Igrejas e dinheiro (MC)

 

 

 

Num tempo de crise a vários níveis, em praticamente todo o mundo, é de extrema relevância que as Igrejas reflitam sobre o modo como gerem as suas finanças.

 

Num ponto todos estaremos de acordo: as Igrejas precisam de usar dinheiro para desempenharem a sua razão de ser, que é anunciar o Evangelho. No núcleo inicial da Igreja Cristã houve a necessidade de escolher um tesoureiro, que na circunstância veio a ser traidor ao Mestre João 12.6, e no Livro dos Atos dos Apóstolos percebe-se a necessidade constante dos discípulos de angariarem fundos para a manutenção da comunidade.

 

Dois extremos

 

Nesta questão das finanças das Igrejas devemos evitar cair num ou noutro dos extremos opostos a que muitas vezes se chega: por um lado, não podemos cair numa orientação que se poderia supor puramente espiritualista, desprezando a reflexão e lançando projetos sob a inspiração do texto bíblico “o Senhor proveráGénesis 22:8, sem ter em conta o contexto dessa Palavra de Deus.

 

O outro extremo a evitar é diametralmente oposto e podemos designá-lo por “gestão secular-administrativa”. Neste caso o governo da Igreja é copiado do governo de uma empresa ou mesmo do governo de um país, sem considerar que a Igreja é uma comunidade muito específica.

 

Note-se, porém, que o que devemos evitar são os extremos, pois é evidente que, no governo da Igreja, tem de estar presente também o sonho e a esperança de fazer planos, assim como tem de estar presente também a capacidade de prever obstáculos, e a devida atenção à realidade.

 

Angariação de fundos

 

Quando a gestão erradamente dita espiritualista pretende encontrar o dinheiro necessário para a vida da Igreja tende a exigir o dízimo dos crentes e gosta de pregar repetidamente sobre a viúva pobre que colocou tudo o que tinha na caixa do ofertório do templo Marcos 12:41/44. Sobre o dízimo temos vários artigos neste site, e de vários autores. Acerca da oferta da viúva pobre aconselho a leitura do bom artigo do irmão Camilo Coelho. Viúva pobre (Oferta da) (CC)

 

A angariação de fundos, na perspetiva da gestão secular-administrativa, volta-se para, nos casos em que a Igreja tem vínculo com o Estado, espera receber subsídios, e no caso da inexistência de relações com o Estado, faz recurso a quotizações, rifas, negócios e até especulação bolsista. Um dos problemas desta gestão secular-administrativa é a Igreja tender a tornar-se uma comunidade que não se distingue das demais comunidades humanas, e no limite torna-se um túmulo do Espírito.

 

As Igrejas de orientação dita “espiritualista”, com apelos ao milagre e ao sucesso, mergulham rapidamente na heresia do nosso tempo, que é a “teologia da prosperidade”, dizendo aos homens que escolher Cristo é escolher só benefícios, saúde, sucesso pela vida fora - e esquece esta palavra central de Jesus: “Se alguém quer ser meu discípulo, negue-se a si mesmo e tome cada dia a sua cruzLucas 9:23.

 

É aparentemente um paradoxo que, sendo a Cruz o centro da pregação cristã, seja, justamente, a alegria o fruto do Espírito que o crente mais necessita para responder às dificuldades que encontra neste mundo, incluindo a questão das finanças da Igreja. É significativo que a alegria apareça em segundo lugar na lista que São Paulo faz do “fruto do Espírito SantoGálatas 5:22, logo a seguir ao amor.

 

Mas trata-se da alegria que vem de Deus Filipenses 4:1/9, não de uma alegria balofa, forçosamente de gargalhadas e riso aberto, de anedotas e “chocarrices” Efésios 5:4. A alegria que o cristão experimenta é o contentamento de quem encontrou a Pérola de grande valor e vai, vende tudo o que tem para adquirir essa Pérola preciosa Mateus 13:45.

 

Quando os membros de uma Igreja são homens e mulheres atingidos pela alegria que vem de Deus, eles e elas respondem com generosidade às necessidades financeiras legítimas da sua comunidade.

 

Baseado na experiência

 

Não escrevi o que vem acima baseado num raciocínio abstrato ou como um desejo piedoso, mas sim baseado na minha própria experiência pessoal.

 

Venho de uma família lisboeta que se afirmava católica mas não praticante. A partir de muito cedo deixei de ir à missa, mas aos 15 anos, estudando eu à noite, ouvi uma lição admirável dada pelo professor de História Universal que me tocou profundamente. A lição era sobre a Reforma Protestante do século XVI - e nunca soube se o professor em questão, o cabo-verdiano Cristóvão Santos, era crente ou não, mas o adolescente que eu era, a partir dessa data passou a declarar-se “cristão-protestante”, sem sequer saber se havia Protestantismo em Portugal! Eu vivia com modestos recursos e por isso era muito parcimonioso nos gastos, mas passei a comprar livros religiosos nos alfarrabistas, livros que lia com sofreguidão. Só por volta dos 18 anos encontrei uma igreja evangélica na Rua de Santo António dos Capuchos (Lisboa), e todas as 5ª Feiras, vindo do curso noturno, eu assistia aos cultos. Quando ganhei mais coragem passei a participar também do culto de Domingo à tarde - e quando a coragem foi maior ainda percebi que devia juntar-me à igreja mais próxima da casa onde eu morava e passei a cultuar na Igreja Evangélica Ajudense, por mero acaso da mesma denominação presbiteriana que a congregação dos Capuchos. Então a minha alegria era completa, integrando-me totalmente nessa congregação da Ajuda, assistindo a todas as reuniões, cooperando no grupo de jovens locais (de que fui presidente) e namorando Zulmira, uma menina da igreja. Fizemos planos para casar em 1965 mas, de súbito, porque o Seminário Evangélico de Teologia (SET) fizesse, em princípios de 1964, um apelo para novas vocações, Zulmira e eu mudámos rapidamente de planos. Casámos em setembro desse ano de 1964, despedimo-nos dos nossos empregos, onde tínhamos salários razoáveis, e ingressámos, felizes, no SET, passando a viver de uma pequena bolsa. Do ponto de vista humano foi, na verdade, uma loucura, mas é isso que sempre acontece a todos os que são atingidos pela alegria do Reino de Deus.

 

Honestidade e transparência

 

O que também é indispensável, para que o povo das congregações contribua com generosidade, é que haja total honestidade e transparência no uso dos dinheiros para o cumprimento da Missão. Nesta área especialmente deve ter-se bem presente esta Palavra: “Resplandeça a vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos CéusMateus 5:16.

 

Escolham-se os oficiais entre os crentes de melhor reputação no que diz respeito ao uso de dinheiros. Se um membro da congregação tem a mancha de uma desonestidade, espere-se que dê provas de sincero arrependimento e mudança para voltar a servir num cargo diretivo. Pode acontecer que um homem ou uma mulher de comprovada honestidade seja incompetente na gestão de dinheiros, a começar pelos dinheiros da sua própria casa. Um mau despenseiro da sua casa não pode ser um bom despenseiro da casa de Deus.

 

Mesmo a escolha dos irmãos que levantam o ofertório nos cultos tem de ser feita com muita ponderação. Não se entregue essa delicada tarefa a neófitos da fé, a pessoas sem maturidade cristã. A simples suspeita de desvios de pequenas importâncias pode destruir a confiança dos crentes e arruinar a vida da comunidade. Evite-se tudo que puder levantar dúvidas entre os crentes.

 

Por fim, mas é fundamental, deve dizer-se: haverá sempre finanças suficientes numa Igreja se o povo de Deus for bem alimentado com a Palavra Viva, que é Cristo, numa pregação séria e relacionada com a vida concreta das pessoas.

 

Obviamente, os orçamentos das Igrejas têm de ser realistas, adequados às possibilidades da generalidade dos membros das congregações. Na internet e noutros lugares tenho visto pregadores massacrarem os ouvintes com apelos financeiros abusivos, autênticos assaltos à mão armada aos ingénuos que os escutam.

 

Mas isso já é, por certo, obra de Satanás, obra que, está escrito, vai acabar muito mal Apocalipse 20:1/10.

 

Manuel Pedro da Silva Cardoso - Figueira da Foz, Portugal

Abril de 2014                                                  

 

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas

 

 

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