Vida após a morte (JC)
Uma Mensagem de Esperança
A morte é
um problema universal da humanidade, que tem sido motivo de reflexão de
filósofos, teólogos e outros pensadores ao longo da História. Na minha investigação
pessoal acerca deste tema, encontrei seis características que a identificam. A
morte é um mistério, é universal, é um tabu, é um inimigo, é imprevisível e é
inevitável. A mensagem de esperança sobre a vida após a morte fundamenta-se na
fé cristã e na minha convicção pessoal de que na pessoa de Jesus Cristo
encontramos a resposta ao problema da morte, pois não só a Sua Vida dá sentido
à morte como também a Sua morte sacrificial e voluntária pela humanidade
confere sentido à vida de todos aqueles que, ao longo dos séculos, O aceitam e
seguem como o Messias prometido.
A morte é um
mistério
De
uma maneira geral, os seres humanos temem o desconhecido, e a morte é o exemplo
supremo do desconhecido, conforme afirmou o filósofo francês Lévinas (1906-1995): “A morte é o mais desconhecido de todos os desconhecidos”.
Epicuro (342-270 a.C.) defendia a doutrina materialista de que a morte física
representa o fim da existência do ser humano e que não existe nada para lá
desta última fronteira: “Enquanto nós existimos, não existe a morte, e quando
chega a morte, nós já não existimos”. A sua filosofia, denominada estoicismo, caracterizava-se por se procurar
viver uma vida tranquila ou como diríamos hoje “sem stress”, evitando a dor e o sofrimento.
O
padre e teólogo Anselmo Borges, que se tem dedicado desde há vários anos ao
problema da morte, refere: “Confrontados com a morte é, pois, com o mistério absoluto
que deparamos. Porque não sabemos o que ela é nem sabemos o que é estar morto,
como também não sabemos o que é que propriamente quer dizer o que denominamos
como “o além”, o “depois” da morte. De facto, enredados no tempo e no espaço, a
morte significa o já não estar nem no espaço nem no tempo”.
A
morte poderá ser considerada um mistério, pois são poucos os que podem falar
dela na primeira pessoa e são escassos os relatos de quem recuperou de um
diagnóstico confirmado de morte clínica. Porém, Jesus Cristo é o único que pode
declarar com toda a autoridade: “Não temas: Eu sou aquele que está vivo! Estive morto, mas
agora vivo para sempre. Eu tenho poder sobre a morte e sobre o mundo dos mortos”
Apocalipse
1:18.
A morte é
universal
A
morte é uma realidade dramática da existência humana, que também partilhamos
com os outros seres vivos, conforme nos recorda o rei David: “A grandeza de um
homem não o salva da morte; como todos os animais, também ele tem de morrer”
Salmo 49:21. É o acontecimento mais democrático e
igualitário da existência humana, pois não faz discriminação entre ricos e
pobres, entre poderosos e humildes, entre homens e mulheres ou entre novos e
velhos. Na hora da morte, somos todos iguais.
Ao
longo da sua vida, o ser humano é um “ser para a morte”, como afirmou o filósofo
alemão Heidegger (1889-1976). Somos, nas palavras de Fernando Pessoa
(1888-1935), “cadáveres
adiados”. John F. Kennedy (1917-1963), o malogrado presidente dos
EUA assassinado em 1963, escreveu acerca deste fenómeno universal: “O laço essencial
que nos une é que todos habitamos este pequeno planeta. Todos respiramos o
mesmo ar. Todos nos preocupamos com o futuro dos nossos filhos. E todos somos mortais”.
Como refere o autor da
carta aos Hebreus, no Novo Testamento, “aos homens está ordenado morrerem uma só vez” Hebreus 9:27. Na verdade, seja qual for o método utilizado para diagnosticar
a morte de uma pessoa, designadamente com recurso aos critérios clássicos de
morte por paragem cardiorrespiratória ou, por vezes, aos critérios de morte
cerebral, é fundamental ter-se em consideração que a morte é um acontecimento
único e irreversível, cuja verificação é da responsabilidade de um médico.
A morte é um
tabu
No passado, e em algumas
regiões de Portugal até há bem pouco tempo, a morte era um acontecimento
social. Era aguardada na maioria das vezes em casa, e o moribundo encontrava-se
rodeado de parentes, amigos e vizinhos e até mesmo de crianças que vinham
despedir-se e prestar a sua última homenagem. Hoje, morre-se sobretudo no Hospital (em mais de 60% dos casos), por
vezes sozinho e em sofrimento.
Nos
EUA, a morte representa um negócio próspero que movimenta milhões de dólares.
Os cadáveres não parecem mortos nem têm cheiro, devido à atividade das agências
funerárias, que não se limitam a organizar o funeral mas oferecem serviços como
o embalsamamento e tratamento cosmético dos corpos.
Os
historiadores consideram que a morte é o principal tabu dos tempos modernos, em
que se procura viver como se ela não existisse. O sociólogo inglês Geoffrey Gorer (1905-1985), na sua obra seminal Looking at Life and Death (1936) escreveu
acerca da “conspiração
de silêncio” acerca da morte, considerada como se fosse um assunto
obsceno, secreto e solitário. O historiador francês Philippe Ariès (1914-1984) considera também que no século XX o tema
da morte se tornou proibido. Para este autor, a tendência atual de se recorrer
cada vez mais à cremação do que ao enterro dos cadáveres traduz também uma
tentativa radical de ocultação dos corpos, através da sua eliminação. Porém,
como assinala o Pe. Anselmo Borges: “Não se julgue que a morte se tornou tabu pelo facto de já
não ser problema. É exactamente o contrário que se passa: de tal modo é problema, aparentemente o único problema para o qual uma
sociedade que se julga omnipotente não tem solução que a única solução que
resta é fazer de conta que ele pura e simplesmente não existe, portanto,
ignorá-lo, reprimi-lo (...) As nossas sociedades são as primeiras na história a
colocar o seu fundamento sobre a negação da morte”. E questiona, “como é que uma
sociedade que gira à volta da organização económica, determinada pelo
individualismo concorrencial, feroz e insolidário, onde os valores autênticos
são o êxito, a juventude, a beleza, a eficácia, a produção, o lucro, acumulação
de bens, exaltação da vida, progresso e riqueza, pode ainda acompanhar
efetivamente os doentes, os velhos e os moribundos, e suportar o supremo fracasso da morte?”.
A morte é um
inimigo
De
um ponto de vista humano, a morte não faz sentido. É uma aberração, é anti-natural, é uma violação da vida. Como afirmou Jean-Paul
Sartre (1905-1980), o influente filósofo existencialista francês, “é absurdo que
tenhamos nascido e é absurdo que morramos”. O escritor António Lobo
Antunes, que sobreviveu a um cancro do intestino, escreveu sobre a sua condição
de doente oncológico: “Tenho a morte dentro de mim. E é
horrível estar grávido da morte”.
Muitos
certamente já viram uma célebre fotografia tirada durante a fome no Sudão, em
1994, que retrata uma criança gravemente subnutrida ao lado de um abutre que
aguarda a sua morte. Esta foto foi distinguida com o famoso prémio Pulitzer nesse ano, mas o seu autor, o fotógrafo
sul-africano Kevin Carter (1960-1994), suicidou-se três meses mais tarde vítima
de depressão, com apenas 33 anos de idade.
A
Bíblia descreve realisticamente a morte como um inimigo, que não fazia parte do
plano original de Deus. Surgiu devido à desobediência do primeiro homem no
jardim do Éden, que os teólogos denominam “Queda” e que culminou na sua
expulsão do Paraíso. Mas apesar da morte ser
claramente um inimigo, John Wyatt, professor
catedrático de Neonatologia no Imperial College em Londres e um cristão convicto, salienta: “A esperança de
vida do ser humano é limitada, não apenas como resultado do castigo de Deus mas
também da Sua graça e misericórdia”, porque “no cuidado de Deus para com a Sua criação,
não era possível que o ser humano vivesse eternamente no seu estado degradado e
limitado como consequência da Queda”.
A morte é
imprevisível
Uma das características
mais marcantes da morte é a sua imprevisibilidade. Basta uma breve visita à
morgue de qualquer Instituto de Medicina Legal para constatarmos que a morte
não escolhe apenas os doentes, os idosos ou os chamados grupos de risco, mas
também os saudáveis, os jovens, os ocupados, os que estão bem na vida.
José António Saraiva
escreveu numa das suas crónicas semanais: “Um homem pode prever muita coisa, mas dificilmente
imagina o momento e a situação em que se confrontará com o espectro da morte”.
Basta pensar na morte inesperada do
jovem futebolista Miklos Fehér,
em 2004, durante um jogo que estava a ser transmitido em direto, ou o tsunami de Dezembro de 2004, que vitimou cerca de 220 000
pessoas, ou o terramoto do Haiti, em Janeiro de 2010, no qual perderam a vida
mais de 200 000.
Sigmund
Freud (1856-1939) afirmou que “cada um de nós está inconscientemente convencido da sua
imortalidade”, o que é particularmente notório nos jovens, para quem
a morte é considerada uma possibilidade muito remota. No entanto, na minha
atividade profissional como cirurgião vascular, vi dezenas de casos de jovens
que perderam a vida ou partes do seu corpo em resultado de acidentes de viação,
a maior parte com veículos de duas rodas.
A morte é
inevitável
Alguém
disse que só há duas coisas certas na vida: os impostos e a morte! Na tradição
popular portuguesa encontramos alguns ditados acerca desta evidência, como por
exemplo “vamos
à vida que a morte é certa”, “morte certa, hora incerta”, “nem rei, nem
Papa, à morte escapa”, “só uma porta a vida tem, enquanto a morte tem cem”.
O escritor inglês C. S. Lewis (1898-1963), durante a 2.ª Guerra Mundial,
constatou que a guerra não aumenta a morte, pois a morte é total em cada
geração.
Os
enormes progressos médicos e tecnológicos alcançados nas últimas décadas, na
área da saúde, levaram a um aumento extraordinário da esperança média de vida
nos países desenvolvidos. Para este aumento da esperança de vida contribuiu,
mais do que a possibilidade de tratamento curativo de muitas doenças, a sua
prevenção, através da melhoria das condições higieno-sanitárias
e alimentares, vacinação eficaz e acesso generalizado aos cuidados de saúde. No
entanto, ao longo da história da humanidade, a maioria das pessoas não
ultrapassava os 35 anos, à semelhança do que acontece nos países menos
desenvolvidos. Em Portugal, a esperança média de vida à nascença é atualmente
de 76,14 anos para o sexo masculino e de 82,05 anos para o feminino. Alguns
especialistas acreditam que em 2025, nos países desenvolvidos, será superior a
90 anos. Mas apesar de todos estes êxitos no combate à doença, mais cedo ou
mais tarde chega sempre o momento da morte.
Esperança na
morte
Todas
as características acerca da morte, atrás referidas, representam apenas uma
parte da história, na medida em que há uma outra realidade que deve ser tida em
conta. Isto porque a morte, para além de ser um acontecimento biológico e
social, é também um acontecimento espiritual e é precisamente por esse motivo
que podemos encarar a morte com esperança.
Em geral, somente em ocasiões como a morte de um
familiar ou amigo, um acidente grave ao qual sobrevivemos ou a revelação de uma
doença fatal, somos confrontados com a questão essencial do significado e
propósito da vida. No entanto, como afirma o conhecido evangelista
norte-americano Billy Graham, “ninguém está verdadeiramente preparado para
viver enquanto não estiver preparado para morrer”. Na Idade Média, um provérbio latino
muito evocado dizia memento mori, que significa “recorda que tens de morrer”.
Alguns teólogos antigos colocavam uma caveira na sua secretária para se
recordarem da sua mortalidade, o que ainda hoje pode ser observado em algumas
pinturas do período barroco. Estavam assim a seguir as indicações das
Escrituras, que referem “Melhor é ir à casa
onde há luto do que ir à casa onde há banquete, porque ali se vê o fim de todos
os homens; e os vivos o aplicam ao seu coração”
Eclesiastes
7:2 ou ainda “Ajuda-nos a contar os nossos dias, para que tenhamos um
coração sábio” Salmo 90:12.
O
teólogo, filósofo e cientista francês Teilhard de
Chardin (1881-1955) escreveu: “nós não somos seres humanos que têm uma experiência
espiritual. Nós somos seres espirituais que têm uma experiência humana”.
Na lápide tumular de Johannes Kepler (1571-1630), o famoso astrónomo alemão do
séc. XVII, estão gravadas as seguintes palavras: “o espírito pertencia ao céu, aqui jaz a
sombra do corpo”.
Alexander Solzhenitsyn
(1918-2008), o escritor russo contemporâneo, laureado com o Nobel da Literatura
em 1970, afirmou: “como cristão, creio que há vida após a morte, e por isso
entendo que ela não é o fim da existência. A alma tem uma continuação, continua
a viver. A morte é apenas uma etapa, alguns dizem mesmo uma libertação”.
A
confiança cristã numa vida após a morte não é uma utopia mas tem por base a
Palavra de Deus. Disse Jesus a Marta, irmã de Lázaro: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim,
ainda que morra viverá; e todo aquele que vive e crê
em mim nunca morrerá” João 11:25. E depois demonstrou a Sua autoridade sobre a morte dando
vida a Lázaro. Nesse sentido, podemos considerar que a Vida de Jesus dá sentido
à morte. O apóstolo Paulo descobriu essa realidade ao afirmar: “Onde está, ó morte,
o teu aguilhão? Onde está, ó morte, a tua vitória? 1ª
Coríntios 15:55 e conclui “graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus
Cristo” 1ª
Coríntios 15:57, pois como também podemos ler em Actos 4:12, “abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os
homens, pelo qual importa que sejamos salvos”.
Martin
Luther King Jr.
(1929-1968), que além de ter sido um destacado ativista pelos direitos dos
negros nos EUA era também pastor baptista, escreveu pouco tempo antes do seu
assassinato no Tennessee: “Foi através de Cristo que Deus nos libertou do aguilhão
da morte. A nossa vida terrestre é o prelúdio de um novo despertar, e a morte é
a porta que se abre para a nossa entrada na vida eterna”. A mensagem
central do Evangelho é precisamente a destruição da morte e a esperança de vida eterna, através de Cristo. Se acreditarmos em Jesus Cristo e nas
Suas palavras podemos encarar a morte e o futuro com confiança. Disse Jesus: “Na casa de meu Pai
há muitas moradas; se não fosse assim eu vo-lo teria dito. Pois vou
preparar-vos lugar. E se eu for, e vos preparar lugar,
virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver,
estejais vós também” João 14:2/3.
Termino esta reflexão
pessoal sobre a morte, contando a história apócrifa de um missionário, no
século passado, que regressou aos Estados Unidos, sua terra natal, após muitos
anos de dedicado serviço a Deus num país longínquo. Porém, não estava ninguém
no cais à sua espera para o acolher e lhe dar as boas-vindas. No mesmo navio
regressava o presidente dos EUA de uma curta viagem, que teve à sua chegada
toda a pompa e honras militares habituais nessas circunstâncias. O missionário
ficou triste e amargurado e disse a Deus: “Senhor, servi-te fielmente ao
longo de todos estes anos e não estava ninguém para me receber e agradecer pelo
meu trabalho quando cheguei a casa”. Deus respondeu-lhe: “Meu Filho... tu ainda não chegaste a casa”.
Jorge Cruz Porto – Portugal
Abril
de 2014
http://falemosdesaude.blogspot.com
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