Poligamia (CC)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
Assunto colocado pelo irmão João
Paulino, de Moçambique a que tentaremos responder, tendo em atenção a realidade
africana no local onde este nosso irmão se encontra.
“Ir. escrevo lhe para
copartilharmos junto um assunto que parece
polemico" poderá ser um lider um poligamo ?" Comentando este paragrafo o porque é polimico o assunto, tnha a dizer
o segunte:
Um pastor estava pregado
sobre os dons e como servir ao Senhor, depois da pregação, pediu aos presente para que levantasse as mão, aqueles que queriam
servir ao Senhor e que divia identificar a area onde pode servir. Um dos que levantou é um poligamo, e queria servir o Senhor na liderança.
Então poderá esse irmão estar
nessa missão do Senhor uma vez que a Biblia condena a
poligamia?
Coloco este assunto porque
em africa esta situação é muito frequente, e muitos irmão
se converteram enquanto já são poligamo. Gostaria que
colocasse na sua pagina nos assuntos polemico.
Relacionado ao mesmo assunto
poderá esse irmão deixar uma mulher e ficar com apenas uma?
Sem mais a dizer, resta- me
dizer até outro momento, que deus esteja connosco.
Saudações fraternais
João Paulino – Cidade de
Beira – Moçambique”
Introdução
Ao ler esta mensagem que me foi enviada
da cidade da Beira, em Moçambique, pelo jovem irmão João Paulino, penso que
pelo menos 90% dos portugueses e brasileiros que nunca saíram dos seus países
acharão bem estranha a questão que nos é colocada. Pois duma maneira geral no
ocidente, a poligamia é um assunto que já há muito que passou à história.
Pode-se dizer que duma maneira geral a
monogamia se está impor a nível mundial, mas talvez mais por motivos económicos
do que éticos ou religiosos.
Qualquer ser humano, tem a sensação de
que vive no centro do mundo e que tem a solução para todos os problemas
mundiais. Nisso todos são iguais, quer o europeu no centro da Europa, quer o
brasileiro no interior do Brasil quer o africano no interior de África ou o
oriental no seu país. Mas as realidades e as culturas por vezes são bem
diferentes.
Lembro-me de que nessa mesma cidade da
Beira, onde está o João Paulino, e onde eu já vivi quando trabalhava na
meteorologia do aeroporto dessa cidade, o nosso motorista, o António, um
africano grande e forte, mas muito pacífico, membro duma igreja evangélica,
como sabia que eu também me identificava como evangélico, muitas vezes, de
noite, quando havia menos serviço, vinha conversar comigo. Ele era casado já há
vários anos, mas não tinha filhos e aceitava pacientemente essa situação. Mas
certo dia, ao chegar a casa, encontra os seus familiares e os familiares da sua
esposa numa grande discussão pelo facto deles não terem filhos. Claro que os
familiares do António culpavam a mulher e os familiares da mulher culpavam o
António chamando-lhe muitos nomes feios que não vou mencionar.
No dia seguinte o António veio
desabafar comigo e não sabia o que fazer, nem eu sabia o que aconselhar. Mas o
tempo passa e algumas semanas mais tarde ele disse-me que a mulher iria à terra
deles, no interior da Moçambique e ele já tinha pensado na solução, que seria
uma segunda esposa.
“Mas então, tu que és crente, agora
vais aproveitar esta altura em que a tua mulher vai à vossa terra para
procurares uma segunda mulher?” Foi o que lhe perguntei.
Mas o António bem sabia o que fazia e
responde-me: “Não é nada disso que o Sr. Camilo está a pensar. A minha mulher
vai à terra e fui eu que lhe disse para ela mesmo, escolher uma das suas amigas
para ser a minha segunda mulher”. Ele bem sabia o que fazia, pois se elas não
se dessem bem, a culpa nunca seria dele.
Uns meses mais tarde o António veio
procurar-me todo sorridente: “A minha mulher pequena já vai ter bebé. Afinal eu
não tinha culpa. Agora já todos me respeitam e a minha familia
já não está zangada comigo”. Mas o mais importante é que a “mulher grande” como
ele dizia com todo o respeito, a principal, recebeu a criança como se fosse sua
e a paz voltou à casa do António.
Estou a contar isto para vermos como as
culturas são bem diferentes nos vários países, mesmo nos nossos dias, e até no
nosso mundo lusófono.
A poligamia nas principais religiões monoteístas
Duma maneira geral, os textos sagrados
das grandes religiões, principalmente as “religiões do Livro”, aceitam ou
permitem a poligamia, ao contrário do que nos diz o irmão João Paulino. Vejamos
alguns casos.
Judaísmo
O judaísmo baseia-se no Antigo
Testamento, onde se vê, pela história da criação do mundo, em especial no livro
de Génesis, que Deus criou Adão e Eva, o que nos dá a ideia de que a monogamia
estava nos planos divinos. No entanto, possivelmente por motivos sociais e
económicos, a poligamia cedo se impôs e não podemos esquecer as concubinas,
geralmente escravas, algumas até mencionadas na Bíblia, mas certamente que a
maior parte delas passaram despercebidas dos escritores bíblicos. Na época de
Abraão e outros patriarcas, entre 1900 a 1600 anos antes de Cristo, certamente
que deveria haver muito mais mulheres do que homens, pois eram tempos de
instabilidade e de guerra constante, em que os homens lutavam e morriam nas
guerras, apresentando portanto um índice de mortalidade muito superior ao das
mulheres e havia a necessidade urgente de ter muitos filhos, principalmente
homens, para se defenderem dos seus inimigos. Por outro lado, nos povos nómadas, ter duas ou três mulheres, não representava o mesmo
problema económico que é para o homem dos nossos dias, principalmente se viver
numa cidade.
Quase todos os que consideramos os
“grandes exemplos” do Antigo Testamento foram polígamos.
Abraão, conhecido como o “pai da fé”,
teve um filho da escrava Agar, facto que ficou registado devido ao problema da
esterilidade da sua esposa, caso contrário, um filho duma escrava seria um
acontecimento demasiado banal para que ficasse registado nos textos sagrados.
Moisés teve duas mulheres, David teve oito, mas o campeão neste assunto foi o
rei Salomão com as suas setecentas mulheres e trezentas concubinas. Mas penso
que a Bíblia se limita a registar os casos que tiveram implicações na história
de Israel, e a maior parte dos casos não foi registado, pois não é essa a
função da Bíblia.
Islamismo
Segundo o ALcorão
Alcorão 4:3
“Se
temeis não ser justos no trato com as órfãs, podereis desposar duas, três ou
até quatro das que vos aprouver. Mas, se temeis não ser equitativos para com
elas, casai, então só com uma, de acordo com o que está ao vosso alcance. Isso
é o mais adequado, para evitar que cometais injustiças.”
Portanto, de acordo com os teólogos
islâmicos, não se trata duma obrigação, mas duma permissão concedida sob
determinadas condições. Mas, como essa condição, de estrita igualdade entre as
esposas é praticamente impossível de se cumprir, com esta permissão, há também
um forte apelo à monogamia.
Nos nossos dias, nomeadamente em
África, nos meios rurais, ainda é vulgar encontrar-se famílias com duas e três
mulheres.
Cristianismo
Penso que muitos dos leitores da
“Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas”, gostariam que antes da questão
levantada pelo irmão João Paulino se um polígamo pode exercer um cargo na
igreja abordasse o problema se ele pode ser membro da igreja.
Poderá
um polígamo ser membro duma igreja?
Jesus viveu num contexto cultural em
que a poligamia era permitida e aceite com naturalidade pelos judeus.
Em Mateus 19:3/6,
nomeadamente no versículo 5, Jesus refere-se à união entre o homem e a mulher
de forma a serem “dois numa só carne”, mas esta não é uma passagem didáctica
sobre o assunto e o Mestre não está a pensar no problema da monogamia ou
poligamia, mas sim no problema do divórcio, pelo que me parece que esta
passagem não nos fornece uma sólida base bíblica para a defesa da monogamia,
que era mais aconselhada do que imposta.
Temos nas cartas de Paulo, algumas
referências aos homens casados.
Em 1ª Timóteo 3:2, ele
afirma “Convém, pois que o bispo seja irrepreensível,
marido de uma mulher, vigilante sóbrio....”
Mais adiante, no versículo 12 volta a
afirmar “Os diáconos sejam maridos de uma mulher, e
governem bem...”
Também em Tito 1:6 refere-se
às qualificações para ser presbítero afirmando. “Aquele
que for irrepreensível, marido de uma mulher, que tenha filhos fiéis...”
Penso que, por estas cartas de Paulo,
podemos concluir que havia poligamia no primitivo cristianismo, pois se não
fosse assim, não seria necessário ele dizer que para ser bispo ou diácono ou
presbítero devia, ou convinha, ter só uma esposa, mas penso que podemos
concluir que a monogamia era aconselhada, ou pelo menos considerada uma posição
mais digna para se exercer um cargo na igreja.
Em tudo que dissemos, estivemos a falar
na informação dos textos sagrados em que se baseia, pelo menos em princípio, a
teologia das várias religiões, o que por vezes é diferente da realidade dos
nossos dias que se rege mais pelo código civil dos vários países. Não podemos
esquecer de que Israel dos nossos dias já não é uma teocracia, mas sim um país
laico, que se rege pela sua Constituição. E temos também os países de maioria
islâmica, em que, pelo menos os principais, se regem pela Constituição dos seus
países e não pelo Alcorão. Por exemplo, na Turquia não é permitida a poligamia
e certamente que não é caso único no mundo islâmico.
Mas, mesmo nos países onde a poligamia
é aceite pelo respectivo Código Civil, não podemos ignorar a grande influência
do aspecto económico. Certo dia no norte de África, um companheiro de viagem
perguntou a um árabe idoso, quantas mulheres tinha. Ele olhou para nós e
respondeu: “Não vêem que sou um pobre? Só tenho uma mulher, mas mesmo assim, já
é demais para mim.”
No entanto, em África há casos de
crentes islâmicos com duas e três mulheres, geralmente no mundo rural. Quando
se convertem ao Evangelho, geralmente toda a família se converte e são aceites
nas igrejas. Quando morava nessa cidade da Beira e pertencia à igreja do
Conselho Cristão de Moçambique, na época do Pastor Pedro Simango,
há mais de 30 anos, levantou-se esse problema e eu também concordei que todos
fossem recebidos como crentes. Pela pergunta do irmão João Paulino, parece que
já ninguém tem dúvidas de que num caso destes todos devem ser recebidos como
crentes, que é a atitude mais bíblica e mais cristã, por mais que custe a
certos missionários mais agarrados às suas tradições ocidentais.
Poderá
um polígamo exercer um cargo na igreja?
No entanto, a pergunta que nos foi
colocada é se “poderá ser um líder um
polígamo?”
Em primeiro lugar, a palavra “lider” não é bom português e nem é termo teológico. Mas
suponho que o irmão Joaquim Paulino se refere ao bispo, presbítero, diácono ou
pastor, que são os termos teológicos utilizados para designar os vários cargos
nas igrejas.
Nas passagens já citadas em I Timóteo e
em Tito, aparece sempre a expressão “marido de uma mulher”, mas não podemos
esquecer de que em 1ª
Timóteo 3:2, Paulo afirma “Convém...”, portando não me parece que houvesse
uma grande rigidez nessas condições, caso contrário poderíamos colocar a questão:
Então, se tem de ser “marido de uma mulher”, os solteiros não podem exercer
esses cargos, nem os viúvos. E se algum crente for eleito para algum desses
cargos e entretanto a mulher falecer? Terá de deixar o cargo ou ser obrigado a
casar-se novamente? E se for casado mas não tiverem filhos, como poderão
cumprir as condições de Tito 1:6?
Assim, parece-me que essa condição não
deverá ser interpretada com muita rigidez e intransigência, mas com um pouco de
bom senso. Um aspecto que me parece muito importante é o contexto cultural onde
ele irá exercer a sua acção. Se for numa igreja de cidade, com mais influência
ocidental, pessoalmente penso que não será conveniente um polígamo exercer um
desses cargos numa igreja, mas se for no interior de Moçambique, só quem lá
vive é que poderá dizer se haverá inconveniente.
Mas há um aspecto que me parece bem
importante e que não posso deixar de comentar.
No caso que o irmão João Paulino
apresenta, houve uma pregação e um apelo para servir ao Senhor.
Penso que não foi um apelo à conversão,
mas um apelo dirigido aos crentes para que se dedicassem ao ministério da
pregação, suponho que a tempo inteiro, e houve um crente polígamo, que queria
servir num cargo da direcção da igreja.
Penso que tal apelo não tem grande
fundamento bíblico, pois segundo as passagens que mencionamos, esses cargos nas
igrejas não eram escolhidos pelos próprios, mas as igrejas é que escolhiam os
crentes que consideravam mais aptos a exercer essas funções. Claro que ninguém
pode ser obrigado a ser bispo ou pastor ou diácono, mas a escolha deve ser
feita pela igreja de acordo com as capacidades e experiência de cada um e o
crente escolhido deve aceitar ou rejeitar a escolha feita pela sua igreja.
Abandono
duma mulher
Nalgumas passagens, a Bíblia fala em
divórcio, mas penso que não é este o caso colocado pelo irmão João Paulino, que
pergunta: “Relacionado ao mesmo assunto poderá esse irmão deixar uma mulher e
ficar com apenas uma?”
Suponho que será o caso dum crente com
duas mulheres resolver abandonar uma delas para que possa exercer o cargo de
diácono, ou presbítero etc.
Não encontro base bíblica para esta
exigência. Nem base bíblica nem necessidade, pois Paulo aconselhava que o crente
a exercer um cargo na igreja tivesse só uma mulher, mas não impunha esta
condição.
Pessoalmente, considero inaceitável
esta condição, tanto mais que em certas culturas, como seria o caso duma
família africana com duas mulheres e suas crianças a viver numa cidade, o
abandono duma mulher poderia ter graves consequências para a sua sobrevivência.
Pior ainda se tiver filhos.
Abandonar uma mulher por causa do
fundamentalismo evangélico, isso é que não. Isso seria a deturpação completa da
mensagem do Mestre. Isso seria o farisaísmo nas nossas igrejas. No entanto, é
uma opinião pessoal, pois não encontrei referências bíblicas sobre este
assunto.
Camilo – Abril de 2003
Comentários recebidos
Ana Paula –
Protestante de São Paulo, Brasil.
Olá, Camilo,
Sou cristã (como vc
não me considero evangélica, mas protestante) e estava pesquisando sobre
monogamia/ poligamia na internet quando achei um texto seu.
Achei muito interessante a maneira como
vc colocou as Escrituras sem distorcê-las para se
encaixar na nossa sociedade de hoje. Achei o seu texto muito sensato e, por
isso mesmo, corajoso, em se tratando de um tema tão polêmico e cheio de dogmas
e preconceitos. Sou casada e não tenho nenhum interesse pessoal em defender a
poligamia, mas ultimamente tem me chamado a atenção a ausência de base bíblica
para a monogamia nos meus estudos bíblicos pessoais.
Eu, particularmente, acho que o cristão
peca quando define conceitos quando não dá para se afirmar nada categoricamente
a partir da Bíblia. Sou a favor do “não sei” em assuntos que muitas vezes
dividem igrejas. Aqui no Brasil é triste ver como aumenta cada dia o número de
novas igrejas que se diferem das outras por motivos insignificantes e sem
nenhuma base bíblica. Defendo sempre essa postura, a de não afirmar nada que
não pode ser afirmado. Que Deus continue te abençoando para que vc ajude muitas pessoas a se libertarem de falsas
doutrinas, mesmo que aparentemente inofensivas, mas que nos fazem afirmar
coisas que a Bíblia não afirma.
Em Cristo
Ana Paula H. L.– São Paulo – Brasil,
Novembro de 2009
Estudos
bíblicos sem fronteiras teológicas