Herança Amarga (AX)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

Nosso Modelo Importado – Os Colonizadores vêm em nome de Deus.

 

 

 No Brasil, as igrejas de origem reformada (Luterana, Presbiteriana, Menonita, Anglicana e etc.), bem como as de origem evangélica (Metodistas, Batistas, Congregacionais e etc.) ainda, nos dias de hoje, estão devendo o desenvolvimento de uma teologia e prática que reflitam um entendimento do Novo Testamento aplicado às condições brasileiras. Ainda hoje funcionamos, em grande parte, influenciados pela herança que recebemos dos missionários estrangeiros, principalmente aqueles vindos da América do Norte. (1) (É da maior importância que o leitor esteja informado que este trabalho pode lhe ser grandemente ofensivo se o mesmo for americanófilo) (2). O resultado desta influência tem se revelado no reducionismo que podemos ver nas igrejas em que o cristianismo foi identificado com um padrão de vestimenta, mais adaptado aos climas do hemisfério norte, e a um padrão de conduta reduzido a não fumar, não beber e não freqüentar bailes ou cinema. De fato, alguns críticos (3), têm indicado que a única pergunta que realmente importa neste tipo de Cristianismo é: ”Você já aceitou a Jesus como seu Salvador pessoal?” Na segunda parte do século XX vimos uma aceleração no processo de degeneração da verdadeira fé cristã, no Brasil, por dois motivos principais.

 

O primeiro foi a grande expansão da pregação do evangelho motivada e financiada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos da América como uma forma de conter a expansão comunista em toda a América Latina. (4)  O raciocínio por trás daqueles que eram sustentados por tal iníqua aliança era a de que os fins (a pregação do evangelho), justificavam os meios (o dinheiro vindo do contribuinte estadunidense via Departamento de Estado). (5) De fato, juntamente com a pregação do evangelho se advogava o capitalismo estadunidense e seu expoente maior que é “o american way of life”, (ainda hoje existem inúmeros missionários estadunidenses que acreditam piamente que o padrão ou forma de vida deles é a melhor que existe!). A pregação posta em prática, por tais homens e mulheres, em sua grande maioria, era eivada de enorme hipocrisia, já que os missionários estrangeiros viviam de forma nababesca (quando comparados à maioria do nosso povo), ao passo que pregavam o evangelho às classes paupérrimas deste Brasil. A situação era tão ridícula que guardo na lembrança dois comentários feitos por dois irmãos em momentos distintos. O primeiro, comentando a contradição inerente acima mencionada, disse que: “os missionários americanos ensinavam às lavadoras de roupas nas beiras dos rios acerca dos benefícios físicos de se lavar as roupas com as próprias mãos. E que, para serem melhor ouvidos, costumavam proferir tais ensinos com um pé em cima de uma máquina de lavar e o outro em cima de uma máquina de secar”. O segundo irmão não conseguiu evitar o impacto que sentiu ao visitar a Estância Palavra da Vida e após ver a casa de vários missionários falou em tom zombeteiro que “na próxima encarnação gostaria de voltar como missionário estadunidense para o Brasil”. O controle da expansão do Evangelho no Brasil, durante todo o século passado e ainda no início deste novo, esteve firmemente seguro pelos estrangeiros, pois eles controlam o grosso do dinheiro bem como as instituições educacionais e as editoras. Este controle é exercido de maneira cabal. Qualquer voz discordante ou mesmo crítica será devidamente silenciada. Centenas, milhares talvez, de jovens brasileiros dispostos a servir o Senhor foram brutalmente massacrados (6) porque ousaram desafiar os donos do poder. (7) Nossas práticas religiosas refletem claramente os conceitos de colonizadores e colonizados. O resultado direto desta dominação pode ser visto, de maneira exemplar, na história editorial das casas publicadoras da segunda metade do século passado. Nesta história temos que destacar que a grande maioria das editoras chamadas evangélicas, pelo menos as mais relevantes, foram e muitas delas continuam sendo controladas por estrangeiros, estadunidenses em sua grande maioria. (8) Assim, em parte pela nossa própria fraqueza e em parte pela situação que estamos descrevendo, nos foi imposta uma ditadura literária que tem dominado o cenário e comandado a teologia que se praticou nos últimos 50 anos.

 

Começando com o boom causado pelo livro de Ray Stedman (A Igreja Corpo Vivo de Cristo), e passando por Hal Lindsey (A Agonia do Grande Planeta Terra) e todos os falsos mestres que saíram do Seminário de Dallas, os quais inundaram o mercado com seus livrinhos acerca das profecias bíblicas, que usaram e abusaram da instabilidade no Oriente Médio para vender milhões de livros; por Larry Coy e seu curso “Conflitos da Vida” que ensinava que a autoridade estava baseada em uma estrutura hierárquica militarizada que foi muito bem apropriada pelos estrangeiros, que sempre se consideraram os “oficiais”, enquanto nós não passávamos de “soldados rasos” e onde não havia espaço para o ensino genuinamente cristão da autoridade baseada na atitude de serviço; por James Dobson e seus ensinamentos baseados exclusivamente no bom senso, sem nada de novo, portanto; por Tim e Beverly LaHaye que espiritualizaram os conceitos inventados por Hipócrates e perenizados por Galênio de Pérgamo acerca dos temperamentos e tentaram nos ajudar a fazer sexo melhor (Temperamentos Transformados pelo Espírito e O Ato Conjugal); por Juan Ortiz, que foi o primeiro idealizador dos cultos diários e dos grupos de células, ainda que ele não tivesse usado tal terminologia; por Peter Wagner e suas teorias acerca do crescimento da igreja baseado no que ele mesmo chamava de um “novo fundamento”; por James Kennedy e seu (ai) Evangelismo Explosivo; por Robert Schüller e o Pensamento da Possibilidade que ressuscitou as idéias já mortas de Norman Vincent Peale; por John Wimber que associado a Peter Wagner nos brindou com o Evangelismo de Poder, reeditado recentemente por Jack Deere (Surpreendido pelo Poder do Espírito); por Rebecca Brown, Rick Joyner, o romancista Frank Peretti e novamente Peter Wagner que nos ensinaram tudo que sabemos acerca de batalha espiritual, endemonhinhamento de cristãos, quebra de maldições e demônios territoriais; por Kenneth Hagin Sênior e Júnior e Kenneth e Gloria Copeland que foram no século XIX e ressuscitaram o neo-gnosticismo de E. W. Kenyon. Não dá sequer para dizer que eles plagiaram já que tudo não passa de cópia dos escritos de Kenyon mesmo (9); por Bill Hybels e Rick Waren que tentam reciclar as teorias de Peter Wagner acerca do crescimento da Igreja mediante o que está sendo chamado de “evangelismo efetivo”, com ênfase na igreja para a classe média e um verdadeiro flerte com a modernidade onde se procura fazer a “igreja crescer” através da utilização de práticas gerenciais, do marketing, das ciências do comportamento humano e das comunicações; e finalmente, por César Castellanos e suas teorias acerca de sonhar e ganhar o mundo. É curioso notarmos que este período começa com um autor (Ray Stedman) que chamava o bendito Espírito Santo de “o poder da ressurreição” e termina com outro (César Castellanos) que O chama de “o especialista”. E eu me atrevo a perguntar: o que há de errado com a expressão “CONSOLADOR”?

 

Agora, em tempos mais recentes, tomamos conhecimento de um livro escrito por Peter Jones (10) (um inglês radicado nos Estados Unidos e que tem uma agenda política bem definida) que chama de “esquerda espiritual” tudo que está associado à Nova Era, doutrinas que vão do  neo-gnosticimo, ao xamanismo, ao espiritismo e etc. Ou seja, tudo que não presta é de “esquerda”! Estariam de volta as relações inconfessáveis? Ou nosso autor é apenas um inocente imbecil nesta argumentação? Entre suas pérolas gostaria de destacar a seguinte: Peter Jones chama de “namorico” o relacionamento promíscuo que existia entre a primeira dama Nancy Reagan (ela pertence à direita política) e os astrólogos que pululavam dentro da Casa Branca quando seu marido era o presidente dos Estados Unidos; por outro lado ele chama de “bruxaria” as sessões espíritas promovidas por Hillary Clinton (ela é considerada como pertencente à esquerda política) quando seu marido era o presidente. Não senhor Jones, as duas mulheres, certamente praticaram coisas detestáveis ao Deus verdadeiro e seus maridos, os ex-presidentes Ronald Reagan e William (Bill) Clinton, seriam, nas palavras do professor do Massachusetts Institute of Technology, Noam Chomsky, enforcados, se fossem julgados por crimes praticados contra a humanidade pelos mesmos critérios usados no tribunal de Nuremberg, que julgou os nazistas após o término da Segunda Guerra Mundial! (11) Mas isto não é tudo. Peter Jones acredita piamente que a Cristandade e a Civilização Ocidental são dignas de serem preservadas já que, na opinião dele, a Civilização Ocidental está edificada sobre a estrutura da civilização bíblica e do teísmo cristão. Será mesmo?

 

Além de tudo o que mencionamos até aqui, a última onda importada diretamente das terras do Tio Sam são os livros da assim chamada “auto-ajuda”. Estes livros procuram imitar e repetir o sucesso que tais obras fazem na cultura mundial. Ou seja, estamos tentando imitar o mundo porque o que o mundo faz é bem sucedido, vende e dá lucro. No meio de tudo isto, não podemos nos esquecer da influência deletéria de falsos messias como Jimmy Swagart que foi flagrado duas vezes com prostitutas, uma vez no estado de Louisiana e outra no estado da Califórnia, enquanto pretendia ser o maior evangelista do mundo; ou simplesmente canalhas mesmo, como Pat Robertson do Clube700, que levantou um império de comunicações com dinheiro de ofertas de irmãos do mundo inteiro, inclusive do Brasil, para depois vendê-lo para a Rede FOX e embolsar US$ 250 Milhões como se lhe pertencessem. Mais recentemente Pat Robertson sugeriu que os Estados Unidos assassinassem o presidente Hugo Chavez da Venezuela. Estranho, muito estranho alguém que se diz pastor sugerir o assassinato de uma pessoa. Mas estes são os tempos em que vivemos. Tempos de uma cristandade capitaneada por estadunidenses e completamente anormal e falida.

 

Temos ainda que destacar que nos poucos, últimos anos, uma plêiade de editoras surgiram no horizonte das publicações evangélicas no Brasil. Como são todas empresas privadas não temos muitas informações acerca das mesmas. Acompanhando uma conferência aqui ou uma convenção ali ficamos sabendo que quase todas elas são controladas por estadunidenses ou por brasileiros que já foram, no passado, empregados daqueles. Pela qualidade das publicações fica bem evidente a intenção meramente comercial do que é publicado, chegando ao cúmulo de duas editoras publicarem um mesmo livro (livros em domínio público) com títulos levemente diferentes.

 

O segundo motivo foi o surgimento de vários movimentos, libertos da influência administrativa dos estrangeiros, mas ainda dependentes daqueles teologicamente, que imaginaram criar movimentos autóctones. Estes novos senhores feudais nacionais, se apropriaram do que de pior existia nas práticas dos estrangeiros e submetem nosso povo a uma tirania tão brutal como a que nos foi imposta por aqueles. Entre estes podemos citar, por um lado, os defensores de velhas heresias, já devidamente condenadas na história da igreja, como as Igrejas “Universal do Reino de Deus, Sara Nossa Terra e Internacional da Graça de Deus” que seguem de maneira apaixonada os ensinos heréticos do neo-gnosticismo de E. W. Kenyon. Por outro lado, nós encontramos invencionices modernas como a chamada “batalha espiritual”, para não mencionarmos as elucubrações revelatórias de movimentos como o G-12 que trazem ensinos nunca antes ouvidos como o da “cobertura espiritual”, por exemplo. Uma terceira onda é representada por Bill Hybels e Rick Warren, que advogam uma versão mais leve da pregação do evangelho, e acreditam que existem pessoas que estão “buscando” Deus, apesar da ênfase bíblica de que “não há quem entenda, não há quem busque a Deus” - Romanos 3:11

 

Por estes motivos, continuamos raquíticos e despersonalizados. De fato, como todo o resto da Cristandade, nós estamos perfeitamente encaixados na descrição feita pelo filósofo e profeta dinamarquês Søren Kierkegaard quando disse: ”O Cristianismo da Cristandade tira do Cristianismo a ofensa, o paradoxo, etc., e no lugar deles introduz a probabilidade, aquilo que pode ser compreendido de maneira plena. Isto é, transforma o Cristianismo em algo inteiramente diferente daquilo que ele é no Novo Testamento, sim em algo que é exatamente o oposto. Este é o Cristianismo da Cristandade, de nós os homens” (12). E nós temos vivido este tipo de Cristianismo por muito tempo. Seja porque somos administrados por estrangeiros com intenções inconfessáveis, seja porque nos submetemos a verdadeiras heresias ou modismos, não somos capazes de desenvolver uma teologia bíblica e uma teologia educacional que seja ao mesmo tempo Neo-Testamentária e voltada à satisfação das nossas necessidades. E os motivos desta nossa incapacidade são discutidos a seguir.

 

I – Escolas Teológicas (Instituições Educacionais)

 

Nossas escolas teológicas começaram como Institutos Bíblicos o que em outras palavras significava a admissão implícita de que ofereciam, uma educação “meia boca”. Estas escolas estavam, quase sempre, repletas de professores que eram pastores bem intencionados, porém mal preparados. Naqueles dias a formação de pastores seguia modelos importados e não se preocupava com as reais necessidades do povo brasileiro. Os currículos eram cópias traduzidas da educação que os estrangeiros haviam recebido. Naqueles tempos o patrulhamento ideológico era tão intenso que qualquer menção às ciências sociais, para se discutir, por exemplo, as questões da miséria e da fome, eram vistas como subversivas, comunistas e desagradáveis a Deus mesmo. Muitos daqueles senhores que nos ensinavam firmemente a orarmos pelas “autoridades constituídas”, mesmo pelos brutais ditadores e torturadores brasileiros, mostraram-se reticentes quanto a incentivarem as orações pelo presidente eleito pelo povo Luis Inácio Lula da Silva. O resultado direto deste tipo de educação é que nossos pastores não aprenderam a pensar nas necessidades do nosso povo (13) e conseqüentemente não podiam pensar em formas de satisfazê-las.

 

Não foi até a década de 80 que começaram a surgir, em quantidade, pastores e professores brasileiros com formação de mestres e doutores vindos do exterior. Todavia, fomos novamente contaminados, pois nossos mestres e doutores estavam, como seus mentores estrangeiros, mais preocupados em manter o status de estudiosos, gastando mais tempo estudando do que ensinando ou pregando. Encastelados em um conhecimento distante e alienados das reais necessidades do povo, acreditaram que haviam “chegado lá”, quando na verdade estavam a anos-luz da realidade vivida pelo povo brasileiro. Tais mestres costumam se levar muito a sério (14). Da mesma maneira que os estrangeiros usam o saber como um instrumento de dominação, nossos mestres e doutores não nos estenderam a cortesia de sermos todos servos de Jesus. Pelo contrário, mantiveram de todas as maneiras a separação imposta pelos estrangeiros entre “nós e eles”. As conseqüências não se fizeram esperar. Nossos mestres se negaram a nos transmitir os meios de produção acadêmica e se concentraram em expor suas idéias e exibir seus “vastos conhecimentos” sobre todos os assuntos. O resultado foi a produção massiva de pastores que não entendem as ciências bíblicas, principalmente as ciências da interpretação. Por este motivo, tais pastores produzem sermões que não fazem o menor sentido e não conseguem integrar a verdade bíblica à realidade brasileira. Por não entenderem o significado do texto bíblico para os leitores/ouvintes originais, os mesmos têm enormes dificuldades em aplicar e integrar as verdades bíblicas com as necessidades dos tempos presentes. Como diria um conhecido, nossos pastores são peritos em sermões de três pontos: 1) Ele entra no texto; 2) Ele sai do texto e 3) Ele nunca mais retorna para o texto.

 

O ensino foi também caracterizado por uma enorme ênfase em teologia sem a existência das pontes necessárias entre o que era ensinado e a importância que estes mesmos ensinamentos tinham para os dias de hoje e a vida comum do povo de Deus. Uma vez formados, a grande maioria dos pastores descobria que, o dia a dia da vida da igreja local, demandava conhecimentos e práticas que não haviam, em muitos casos, sequer sido mencionados nas escolas teológicas. Matérias fundamentais relacionadas à educação cristã foram relegadas ao último plano e rotuladas de “matérias só para mulheres”. Com isto nossos pastores, já tão machistas, pela formação natural do homem brasileiro, desprezaram as únicas matérias que poderiam levá-los a questionar as necessidades do povo e buscar supri-las através dos ministérios da igreja. Hoje em dia, a situação é terrível já que o ensino formal é considerado desnecessário por muitas denominações (neo-pentecostais principalmente), outras têm uma obsessão compulsiva pela teologia do culto (pentecostais) e outras continuam mantendo o distanciamento entre a teologia e a prática (evangélicos e protestantes). Com tudo isso, o despreparo ainda é quase absoluto e faz parte da herança amarga que nos foi imposta.

 

II – Igrejas (Corporativas e Institucionais)

 

Em segundo lugar, nossa incapacidade tem a ver com a institucionalização e o corporativismo das nossas igrejas denominacionais. Como nossas “matrizes” estrangeiras nós estamos muito próximos do abismo que confunde respeitabilidade com espiritualidade. Chegamos a um ponto em que já não somos mais cidadãos de segunda classe quando comparados à igreja Católica Romana. O próprio “mercado” já nos reconhece como um alvo a ser atingido. Mas certamente estamos muito longe de sermos ou de continuarmos a ser dignos descendentes e representantes da verdadeira igreja. Ricardo Gouvêa resumiu de forma brilhante o quadro atual ao dizer: “o protestantismo tornou-se hoje uma tradição religiosa pesada, clericalizada, institucionalizada, sistematizada, e o ensino da palavra de Deus acaba muitas vezes perdido sob o entulho dos anos de reflexão escolástica, do ensino pragmático, do sensorialismo tolo, da pseudo-ortodoxia desespiritualizada e da prática ritualista. Hoje o protestantismo tornou-se tão tradicionalista quanto a igreja católica, e às vezes ouço alguém comentar que é quase como se fosse necessária uma nova reforma protestante.” (15) Sim, é necessário uma nova reforma.

 

O leitor não precisa ir muito longe para constatar o que está escrito aqui. Uma leitura, mesmo superficial, da Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, por exemplo, mostrará de maneira clara o corporativismo que dá aos “presbíteros” todos os direitos e ao povo somente duas obrigações: calar a boca e pagar as contas. A atitude demonstrada por Jesus ao lavar os pés dos discípulos não tem nenhum valor na cristandade do século XXI. Em vez de seguir o exemplo de Jesus. João 13:13/15, nossos líderes religiosos, se parecem mais com o personagem Sacripante, pessoa de índole violenta, mau caráter e falsamente piedosa, do poema Orlando Innamorato, de Matteo-Maria Boiardo (1434-1494), e do poema Orlando Furioso, de Luigi Ariosto (1474-1533). A Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil no Parágrafo Único de seu Art.30 diz que as Sagradas Escrituras chamam os ministros de: “Bispo, Pastor, Ministro, Presbítero ou Ancião, Anjo da Igreja, Embaixador, Evangelista, Pregador, Doutor (Doutor?) e Despenseiro dos Mistérios de Deus”. Leia a lista novamente e me diga que palavra chave está faltando, a única palavra que realmente importa segundo Jesus. É isto mesmo meu caro leitor, a palavra que falta na lista é: SERVO. Olhe ao seu redor, não importa a que denominação você pertence e responda: os líderes da sua denominação estão servindo os irmãos (fazendo os serviços mais insignificantes como lavar os pés) ou estão se servindo dos irmãos? (16) Estão nossos líderes seguindo o ensino de Jesus quando ele disse: “Sabeis que os que são considerados governadores dos povos têm-nos sob seu domínio, e sobre eles os seus maiorais exercem autoridade. Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos”Marcos 10:42/44 Não creio que estejamos vendo esta qualidade de serviço. Nossas lideranças se parecem muito mais com aqueles que buscavam os primeiros lugares nos banquetes e nas sinagogas. Note como se congratulam e como sempre convidam seus pares para estarem junto nas plataformas. Como fazem questão dos títulos de “pastor”, “reverendo”, “ancião” etc. Como se vêem distintos dos irmãos. Estes pequenos, mas emblemáticos sinais demonstram de maneira clara que não estão seguindo o exemplo de Jesus. A falta da genuína fraternidade é a prova mais contundente do fracasso absoluto da cristandade.

 

III – Educação Cristã Padronizada (Programas X Pessoas)

 

Nada ressalta de maneira mais absoluta nossa incapacidade do que nossa abordagem da educação cristã e dos ministérios da igreja. Na maioria das nossas igrejas um planejamento dos ministérios educacionais da igreja é completamente inexistente. Não se pensa nada de novo. Ao se iniciar um trabalho, se importam os formatos já conhecidos (quase tudo que está disponível nos dias de hoje é diretamente importado das terras do tio Sam) e utilizados nas igrejas de origem. Os modelos importados, (17) não entendem que as necessidades dos ribeirinhos da Amazônia são muito diferentes das necessidades dos gaúchos que vivem na fronteira com o Uruguai. De acordo com Eugene Peterson “a espiritualidade e o ministério são sempre locais e específicos, e acontecem sob condições específicas para cada caso”. (18)

 

Ademais, não existe a formação de pessoas nas igrejas locais para administrarem e ministrarem às mais diversas necessidades. Isto se deve, diretamente, à incapacidade dos nossos pastores, já que é competência dos mesmos o aperfeiçoamento dos santos visando o desempenho do seu serviço para a edificação do corpo de Cristo - Efésios 4:12 Mas isto não lhes foi ensinado no seminário, e muito menos lhes foram fornecidas as ferramentas para se atingir tais objetivos. Nossos pastores refletem a imagem dos seus mestres. São vaidosos e se consideram distintos dos irmãos que compõe o rebanho, não apenas no aspecto funcional (reconhecido pelas escrituras, pois temos funções diferentes dentro do corpo de Cristo, a igreja), mas também posicional (desconhecido das escrituras já que todos nós, independente da função, estamos posicionados “em Cristo”). Tudo isto nos leva a uma educação cristã padronizada onde os programas são mais importantes que as pessoas, já que são, na maior parte das vezes, impostos de cima para baixo. A vaidade humana tem total supremacia sobre as necessidades das pessoas. Tudo começa com a incapacidade que temos de determinar quais são as necessidades das pessoas às quais pretendemos ministrar. Não conhecendo as necessidades nada podemos fazer para satisfazê-las. Não admira que estejamos perdendo desde crianças até adultos da terceira idade. Nossos programas padronizados não levam em conta que cada grupo (crianças, adolescentes, jovens, adultos solteiros, adultos casados sem filhos, adultos casados com filhos, pessoas de meia e da terceira idade e isto para não falar nas mães solteiras, viúvas, órfãos, pessoas separadas ou divorciadas e etc.) tem suas próprias características e necessidades e anseiam por ter suas necessidades individuais satisfeitas. Sem conhecer as necessidades não conseguimos estabelecer os alvos certos. Ou seja, estamos atirando a esmo, sem chances reais de acertar os alvos corretos. Sem os alvos apropriados, não importa os programas e pouco importam os métodos e materiais utilizados e são totalmente irrelevantes os métodos de organização e administração, que possamos ter. Os mesmos não atingirão o alvo certo e jamais satisfarão as necessidades reais das pessoas. A apatia enfrentada pelas denominações tradicionais tem um diagnóstico preciso: não estamos satisfazendo as necessidades das pessoas. No outro lado da moeda isto também explica o porquê do grande sucesso das novas igrejas, como as que mencionamos acima. Em um país miserável e de miseráveis, em um país de desempregados, em um país onde a insegurança é palpável, em um país onde o sistema de medicina do estado e o sistema previdenciário encontram-se em completa falência faz muito sentido oferecer soluções mágicas para a falta de dinheiro ou bens, a falta de emprego, de saúde e de segurança. As técnicas de embromação (fraude, burla) se multiplicam tão ou mais velozmente do que a multiplicação do desespero das pessoas. Desta maneira, estas formas de religiões pseudocristãs, apesar de condenarem de maneira veemente as religiões afro-brasileiras, o espiritismo e a idolatria patrocinada pela igreja Romana, acabam por oferecer soluções mágicas e imediatas iguais àquelas das formas religiosas que condenam. A confusão é imensa. Mas será que está tudo perdido? Não, se pensasse assim não estaria aqui escrevendo estas linhas e desejando compartilhar uma forma de retornarmos ao ponto onde as pessoas voltem a ser nossa prioridade número um. Somente quando entendermos qual é o propósito distinto e singular de Deus para nossos dias, e que este propósito de Deus tem tudo a ver com pessoas, poderemos então iniciar uma caminhada no sentido de reconstruir a igreja, ou como já foi mencionado anteriormente efetuarmos uma nova reforma.

 

IV – Consumismo e o Culto de Celebridades (Celebritismo)

 

O último, porém não menos importante que os três anteriores, é o consumismo e o culto de celebridades que se instalou em nossas igrejas como fruto da nossa perene dependência cultural, principalmente à forma do cristianismo como praticado nos Estados Unidos da América. Uma rápida folheada em nossas revistas evangélicas mais representativas (Defesa da Fé, Eclésia, Enfoque Gospel e Ultimato) nos mostra o uso abusivo de celebridades evangélicas (pastores, professores, missionários, líderes denominacionais, autores, músicos e etc) sendo usados para vender de tudo que se possa imaginar: livros, cadeiras e bancos; seminários e conferências inclusive no exterior; cartões de crédito, cds, Dvds, fitas (cassetes) de áudio e fitas de vídeo, softwares para computadores e jogos; cursos de teologia para qualquer nível de educação que os candidatos tenham; bíblias, livrarias, revistas, materiais educacionais para escola dominical e materiais para discipulado; candidatos a cargos eletivos, lojas e shoppings evangélicos, feiras e exposições; serviços de duplicação de fitas, Cds e Dvds e material escolar; hotéis, acampamentos e estâncias para realização de conferências, encontros e etc; aparelhos de som e instrumentos; viagens para Israel, Disney e até lua de mel no Havaí; sítios da Internet e hospedagem de sítios, portais e provedores de Internet; agendas, papéis de carta e marcadores; tanques batismais e um curso de teologia Judaico Messiânico (seja lá o que isto quer dizer); mensagens de pastores que são celebridades em forma de vídeo, fitas e cds e entrevistas; editoras, brinquedos e cirurgia plástica; filmes de média e longa metragem, desenhos animados, animadores e apresentadores de programas; perfumarias, cosméticos e medicamentos; camisetas e bonés, adesivos (auto-colantes) e stickers; louças manuscritas, quadros e fotos; emissoras de rádio e televisão, clinicas pastorais, jornais e festivais de musica; diversas organizações são vendidas sob o título “MINISTÉRIO”; preletores, dramatizações em áudio, treinamento missionário e faculdades; serviços bancários, vitrais e mosaicos decorativos; planos de saúde e serviços médicos; projetores e retro projetores, serviços gráficos, móveis, devocionais diários e cruzeiros marítimos. Ah, e não se esqueça: “aceitamos dinheiro, cheque, VISA, Mastercard, American Express e Diners”! Pode acreditar nada do que foi listado acima é fruto de invenção. Está tudo anunciado nas revistas chamadas evangélicas.  Entre o que se vende gostaria de destacar três itens porque os mesmos possuem características especiais e servem como fetiches ou elementos de mistificação. Eles são:

 

A - Viagens para Israel – Começando com Caio Fábio na década de 80 e ainda bastante forte neste dias, salvo por uma ou outra “intifada” que mata milhares de pessoas, a maioria esmagadora de palestinos, apesar de a mídia insistir em mostrar Israel como sendo a vítima, este é um dos produtos mais vendáveis e mais rentáveis. Funciona mais ou menos assim: primeiro você descobre alguém que tenha um público, alguma celebridade e a convida para ministrar um curso em Israel. Depois você inventa um título pomposo (“Amigos de Sião” ou “Caravana Teológica” servem perfeitamente). Depois é só negociar com uma agência de viagens e pronto. Todas as propagandas que promovem tais viagens deixam transparecer inúmeras mentiras tais como: “Deus vai ficar muito contente com você se você for visitar a terra santa” ou “Você atingirá um nível de espiritualidade incomparável ao visitar a terra santa” ou ainda “A Bíblia terá outro sabor se você visitar a terra santa” ou “Você será completamente mudado se você for batizado no rio Jordão, igualzinho a Jesus”. Tais mentiras inferem claramente, que aqueles que não dispõe dos recursos para fazer tais viagens não agradam a Deus, que são inferiores espiritualmente, que não conseguem aproveitar a Bíblia como deveriam e que receberam um batismo de terceira comparado com o batismo no rio Jordão. Não, ir a Israel não faz de ninguém um cristão melhor. Pelo contrário, a ida a Israel, no esquema citado acima, normalmente transforma os viajantes em pessoas esnobes e arrogantes que passam a tratar os outros com desprezo. Se você não viajou e conhece alguém que viajou sabe muito bem do que estou falando.

 

B - Seminários, Convenções e Encontros – Esta é a versão mais barata do turismo evangélico. Existem hoje no Brasil tantos seminários e conferências e encontros oferecidos que a impressão que se tem é que toda semana tem um evento destes acontecendo em algum lugar do país. As propagandas são sempre muito parecidas. Além de promoverem o evento, dão destaque para os preletores (alguns são verdadeiros arroz de festa), para as acomodações, e fazem apelos singelos a favor do louvor e da comunhão. Muitos não escondem suas verdadeiras intenções e oferecem preços especiais para pastores que liderarem grupos para o evento. Um destes seminários comandados por um pastor estadunidense (a colonização continua firme), oferecia um regalo especial para o que eles chamavam de “pastor nota 10”. Na minha ingenuidade achei que pastor nota 10 fosse aquele homem que realmente servia a Deus e ao próximo seguindo o exemplo de Jesus Cristo. Eu estava enganado. O pastor nota 10 a que a propaganda se referia era o pastor que conseguisse inscrever pelo menos 10 pessoas para ouvirem o pastor estadunidense falar. E qual era o presente? Um workshop (a palavra oficina não servia?) com o próprio pastor estadunidense. Lembre-se, para participar deste encontro oferecido para um seleto grupo com a celebridade era necessário inscrever 10 pessoas no seminário. A pobreza do que se é apresentado em muitos destes seminários é tão absurda que ao retornar de um destes encontros as pessoas só falam das acomodações, do lazer, da alimentação e claro, do turismo local que tiveram oportunidade de fazer. Não lembram muita coisa do que foi falado, mas o louvor foi muito bom! Rever os amigos também foi ótimo. Existem verdadeiras confrarias de irmãos que se encontram todos os anos nos mesmos seminários. Freqüentam os seminários para encontrar os amigos e para por as notícias em dia! Como não poderia ser diferente, nestes encontros se vende de tudo que foi alistado acima.

 

C – Bíblias – Este é um fenômeno novo. Até bem pouco tempo a única diferença que existia entre as Bíblias disponíveis no Brasil, para os chamados crentes, era o tamanho físico e a versão de Almeida, corrigida (ARC) ou atualizada (ARA). De repente, aconteceu uma verdadeira inundação de bíblias de todos os tipos e para todos os gostos. Este processo é chamado de segmentação e nas palavras de Russel Shedd “esta segmentação veio para ficar”. Lembrando tudo que falamos até agora não será difícil imaginar de onde nós importamos a grande maioria das Bíblias que agora ilustram de maneira tão clara até onde vai a ganância humana. Se você está pensando que nós importamos estas Bíblias dos Estados Unidos da América, você está absolutamente certo! A dominação que comentamos no início se mantém e agora da maneira mais perversa que é a representada por esta mercantilização descarada da palavra de Deus. Esta questão é da maior importância, pois é neste campo que uma enorme manipulação está acontecendo. Responda depressa: Você acha que é possível menos de 20 tupiniquins (19) e estrangeiros, produzirem uma tradução completa da Bíblia (Antigo e Novo Testamentos), partindo do zero e utilizando somente os manuscritos originais, em 10 anos, sabendo que uma mesma tradução para a língua inglesa ocupou mais de 100 tradutores e demorou 25 anos para ser terminada? Desculpe-me, mas eu não acho possível. Todavia isto é o que os editores da Nova Versão Internacional (NVI) querem nos fazer acreditar. Aliás, diga-se de passagem, quem publica a NVI é uma organização estadunidense chamada de International Bible Society. Os problemas com esta tradução em português são vários.

 

Em primeiro lugar ela não é uma tradução completa do Antigo e do Novo Testamento baseada exclusivamente nos originais hebraico, aramaico e grego, por mais que os editores insistam em dizer que é. O diagrama de tempo apontado acima não permite tal proeza no prazo e com os recursos disponíveis. Ela é, quando muito, uma tradução do inglês com eventuais referências aos manuscritos originais. Uma leitura, mesmo superficial do capítulo 1 do livro de Gênesis em inglês e português da NVI, não deixa dúvidas acerca da afirmação anterior. A equivalência (palavra/idéia em um idioma que corresponde a uma outra palavra/idéia em outro idioma) e especialmente a seqüência das palavras, como encontradas em português e inglês são inaceitáveis para uma tradução alegadamente independente e feita diretamente dos manuscritos originais. Basta ler qualquer outra tradução seja a Almeida Revista e Atualizada ou mesmo a Bíblia de Jerusalém e compará-las com a NVI para ficar bem evidente o que estamos falando.

 

Em segundo lugar esta tradução está sendo alardeada como a bíblia do século XXI e a propaganda deixa claro que outras traduções estão velhas e ultrapassadas.

 

Em terceiro lugar, é óbvio que, excluídos os interesses financeiros (porque os negócios envolvendo a produção e venda de bíblias são multimilionários), não existe nenhuma necessidade da produção de uma nova tradução da bíblia em português já que a tricentenária tradução de João Ferreira de Almeida, iniciando com a chamada Tradução Brasileira de 1902 e através de suas revisões (revista, corrigida, atualizada, contemporânea, segunda edição e etc) tem servido muito bem ao povo brasileiro. Além do mais, a própria Sociedade Bíblica do Brasil já tem produzido uma nova tradução visando atualizar a linguagem que é a Bíblia na Linguagem de Hoje (BLH) (20) É inaceitável a promoção de uma tradução à custa de outras. As políticas mercadológicas de produção e venda de bíblias, especialmente destas novas que estão surgindo, são tão descaradas que deveriam nos fazer corar de vergonha. A imposição da NVI, com as práticas mercadológicas condenáveis que a promovem, é mais um elemento na longa lista do que temos que engolir como resultado do abuso do poder econômico que estadunidenses, em nome do Senhor, tem utilizado para nos explorar. Não bastasse este embuste chamado NVI, temos sido brindados com algumas jóias da invencionice estadunidense tais como “A Bíblia de Estudo em Cores”, “A Bíblia Devocional da Mulher” (que existe também na sua versão para homens), e uma multidão de bíblias “anotadas” começando com a de C. I. Scofield, passando pela de C. Ryrie e terminando com a indefectível Bíblia Shedd. Quem poderia querer mais? A grande verdade é que apesar desta multiplicidade de bíblias, a palavra de Deus continua sendo ignorada e pessoas usam tais bíblias como fetiches para indicarem algum tipo de superioridade por estarem apenas portando tais volumes. É lógico que os editores não estão preocupados se o povo está lendo tais bíblias. A preocupação deles está concentrada no volume das vendas. Visitando uma livraria evangélica nos Estados Unidos, é possível contar mais de 100 “segmentações” da bíblia. Então já dá para saber a quantidade de “segmentação” que estará vindo por aí e nos será imposta pelos nossos dominadores.

 

Depois da versão bíblica chamada “A Rocha”, que foi a primeira bíblia de estudos utilizando o texto da NVI, agora temos a Life Application Study Bible, que usa a versão do texto de Almeida Revista e Corrigida e que está sendo promovida com os seguinte dizeres: “Agora em Português, a Bíblia de Estudo número 1 em vendas. Mais de 40 milhões (imagine o lucro!) de Bíblias impressas no mundo”. A própria NVI tem uma versão com notas lançada no Brasil e como não poderia deixar de ser é alardeada com as seguintes palavras: “A Bíblia NVI é reconhecidamente a maior e mais completa do gênero em todo o mundo”. Ou seja, cada uma é melhor e maior que a outra. Isto além de constituir uma aberração é uma deslavada mentira já que as duas não podem ser a “melhor” nem a “maior”!

 

 Um outro aspecto que temos que destacar também é o surgimento de bíblias voltadas de forma específica para uma ou outra denominação como a “Bíblia de Estudos Pentecostal” que foi produzida para atender, de forma específica, aos conceitos teológicos das Assembléias de Deus. Os presbiterianos também já podem ser vistos portando garbosas “Bíblias de Genebra”, que é uma versão, sob encomenda, contendo a interpretação calvinista das escrituras. Será que não se percebe que a chamada segmentação zomba e menospreza da Bíblia como a palavra inspirada do soberano Deus? Precisamos de uma Bíblia só. Podemos até discordar em como interpretá-la em um ou outro ponto (cada um dará conta de si mesmo a Deus), mas daí a criarmos e nos submetermos a esta miríade de versões é inaceitável. E promovermos uma versão em detrimento de outras, além de deixar bem claro a intenção mercantilista, é imoral para dizer o mínimo. (21) É importante destacar aqui, como não poderia deixar de ser, que a grande maioria dos missionários estadunidenses trabalhando atualmente no Brasil, endossam e fomentam de forma entusiástica a NVI, e isto não é mera coincidência. Eles preferem uma tradução mais próxima da versão inglesa da NVI contra as versões de Almeida produzidas pela Sociedade Bíblica do Brasil.

 

Mas seriam estes problemas típicos somente da igreja brasileira? Conhecendo a história da igreja chamada cristã espalhada ao redor do mundo, temos profunda convicção de que estes problemas não são exclusivos da igreja brasileira. De fato a igreja chamada cristã no Brasil está inserida no contexto mundial e faz parte de um problema que transcende nossas fronteiras. A igreja chamada cristã no Brasil faz parte de uma civilização chamada cristã que é em muitos, senão em todos os aspectos, a negação completa daquilo que é o ensino claro das Escrituras Sagradas.

 

É intenção do autor compartilhar com os leitores, nos próximos artigos, a visão gloriosa de Deus acerca do significado bíblico do que representa sermos chamados para ser ekklhsia tou Qeou - ekklisia tou Theou – povo chamado por Deus. Apesar das nossas práticas contemporâneas e, o que é mais importante, nossa maneira atual de pensar representarem inúmeros e formidáveis obstáculos a atingirmos o alvo agora proposto, ainda assim seguiremos em frente dependendo do nosso sábio e poderoso Deus.

 

Alex

São Paulo – Maio de 2006

 

 

Convidamos a ler os comentários a este artigo

 

 

 

(1) Samuel Viera reconhece “ser o Protestantismo Brasileiro um protestantismo de missão e ter recebido muita influência de igrejas estrangeiras, principalmente americanas” em O Império Gnóstico Contra-ataca, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1999.

(2) Segundo o Dicionário Aurélio “Americanófilo” é aquele que é partidário da América, em especial dos Estados Unidos da América, em detrimento de outros países. Normalmente tal partidarismo é irracional e não está baseado em fatos. É puro chauvinismo.

(3) Molly Ivins e Lou Dubose levantam esta acusação em SHRUB – The Short but Happy Political Life of George W. Bush, New York, VINTAGE Books, 2000.   

(4) Loraine Boettner no seu livro Catolicismo Romano, São Paulo, Imprensa Batista Regular, 1985, admite que países católicos como o Brasil “têm recebido assistência material substancial de nações protestantes, particularmente dos Estados Unidos da América, de modo que sua atual condição econômica, social, política e religiosa, não é nem de perto tão ruim como seria se estivessem abandonados à sua própria sorte.” Se a arrogância não fosse tão grande, a cegueira acerca da nossa situação seria completa!  Emílio de Laveleye em Do Futuro dos Povos Católicos, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1950, também acredita que os protestantes são sempre mais instruídos e mais ricos quando comparados aos católicos.

(5) Detalhes extensos de como o dinheiro dos contribuintes estadunidenses via Departamento de Estado, financiou missões evangélicas, e em alguns casos, patrocinou o genocídio de povos nativos, no Brasil e em toda América Latina podem ser vistos em obras como as  de Gerard Colby e Charlote Dennett Thy Will Be Done – The Conquest of the Amazon: Nelson Rockfeller and Evangelism in the Age of Oil, HarperCollinsPublishers, 1995. Este livro está também disponível em português.   

(6) Talvez esta expressão seja um pouco pesada, mas a verdade é bem pior. Uma vítima me disse o seguinte: “Alex, eu preferia muito mais que eles tivessem me amarrado pelos pés e me arrastado pelas ruas do que terem feito comigo o que fizeram na assembléia da igreja. Quanta mentira, quanta violência, quanta falta de amor.”

(7) Rubem Alves em Protestantismo e Repressão, São Paulo, Editora Ática, 1982, diz o seguinte: os detentores do poder resistem “a qualquer tentativa de inovação, resistência esta que se legitima através da sacralização das formas de pensamento e comportamento herdadas do passado, e que se torna efetiva pelo estabelecimento de mecanismos institucionais de controle que se encarregam de eliminar as formas desviantes do pensamento e comportamento”.

(8) De fato, não somente editoras, mas todo tipo de “ministério”, dentro do universo chamado evangélico, ou seja, dentro da forma de cristianismo que não seja Católico Romano, tem passado de pai para filho no melhor estilo de “negócio familiar”.

(9) A neta de E. W. Kenyon move processo por cópia dos escritos de seu avô, contra os Hagin e os Copeland. Como é possível que homens que se dizem ungidos pelo poder de Deus copiem deslavadamente os escritos de uma outra pessoa sem lhe dar o devido crédito? Para quem quiser se aprofundar nesta questão o livro de D. R. McConnell A Different Gospel – A Historical and Biblical Analysis of Modern Faith Movement, Peabody, Hendrickson Publishers Inc, 1988, apresenta extensas passagens em colunas paralelas dos escritos de Kenyon e Hagin/Copeland expondo a cópia deslavada, disfarçada sob o pretexto de revelação direta do Senhor!

(10) Peter Jones, A Ameaça Pagã, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002.

(11) John Mather e Judy Groves, Introducing Chomsky, Icon Books, Cambridge, 1999.

(12) Kierkegaard, Soren, The Moment and Late Writings: Kierkegaard’s Writings Vol. 23, Princeton, Princeton University Press, 2000.

(13) De acordo com o Iniq (Índice de Iniqüidade Social) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, publicado em 2003 e citado por Clóvis Rossi em seu editorial na folha de São Paulo de 8 de Setembro de 2003, cerca de 94,5% da população Brasileira vive abaixo dos padrões mínimos de qualidade de vida que incluem: habitar em moradias resistentes (alvenaria ou madeira), ter água e esgoto tratados, possuir eletrodomésticos básicos (fogão, geladeira e rádio) e uma renda per capta familiar de US$ 50 por mês.

(14) Aqui cabem bem as palavras do poeta cearense Belchior quando diz: “Nesta terra de Doutores, Magníficos Reitores, leva-se a sério a comédia...”.

(15) Ricardo Quadros Gouvêa na introdução do livro de Emil Brunner O Equívoco sobre a Igreja, São Paulo, Editora Novo Século Ltda., 2000.

(16) No Balanço oficial de uma Igreja histórica um item chamou minha atenção em um dos gráficos. O item tinha o título “Ação Social” e ao lado um valor percentual que lia: 6%.  Apesar de achar que aquela denominação devesse investir bem mais do que meros 6% em “ação social” ainda assim fui verificar os detalhes de onde aquele dinheiro estava sendo aplicado. Que instituições estavam recebendo os recursos? Para minha surpresa descobri que os recursos alocados sob o título “Ação Social” são destinados a pagamentos de benefícios de previdência privada para pastores da denominação (provavelmente não todos). Ou seja, um pequeno grupo se serve em vez de servir de maneira sacrificial, da força corporativa da Igreja como um todo. Que vergonha!

(17) Talvez os casos mais clamorosos sejam os representados por Rick Warren e seu livro “Uma Igreja com Propósitos” (recomendado pelo Pastor Ary Velloso como sendo “o melhor, mais prático e o mais rico ensino sobre o crescimento da igreja depois do livro de Atos dos Apóstolos”) e por Cezar Castellanos e seu livro “Sonha e Ganharás o Mundo” (recomendado pela pastora e missionária Valnice Milhomens). Estes dois livros representam modelos de evangelização que disputam os corações dos pastores brasileiros. Um é originário da Califórnia nos Estados Unidos e o outro nos chega diretamente de Bogotá na Colômbia. Para que o leitor tenha uma visão bastante clara da manipulação perversa que estes dois senhores implementam em seus livros, peço que leia o artigo “Enganados de Propósito: A Diferença entre Alimentar Ovelhas e Entreter Cabritos”.

(18) Peterson, Eugene, O Pastor Desnecessário, Rio de Janeiro, Editora Textus, 2001.

(19) “tupiniquins” Aos leitores que não estejam no Brasil, devo dizer que se trata dum brasileirismo que usamos para nos referir a nós mesmos, i. e. aos brasileiros, já que os índios tupiniquins eram uma das etnias nativas do Brasil.

(20) Existem ainda outras traduções contemporâneas como a promovida por um ministério que se autodenomina “educacional cristão” e responde pelo nome de Alfalit, bem como a tradução denominada TEB que quer dizer Tradução Ecumênica da Bíblia.

(21) Gostaria de ilustrar o mercantilismo corrente com o seguinte. A revista Vidamix, que é parte da nova mentalidade mercadológica que procura dissimular a propaganda em outras formas, editada pela Editora Vida para promover seus produtos, traz na capa da sua edição de número 7 do ano 4 a seguinte chamada: “Doce como mel – Texto fiel e claro da Bíblia NVI conquista leitores de Norte a Sul do país, abrindo espaços inusitados para a evangelização”. A Editora Vida é parceira da International Bible Society na publicação e distribuição da Nova Versão Internacional da Bíblia no Brasil. No corpo da “matéria”, dentro da revista, a título de reportagem (mas que não passa de propaganda pura e simples) nós temos inúmeras citações de apoio ao produto: 1. “Com a NVI, a intenção é desconstruir impressões equivocadas sobre a Bíblia, mostrando que esta é a palavra de Deus hoje” (Robson Ramos, Diretor Executivo da Sociedade Bíblica Internacional). Aqui se infere que outras traduções causam impressões equivocadas e que não podem ser a palavra de Deus para hoje; 2. “O texto bíblico na Nova Versão Internacional foi escolhido oficialmente pela Associação Evangelística Billy Graham para a evangelização no Brasil” (Idem). A associação Evangelística Billy Graham teve inúmeras de suas campanhas financiadas pelos Rockfellers e fez parte do grande esquema de relações inconfessáveis citado no início desta introdução. E o próprio Billy Graham endossou (pelo seu silêncio e conivência) o genocídio de povos latino americanos e do sudeste asiático na década de 60,(ver obra citada: Thy Will Be Done – The Conquest of the Amazon: Nelson Rockfeller and Evangelism in the Age of Oil),  bem como o genocídio, de mais de um milhão (1.000.000) de Iraquianos, a maioria crianças abaixo de 10 anos de idade (ver documentário produzido pelo jornalista australiano John Pilger para a BBC de Londres intitulado “Killing the Children of Iraq” – Matando as Crianças do Iraque).; 3. “Com a linguagem da NVI é mais fácil de entender a bíblia” (suposto presidiário encarcerado no complexo desativado do Carandiru na cidade de São Paulo). Teria este presidiário tido a oportunidade de ler outra tradução e podido compará-las?.; 4. “O texto da NVI é mais adequado tanto para evangelizar quanto para o uso nas igrejas, entre os crentes” (José Bernardo, Diretor da Associação de Missionários Mantenedores da Evangelização); É claro, as outras traduções são menos adequadas. 5. “A NVI é muito mais fácil de ser entendida pela garotada do que as versões mais tradicionais da bíblia” (Secretária de Educação da cidade de Custódia no interior do Pernambuco). A inferência é óbvia.; 6. Temos que reconhecer que existem “muitas tribos indígenas no Brasil que nunca terão as Escrituras completas em sua língua. A melhor tradução da palavra que eles poderão ter acesso será a NVI, que é a melhor do mundo” (Jaime Carlos dos Santos, estadunidense radicado no Brasil a serviço da Missão Cristã Evangélica). Se é tão boa assim vamos levar a tradução em português para o mundo inteiro; 7. “A NVI é um ponto de referência para tirar dúvidas entre todas as versões que possuo. Ela garante uma interpretação melhor, pois sua tradução é mais clara e direta” (Alexandre Fonseca da Igreja Batista de Lauzane Paulista). As implicações são óbvias, as outras traduções não são claras e diretas e não servem como ponto de referência;  8. “Leio a NVI do púlpito e vejo que as pessoas compreendem melhor a mensagem” (Alexandre Ferreira Casimiro, vice-presidente da Igreja Batista Bíblica Nacional). .A NVI é melhor compreendida, o pastor vê isto do púlpito, não se trata de estudo científico; 9. “Tenho várias Bíblias, mas a que mais me toca é a NVI” (Erwiton Edgar Briljants de São Paulo). Está é uma opinião pessoal e totalmente irrelevante. Diante de tanta propaganda, perguntamos como o editor da revista não se envergonha de apresentar a matéria como reportagem? Não tem nada de reportagem. Uma “reportagem” que endossa 100% um determinado produto é como um conto da carochinha. No começo da pretensa reportagem ainda é contada a estória de uma tal de “Edna” visando indicar a superioridade de NVI. Na estória de Edna, se colocam as seguintes palavras na boca de um marginal “devidamente maquinado”: “Minha mulher também é estudante de direito. Ganhou duas Bíblias na Nova Versão Internacional. E a minha?” Seria realmente cômico se não fosse trágica a pretensão embusteira. Até poderíamos aceitar que o ladrão pedisse uma Bíblia para a Edna. Mas daí a dizer “eu quero uma Bíblia, mas tem que ser na versão NVI” já é demais. Temos que ter muita santa paciência para lidar com estes manipuladores inescrupulosos!

 

 

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas