Cristo estará dividido?! (CC)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

1. Introdução

Foi o início da primeira carta de Paulo aos Coríntios que me suscitou este artigo, nomeadamente a seguinte passagem:

1ª Coríntios 1:10/16 na tradução da TEB - 10 Mas, eu vos exorto, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo: guardai a concórdia e não haja divisões entre vós; sede bem unidos, num mesmo espírito e num mesmo pensamento. 11 Com efeito, meus irmãos, familiares de Cloé me informaram que há discórdias entre vós. 12 Eu me explico; cada um de vós fala assim: “Eu sou de Paulo, – Eu, de Apolo, – Eu, de Cefas, - Eu, de Cristo”. 13 Acaso o Cristo está dividido? Porventura, Paulo foi crucificado por vós? Foi acaso em nome de Paulo que fostes batizados? 14 Graças a Deus, não batizei nenhum de vós, com exceção de Crispo e de Gaio; 15 assim ninguém pode dizer que fostes batizados em meu nome. 16 Ah, sim! Eu batizei ainda a família de Estéfanas. Quanto ao resto, não batizei nenhum outro, que eu saiba. 17 Pois Cristo não me enviou para batizar, mas para anunciar o Evangelho, e sem recorrer à sabedoria do discurso, para não reduzir a nada a cruz de Cristo.

 

2. Como era a Igreja de Corinto

Para se compreender esta carta de Paulo, julgo necessário lembrar que a Igreja de Corinto foi fruto da obra missionária de Paulo, que foi o seu fundador e o seu primeiro dirigente. Segundo estimativas de alguns historiadores, Paulo na sua segunda viagem missionária, deve ter permanecido em Corinto cerca de 18 meses, durante os quais preparou os crentes para continuar o trabalho sem a sua presença.

Parece-nos muito pouco tempo, pois estamos habituados a que um Padre, ou Pastor de alguma igreja protestante séria, tenha a preparação de alguns anos de Seminário antes de ser ordenado. Mas penso que esses crentes de Corinho que assumiram a direcção dessa igreja depois de Paulo, não partiram de zero. A maioria seria de judeus conhecedores do hebraico e grego, bem como do latim que era a língua oficial do Império Romano, conhecedores do Velho Testamento, que no entanto, tiveram de aprender a mensagem de Jesus. Nessa época estavam certamente bem vivos os apelos ao sacerdócio universal na carta do próprio apostolo Pedro em 1ª Pedro 2:5 e 1ª Pedro 2:9 sendo Jesus Cristo o único Sumo-Sacerdote, como vemos na primeira carta de Paulo a Timóteo em 1ª Timóteo 2:5.

Mas, mesmo assim, será que ainda temos dirigentes como Paulo? Nos nossos dias, na preparação que as igrejas dão aos seus membros, estes são ensinados a serem os eternos leigos sem capacidade de sobreviver sem os seus dirigentes, acentuando-se cada vez mais as diferenças entre clérigos que são os que ensinam e podem dirigir, enquanto os leigos e as mulheres serão sempre os eternos alunos. Não estarão as igrejas dos nossos dias (evangélicas, católicas ou protestantes) cada vez mais parecidas com o que se passava no Velho Testamento com os leigos que entregavam o seu dízimo, e os levitas que eram os exclusivos profissionais ao serviço da religião?!

Mas havia outra especificidade da Igreja de Corinto. Nas suas viagens missionárias, Paulo pregava aos judeus nas sinagogas e estava geralmente no ambiente da cultura judaica que tão bem conhecia. Mas Corinto era uma cidade de passagem para barcos e viajantes que a tornaram uma cidade fortemente cosmopolita. Era bem diferente pregar para os judeus das pequenas cidades ao longo das vias romanas, que Paulo utilizou nessas viagens, ou pregar nas principais cidades, como era o caso de Corinto, onde havia uma importante sinagoga, não só judeus como prosélitos do judaísmo. A assistência era constituída não só por judeus fundamentalistas típicos de Jerusalém, como por “judeus helenizados” com um bom nível cultural, além de prosélitos de muitas outras religiões. 

Segundo vemos em 2ª Coríntios 12:12 Paulo entrou na cidade de Corinto com muitos sinais e prodígios. Certamente que houve curas e expulsão de demónios com os quais o Senhor confirmou a sua pregação, embora Paulo raramente se refira a isso.  

Depois de Paulo deixar Corinto, aconteceu o inevitável. Apareceu um pregador, Apolo, pessoa com bons dotes de oratória e bons conhecimentos das Escrituras que se convertera ao cristianismo. O resultado… faz lembrar os problemas dos nossos dias quando muda o dirigente duma igreja. Os crentes de Corinto comparavam o que se fazia no tempo de Paulo com o que dizia Apolo. Assim, surgiram os problemas doutrinários, litúrgicos e de ordem moral que dividiam a Igreja de Corinto. Nos nossos dias, tais divergências, possivelmente teriam como consequência uma cisão que daria origem a duas igrejas, uma mais emocional e carismática, com ênfase nos dons espirituais, e outra com maior ênfase no estudo e meditação teológica.

Paulo rejeita as duas opções. Não rejeita as manifestações dos dons espirituais, mas considera como carnais aqueles que se orgulhavam de possuir os dons espirituais, 1ª Coríntios 3:01/07 transformando assim um dom de Deus em assunto para divisão na Igreja.   

Parece haver alguma dificuldade na tradução de parte deste versículo 10, pois encontrei divergências nas várias traduções. (a)

Paulo exortou à unidade dos cristãos de Corinto, para que “…não haja divisões entre vós; sede bem unidos, num mesmo espírito e num mesmo pensamento…”.

Mas… seria isso possível? A unidade de pensamento de todos os crentes? E seria desejável? Seriam resíduos da mentalidade dogmática veterotestamentária de que Paulo, nessa altura, ainda não se tinha libertado? Penso que esta é uma possível interpretação, pois em Romanos 12:16 Paulo também exorta os crentes à unanimidade de pensamento, quando ele próprio nem sempre esteve de acordo com Barnabé como vemos em Actos 15:02 e em Gálatas 2:11/14 Paulo repreende a Pedro que o catolicismo considera como o primeiro Papa. (b)

Mas também, não podemos ignorar a opinião de Paulo em Tito 3:9. Penso que Paulo não perdia tempo com as genealogias e com os inúmeros pormenores da liturgia que tão importantes eram no Velho Testamento. Mas quando estavam em causa os fundamentos da fé, não deixava de reagir, como fez com Pedro. Que diria Paulo, dos nossos cultos evangélicos, católicos ou protestantes quando a homilia tem de ser reduzida para cumprir as tradições dos dias especiais das nossas igrejas? Quantas vezes, ao longo da história, sentimos a falta de algum “Paulo” para impedir que as igrejas se desviem dos ideais de Jesus Cristo? Cruzada americano/batista (CC) de Maio de 2003.       

Pensando nas igrejas dos nossos dias, julgo que todos nós conhecemos muitas igrejas em que todos os seus membros têm a mesma resposta que a sua igreja lhes “ensinou” e se mantêm numa cómoda atitude heterónoma. Se lhes fizermos alguma pergunta, a resposta de todos é sempre a mesma, ou então respondem: O pastor (ou o padre) é que sabe. É o que geralmente acontece em igrejas “mortas”, pois os mortos nada fazem de mal nem de bem. São geralmente as “nossas” igrejas burocratizadas, hierarquizadas, ritualizadas, em que tudo está previamente programado, até a acção do Espírito Santo tem dias e horas para se manifestar de acordo com a deliberação dos seus dirigentes. São essas igrejas que me levam a ter saudades da Igreja de Corinto que tinha certamente os seus problemas, mas em que havia interesse e entusiasmo na reflexão teológica.

Penso que esta exortação de Paulo, para a unanimidade, tem de ser compreendida para o caso da Igreja de Corinto, em que havia muita discussão, possivelmente devido a divergências insignificantes, como no caso que já vimos em Tito 3:9, mas julgo que a mesma exortação não fará sentido para muitas das igrejas dos nossos dias e até terá certamente efeitos contraproducentes nas igrejas arrefecidas dos nossos dias.

 

3. Objectivo desta carta de Paulo

Em muitos aspectos, esta bem poderia ser a carta de Paulo, não só aos coríntios, como às igrejas dos nossos dias. Julgo que seria essa a primeira preocupação de Paulo se ressuscitasse nos nossos dias, ao ver que tanto os evangélicos e protestantes estão divididos em centenas de denominações, como os ortodoxos estão divididos e os católicos também estão divididos entre os que apoiam o actual Papa Francisco e os que o consideram como o anti-Papa ou os católicos tradicionais e os carismáticos etc.

Certamente que há diferenças doutrinárias, litúrgicas e de organização que separam as várias igrejas, mas também há muitos pontos em comum. Não sei se os pontos de divergência serão mais que os pontos em comum, ou se será o contrário. Mas certamente que os pontos em comum, as bases da teologia, são muito mais importantes que os pormenores que dividem as igrejas. Julgo que o problema não é esse, mas sim um problema da ambição das várias igrejas que querem ser a mais importante, a mais verdadeira, a mais santa etc… para não falar em interesses económicos e políticos que sempre estiveram ligados às religiões.

Desde a mais remota antiguidade que praticamente todas as religiões têm a ambição de “monopolizar” a Deus, pois se isso fosse possível conseguiriam ser o centro político, económico e também religioso da humanidade, à semelhança do Templo de Jerusalém. Essa ambição começou com os próprios apóstolos, como vemos em Lucas 9:46. Até as religiões que dizem cultuar o Deus supremo, têm a preocupação de tentar “defender” que são a única revelação de Deus, ou o último profeta, ou que são a única religião que possa garantir a salvação, como se fosse possível limitar o poder de Deus de voltar a manifestar-se a quem quiser, quando e onde entender, utilizando os meios que entender, mesmo ultrapassando a hierarquia dos cargos eclesiásticos ou as normas e tradições religiosas.

Uma das principais diferenças que encontro entre o Velho e o Novo Testamento é que no Velho Testamento temos um deus regional, o deus dum povo, que como todos os outros deuses dos outros povos, tribos ou cidades, lutava a favor do seu povo contra todos os outros povos, enquanto no Novo Testamento temos o Deus Pai que Jesus revelou. Até os apóstolos, habituados à mentalidade teológica veterotestamentária, tiveram dificuldade em abandonar a atitude nacionalista, machista e racista em que foram educados. Actos 10:09/20 Será que isso já está ultrapassado nos nossos dias?!

 

4. Conceito de Paulo sobre a igreja perfeita

Quando Paulo escreveu esta carta aos coríntios, certamente que ainda não havia cânon neotestamentário, nem veterotestamentário (c). No templo de Jerusalém eles só tinham os livros (rolos) do Velho Testamento. As várias sinagogas tinham algumas cópias desses “livros” que mais tarde foram incluídos no cânon veterotestamentário, além de outros que foram rejeitados.

É natural que nessa época houvesse ainda forte influência do Velho Testamento que dava toda a ênfase à cega obediência às leis de Moisés ignorando a meditação teológica. Basta comparar Deuteronómio 6:5 com Mateus 22:37/39 ou Marcos 12:30/31 A passagem do Velho Testamento não menciona o entendimento. A reflexão teológica em vez de ser incentivada era até reprimida, como podemos ver em Provérbios 3:5. Como eram os levitas que falavam em nome do Senhor, essa confiança deveria ser nos próprios levitas que viviam do dízimo das outras tribos.     

Os primeiros livros veterotestamentários possivelmente foram fruto da peregrinação pelo deserto, em ambiente de guerra e foram escritos para um povo de pouca cultura, violento, inconstante que só obedecia à lei do chicote. Assim, a Lei de Moisés, para funcionar, teria de ser bem severa, com a pena de morte para os mais variados delitos. Nesse contexto histórico não havia “espaço” para a reflexão teológica. Deuteronómio 17:12/13

É natural que Paulo, perante os problemas da Igreja de Corinto, embora já tivesse influência da civilização romana, ainda imaginasse a igreja perfeita com uma uniformidade de pensamento, e a ênfase no rigor da liturgia, apesar dele ser dos primeiros apóstolos a libertar-se da mentalidade veterotestamentária em que todos eles foram educados.

Uma das grandes diferenças de Jesus em relação aos antigos profetas é que o Mestre nunca se preocupou com as inúmeras leis que regulavam a vida dos judeus, estabelecendo como vestir, o que podiam comer etc. bem como os pormenores da liturgia que tão importantes eram no Velho Testamento Mateus 15:16/20. Jesus bem sabia que a sua mensagem se iria espalhar por todo o mundo, pelo que preferiu falar por parábolas e em termos mais gerais para que todos pudessem integrar a Sua mensagem no seu contexto histórico e cultural.

  

5. Será que a primeira carta de Paulo resolveu os problemas da igreja de Corinto?

Pelo que vemos em 2ª Coríntios 2:01/06 parece que os problemas da igreja de Corinto demoraram muito mais tempo e Paulo teve de lá voltar outra vez para tentar resolver esses problemas.

A igreja de Corinto, com tanta diversidade cultural e pessoas com boa preparação, continuava certamente bem diferente das que Paulo encontrara nas pequenas aldeias ao longo das vias romanas que percorrera.

Já no primitivo cristianismo seria bem difícil, que todos aceitassem o Evangelho da mesma maneira. Aliás, talvez a unanimidade de opinião só terá sido possível nos recuados tempos de Moisés onde não havia liberdade de pensamento nem de religião e qualquer pequena divergência de opinião era punida severamente, muitas vezes com a pena de morte (d). Mas na época do primitivo cristianismo, tal não era possível não só por estar em nítida contradição com a mensagem de Jesus como pelo facto da Lei Romana permitir a liberdade de religião.

Aliás, nenhuma das religiões abraâmicas, quer o judaísmo, como o cristianismo ou o islamismo, deixou de dar origem a várias seitas. Parece que tal será consequência da reflexão teológica.

 

6. Unanimidade ou unidade?

Será que divergências de pensamento terão sempre como consequência a divisão na Igreja? Poderá haver unidade sem uniformidade?

Diziam os antigos filósofos gregos que “Da discussão nasce a luz”. Mas temos de ser realistas… Não estamos na antiga Grécia nem somos como os seus antigos filósofos.

Quem sou eu para contradizer os antigos filósofos?! Mas infelizmente a nossa experiência tem-nos mostrado que isso nem sempre funciona, e numa discussão “à antiga portuguesa”... o mais provável será uma grande zaragata. Talvez o mesmo aconteça noutros países dos nossos dias, não sei, mas falo como português que sou.

Essa dificuldade em chegar a uma conclusão que todos aceitem, é bem mais difícil em assuntos de religião, principalmente quando houver algum infalível (pessoa ou livro) que alguns colocam acima do seu próprio raciocínio praticando uma espécie de “suicídio intelectual” a que chamam de “conversão”. Esse “novo homem”, convertido sem saber bem a que se converteu, é geralmente o maior perigo de qualquer religião.

Quando, já há alguns anos, tirei algumas cadeiras dum curso de teologia por extensão, nos trabalhos escritos que enviávamos para o Seminário, sobre a História da Igreja Antiga, discordei do nosso professor que era o Pastor Manuel Pedro Cardoso da Igreja Presbiteriana de Portugal. Esperava ter uma má nota, mas considerei que mais importante que a nota era dizer o que pensava.

Ao fim de alguns dias, recebo o trabalho que tinha enviado com seguinte comentário do nosso Professor: É um trabalho globalmente bom, mesmo se em alguns aspectos não temos ideias convergentes. Mas é salutar a diferença de opiniões.

Essa é a solução. Graças a Deus se houver outras ideias. Quando todos meditam na mensagem de Jesus, certamente que nem sempre haverá unanimidade de opinião. Mas com dirigentes como o Pastor Manuel Pedro Cardoso (e) é possível a unidade sem uniformidade.

Quando há divergências, se Jesus estivesse presente fisicamente, certamente que o mais natural seria perguntar-lhe como várias vezes fizeram os apóstolos.

Geralmente, nas igrejas protestantes e evangélicas, procura-se chegar a uma conclusão tomando os textos de toda a Bíblia como padrão e como a verdade absoluta.

Pessoalmente discordo dessa solução, que considero perigosa, pois nem tudo é bom no Velho Testamento onde há passagens que apelam ao racismo, forte discriminação da mulher, xenofobia etc. No Templo de Jerusalém havia forte discriminação até entre os crentes no judaísmo, que ficavam em zonas separadas de acordo com a sua “santidade”. Mas era a santidade do contexto veterotestamentário, uma santidade higiénica e santidade genealógica, bem diferente da santidade que Jesus ensinou. (f)

Melhor seria procurar só nos textos neotestamentários a solução para as várias divergências entre as igrejas. Mas mesmo esta solução, não penso que tenha total apoio do Mestre. Geralmente as igrejas comportam-se como se Jesus tivesse dito: Vou para o Pai, mas deixo-vos as Escrituras. Mas a afirmação de Jesus foi diferente.

Vejamos em João 14:26 e João 16:12/13. Nomeadamente nesta última passagem vemos que Jesus ainda tinha muito mais para nos dizer. Portanto, não nos admiremos se a Bíblia não tiver resposta para tudo como alguns afirmam. Jesus não deixou essas informações porque os crentes não estavam preparados para isso. Será que agora estão?

Não quero de maneira alguma diminuir o valor da Bíblia. O Velho Testamento tem valor histórico embora seja perigoso se o considerarmos normativo, numa interpretação fundamentalista. O Novo Testamento é a mais valiosa informação sobre Jesus Cristo. Mas, embora informação preciosíssima, não é a última palavra.

Não nos admiremos se a Bíblia não tiver resposta para todos os problemas dos nossos dias, pois é ao Espírito Santo que teremos de perguntar.        

 

7. Como deveria ser a pregação do Evangelho

14 Graças a Deus, não batizei nenhum de vós, com exceção de Crispo e de Gaio; 15 assim ninguém pode dizer que fostes batizados em meu nome. 16 Ah, sim! Eu batizei ainda a família de Estéfanas. Quanto ao resto, não batizei nenhum outro, que eu saiba. 17 Pois Cristo não me enviou para batizar, mas para anunciar o Evangelho, e sem recorrer à sabedoria do discurso, para não reduzir a nada a cruz de Cristo.

Não nos consta, pelo menos pelos registos dos evangelhos, que Jesus Cristo se preocupasse com os pormenores da liturgia que ocupavam a maior parte do tempo nos cultos veterotestamentários com muitas práticas para captar a atenção da assistência através de todos os nossos sentidos: A vista, pela imponente arquitectura, ostentação de riqueza e vestes litúrgicas; o ouvido pelos cânticos e instrumentos musicais; o olfacto com a utilização do incenso. Não nos consta que Jesus tenha alguma vez utilizado esses métodos de “pregação”. Aliás, o seu precursor, João Batista, foi o primeiro a rejeitar esses métodos. É natural que nalguns casos os cânticos tenham surgido espontaneamente, mas não a ponto de prejudicar o principal que é a apresentação da mensagem de Cristo.

Paulo não era contra o batismo, mas não o considerava uma prioridade. Não se preocupou com a liturgia que se tornou como que a “burocracia das igrejas”, pois a sua máxima prioridade era apresentar a mensagem clara e simples do Evangelho. Na preparação para a vinda do Messias, João Batista transformou o “mundo” do seu tempo, utilizando somente a pregação e o seu exemplo. João Batista (CC)

Nos nossos dias, nas igrejas cristãs, tanto protestantes, como católicas, ou evangélicas a maior parte do tempo é dedicado ao cumprimento das suas tradições litúrgicas. Se for numa igreja católica, por vezes é a entrada solene dos celebrantes em majestosa procissão, seguida de outros gestos litúrgicos que ocupam a maior parte do tempo. Se for numa igreja evangélica serão os cânticos e testemunhos dos crentes seguidos de mais cânticos a fim de preparar emocionalmente a assistência. Dizem-me que no Brasil, por vezes os cânticos estão a cargo de profissionais muito bem pagos que são a atracção que enche as igrejas, mas a assistência diminui logo a seguir aos cânticos, pois muitos saem logo a seguir, antes da pregação. Aliás, no Velho Testamento o canto estava a cargo dos levitas que exerciam essa função que era hereditária.

Quando há algum casamento ou batismo nas igrejas, é natural que procurem fotografar e filmar o acontecimento para mais tarde ser recordado. Mas quantos se preocupam em filmar a homilia ou pelo menos gravar em som para ser recordada anos mais tarde, com as promessas assumidas, quando no futuro for necessário?  

Penso que a grande questão será a resposta às perguntas: Para quem é o culto? Para quem cantamos? Para Deus ou para os crentes? Talvez haja casos em que apresentamos ao Pai, aquilo que só nos agrada a nós e não a Deus. 

Não consigo imaginar João Batista e muito menos Jesus Cristo a pregar numa igreja dos nossos dias. Em Lucas 5:3 Jesus utilizou o barco de Pedro como púlpito para conseguir falar à grande multidão que o seguia, mas sempre que o número dos ouvintes o permitia, preferia dialogar com os ouvintes a quem fazia perguntas para suscitar pensamentos e ele próprio respondia a perguntas dos seus ouvintes. Mas, também sabemos o que Jesus Cristo fez no Templo de Jerusalém… Mateus 21:12/13 ou Marcos 11:15/17. Será que em algumas das nossas igrejas voltaria a fazer coisa parecida?!

O que seria de muitos padres, pastores e pastoras se não fosse o tempo despendido com o cumprimento de todas estas tradições das igrejas. Nisso eles são bons, para dar a bênção ou apresentar algum ritual. Mas se lhes dissessem: Agora pode apresentar livremente a mensagem do Evangelho durante uma hora ou mesmo trinta minutos, certamente que ficariam tão mudos como geralmente ficam em ambiente secular, fora das quatro paredes das igrejas.

Essa “obrigatoriedade” do tempo dedicado às formalidades litúrgicas, muitas vezes é imposta pelos dirigentes das igrejas. Mas mesmo quando o pregador não for obrigado ao seu cumprimento, não podemos ignorar a pressão de grande parte da assistência que geralmente defende e se preocupa mais com essas tradições que propriamente com a mensagem que é apresentada. Lembro-me do caso dum Pastor duma igreja protestante tradicional que estava em viagem tendo chegado já tarde à localidade onde iria dirigir o culto. Foi directamente para a sua igreja sem ir buscar as vestes que eram habituais nessa igreja. O resultado foram as duras críticas ao seu comportamento, pois para grande parte dos “crentes” essas tradições são mais importantes que a pregação.

Já não me lembro onde li que o Papa Francisco afirmou que as igrejas não podem ser como museus. Geralmente um museu é uma recordação do passado que há muito perdeu a sua “vida”. Talvez pudesse acrescentar que são igrejas em que os crentes são como “santos embalsamados”, que nada fazem de mal nem de bem, pois não pertencem ao nosso tempo. São o resultado de séculos de marginalização dos leigos e das mulheres. Será que o actual Papa Francisco os conseguirá despertar e mobilizar?!  

 

8. Conclusão

Podemos colocar a seguinte questão: Paulo parece não ter conseguido uniformizar a Igreja da Corinto, para que “todos digam a mesma coisa”. Mas será que vinte séculos depois as igrejas cristãs já estarão uniformizadas? Concordam em todos os pormenores da mensagem que apresentam? Dizem todos a mesma coisa?

Ao menos para esta pergunta penso que haverá uma só resposta. Certamente que não há uniformidade nem no Cristianismo, nem nas outras religiões abraâmicas (Judaísmo e Islamismo).

Cristo disse aos seus discípulos … Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio. João 20:21 Mas o maior escândalo é que por vezes os vários grupos de cristãos competem entre si pelos mesmos crentes. Seria isso possível se fossem enviados por Cristo? Não serão em primeiro lugar, enviados pelas suas igrejas para estarem ao serviço dessas igrejas?

Hoje já não dizem: “Eu sou de Paulo, – Eu, de Apolo, – Eu, de Cefas, - Eu, de Cristo” Hoje a resposta será: Sou metodista, ou sou católico, ou pentecostal, batista, presbiteriano, etc. Há igrejas mais abertas e ecuménicas, e outras mais sectárias. Não se trata só de pequenas divergências de opinião em vários pormenores secundários, o que seria compreensível. O maior escândalo é que por vezes as várias igrejas competem entre si pelos mesmos crentes.

Mas, hoje em dia há ainda outros grupos religiosos: Quero mencionar aqueles que no Brasil são conhecidos como os “desigrejados”, que são cristãos comprometidos com Cristo, a maior parte de origem evangélica, mas desiludidos com as igrejas, que frequentam os cultos e até colaboram quando possível, mas não se identificam com nenhuma igreja. Dizem-me que esse é o grupo religioso que mais cresce no Brasil. Quero também mencionar o grupo dos que se consideram como católicos, mas só vão à missa nos batizados, casamentos e funerais e nada percebem da teologia católica actual. Nas conversas identificam-se mais como agnósticos de tradição católica, que em Portugal são em grande número.

Mas como reagiria um cristão dos fins do primeiro século se ressuscitasse nos nossos dias? Se por exemplo Paulo ou Pedro ou João aparecesse nos nossos dias, qual seria a igreja deles?!

Será que eles, que conviveram com Cristo, se sentiriam identificados com as nossas igrejas?! Ou seriam também classificados como “desigrejados” por não se submeterem às doutrinas e rituais das várias igrejas?  

Onde estará Cristo? Em que igrejas? E como podemos saber se Jesus está presenta nas igrejas, ou pelo menos nalguma igreja? Se quase todas proclamam ser a igreja mais santa, ou a mais fiel, ou a verdadeira igreja de Cristo, será que são os sinais de Jesus estar presente?! Pelo contrário, essa competição entre as igrejas só poderá colocar em dúvida se serão verdadeiros discípulos de Cristo. João 17:20/21

Penso que a resposta de Jesus está em Mateus 18:20 Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu Nome, eu estou no meio deles.

Jesus está sempre presente onde a Sua Mensagem e os seus Valores são defendidos desinteressadamente. Nos nossos dias, já não basta dizer que Deus é amor. Qual a religião que não faz semelhante afirmação? E quem irá acreditar se não vir os seus frutos? Mateus 7:15/23 De nada serve uma liturgia impecável e a repetição dos sacramentos ou ordenanças, se a mensagem de Jesus for deturpada para tornar os cultos mais rentáveis, nomeadamente com a cobrança do dízimo. Deus não se ilude com a nossa liturgia, nossos cânticos ou as “bonitas” orações, se não corresponderem aos nossos pensamentos mais íntimos. Isaías 1:11/20      

Se não for assim, toda a nossa liturgia ou orações ou rezas, ou cânticos, serão “bonitos” ou “espectaculares” só para nós e não para o Pai que não vê nem ouve como nós vemos e ouvimos, mas sonda o mais íntimo dos nossos pensamentos.

Cristão não é quem segue um dirigente, ou um livro, seja ele qual for, ou uma doutrina, ou uma filosofia, ou quem tem o seu nome nos registos duma igreja e cumpre todas as suas formalidades e sacramentos. Se formos às origens, aos evangelhos, teremos de concluir que os “entendidos em teologia” complicaram o que é bem simples, pois Cristão é quem segue a Cristo. Só isto. Deus não permitiu que a nossa salvação estivesse dependente de alguma organização ou ritual, pois segundo Jesus afirmou, quem ama a Deus o Pai com todo o seu coração, toda a sua alma, todas as suas forças e todo o seu entendimento e ao próximo como a si mesmo, tem a vida eterna Lucas 10:26/28.

 

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(a) Parece haver alguma dificuldade na tradução de parte deste versículo 10, pois encontrei divergências nas várias traduções.

Como vimos, na TEB: Mas, eu vos exorto, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo: guardai a concórdia e não haja divisões entre vós….

Na TOB: Mais, je vous exhorte, frères, au nom de notre Seigneur Jésus Christ: soyez tous d’accord (k) et qu’il n’y ait pas de divisions parmi vous  (k) dites tous la même chose.

Na Ferreira da Almeida da Sociedade Bíblica de Portugal: Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões….    

Na Bíblia Sagrada da Difusora Bíblica: Peço-vos, irmãos, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que estejais todos de acordo e que não haja divisões entre vós ….

Na tradução de Figueiredo (Lisboa 1963): Mas, irmãos, rogo-vos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos digais uma mesma coisa, e que não haja entre vós cismas…

 

(b) Gálatas 2:11/14 na tradução da Bíblia Sagrada da Difusora Bíblica: 11 Mas, quando Cefas veio para Antioquia, opus-me frontalmente a ele, porque estava a comportar-se de modo condenável. 12 Com efeito, antes de terem chegado umas pessoas da parte de Tiago, ele comia juntamente com os gentios. Mas, quando elas chegaram, Pedro retirava-se e separava-se, com medo dos partidários da circuncisão. 13 E com ele também os outros judeus agiram hipocritamente, de tal modo que até Barnabé foi arrastado pela hipocrisia deles. 14 Mas quando vi que não procediam correctamente, de acordo com a verdade do Evangelho, disse a Cefas: «Se tu, sendo judeu, vives segundo os costumes gentios e não judaicos, como te atreves a forçar os gentios a viver como judeus?»  

 

(c) Nessa época, nem o cânon veterotestamentário estava definido, pois somente cerca do ano 90 ou 100 da nossa era, um grupo de judeus, reunido na cidade de Jâmnia, definiu o cânon do Velho Testamento com a mentalidade racista e nacionalista que os levou a rejeitar os livros deuterocanónicos, por não terem sido escritos originariamente em hebraico mas em grego, ou por não terem sido escritos em Israel, ou por terem sido escritos depois de Esdras (458/428 aC), pois para eles, o seu “deus de Israel” morava em Israel e não falava grego, pois era o deus só de Israel e não dos outros povos.

Nos nossos dias o Catolicismo aceita os livros deuterocanónicos que são rejeitados por evangélicos e protestantes. 

O que mais me escandaliza não são os deuterocanónicos, mas certos textos do Velho Testamento que me recuso a aceitar como inspirados. Não é possível conhecer a Cristo e ao mesmo tempo aceitar todo o Velho Testamento como inspirado e normativo depois de Jesus Cristo apresentar a Sua mensagem. Não é possível seguir a Cristo e a Moisés.

 

(d) Alguns dos muitos casos de transgressões punidas com a pena de morte no Velho Testamento:

           Respeito pelos pais                Êxodo 21:17

           Feitiçaria                                Êxodo 22:18

           Outras religiões                      Êxodo 22:20

           Sábado                                   Êxodo 35:2

           Adultério                                Levítico 20:10

           Blasfémia                               Levítico 24:10/16

 

(e) Temos também a apresentação do Pastor Manuel Pedro Cardoso e alguns dos seus artigos nesta nossa página que poderá consultar em Manuel Pedro da Silva Cardoso. 

 

 (f) Segundo Joaquim Jeremias, a Mishna previa 10 degraus de santidade:

  1. O país de Israel.

  2. A cidade de Jerusalém.

  3. A montanha do Templo.

  4. O hel, terraço com uma balaustrada que o separava do resto da esplanada do Templo; essa balaustrada demarcava o limite que os pagãos não podiam ultrapassar.

  5. O átrio das mulheres.

  6. O átrio dos israelitas.

  7. O átrio dos sacerdotes.

  8. O espaço ente o altar dos holocaustos e o edifício do Templo.

  9. O edifício do Templo.

  10. O Santo dos santos.  

 

Em 1871 os arqueólogos descobriram o aviso que estava no átrio dos gentios proibindo-os de ultrapassar esse limite, sob pena de morte.

Diz a tradição, que só o sumo-sacerdote entrava no lugar Santo dos santos um vez por ano, amarrado a uma corda. Se os seus pecados não estivessem perdoados, ele morria e a corda servia para o puxarem para fora, visto que mais ninguém lá podia entrar.

Claro que isso levanta muitas questões pertinentes: Como estaria o lugar Santo dos santos ao fim de tantos séculos se a mulher da limpeza não podia lá entrar?

Também quando os exércitos da Babilónia e mais tarde os de Roma conquistaram Jerusalém, certamente que entraram em todas as salas do Templo, mas nada consta que alguém tivesse falecido por entrar no Santo dos santos.     

 

 

Literatura consultada:

Várias traduções da Bíblia.

Jerusalém no tempo de Jesus. De Joaquim Jeremias – Paulus.

Dicionário da Bíblia - Davis

Vários Comentários e Atlas bíblicos

 

 

 

Camilo – Marinha Grande, Portugal

Agosto de 2016

 

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas  

 

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