENÇA A VISITAR A ÍNDIA, VEJA O ANEXO....

O Caminho das Indias passa por aqui também...

Imaginem a Juliana Paes, Vera Fischer ou o Toni Ramos passeando na sujeira do Rio Ganges, pulando entre um cadáver podrão ou outro, ou se lavando nas escadarias.

Depois, ao voltar para casa, espantariam até os urubus que estiveram comendo uma carcaça de vaca em decomposição e insistiriam em pousar naquelas roupas lindas se não fosse o mau cheiro deles.

Prestem bem atenção: não há sequer uma pessoa com aparência saudável, de gente que come RAZOAVELMENTE BEM, são moradores da miséria, ainda descendentes da exploração britânica.

A Índia só tem disso! É um país podre, os lugares visitados por turistas são proibidos para a maior parte da população, existem vaporizadores para perfumar o ambiente.

Não se iluda com as belezas apresentadas na novela. A realidade é outra. Acredite se puder!

ADVERTÊNCIA: Contém fotos com conteúdo que pode chocar, mas é a realidade.

A Globo, certamente, não mostrará este tipo de imagens. Mas são reais!

Existem 20 mil multimilionários, 200 mil milionários e mais de milhão abaixo da linha da miséria.

 

As imagens são de cadáveres em putrefacção boiando nas águas do Rio Ganges, em frente duma cidade que não conheço, mas alguns amigos identificaram como sendo Benares, a actual Varanassi.

 

Varanasi ou Benares

 

Trata-se da cidade santa do hinduísmo. Estabelecendo uma comparação com outras religiões, posso dizer é que como Jerusalém para os judeus, ou Roma para os católicos, ou Meca para os islâmicos.

Fica na parte oriental da Índia, onde nunca fui, nas margens do rio Ganges, que nasce nos Himalaias e é o principal dos sete rios considerados sagrados pelo hinduísmo. Todo o crente no hinduísmo é incentivado a fazer pelo menos uma viagem a Varanasi durante a sua vida.

 

O que é uma telenovela

 

Devo lembrar em primeiro lugar, que uma telenovela não é uma reportagem sobre a Índia, onde se espera rigor e imparcialidade, pois uma telenovela é um romance, onde o seu autor tem liberdade de imaginar as cenas que apresenta, geralmente baseado em parte na realidade, mas sem a preocupação com o rigor duma reportagem.

Admito que esta telenovela, a avaliar pelos poucos capítulos que já vi, apresenta uma imagem pouco realista e demasiado optimista da Índia, mas por outro lado, certas reacções que recebo, principalmente de pastores evangélicos fundamentalistas fanáticos, essas reacções sei que não contêm informações verdadeiras, e gostaria de as comentar com os conhecimentos que tenho da Índia e das opiniões que recebi dos meus conhecidos nesse país, que conhecem a Índia muito melhor do que eu. 

Aliás, custa-me a aceitar esta polémica sobre uma telenovela que apresenta uma imagem optimista da Índia, que não corresponde á vida real, se o mesmo acontece com a maior parte das outras telenovelas que apresentam uma imagem do Brasil que infelizmente nada tem a ver com a vida real. Lembro-me duma senhora que nunca saiu de Portugal, me dizer: Gosto muito do Brasil… é muito bonito… deve ser muito bom viver no Brasil… eu sei…. tenho visto nas telenovelas. 

 

Cremação na religião hindu

 

O Hinduísmo tem por tradição a cremação dos seus mortos.

Segundo me informaram na própria Índia, geralmente os hindus mais ricos, utilizam uma grande pira funerária que pode ter mais de 200 quilos de madeira, enquanto os mais pobres utilizam o crematório eléctrico, idêntico aos que se utilizam no Ocidente. Em Portugal, só os cemitérios das principais cidades têm crematórios para quem os quiser utilizar. É possível que o mesmo aconteça por todo o Brasil.

Segundo me informaram, a teologia hindu considera 4 tipos de pessoas que não são cremadas, pelas seguintes razões:

1) Os sadús (homens santos) não são cremados por já serem considerados puros, santos e não necessitarem de “queimar as suas impurezas na fogueira”.

2) As crianças até aos 12 anos, pela mesma razão dos sadús, pois ainda não têm consciência dos seus pecados e são consideradas inocentes.

3) Os leprosos também não são cremados para evitar a propagação dos micróbios da doença. (É o que afirma a teologia hindu).

4) As mulheres grávidas, também não são cremadas por trazerem no seu ventre um ser inocente que nunca viu impureza nem cometeu nenhum pecado.

Nestes casos, os corpos são enrolados em panos coloridos de acordo com a casta, estado civil e nível espiritual e são lançados no Rio Ganges.

Pessoalmente, penso que sob o ponto de vista estritamente técnico, a cremação é preferível ao enterro por motivos de saúde pública. Mas discordo do que dizem no caso dos leprosos, pois os tais micróbios seriam mais facilmente destruídos se os corpos fossem cremados, sem possibilidade de contaminação de outros seres humanos.

Não consegui investigar ao certo qual a actual situação deste problema, pois deram-me as mais diversas informações. Uma coisa é o que diz a teologia hindu e outra o que a legislação permite. Mas o Ganges é o único rio onde os cadáveres eram, ou são lançados. Fui informado por alguns de que as autoridades (possivelmente autoridades sanitárias) definiram os locais onde os mortos podem ser lançados, bem longe das margens. Outros falam na proibição de lançar cadáveres ao rio, e parece haver grande dificuldade no cumprimento dessa decisão, que é muito polémica e divide os políticos que têm de tomar uma decisão que certamente lhes vai tirar muitos votos da maioria da população que é hindu. Outros citam o caso dos que não têm dinheiro para comprar lenha para a cremação e se limitam a deitar os cadáveres ao rio. Outros ainda falam-me numa proibição que não é possível cumprir perante milhões de hindus que defendem tal tradição. Mas também me contaram casos em que, certas condições dos ventos e ondulação, podem desviar os cadáveres para outros locais mais próximos da margem, onde alguns peregrinos vão banhar-se e muitos populares vão lavar roupa. Penso que os cadáveres acabam por ser devorados pelos peixes e aves carnívoras, mas suponho que sejam uma minoria, pois o caso geral é a cremação.

Num contexto de teologia, o fogo sempre teve uma função de purificação. Desde há milénios que servia para extrair e purificar os metais, para purificar os alimentos, e penso que na teologia hindu é símbolo da purificação dos pecados do falecido. É também este pensamento que vemos na Bíblia, em 1ª Coríntios 3:11/16. Também a doutrina católica sobre o Purgatório apresenta o fogo como elemento de purificação dos pecados.

Sendo o hinduísmo, uma das mais antigas religiões, ou como eles afirmam, a religião mais antiga, será que isso influenciou estas referências que encontramos no cristianismo?

 

Párias ou “dalites”

 

Prefiro empregar a palavra pária, pois a palavra “dalit” não existe em bom português.

Trata-se do mais baixo nível social, segundo a teologia hindu, pois o pária era considerado intocável o que significa que quem tocasse nele ficava impuro. Isso tinha sérias implicações nos lugares públicos, restaurantes hotéis etc, que seriam abandonados pelos seus clientes se recebessem algum pária.

Essa divisão das castas, não faz parte da legislação indiana. Podem ver o que diz o artigo 15º. da Constituição Indiana. 

No entanto, embora a discriminação das castas seja ilegal e punível pela legislação, é tradição milenar que não desaparece facilmente duma geração para a seguinte.

A Índia é uma democracia secular onde há liberdade de religião e não pode interferir no que se passa nas várias religiões. Como vimos, a Constituição Indiana também não permite a discriminação sexual, mas o Governo Indiano não intervém se, por exemplo, nalguma igreja evangélica houver discriminação sexual que impeça a mulher de ser pastora ou no catolicismo se não puder ser padre ou cardeal ou papa, ou se numa mesquita islâmica a mulher não tiver os mesmos direitos dos homens, atitudes que também contrariam a Constituição indiana.

Certo dia, em Pangim, de manhã cedo, esperava de abrissem as portas da delegação duma companhia aérea, juntamente com muitas outras pessoas. Quando finalmente eles abrem as portas, mesmo nessa altura, aparecem uns…. talvez fossem párias, mas estavam tão sujos, cheiravam tão mal, que todos se afastaram e eles tiveram “prioridade de passagem” e foram os primeiros a ser atendidos.

Eu também me afastei e não reclamei. Será que também fiz discriminação de casta?!

 

Casamentos combinados pelos pais

 

Um dos assuntos que a telenovela “Caminho das Índias” explora com interesse, são os casamentos. Nisso é semelhante à maioria dos filmes indianos. Penso que a telenovela concede à autoridade dos pais no assunto, uma ênfase que não corresponde à realidade dos nossos dias, pois os jovens conhecem bem a legislação em vigor e podem rejeitar o que os pais combinarem.

Tenho familiares e amigos na Índia, e não me lembro de casos em que os jovens sejam obrigados a casar contra a sua vontade. Mas lembro-me, pelo menos dum caso em que um jovem, com vida estabilizada e um curso superior, pediu à sua mãe para lhe escolher uma esposa.

Duma maneira geral, a família indiana é muito mais unida do que os ocidentais. Isso até tem influência na arquitectura, pois vi casos em que irmãos se juntam para construir uma grande vivenda com espaço para todos, dos avós aos netos, não esquecendo os sogros e sogras.

 

Um pouco da história das relações entre cristianismo e hinduísmo

 

Pouco se sabe dos primeiros contactos entre cristãos e hindus, mas sabe-se que há muitos anos, em data que não é possível determinar com precisão, houve um homem, chamado Tomé que foi evangelizar o continente indiano. Também diz a tradição ocidental cristã que o Apóstolo Tomé foi para a Índia, onde terá divulgado a sua fé. Será o mesmo Apóstolo Tomé?!

Mas a verdade é que ainda hoje há uma igreja cujo nome se pronuncia “Martoma” que significa Mestre Tomé, que nunca visitei, mas me disseram ser semelhante às Igrejas Ortodoxas. 

Outro marco importante para a história dos contactos entre estas duas religiões é a época que se seguiu à descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama, quando se iniciou a “evangelização” do Oriente pela pior forma.

Houve templos hindus centenários que foram vandalizados, arrasados e incendiados pelo fanatismo dos missionários católicos dessa época. Posso citar o caso do templo hindu de Rammath em Pondá, destruído em 1566 e o templo de Vernã em Salcete, destruído em 1567, assim como muitos outros. Nem Shantadurga, que é a Deusa da Paz, escapou ao fanatismo dos missionários católicos dessa época. Em épocas posteriores, alguns desses templos foram reconstruídos, ainda durante o Governo português.

Em Goa funcionou um Tribunal da Santa Inquisição, e todos sabem os métodos que utilizava. Mas o facto mais importante, que os cristãos do ocidente desconhecem, foi Portugal ter confiscado todos os terrenos agrícolas em Goa. Os agricultores perderam as terras que cultivavam há muitas gerações e os campos ficaram abandonados a ponto o Vice-Rei das Índias ter participado ao Rei de Portugal as desastrosas consequências económicas do fanatismo desses missionários católicos. Mas tudo fazia parte dum plano bem organizado, pois anos mais tarde, foi promulgada uma lei que permitia que, quem se convertesse ao catolicismo, pudesse recuperar as terras dos seus antepassados. (a)

Nos nossos dias, continuam esses vergonhosos ataques ao hinduísmo, embora de outra forma. No presente é através da calúnia e da desinformação, através de alguns missionários evangélicos americanos e brasileiros, fundamentalistas fanáticos, ao serviço das multinacionais de evangelismo que divulgam falsas notícias a fim de denegrir não só o hinduísmo como a própria Índia. (b)

Nos nossos dias, pelo menos no Estado de Goa, não há problemas religiosos e uma boa percentagem da sua população é católica, embora a maioria seja hindu.

Tenho um casal amigo, que mora num condomínio fechado, nos arredores de Pangim. Eles são evangélicos, mas as suas crianças brincam com outras crianças hindus, islâmicas, católicas, e de todas as religiões, nos jardins desse condomínio. Na Índia há muitos feriados religiosos. São feriados hindus, feriados islâmicos, feriados cristãos e possivelmente outros que eu desconheço. Como será possível algum estudante desconhecer o Deus Ganesh se ele lhe dá uma semana de férias todos os anos? Segundo me conta a esposa desse amigo, em certas épocas do ano, em festas hindus, eles distribuem os seus bolos tradicionais por todas as crianças do condomínio, os islâmicos fazem o mesmo, e ela, quando chega a época do Natal, também retribui da mesma maneira.

Esperemos que o fanatismo dos missionários fundamentalistas evangélicos não estrague essa boa convivência, como já tem acontecido noutros Estados da Índia.

 

Algumas informações sobre a Índia dos nossos dias

 

Os conhecimentos que tenho da Índia, limitam-se à Índia ocidental. Também conheço alguma coisa do Brasil, desde Minas Gerais até Santa Catarina e posso afirmar que noto muitas semelhanças entre estes dois grandes países:

1) As grandes distâncias que “obrigam” a viajar de avião entre as suas principais cidades.

2) O grande desnível social e económico na sua população, onde o rico é mais rico que na Comunidade Europeia, mas o pobre é muito mais pobre.

3) Grande diversidade étnica, cultural e religiosa entre a sua população. Além do hinduísmo, a religião maioritária, há islâmicos, budistas, cristãos, persas, ismaelitas, etc, e certamente também intelectuais agnósticos e ateus. (c).

4) Ambos os países, Brasil e Índia, estão em grande desenvolvimento, mas devido às suas grandes dimensões, diria que “arrancam a várias velocidades”. Tal como no Brasil, também vemos na Índia, tanto zonas muito pobres e atrasadas como zonas super-desenvolvidas.

O que se passa em Varanassi não “mostra claramente o que é, em realidade, a vida de um povo que vive numa miséria espiritual inacreditável” como afirma, ou subscreve, o Pr. Davi Galúcio, Fundador de JOCUM-AP, pois só no Ganges, ao que me parece, são lançados os cadáveres nos casos que mencionei. Pegar nessa amostragem e dizer que toda a Índia é assim, é o mesmo que algum indiano entrar no Brasil, tirar umas fotos das favelas ou de aldeias do interior da Amazónia, com índios quase nus e mostrar na Índia dizendo: “Vejam... isto é o Brasil e estes são os brasileiros”. Qual seria a reacção dos brasileiros se tal acontecesse? Pois isso é semelhante ao que alguns pastores evangélicos brasileiros e americanos estão fazendo em relação à Índia, no próprio Brasil onde há legislação para punir casos de intolerância religiosa, neste caso muito mais grave, pois a impunidade desses pastores pode afectar as relações entre os dois países.

Quando esse Pastor fala em miséria espiritual inacreditável, deveria guardar essas afirmações que só poderão ter algum significado no contexto cultural da sua igreja. Eu sou cristão, embora não me identifique com nenhuma igreja em especial, mas considero que, duma maneira geral o sadú do hinduísmo é mais sério que o vulgar pastor evangélico que explora os mais humildes com a cobrança do dízimo (d).

 

Nos nossos dias, tanto a Índia, como o Brasil estão numa fase de grande desenvolvimento e encontro várias semelhanças entre estes dois grandes países. Mas, duma maneira geral, considero a Índia mais desenvolvida que o Brasil, embora eu prefira o Brasil por causa da língua portuguesa que temos em comum, pois na Índia, como não falo hindi, detesto falar em inglês para me entender com os indianos.

1) As principais cidades indianas estão ligadas por melhores estradas, melhores linhas aéreas, bem como caminhos-de-ferro (trem), que no Brasil quase não existem.

2) No aspecto económico, a rupia indiana é uma moeda estável, que tem acompanhado a evolução do real brasileiro e do próprio euro. É vulgar num banco indiano, um depósito a prazo de um ano, render um juro ilíquido de 8%, a que corresponde o juro líquido de cerca de 6.5%.

3) Quanto à segurança, posso afirmar por experiência própria que as grandes cidades indianas são muito mais seguras que as grandes cidades brasileiras, tanto nas zonas mais nobres como nas favelas.

4) Na ciência e investigação, inclusive a investigação espacial, também a Índia está muito mais desenvolvida, pois o lançamento de satélites já se tornou acontecimento rotineiro que deixou de despertar a atenção dos órgãos de informação. Mas nos satélites lunares, depois da América e Rússia, o Japão lançou um satélite para gravitar à volta da Lua em Setembro de 2007, seguido da China em Outubro de 2007 e a Índia foi o quinto país a colocar um satélite em órbita lunar em Janeiro de 2009 com a sua própria tecnologia e foguetões de fabrico indiano.

 

Quanto à afirmação desse pastor que na Índia Existem 20 mil multimilionários, 200 mil milionários e mais de milhão abaixo da linha da miséria.

Não sei se na Índia haverá 20 mil multimilionários, ou os 200 mil milionários, mas penso que não haverá só mais de um milhão abaixo da linha de miséria. Para um país que no senso do ano 2000 registou 1 080 milhões de habitantes, número que certamente já está ultrapassado, esse milhão a que ele se refere, daria 0.09% da população indiana.

Será que devo agradecer ao tal Pastor fundador da Jocum que escreveu essas linhas, por ter emitido uma opinião tão optimista sobre a Índia, mas que não posso aceitar, por não corresponder à verdade? Ou devo atribuir tal opinião à falta de conhecimento, de quem não faz a mínima ideia do que seja a Índia?! 

 

Antes de terminar este artigo, como faço algumas referências ao hinduísmo e aos problemas sanitários da Índia, atendendo a que os meus conhecimentos do hinduísmo são muito limitados, assim como dos assuntos de saúde pública, pois sou engenheiro de construção civil e não engenheiro sanitarista, quero pedir ajuda a quem esteja dentro destes assuntos, principalmente a quem está na Índia, para que me enviem as correcções ou aditamentos a este artigo que julgarem oportunos, pois quero ser o primeiro a agradecer a eventual colaboração de pessoas entendidas no assunto.

 

Camilo – Marinha Grande, Portugal

Abril de 2009

 

 

(a) Quem for a Goa e se interessar pela história, vale a pena passar algum tempo no “Xavier Centre of Historical Research” (Centro Xavier de Investigação Histórica) no Alto Porvorim, arredores de Pangim, a capital do Estado Indiano de Goa.

O seu Director, o frade Jesuíta Délio Mendonça, que se tornou Padre, é a pessoa que mais sabe deste assunto, pois foi investigar, não só nos documentos históricos disponíveis nas centenárias igrejas de Goa, como em Portugal e no Vaticano, como foi também aos velhos templos hindus. O resultado dessas investigações está no seu livro “Conversions and Citizenry – Goa under Portugal 1510-1610” impresso em Nova Deli.

O Rer. Délio Mendonça nasceu em Moçambique e o português é a sua língua materna, mas foi levado em criança para Goa, quando os seus pais fugiram da independência de Moçambique e da prolongada guerra civil que lhe sucedeu.

Segundo ele próprio me informou, gostaria de publicar o seu livro em português e já fez a tradução, embora necessite de ser revista por alguém mais actualizado na língua portuguesa, mas não encontrou nenhum editor interessado na publicação do seu livro, que na edição em inglês tem cerca de 450 páginas tamanho A5.  

 

(b) Sobre o assunto, aconselho a leitura dos seguintes artigo desta nossa página.

Discriminação religiosa na Índia (CC)

Sacrifícios humanos na Índia dos nossos dias?! (CC)

Índia Urgente (CC)

Comentários aos artigos sobre a Índia

Violência religiosa em Orissa (CC)

 

(c) Há alguns judeus em certos locais da Índia. Em Goa já não há judeus, mas ficou só a “Rua dos Judeus” na Velha Goa. Os judeus iniciais foram “convertidos” pela Santa Inquisição e há o caso dumas ilhas onde o seu número ficou muito reduzido, a ponto de já não poderem manter um deles cuidava da Sinagoga e se dizia descendente dos antigos levitas, que acabou por se “converter” ao hinduísmo, tornando-se sacerdotes do hinduísmo, pois hindus havia muitos para o sustentar. 

 

(d) Por favor, não me venham dizer que dízimo é bíblico neotestamentário, sem primeiro lerem os artigos sobre o assunto que tenho na secção da minha página “Temas polémicos

 

                               

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas