Cristo estará dividido?!
(CC)
(Deverá
“clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)
1. Introdução
Foi
o início da primeira carta de Paulo aos Coríntios que me suscitou este artigo,
nomeadamente a seguinte passagem:
1ª
Coríntios 1:10/16 na tradução da TEB - 10
Mas, eu vos exorto, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo:
guardai a concórdia e não haja divisões entre vós; sede bem unidos, num mesmo
espírito e num mesmo pensamento. 11 Com efeito, meus
irmãos, familiares de Cloé me informaram que há discórdias entre vós. 12 Eu me explico; cada um
de vós fala assim: “Eu sou de Paulo, – Eu, de Apolo, – Eu, de Cefas, - Eu, de
Cristo”. 13 Acaso o Cristo está dividido? Porventura, Paulo foi crucificado
por vós? Foi acaso em nome de Paulo que fostes batizados? 14 Graças a Deus, não
batizei nenhum de vós, com exceção de Crispo e de Gaio; 15 assim ninguém pode
dizer que fostes batizados em meu nome. 16 Ah, sim! Eu batizei
ainda a família de Estéfanas. Quanto ao resto, não
batizei nenhum outro, que eu saiba. 17 Pois Cristo não me
enviou para batizar, mas para anunciar o Evangelho, e sem recorrer à sabedoria
do discurso, para não reduzir a nada a cruz de Cristo.
2. Como era a Igreja de Corinto
Para se compreender esta carta de Paulo,
julgo necessário lembrar que a Igreja de Corinto foi fruto da obra missionária
de Paulo, que foi o seu fundador e o seu primeiro dirigente. Segundo
estimativas de alguns historiadores, Paulo na sua segunda viagem missionária,
deve ter permanecido em Corinto cerca de 18 meses, durante os quais preparou os
crentes para continuar o trabalho sem a sua presença.
Parece-nos muito pouco tempo, pois
estamos habituados a que um Padre, ou Pastor de alguma igreja protestante
séria, tenha a preparação de alguns anos de Seminário antes de ser ordenado.
Mas penso que esses crentes de Corinho que assumiram a direcção dessa igreja
depois de Paulo, não partiram de zero. A maioria seria de judeus conhecedores
do hebraico e grego, bem como do latim que era a língua oficial do Império Romano,
conhecedores do Velho Testamento, que no entanto, tiveram de aprender a
mensagem de Jesus. Nessa época estavam certamente bem vivos os apelos ao
sacerdócio universal na carta do próprio apostolo Pedro em 1ª Pedro 2:5
e 1ª
Pedro 2:9 sendo Jesus Cristo o único Sumo-Sacerdote, como
vemos na primeira carta de Paulo a Timóteo em 1ª Timóteo 2:5.
Mas, mesmo assim, será que ainda temos
dirigentes como Paulo? Nos nossos dias, na preparação que as igrejas dão aos
seus membros, estes são ensinados a serem os eternos leigos sem capacidade de
sobreviver sem os seus dirigentes, acentuando-se cada vez mais as diferenças
entre clérigos que são os que ensinam e podem dirigir, enquanto os leigos e as
mulheres serão sempre os eternos alunos. Não estarão as igrejas dos nossos dias
(evangélicas, católicas ou protestantes) cada vez mais parecidas com o que se
passava no Velho Testamento com os leigos que entregavam o seu dízimo, e os
levitas que eram os exclusivos profissionais ao serviço da religião?!
Mas havia outra especificidade da Igreja
de Corinto. Nas suas viagens missionárias, Paulo pregava aos judeus nas
sinagogas e estava geralmente no ambiente da cultura judaica que tão bem
conhecia. Mas Corinto era uma cidade de passagem para barcos e viajantes que a
tornaram uma cidade fortemente cosmopolita. Era bem diferente pregar para os judeus
das pequenas cidades ao longo das vias romanas, que Paulo utilizou nessas
viagens, ou pregar nas principais cidades, como era o caso de Corinto, onde
havia uma importante sinagoga, não só judeus como prosélitos do judaísmo. A
assistência era constituída não só por judeus fundamentalistas típicos de
Jerusalém, como por “judeus helenizados” com um bom nível cultural, além de
prosélitos de muitas outras religiões.
Segundo vemos em 2ª
Coríntios 12:12 Paulo entrou na cidade de Corinto com
muitos sinais e prodígios. Certamente que houve curas e expulsão de demónios
com os quais o Senhor confirmou a sua pregação, embora Paulo raramente se
refira a isso.
Depois de Paulo deixar Corinto, aconteceu
o inevitável. Apareceu um pregador, Apolo, pessoa com bons dotes de oratória e
bons conhecimentos das Escrituras que se convertera ao cristianismo. O
resultado… faz lembrar os problemas dos nossos dias quando muda o dirigente
duma igreja. Os crentes de Corinto comparavam o que se fazia no tempo de Paulo
com o que dizia Apolo. Assim, surgiram os problemas doutrinários, litúrgicos e
de ordem moral que dividiam a Igreja de Corinto. Nos nossos dias, tais
divergências, possivelmente teriam como consequência uma cisão que daria origem
a duas igrejas, uma mais emocional e carismática, com ênfase nos dons
espirituais, e outra com maior ênfase no estudo e meditação teológica.
Paulo rejeita as duas opções. Não
rejeita as manifestações dos dons espirituais, mas considera como carnais
aqueles que se orgulhavam de possuir os dons espirituais, 1ª
Coríntios 3:01/07 transformando assim um dom de Deus em
assunto para divisão na Igreja.
Parece haver alguma dificuldade na
tradução de parte deste versículo 10, pois encontrei divergências nas várias
traduções. (a)
Paulo exortou à unidade dos cristãos de
Corinto, para que “…não haja divisões entre vós; sede bem unidos, num mesmo
espírito e num mesmo pensamento…”.
Mas… seria isso possível? A unidade de
pensamento de todos os crentes? E seria desejável?
Seriam resíduos da mentalidade dogmática veterotestamentária de que Paulo,
nessa altura, ainda não se tinha libertado? Penso que esta é uma possível
interpretação, pois em Romanos 12:16
Paulo também exorta os crentes à unanimidade de pensamento, quando ele próprio
nem sempre esteve de acordo com Barnabé como vemos em Actos 15:02
e em Gálatas
2:11/14 Paulo repreende a Pedro que o catolicismo considera
como o primeiro Papa. (b)
Mas também, não podemos ignorar a
opinião de Paulo em Tito 3:9.
Penso que Paulo não perdia tempo com as genealogias e com os inúmeros
pormenores da liturgia que tão importantes eram no Velho Testamento. Mas quando
estavam em causa os fundamentos da fé, não deixava de reagir, como fez com
Pedro. Que diria Paulo, dos nossos cultos evangélicos, católicos ou
protestantes quando a homilia tem de ser reduzida para cumprir as tradições dos
dias especiais das nossas igrejas? Quantas vezes, ao longo da história, sentimos a falta de algum “Paulo” para impedir que as
igrejas se desviem dos ideais de Jesus Cristo? Cruzada
americano/batista (CC) de Maio de 2003.
Pensando nas igrejas dos nossos dias,
julgo que todos nós conhecemos muitas igrejas em que todos os seus membros têm
a mesma resposta que a sua igreja lhes “ensinou” e se mantêm numa cómoda
atitude heterónoma. Se lhes fizermos alguma pergunta, a resposta de todos é
sempre a mesma, ou então respondem: O pastor (ou o padre) é que sabe. É o que
geralmente acontece em igrejas “mortas”, pois os
mortos nada fazem de mal nem de bem. São geralmente as
“nossas” igrejas burocratizadas, hierarquizadas, ritualizadas, em que tudo está
previamente programado, até a acção do Espírito Santo tem dias e horas para se
manifestar de acordo com a deliberação dos seus dirigentes. São essas igrejas
que me levam a ter saudades da Igreja de Corinto que tinha certamente os seus
problemas, mas em que havia interesse e entusiasmo na reflexão teológica.
Penso que esta exortação de Paulo, para
a unanimidade, tem de ser compreendida para o caso da Igreja de Corinto, em que
havia muita discussão, possivelmente devido a divergências insignificantes,
como no caso que já vimos em Tito 3:9,
mas julgo que a mesma exortação não fará sentido para muitas das igrejas dos
nossos dias e até terá certamente efeitos contraproducentes nas igrejas
arrefecidas dos nossos dias.
3. Objectivo desta carta de Paulo
Em muitos aspectos, esta bem poderia ser
a carta de Paulo, não só aos coríntios, como às igrejas dos nossos dias. Julgo que
seria essa a primeira preocupação de Paulo se ressuscitasse nos nossos dias, ao
ver que tanto os evangélicos e protestantes estão divididos em centenas de
denominações, como os ortodoxos estão divididos e os católicos também estão
divididos entre os que apoiam o actual Papa Francisco e os que o consideram
como o anti-Papa ou os católicos tradicionais e os
carismáticos etc.
Certamente que há diferenças
doutrinárias, litúrgicas e de organização que separam as várias igrejas, mas
também há muitos pontos em comum. Não sei se os pontos de divergência serão
mais que os pontos em comum, ou se será o contrário. Mas certamente que os
pontos em comum, as bases da teologia, são muito mais importantes que os
pormenores que dividem as igrejas. Julgo que o problema não é esse, mas sim um
problema da ambição das várias igrejas que querem ser a mais importante, a mais
verdadeira, a mais santa etc… para não falar em interesses económicos e
políticos que sempre estiveram ligados às religiões.
Desde a mais remota antiguidade que
praticamente todas as religiões têm a ambição de “monopolizar” a Deus, pois se
isso fosse possível conseguiriam ser o centro político, económico e também
religioso da humanidade, à semelhança do Templo de Jerusalém. Essa ambição
começou com os próprios apóstolos, como vemos em Lucas 9:46.
Até as religiões que dizem cultuar o Deus supremo, têm a preocupação de tentar “defender”
que são a única revelação de Deus, ou o último profeta, ou que são a única
religião que possa garantir a salvação, como se fosse possível limitar o poder
de Deus de voltar a manifestar-se a quem quiser, quando e onde entender,
utilizando os meios que entender, mesmo ultrapassando a hierarquia dos cargos
eclesiásticos ou as normas e tradições religiosas.
Uma das principais diferenças que
encontro entre o Velho e o Novo Testamento é que no Velho Testamento temos um
deus regional, o deus dum povo, que como todos os outros deuses dos outros
povos, tribos ou cidades, lutava a favor do seu povo contra todos os outros
povos, enquanto no Novo Testamento temos o Deus Pai que Jesus revelou. Até os
apóstolos, habituados à mentalidade teológica veterotestamentária, tiveram
dificuldade em abandonar a atitude nacionalista, machista e racista em que
foram educados. Actos
10:09/20 Será que isso já está ultrapassado nos nossos
dias?!
4. Conceito de Paulo sobre a igreja perfeita
Quando Paulo escreveu
esta carta aos coríntios, certamente que ainda não havia cânon
neotestamentário, nem veterotestamentário (c).
No templo de Jerusalém eles só tinham os livros (rolos) do Velho Testamento. As
várias sinagogas tinham algumas cópias desses “livros” que mais tarde foram
incluídos no cânon veterotestamentário, além de outros que foram rejeitados.
É natural que nessa
época houvesse ainda forte influência do Velho Testamento que dava toda a
ênfase à cega obediência às leis de Moisés ignorando a meditação teológica.
Basta comparar Deuteronómio
6:5
com Mateus
22:37/39 ou Marcos
12:30/31 A passagem do Velho Testamento não menciona o
entendimento. A reflexão teológica em vez de ser incentivada era até reprimida,
como podemos ver em Provérbios 3:5. Como eram os levitas
que falavam em nome do Senhor, essa confiança deveria ser nos próprios levitas que viviam do dízimo das outras tribos.
Os primeiros livros veterotestamentários
possivelmente foram fruto da peregrinação pelo deserto, em ambiente de guerra e
foram escritos para um povo de pouca cultura, violento, inconstante que só
obedecia à lei do chicote. Assim, a Lei de Moisés, para funcionar, teria de ser
bem severa, com a pena de morte para os mais variados delitos. Nesse contexto
histórico não havia “espaço” para a reflexão teológica. Deuteronómio
17:12/13
É natural que Paulo, perante os problemas da Igreja
de Corinto, embora já tivesse influência da civilização romana, ainda
imaginasse a igreja perfeita com uma uniformidade de pensamento, e a ênfase no
rigor da liturgia, apesar dele ser dos primeiros
apóstolos a libertar-se da mentalidade veterotestamentária em que todos eles
foram educados.
Uma das grandes diferenças de Jesus em relação aos
antigos profetas é que o Mestre nunca se preocupou com as inúmeras leis que
regulavam a vida dos judeus, estabelecendo como vestir, o que podiam comer etc.
bem como os pormenores da liturgia que tão importantes eram no Velho Testamento
Mateus
15:16/20. Jesus bem sabia que a sua mensagem se iria
espalhar por todo o mundo, pelo que preferiu falar por parábolas e em termos
mais gerais para que todos pudessem integrar a Sua mensagem no seu contexto
histórico e cultural.
5. Será que a primeira carta de Paulo resolveu os problemas da
igreja de Corinto?
Pelo que vemos em 2ª
Coríntios 2:01/06 parece que os problemas da igreja de
Corinto demoraram muito mais tempo e Paulo teve de lá voltar outra vez para
tentar resolver esses problemas.
A igreja de Corinto, com tanta diversidade cultural
e pessoas com boa preparação, continuava certamente bem diferente das que Paulo
encontrara nas pequenas aldeias ao longo das vias romanas que percorrera.
Já no primitivo cristianismo seria bem difícil, que
todos aceitassem o Evangelho da mesma maneira. Aliás, talvez a unanimidade de
opinião só terá sido possível nos recuados tempos de Moisés onde não havia
liberdade de pensamento nem de religião e qualquer pequena divergência de
opinião era punida severamente, muitas vezes com a pena de morte (d). Mas na época do primitivo cristianismo, tal não
era possível não só por estar em nítida contradição com a mensagem de Jesus
como pelo facto da Lei Romana permitir a liberdade de religião.
Aliás, nenhuma das religiões abraâmicas, quer o
judaísmo, como o cristianismo ou o islamismo, deixou de dar origem a várias
seitas. Parece que tal será consequência da reflexão teológica.
6. Unanimidade ou
unidade?
Será
que divergências de pensamento terão sempre como consequência a divisão na
Igreja? Poderá haver unidade sem uniformidade?
Diziam
os antigos filósofos gregos que “Da
discussão nasce a luz”. Mas temos de ser realistas… Não estamos na antiga
Grécia nem somos como os seus antigos filósofos.
Quem
sou eu para contradizer os antigos filósofos?! Mas infelizmente a nossa
experiência tem-nos mostrado que isso nem sempre funciona, e numa discussão “à
antiga portuguesa”... o mais provável será uma grande
zaragata. Talvez o mesmo aconteça noutros países dos nossos dias, não sei, mas
falo como português que sou.
Essa
dificuldade em chegar a uma conclusão que todos aceitem, é bem mais difícil em
assuntos de religião, principalmente quando houver algum infalível (pessoa ou
livro) que alguns colocam acima do seu próprio raciocínio praticando uma
espécie de “suicídio intelectual” a que chamam de “conversão”. Esse “novo
homem”, convertido sem saber bem a que se converteu, é geralmente o maior
perigo de qualquer religião.
Quando,
já há alguns anos, tirei algumas cadeiras dum curso de teologia por extensão,
nos trabalhos escritos que enviávamos para o Seminário, sobre a História da
Igreja Antiga, discordei do nosso professor que era o Pastor Manuel Pedro
Cardoso da Igreja Presbiteriana de Portugal. Esperava ter uma má nota, mas
considerei que mais importante que a nota era dizer o que pensava.
Ao
fim de alguns dias, recebo o trabalho que tinha enviado com seguinte comentário
do nosso Professor: É um trabalho
globalmente bom, mesmo se em alguns aspectos não temos ideias convergentes. Mas
é salutar a diferença de opiniões.
Essa
é a solução. Graças a Deus se houver outras ideias. Quando todos meditam na
mensagem de Jesus, certamente que nem sempre haverá unanimidade de opinião. Mas
com dirigentes como o Pastor Manuel Pedro Cardoso (e)
é possível a unidade sem uniformidade.
Quando
há divergências, se Jesus estivesse presente fisicamente, certamente que o mais
natural seria perguntar-lhe como várias vezes fizeram os apóstolos.
Geralmente,
nas igrejas protestantes e evangélicas, procura-se chegar a uma conclusão
tomando os textos de toda a Bíblia como padrão e como a verdade absoluta.
Pessoalmente
discordo dessa solução, que considero perigosa, pois
nem tudo é bom no Velho Testamento onde há passagens que apelam ao racismo,
forte discriminação da mulher, xenofobia etc. No Templo de Jerusalém havia
forte discriminação até entre os crentes no judaísmo, que ficavam em zonas
separadas de acordo com a sua “santidade”. Mas era a santidade do contexto
veterotestamentário, uma santidade higiénica e santidade genealógica, bem
diferente da santidade que Jesus ensinou. (f)
Melhor
seria procurar só nos textos neotestamentários a solução para as várias
divergências entre as igrejas. Mas mesmo esta solução, não penso
que tenha total apoio do Mestre. Geralmente as igrejas comportam-se como se
Jesus tivesse dito: Vou para o Pai, mas
deixo-vos as Escrituras. Mas a afirmação de Jesus foi diferente.
Vejamos em João 14:26
e João
16:12/13. Nomeadamente nesta última passagem vemos que Jesus ainda tinha muito mais para nos dizer.
Portanto, não nos admiremos se a Bíblia não tiver resposta para tudo como
alguns afirmam. Jesus não deixou essas informações porque os crentes não estavam
preparados para isso. Será que agora estão?
Não quero de maneira alguma diminuir o
valor da Bíblia. O Velho Testamento tem valor histórico embora seja perigoso se
o considerarmos normativo, numa interpretação fundamentalista. O Novo
Testamento é a mais valiosa informação sobre Jesus Cristo. Mas, embora
informação preciosíssima, não é a última palavra.
Não nos admiremos se a Bíblia não tiver
resposta para todos os problemas dos nossos dias, pois é ao Espírito Santo que
teremos de perguntar.
7. Como deveria ser a
pregação do Evangelho
14 Graças a Deus, não batizei nenhum de vós, com exceção de Crispo e
de Gaio; 15 assim ninguém pode dizer que fostes batizados em meu nome. 16 Ah, sim! Eu batizei
ainda a família de Estéfanas. Quanto ao resto, não
batizei nenhum outro, que eu saiba. 17 Pois Cristo não me
enviou para batizar, mas para anunciar o Evangelho, e sem recorrer à sabedoria
do discurso, para não reduzir a nada a cruz de Cristo.
Não nos consta, pelo menos pelos
registos dos evangelhos, que Jesus Cristo se preocupasse com os pormenores da
liturgia que ocupavam a maior parte do tempo nos cultos veterotestamentários
com muitas práticas para captar a atenção da assistência através de todos os
nossos sentidos: A vista, pela imponente arquitectura, ostentação de riqueza e
vestes litúrgicas; o ouvido pelos cânticos e instrumentos musicais;
o olfacto com a utilização do incenso. Não nos consta que Jesus tenha alguma
vez utilizado esses métodos de “pregação”. Aliás, o seu precursor, João
Batista, foi o primeiro a rejeitar esses métodos. É natural que nalguns casos
os cânticos tenham surgido espontaneamente, mas não a ponto de prejudicar o
principal que é a apresentação da mensagem de Cristo.
Paulo não era contra o batismo, mas não o
considerava uma prioridade. Não se preocupou com a liturgia que se tornou como
que a “burocracia das igrejas”, pois a sua máxima prioridade era apresentar a
mensagem clara e simples do Evangelho. Na preparação para a vinda do Messias,
João Batista transformou o “mundo” do seu tempo, utilizando somente a pregação
e o seu exemplo. João
Batista (CC)
Nos nossos dias, nas igrejas cristãs,
tanto protestantes, como católicas, ou evangélicas a maior parte do tempo é
dedicado ao cumprimento das suas tradições litúrgicas. Se for numa igreja
católica, por vezes é a entrada solene dos celebrantes em majestosa procissão,
seguida de outros gestos litúrgicos que ocupam a maior parte do tempo. Se for
numa igreja evangélica serão os cânticos e testemunhos dos crentes seguidos de
mais cânticos a fim de preparar emocionalmente a assistência. Dizem-me que no
Brasil, por vezes os cânticos estão a cargo de profissionais muito bem pagos
que são a atracção que enche as igrejas, mas a assistência diminui logo a
seguir aos cânticos, pois muitos saem logo a seguir, antes da pregação. Aliás,
no Velho Testamento o canto estava a cargo dos levitas que exerciam essa função
que era hereditária.
Quando há algum casamento ou batismo nas
igrejas, é natural que procurem fotografar e filmar o acontecimento para mais
tarde ser recordado. Mas quantos se preocupam em filmar a homilia ou pelo menos
gravar em som para ser recordada anos mais tarde, com as promessas assumidas,
quando no futuro for necessário?
Penso que a grande questão será a
resposta às perguntas: Para quem é o culto? Para quem cantamos? Para Deus ou
para os crentes? Talvez haja casos em que apresentamos ao Pai, aquilo que só
nos agrada a nós e não a Deus.
Não consigo imaginar João Batista e
muito menos Jesus Cristo a pregar numa igreja dos nossos dias. Em Lucas 5:3 Jesus
utilizou o barco de Pedro como púlpito para conseguir falar à grande multidão
que o seguia, mas sempre que o número dos ouvintes o permitia, preferia
dialogar com os ouvintes a quem fazia perguntas para suscitar pensamentos e ele
próprio respondia a perguntas dos seus ouvintes. Mas, também sabemos o que
Jesus Cristo fez no Templo de Jerusalém… Mateus
21:12/13 ou Marcos
11:15/17. Será que em algumas das nossas igrejas voltaria a
fazer coisa parecida?!
O que seria de muitos padres, pastores e
pastoras se não fosse o tempo despendido com o cumprimento de todas estas
tradições das igrejas. Nisso eles são bons, para dar a bênção ou apresentar
algum ritual. Mas se lhes dissessem: Agora pode apresentar livremente a
mensagem do Evangelho durante uma hora ou mesmo trinta minutos, certamente que
ficariam tão mudos como geralmente ficam em ambiente secular, fora das quatro
paredes das igrejas.
Essa “obrigatoriedade” do tempo dedicado
às formalidades litúrgicas, muitas vezes é imposta pelos dirigentes das
igrejas. Mas mesmo quando o pregador não for obrigado ao seu cumprimento, não
podemos ignorar a pressão de grande parte da assistência que geralmente defende
e se preocupa mais com essas tradições que propriamente com a mensagem que é
apresentada. Lembro-me do caso dum Pastor duma igreja protestante tradicional
que estava em viagem tendo chegado já tarde à localidade onde iria dirigir o
culto. Foi directamente para a sua igreja sem ir buscar as vestes que eram habituais
nessa igreja. O resultado foram as duras críticas ao seu comportamento, pois
para grande parte dos “crentes” essas tradições são mais importantes que a
pregação.
Já não me lembro onde li que o Papa
Francisco afirmou que as igrejas não
podem ser como museus. Geralmente um museu é uma recordação do passado que
há muito perdeu a sua “vida”. Talvez pudesse acrescentar que são igrejas em que
os crentes são como “santos embalsamados”, que nada fazem de mal nem de bem,
pois não pertencem ao nosso tempo. São o resultado de séculos de marginalização
dos leigos e das mulheres. Será que o actual Papa Francisco os conseguirá
despertar e mobilizar?!
8. Conclusão
Podemos
colocar a seguinte questão: Paulo parece não ter conseguido uniformizar a
Igreja da Corinto, para que “todos digam a mesma coisa”. Mas será que vinte
séculos depois as igrejas cristãs já estarão uniformizadas? Concordam em todos
os pormenores da mensagem que apresentam? Dizem todos a mesma coisa?
Ao
menos para esta pergunta penso que haverá uma só resposta. Certamente que não
há uniformidade nem no Cristianismo, nem nas outras religiões abraâmicas
(Judaísmo e Islamismo).
Cristo
disse aos seus discípulos … Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio. João 20:21
Mas o maior escândalo é que por vezes os vários grupos de cristãos competem
entre si pelos mesmos crentes. Seria isso possível se fossem enviados por
Cristo? Não serão em primeiro lugar, enviados pelas suas igrejas para estarem
ao serviço dessas igrejas?
Hoje
já não dizem: “Eu
sou de Paulo, – Eu, de Apolo, – Eu, de Cefas, - Eu, de Cristo” Hoje
a resposta será: Sou metodista, ou sou católico, ou pentecostal, batista,
presbiteriano, etc. Há igrejas mais abertas e ecuménicas, e outras mais
sectárias. Não se trata só de pequenas divergências de opinião em vários
pormenores secundários, o que seria compreensível. O maior escândalo é que por
vezes as várias igrejas competem entre si pelos mesmos crentes.
Mas,
hoje em dia há ainda outros grupos religiosos: Quero mencionar aqueles que no
Brasil são conhecidos como os “desigrejados”, que são cristãos comprometidos com Cristo, a
maior parte de origem evangélica, mas desiludidos com as igrejas, que
frequentam os cultos e até colaboram quando possível, mas não se identificam
com nenhuma igreja. Dizem-me que esse é o grupo religioso que mais cresce no
Brasil. Quero também mencionar o grupo dos que se consideram como católicos,
mas só vão à missa nos batizados, casamentos e funerais e nada percebem da
teologia católica actual. Nas conversas identificam-se mais como agnósticos de
tradição católica, que em Portugal são em grande número.
Mas como reagiria um cristão dos fins do
primeiro século se ressuscitasse nos nossos dias? Se por exemplo Paulo ou Pedro
ou João aparecesse nos nossos dias, qual seria a igreja deles?!
Será que eles, que conviveram com
Cristo, se sentiriam identificados com as nossas igrejas?! Ou seriam também
classificados como “desigrejados” por não se
submeterem às doutrinas e rituais das várias igrejas?
Onde estará Cristo? Em que igrejas? E como podemos saber se Jesus está presenta nas igrejas, ou
pelo menos nalguma igreja? Se quase todas proclamam
ser a igreja mais santa, ou a mais fiel, ou a verdadeira igreja de Cristo, será
que são os sinais de Jesus estar presente?! Pelo contrário, essa competição
entre as igrejas só poderá colocar em dúvida se serão verdadeiros discípulos de
Cristo. João
17:20/21
Penso
que a resposta de Jesus está em Mateus 18:20
Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu Nome, eu
estou no meio deles.
Jesus está sempre presente onde a
Sua Mensagem e os seus Valores são defendidos desinteressadamente. Nos
nossos dias, já não basta dizer que Deus é amor. Qual a religião que não faz
semelhante afirmação? E quem irá acreditar se não vir
os seus frutos? Mateus
7:15/23 De nada serve uma liturgia impecável e a repetição
dos sacramentos ou ordenanças, se a mensagem de Jesus for deturpada para tornar
os cultos mais rentáveis, nomeadamente com a cobrança do dízimo. Deus não se
ilude com a nossa liturgia, nossos cânticos ou as “bonitas” orações, se não
corresponderem aos nossos pensamentos mais íntimos. Isaías
1:11/20
Se
não for assim, toda a nossa liturgia ou orações ou rezas, ou cânticos, serão
“bonitos” ou “espectaculares” só para nós e não para o Pai que não vê nem ouve
como nós vemos e ouvimos, mas sonda o mais íntimo dos nossos pensamentos.
Cristão
não é quem segue um dirigente, ou um livro, seja ele qual for, ou uma doutrina,
ou uma filosofia, ou quem tem o seu nome nos registos duma igreja e cumpre
todas as suas formalidades e sacramentos. Se formos às origens, aos evangelhos,
teremos de concluir que os “entendidos em teologia” complicaram o que é bem
simples, pois Cristão é quem segue a
Cristo. Só isto. Deus não
permitiu que a nossa salvação estivesse dependente de alguma organização ou
ritual, pois segundo Jesus afirmou, quem ama a Deus o Pai com todo o seu
coração, toda a sua alma, todas as suas forças e todo o seu entendimento e ao
próximo como a si mesmo, tem a vida eterna Lucas
10:26/28.
======================================================
(a) Parece haver alguma dificuldade na tradução de
parte deste versículo 10, pois encontrei divergências nas várias traduções.
Como
vimos, na TEB: Mas,
eu vos exorto, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo: guardai a concórdia e não haja divisões
entre vós….
Na
TOB: Mais, je vous
exhorte, frères, au nom de notre Seigneur Jésus Christ: soyez tous d’accord (k) et qu’il n’y ait pas de divisions
parmi vous… (k) dites tous la même chose.
Na
Ferreira da Almeida da Sociedade Bíblica de Portugal: Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso
Senhor Jesus Cristo, que digais todos
uma mesma coisa, e que não haja entre vós
dissensões….
Na
Bíblia Sagrada da Difusora Bíblica: Peço-vos, irmãos, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que estejais todos de acordo e que não haja
divisões entre vós ….
Na
tradução de Figueiredo (Lisboa 1963): Mas, irmãos, rogo-vos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos digais uma mesma coisa, e que não
haja entre vós cismas…
(b) Gálatas 2:11/14 na tradução da Bíblia Sagrada da
Difusora Bíblica: 11 Mas, quando Cefas veio para Antioquia, opus-me
frontalmente a ele, porque estava a comportar-se de modo condenável. 12
Com efeito, antes de terem chegado umas pessoas da
parte de Tiago, ele comia juntamente com os gentios. Mas, quando elas chegaram,
Pedro retirava-se e separava-se, com medo dos partidários da circuncisão.
13
E com ele também os outros judeus agiram hipocritamente, de
tal modo que até Barnabé foi arrastado pela hipocrisia deles. 14
Mas quando vi que não procediam correctamente, de
acordo com a verdade do Evangelho, disse a Cefas: «Se tu, sendo judeu, vives
segundo os costumes gentios e não judaicos, como te atreves a forçar os gentios
a viver como judeus?»
(c) Nessa época, nem o cânon veterotestamentário estava
definido, pois somente cerca do ano 90 ou 100 da nossa era, um grupo de judeus,
reunido na cidade de Jâmnia, definiu o cânon do Velho
Testamento com a mentalidade racista e nacionalista que os levou a rejeitar os
livros deuterocanónicos, por não terem sido escritos originariamente em
hebraico mas em grego, ou por não terem sido escritos em Israel, ou por terem
sido escritos depois de Esdras (458/428 aC), pois para eles, o seu “deus de
Israel” morava em Israel e não falava grego, pois era o deus só de Israel e não
dos outros povos.
Nos
nossos dias o Catolicismo aceita os livros deuterocanónicos que são rejeitados
por evangélicos e protestantes.
O
que mais me escandaliza não são os deuterocanónicos, mas certos textos do Velho
Testamento que me recuso a aceitar como inspirados. Não é possível conhecer a
Cristo e ao mesmo tempo aceitar todo o Velho Testamento como inspirado e
normativo depois de Jesus Cristo apresentar a Sua mensagem. Não é possível
seguir a Cristo e a Moisés.
(d) Alguns
dos muitos casos de transgressões punidas com a pena de morte no Velho
Testamento:
Respeito pelos pais Êxodo 21:17
Feitiçaria Êxodo 22:18
Outras religiões Êxodo 22:20
Sábado Êxodo 35:2
Adultério Levítico 20:10
Blasfémia Levítico
24:10/16
(e) Temos também a apresentação do Pastor Manuel Pedro
Cardoso e alguns dos seus artigos nesta nossa página que poderá consultar em Manuel Pedro da Silva Cardoso.
(f) Segundo
Joaquim Jeremias, a Mishna previa 10 degraus de
santidade:
1. O país de Israel.
2. A cidade de Jerusalém.
3. A montanha do Templo.
4. O hel, terraço com uma balaustrada que o separava do resto da
esplanada do Templo; essa balaustrada demarcava o limite que os pagãos não
podiam ultrapassar.
5. O átrio das mulheres.
6. O átrio dos israelitas.
7. O átrio dos sacerdotes.
8. O espaço ente o altar dos holocaustos e o
edifício do Templo.
9. O edifício do Templo.
10. O Santo dos santos.
Em 1871 os
arqueólogos descobriram o aviso que estava no átrio dos gentios proibindo-os de
ultrapassar esse limite, sob pena de morte.
Diz a tradição,
que só o sumo-sacerdote entrava no lugar Santo dos santos um vez por ano,
amarrado a uma corda. Se os seus pecados não estivessem perdoados, ele morria e
a corda servia para o puxarem para fora, visto que mais ninguém lá podia
entrar.
Claro que isso
levanta muitas questões pertinentes: Como estaria o lugar Santo dos santos ao
fim de tantos séculos se a mulher da limpeza não podia lá entrar?
Também quando os
exércitos da Babilónia e mais tarde os de Roma conquistaram Jerusalém,
certamente que entraram em todas as salas do Templo, mas nada consta que alguém
tivesse falecido por entrar no Santo dos santos.
Literatura consultada:
Várias
traduções da Bíblia.
Jerusalém
no tempo de Jesus. De Joaquim Jeremias – Paulus.
Dicionário
da Bíblia - Davis
Vários
Comentários e Atlas bíblicos
Camilo
– Marinha Grande, Portugal
Agosto de 2016
Estudos
bíblicos sem fronteiras teológicas
Veja
também os comentários a este artigo em Cristo estará dividido?! - Comentários