Fanatismo e opressão religiosa (JLB)

 

 

Fanatismo é a introjeção inquestionável de uma idéia, viver irracionalmente segundo a mesma, querer obrigar os demais a agirem do mesmo modo e condenar quem não aceita a imposição. Fanático é o termo usado para qualificar alguém que cultiva uma verdade única para além dos limites da racionalidade. É uma palavra de origem latina e significa “aquele que está possuído por um deus”. São os intolerantes de toda espécie e os preconceituosos que não suportam as diferenças; os obsessivos que, quando agrupados tornam-se agressivos, violentos e cruéis na defesa dos seus pontos de vista

 

Fanáticos têm o talento de fazer adeptos eficazmente. O psicólogo francês, J-M Abgrael, citado pelo professor Raymundo de Lima , resume o método de doutrinação fanática em três passos:

1º) Sedução das pessoas para a “causa”;

2o) Destruição da antiga personalidade, eliminação dos elos familiares, sociais e profissionais

3o) Construção de uma nova personalidade “renascida” ou “renovada”, de acordo com o modelo e as regras da seita.

 

 

VARIEDADES DE FANATISMO

 

Com poucas variações, essas atitudes são praticadas em todas as áreas onde o fanatismo se manifesta. No esporte, multidões aderem às torcidas organizadas, tipo “hooligans” , responsáveis por atos de vandalismo nos estádios e nas ruas. Dirigentes de clubes de futebol são notórios financiadores, mentores e municiadores das escaramuças travadas por essas gangues que terminam por atingir vidas alheias. Na música, os inocentes fãs-clubes da segunda metade do século passado são hoje legiões de seguidores para os quais não importa a qualidade artística ou moral de seus ídolos, mas tão somente a imagem montada e mantida pelos meios de comunicação, especialmente a televisão. A moda torna as pessoas escravas de tendências inventadas para dar lucro aos fabricantes de roupas, cosméticos e outras tentações às quais o povo se submete para não ficar antiquado. A política fornece um campo frutífero ao fanatismo. Tudo começa com um ideal de bem comum até que o poder é conquistado. A concupiscência do poder produz uma ideologia e esta, uma autocracia e o abismo obscuro do absolutismo. Propostas muitas vezes honestas e bem intencionadas terminam como manifestações absurdas de fanatismo.

O universo da intolerância é imenso, envolve até antitabagistas, ecologistas, naturistas, vegetarianos e outros tantos.

 

 

FANATISMO RELIGIOSO

 

Um dos mais cruéis exercícios de fanatismo é o religioso porque alcança o interior, a alma do indivíduo, que na percepção de suas limitações queda-se voluntariamente diante de um ser superior, intangível, muitas vezes existente apenas na imaginação. Os primeiros passos são conscientes, exprimem-se no falar, na oração. Quando isso parece insuficiente ele entende que a divindade quer mais, quer rituais, jejuns, oferendas e sacrifícios; comer ou deixar de comer determinados alimentos, proibir casamentos mistos, perseguir e condenar adeptos de outras religiões. Essas práticas são lavradas em um texto sagrado e este passa a ser reverenciado num lugar especial, um templo, um santuário para onde se dirigem as romarias. O acesso à comunidade só é permitido aos iniciados, primeiro grau de uma hierarquia que fatalmente surge, se perpetua, exige submissão e, para isso, estabelece dogmas, esses preceitos irrefutáveis declaradamente inspirados que devem ser respeitados e seguidos cegamente não importando se com o tempo o conhecimento e as transformações culturais não mais se justifiquem.  Como em qualquer estrutura humana razoavelmente organizada, os de dentro rejeitam os de fora e não sendo possível iluminá-los honestamente se valem da catequese dirigida, do discipulado tendencioso. Foi assim no período colonial da América ibérica, os nativos tiveram que abandonar suas crenças milenares e aderir compulsoriamente a um cristianismo que trazia da Europa o trauma reformista e a experiência da perseguição religiosa. Pela força, minaram qualquer resistência aborígene. Nos países que adotaram a escravidão, os negros trazidos à força da África preferiam morrer a ter que negar a fé. Os senhores da terra, para não ver dizimada pelo banzo uma mão-de-obra preciosa e indispensável, toleraram a prática de cultos afro desde que as entidades autênticas adotassem os nomes e a aparência dos santos católicos. Nasceu aí o sincretismo religioso brasileiro com irrecuperável perda cultural e religiosa para os negros, pois quem escreveu a história foi o opressor cristão. Em outras ocasiões não existiu essa oportunidade, os “infiéis” foram sumariamente trucidados, ocorrência comum no período da Inquisição e no clássico episódio da Noite de São Bartolomeu .

 

Fervor religioso é algo natural, fanatismo religioso é psicopatia, fecha-se em si mesmo, não permite aos crentes a liberdade de examinar, questionar, duvidar e criticar, reações sadias em seres normais; aguarda somente obediência cega. As guerras santas, violentas e cruéis ocorrem em nome da divindade, matar opositores confere o direito de ir morar no céu, ou em Canaã. Para ocupar a terra prometida Josué comandou o extermínio das populações de trinta e um reinos, em nome de um “deus sanguinário”.

 

Tudo quanto na cidade havia destruíram totalmente a fio de espada, tanto homens como mulheres, tanto meninos como velhos, também bois, ovelhas e jumentos. Josué 6:21.

  

A guerra de conquista se justificava diante da necessidade de ocupar as escassas terras férteis que poderiam fixar e sustentar hordas errantes e famintas. Depois, a conquista do território vizinho se fazia em nome da segurança nacional; na Idade Média o pretexto de reconquistar a Terra Santa transformou em deserto as terras por onde passaram os senhores feudais e seus exércitos de mercenários. Tudo em nome de Deus.

 

Os fanáticos não causam danos somente às demais pessoas, mas a si próprios. Tornam-se escravos de um sistema e manifestam os sintomas que identificam um quadro psicótico grave que transita entre o delírio, a histeria coletiva e o suicídio. Sigmund Freud , citado no mesmo trabalho de Raymundo de Lima, constata que “a religião não fez e nem faz as pessoas felizes, mas, dá-lhes a ilusão de felicidade; sem dúvida, ela tem o poder de controlar os impulsos primitivos psicossexuais e proporciona alguma direção moral, que costuma ir além do necessário, ou seja, reprimindo o potencial criativo ou de prazer genuíno das pessoas”.

 

 

ANTÍDOTO DO CONHECIMENTO

 

O fanatismo é incompatível com o conhecimento. Num cenário de infidelidade nacional o profeta clama:

 

O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos, Oséias 4:6.

  

Muitos líderes religiosos têm destruído a alma dos que neles confiam estimulando e favorecendo a expansão do fanatismo dentro de suas instituições. Contaminadas por esse vírus maligno, as pessoas perdem a capacidade de raciocinar e passam a viver em uma dimensão que não é humana nem espiritual, mas tão somente um vácuo existencial que não produz nenhum resultado permanente, daí a necessidade da repetição constante das mesmas práticas. O apóstolo Paulo manda viver um evangelho racional, nem estacionados no mínimo, nem expandidos ao máximo, porém caminhando com equilíbrio possível e necessário, a fim de que, sendo humanos, possamos conviver pacificamente com o espírito.

 

Consequentemente, eu vos suplico, irmãos, pelas compaixões de Deus, que apresenteis os vossos corpos como sacrifício vivo, santo, aceitável a Deus, um serviço sagrado com a vossa faculdade de raciocínio. E cessai de ser modelados seguindo esse sistema de coisas, mas sede transformados por reformardes a vossa mente, a fim de provardes a vós mesmos a boa, e aceitável, e perfeita vontade de Deus, Romanos 12:1/2

 

Porque religião é criação do homem e não pode virar idolatria. Muitas pessoas são levadas a acreditar que a religião resolve tudo, aí perdem a razão e a capacidade de resolver por si mesmas os menores problemas. Tampouco estão dispostas a enfrentar as frustrações do dia-a-dia. Não é boa a religião que afeta o equilíbrio psicológico do indivíduo. Religião que vira vício confirma a clássica expressão usada por Karl Marx, religião é o ópio do povo. Aplicado em doses maciças nas igrejas e nos meios de comunicação, polariza a ignorância coletiva.

 

Quando os verdadeiros profetas resolverem compartilhar com o próximo o que aprenderam e viveram sobre a Verdade, muitas vidas condenadas pelo fanatismo serão finalmente libertadas

 

“...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará, João 8:32.

 

A cegueira espiritual ainda não chegou ao fim da estrada de Emaús Lucas 24:13/35, na hora certa perceberemos que Ele sempre esteve do nosso lado na caminhada. Se tivermos essa certeza, teremos também a obrigação de anunciá-la aos que ainda estão fracos, desmotivados e fanatizados, resgatando-os dos brutais grilhões da opressão religiosa.

 

  

FONTES:

  

– Professor Raymundo de Lima em “O fanatismo religioso entre outros”, publicado na Revista Espaço Acadêmico – Ano II – Nº 17 – Outubro/2002.

– “Hooligans” – Pessoas de comportamento violento e destrutivo comumente associado a fãs de desportos, principalmente adeptos de futebol. (Wikipédia).

– Banzo Uma “paixão da alma” que atingia os africanos escravizados, um intenso ressentimento que poderia ser causado por saudades da terra natal, por amores perdidos, injustiças e traições sofridas e, principalmente, pela “cogitação profunda sobre a perda da liberdade”. Luiz Antonio de Oliveira Mendes em Memórias Econômicas da Academia Real das Ciências de Lisboa”, publicado em 1812.

– A noite de São Bartolomeu – Nome por que é comumente  conhecida a grande matança de Protestantes ocorrida em Paris na noite de 23 para 24 de agosto de 1572. (Infopédia).

– Freud, Sigmund, “O futuro de uma ilusão”, ED. L&PM Pocket, 2011.

- Bíblia Sagrada – Almeida, Revista e Atualizada – Sociedade Bíblica do Brasil.

 

 

José Luiz Batista

Curitiba – Brasil – Agosto de 2014.