Salvação
ou Justificação através dos tempos (CC)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
1.
Introdução
Outros
títulos possíveis para este artigo seriam: “Salvação pela genealogia, pelos
sacramentos, pelo cumprimento dos mandamentos, ou pela fé?”, “Salvação pela fé
ou pela Lei?”. Mas surgem sempre as questões: Que tipo de fé? E que
mandamentos? A que Lei nos referimos?
São
os assuntos que iremos abordar no presente artigo, assim como a exclusividade
da salvação por Cristo. Estarão todos os que nunca tiveram a oportunidade de
conhecer a Jesus Cristo condenados ao Inferno?
A
velha questão do cristianismo, se a salvação é pela fé ou pelas obras, tem dado
origem a acaloradas discussões que nem sempre foram do tipo de discussão no
salutar ambiente dos antigos filósofos gregos da qual nasce a luz, mas pelo
contrário, temos de ser realistas, foram discussões à antiga portuguesa ou à
antiga brasileira da qual não tenho visto nascer a luz, mas a zaragata. Ou pior
ainda, as discussões no ambiente religioso medieval, que deram origem a
perseguições, exclusões, excomunhões e até assassinatos para defesa de
determinada “verdade teológica”. Nos nossos dias, suponho que tal já não é
possível, graças às Autoridades seculares, mas geralmente cada igreja e quase
todas as religiões, continuam a tentar impor autoritariamente e agressivamente
a “sua verdade”, e a mentalização doutrinária parece ter substituído a lucidez
da sã reflexão teológica. Já vão longe os tempos em que Lutero colocou a Bíblia
nas mãos do povo, para que este, livremente e sem a tutela de dirigentes
religiosos, a pudesse ler e interpretar.
Este
assunto, é quase sempre abordado para defesa de
determinada opinião, apresentando só as passagens em apoio da salvação pela fé,
ou em apoio da salvação pelas obras, porque assim foram treinados os
evangelistas e clérigos dos nossos dias, e como também podemos concluir por uma
rápida visita às várias páginas na internet.
Vamos
tentar abordar o assunto nas seguintes condições:
Em
primeiro lugar, sem ideias preconcebidas, nem com a preocupação com a defesa de
qualquer das posições teológicas, e com um certo distanciamento que o tempo que
passou nos permite.
Em
segundo lugar, procuraremos basear-nos e buscar informação nos textos bíblicos,
de preferência neotestamentários, mas libertos do dogma católico-protestante
que os considera como inerrantes. Considero os textos bíblicos como valiosas
informações do pensamento dos seus escritores, mas não encontro base racional
para os considerar como inerrantes, nem tal afirmação tem base bíblica
neotestamentária. Sobre este assunto das bases da nossa reflexão, aconselho a
leitura do ponto “2. Base de raciocínio” do nosso artigo David
ou Davi (CC).
Em
terceiro lugar, procurando ser imparcial nas referências aos personagens
bíblicos que vamos mencionar, aplicando os mesmos critérios a todos, sem haver
personagens já “condenados” pela tradição, como no caso de Tomé ou Pilatos e outros
considerados irrepreensíveis e intocáveis pela nossa crítica, como no caso
Abraão ou de David.
Não
ignoramos
que este artigo será lido por muitos evangélicos, protestantes, católicos,
islâmicos, ateus, agnósticos e pessoas de outra religiões, mas ao investigar o
pensamento do Mestre, não tencionamos ser influenciados pelas tradições de
evangélicos ou católicos, pois como diz Paolo Ricca,
Professor da Faculdade Valdense de Teologia, “O pregador não deve ser cúmplice
das ideias da comunidade ou de uma pessoa individualmente.” Não podemos
ser indiferentes aos pensamentos de muitos teólogos, do presente e do passado, que
chegaram aos nossos dias. Graças a Deus por toda essa informação, mas a
meditação teológica deve ser livre e não podemos deixar de questionar toda a
informação do passado. Não é o facto de determinada ideia
ser aceite pelas igrejas que nos deve pressionar a aceitá-la, pois quem medita
em teologia não pode hesitar em contrariar a sua tradição sem que deixe de ser
meditação teológica para se tronar em simples estudo da sua tradição.
Pelo
facto de não estar ligado a nenhuma igreja nem comprometido com qualquer linha
doutrinária, sinto-me mais livre para esta reflexão, embora compreenda que
algumas das minhas afirmações possam ser escandalosas para alguns.
2.
Salvação no Velho Testamento
Não
encontrei passagens didácticas sobre “salvação” ou “justificação” no Velho
Testamento, com o significado que tais palavras têm na teologia dos nossos
dias.
Quando
no Velho Testamento aparece a palavra “salvação”, é quase sempre a salvação
física como no caso duma guerra, duma doença, perigo, etc. Tratava-se da
salvação pessoal, ou salvação nacionalista, que de maneira alguma incluía os
outros povos que, bem pelo contrário, eram os inimigos, os incircuncisos, que
deveriam ser combatidos e mortos ou escravizados para glória de Israel e do seu
deus.
A
“salvação” dependia somente da genealogia, por pertencer ao povo de Israel, o
povo escolhido pelo seu deus, que lutava sempre ao lado do seu povo, como aliás
era caso vulgar com todos os deuses das cidades ou das tribos dessa época,
cerca de 2000 anos antes de Cristo. Escrevo deus com letra minúscula, pois Deus
é somente o Pai de toda a humanidade que Jesus revelou, o que não é o caso do
deus de Moisés que se comporta como qualquer outro deus da tribo ou da cidade.
Um
exemplo típico desta característica do deus de Israel é o caso de Abraão quando
a fome o levou ao Egipto com todos os seus familiares. Foram para o Egipto por
sua livre vontade, onde foram recebidos para não morrerem à fome e mesmo assim
enganaram ao Faraó que os salvou. Abraão combinou com Sara para que esta
dissesse que era sua irmã, para que a sua vida não estivesse em perigo e o
Faraó lhes desse “…ovelhas, bois e jumentos,
escravos e servas, jumentas e camelos…” como vemos em Génesis 12:10/19, nomeadamente
no vr. 16. Não foi somente um caso de adultério, pois
ter relações sexuais em troca de dinheiro ou bens materiais é prostituição. Mas
o mais escandaloso é que o deus de Israel castiga o Faraó que foi a vítima
dessa falcatrua e não os verdadeiros culpados. Como resultado dessa
parcialidade do deus de Moisés, mais adiante, em Génesis 20:1/7 Abraão e Sara
voltam a praticar a mesma falcatrua. Sete ou oito séculos depois, com a Lei de
Moisés, estes casos de prostituição ou adultério, seriam punidos com a pena de
morte, mas Abraão e Sara nada sofreram.
Temos
também o caso de Arão que foi o principal responsável pelo caso do bezerro de
ouro Êxodo 32:01/06. Por causa
dessa transgressão de Arão morreram três mil homens Êxodo 32:25/29, mas Arão
continuou nas suas funções, pois era intocável como alto dirigente religioso Êxodo 34:31
Já
desde a antiguidade os grandes e os dirigentes dos povos estavam acima das leis
e das críticas. Será que os tempos mudaram muito? É difícil mudar a situação,
mas não podemos permitir que alguém esteja acima das nossas críticas pois
ninguém é intocável. Paulo foi bem claro em Romanos 3:23. Pelo contexto,
ele referia-se aos judeus e gregos, o que nessa cultura significava toda a
humanidade conhecida. Moisés continuava muito preocupado em aplicar a pena de
morte a quem comesse marisco ou cometesse adultério ou trabalhasse ao sábado,
mas esta transgressão de Arão que custou a vida de tantos israelitas ficou
impune quanto ao principal culpado. Talvez só na China dos nossos dias os altos
dirigentes políticos são punidos com a pena de morte nos casos de corrupção ou
desvio de grandes verbas.
Só
a partir de Jeremias 24:7 Jeremias 31:33, Ezequiel 36:26, Isaías 1:11/17 cerca do ano
600 ou 500 A.C. (depois do período da Monarquia), aparecem referências ao
“coração” ou “coração de carne” como símbolo do afecto, sinal de que não se
tratava somente da salvação física, mas dá ideia duma nova forma de ser e de
pensar. Mas essas são ainda revelações do deus de Israel, que prometia ajudar o
seu povo, em oposição aos outros deuses e outros povos. Será que nos nossos
dias, vinte seculos depois de Cristo, Deus não dirá coisa semelhante com o
destino que damos às verbas, muitas vezes exageradas, para sustento pastoral e
construção de igrejas? Parece que oferecemos a Deus de acordo com a nossa
mentalidade, a nossa cultura e as nossas tradições, quando aquilo que o Senhor
valoriza é coisa bem mais simples, como vemos no vr.
17 desta passagem de Isaías aprendei a fazer o bem; buscai a justiça, acabai com a
opressão, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva.
Essa
mentalidade, de que o importante era ser filho (descendente) de Abraão, estava
bem viva no tempo de João Batista e de Cristo que tiveram de lutar contra ela,
embora a ideia continuasse na cultura judaica, como vemos nas várias
referências a Abraão como símbolo do povo de Israel.
3.
Salvação no Novo Testamento
Ao
lermos os Evangelhos, não podemos ignorar o contexto histórico e cultural
em que Jesus viveu.
No Templo de Jerusalém e nas várias sinagogas
continuavam a ensinar a Velha Lei com o “ensino” em que a Velha Lei era
decorada sem que fosse possível alguém questionar a sua veracidade. A
mentalidade das pessoas e principalmente dos povos, não se muda dum dia para o
outro e na época em que Jesus apresentou a sua mensagem, estava ainda muito
vivo o respeito e aceitação cega da tradição religiosa veterotestamentária,
embora já um tanto atenuada pela Lei Romana que levou um pouco de civilização a
Israel, tal como hoje a entendemos.
Contrariando uma certa arrogância
veterotestamentária dos que se consideravam o “Povo Eleito”, portanto o único
povo salvo para toda a eternidade, Paulo é bem claro em Romanos
3:23 referindo-se a judeus e gentios, portanto,
toda a humanidade.
Quando
no Novo Testamento se fala em salvação, geralmente trata-se da salvação da alma
ou salvação espiritual, quando nada se encontre no contexto que nos indique
outra interpretação, pois o Novo Testamento não exclui a salvação duma doença
ou de perigos, como na tempestade que Jesus acalmou em Mateus 8:25
Antes
de se entrar propriamente no assunto, da salvação
pelas obras ou pela fé e na exclusividade
da salvação, teremos de definir o que iremos investigar e quais os nossos
critérios de estudo.
Penso
que, o que mais nos interessa, é o ensino
neotestamentário sobre a salvação da alma humana, pelo que, quanto ao Velho
Testamento limitar-nos-emos a esta referência.
Quanto
ao Novo Testamento, iremos mencionar as passagens sobre salvação ou justificação,
apresentando os vários autores em separado. Será que damos a mesma importância
a todas estas passagens? Terá o pensamento de Tiago a mesma importância que o
de Paulo, ou de Pedro? E o pensamento do próprio Cristo?
Nesta
listagem, não incluí o livro de Apocalipse pelos motivos que menciono no meu
artigo Apocalipse e o cânon
neotestamentário (CC)
Nem todas
estas passagens, que apresentamos a seguir, são passagens didácticas sobre a
salvação ou justificação, mas todas elas nos dão importantes informações sobre
o assunto.
Na coluna
que intitulamos como “Salvação por:” colocamos o
aspecto (Fé, graça, obras etc.) a que a passagem dá maior ênfase. Colocamos
também as datas, certamente aproximadas, em que os vários livros foram
escritos, segundo estimativa dos melhores estudiosos do assunto. Isto poderá
dar-nos uma ideia da informação escrita disponível nas igrejas cristãs dos
primeiros séculos.
Livro/Cap./Ver. |
Quem
afirma |
Destinatários |
Salvação
por… |
Data
do livro (Aproximada) |
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João Batista |
Israelitas |
Obras |
Ano 80 |
|
Jesus |
Israelitas e gentios |
Obras |
Ano 80 |
|
Jesus |
Discípulos |
Obras |
Ano 80 |
|
Jesus |
Israelitas e gentios |
Obras |
Ano 80 |
|
|
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|
João Batista |
Israelitas |
Obras |
Ano 80 a 90 |
|
Jesus |
Israelitas |
Nova mentalidade |
Ano 80 a 90 |
|
Jesus |
Zaqueu |
Nova mentalidade |
Ano 80 a 90 |
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|
Jesus |
Sinagoga (vr.42) |
Mensagem de Jesus |
??? |
|
Jesus |
Apóstolos |
Mensagem de Jesus |
??? |
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Pedro |
Sinédrio |
Graça |
Ano 62 a 63 |
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Paulo e Barnabé |
Antioquia da Pisídia |
Graça |
Ano 62 a 63 |
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Paulo |
Carcereiro de Tiatira |
Graça |
Ano 62 a 63 |
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Paulo |
Crentes de Roma |
Graça |
Ano 57 |
|
Paulo |
Crentes de Roma |
Graça |
Ano 67 |
|
Paulo |
Crentes de Roma |
Graça |
Ano 57 |
|
Paulo |
Crentes de Roma |
Graça |
Ano 57 |
|
Paulo |
Crentes de Roma |
Graça |
Ano 57 |
|
Paulo |
Crentes de Roma |
Graça |
Ano 57 |
|
Paulo |
Crentes de Roma |
Graça |
Ano 57 |
|
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|
Paulo |
Crentes da Galácia |
Graça |
Ano 55 a 57 |
|
Paulo |
Crentes da Galácia |
Graça |
Ano 55 a 57 |
|
Paulo |
Crentes da Galácia |
Graça |
Ano 55 a 57 |
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|
Paulo |
Crentes de Éfeso |
Graça |
Ano 56 a 58 |
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Paulo |
Crentes de Filipos |
Graça e Obras |
Ano 56 a 57 |
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Paulo |
Timóteo |
Graça |
Ano 66 |
|
Paulo |
Timóteo |
Graça |
Ano 66 |
|
Paulo |
Timóteo |
?!?!? |
Ano 66 |
|
Paulo |
Timóteo |
Pregação |
Ano 66 |
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Paulo |
Timóteo |
Estudo bíblico |
Ano 67 |
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Paulo |
Tito |
Graça |
Ano 67 |
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Tiago |
Judeus dispersos |
Fé e obras |
Ano 40? 60? |
|
Tiago |
Judeus dispersos |
Fé e obras |
Ano 40? 60? |
|
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Pedro |
Judeus dispersos |
Santificação |
Ano 67 |
|
Pedro |
Judeus dispersos |
Praticando o bem |
Ano 67 |
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|
João?! |
Todo o crente |
Fé no Filho de Deus |
Ano 85 a 90 |
Depois
de compilar estas informações, olhando para este quadro, não posso deixar de me
admirar e de perguntar: Por que motivo, a época áurea do cristianismo, a época em
que mais cresceu, foi precisamente quando não tinha condições para sobreviver?!
1)
Eles não tinham “edifícios apropriados”, dedicados ao culto a Deus. No centro
de Jerusalém, o Templo como poderosa fortaleza que parecia desafiar os séculos,
em nada impressionou o Mestre que previu o seu fim. As várias sinagogas, talvez
não fossem muito diferentes dos edifícios que as igrejas dos nossos dias se
esforçam por construir e para onde vai uma elevada percentagem dos donativos
dos crentes. Certamente que, para quem vive nas cidades, há por vezes
necessidade de encontrar algum lugar sossegado onde o crente possa estar em
silencio para meditar. Mas as igrejas costumam estar encerradas e só abrem as
suas portas na altura dos cultos, quando os cristãos dos nossos dias exibem
toda a sua “espiritualidade” devidamente isolados do mundo secular onde
deveriam divulgar a Cristo pelas suas vidas e seu comportamento.
2)
Não tinham a Bíblia impressa, como temos nos nossos dias, para não falar nas
possibilidades da informática e outros meios de comunicação.
3)
As datas em que foram redigidos os vários livros (rolos) do Novo Testamento,
mostram-nos que no século I, nem sequer tinham os textos neotestamentários que,
quase todos foram escritos na segunda metade, ou quase no fim do século I, e
muito mais tempo levaria a sua divulgação através de cópias manuscritas dos
vários livros. Haveria certamente no Templo de Jerusalém e nas várias
sinagogas, muitos dos livros que estão no nosso Velho Testamento e outros que
foram rejeitados, pois o cânon veterotestamentário só ficou definido na cidade
de Jâmnia, nos anos 90 ou 100 depois de Cristo, e o
cânon neotestamentário, foi formado gradualmente ao longo dos séculos I, II e
seguintes, sendo o Apocalipse rejeitado pelo primitivo cristianismo. Este foi o
último livro neotestamentário a ser incluído no cânon, no Concílio de Cartago,
que terminou só no século V. Sobre este assunto, leia Apocalipse e o cânon neotestamentário (CC)
Certamente
que damos graças a Deus pela nossa Bíblia que muitos consideram como “a Palavra
de Deus”, em especial o Novo Testamento, mas não nos podemos
esquecer de João 14:15/18. Geralmente comportamo-nos como se Jesus tivesse dito: “Não vos deixarei
órfãos, deixo-vos as Escrituras”. Mas,
quem ficou a substituir o Mestre, para não nos sentirmos órfãos, não foi a
Bíblia, mas o Espírito da Verdade, o Espírito Santo. (a)
4. O problema
do primitivo cristianismo, quando estes textos foram escritos
As
duas religiões, judaísmo e cristianismo, “nasceram” em contextos históricos bem
diferentes. O texto base do Judaísmo (Lei de Moisés),
apareceu cerca do ano 1200 AC, quando Israel era um grupo de ex-escravos
inconstantes, indisciplinados, caminhando pelo deserto e todo o outro ser
humano era um inimigo a abater. Nessa época Jeová era o deus dos israelitas,
que os protegia na guerra e lutava a seu favor, contra todos os outros povos e outros
deuses.
Era
uma sociedade cívico-religiosa, muito fechada, sem liberdade de expressão nem
liberdade de religião, pois mandava que todas as outras religiões fossem
perseguidas de acordo com Êxodo22:20, Levítico 24:10/23 ou Deuteronómio 17:2/7. Todo o povo era obrigado a
colaborar na execução do condenado à morte por seguir outra religião.
Bem
diferente foi o contexto histórico em que “nasceu” o cristianismo, no seio do
Império Romano onde vários povos foram obrigados a conviver. Será que se pode
falar na “globalização do Império Romano”? Nessa época só faria sentido o Deus
de todos os povos.
Primeiro,
João Batista preparou o caminho, com um tipo de pregação que já nada tinha a
ver com os ensinos dos sacerdotes do Velho Testamento e em seguida, com a
pregação de Jesus, o cristianismo “nasceu” no ambiente cultural do judaísmo mas
num contexto histórico em que já não fazia sentido o velho “deus dos
judeus”.
Os
apóstolos e os primeiros discípulos de Jesus eram judeus. Desde que Moisés lhes
dera a sua Lei, já se tinham passado cerca de 1200 anos. Eles eram praticantes
duma velha religião que não era só “coisa de domingo”, como na nossa cultura,
mas uma religião que controlava toda a sua vida e em que os seus sacerdotes
exerciam funções que nos nossos dias competem aos tribunais, aos serviços de
saúde, serviços de segurança etc. Toda a vida do crente do Judaísmo era
controlada por uma infinidade de leis para tudo, leis cuja transgressão muitas
vezes era punida com a pena de morte, embora nessa época, já esses poderes
tivessem sido limitados pelos romanos que não lhes permitiam aplicar a pena de
morte e os obrigaram a respeitar e aceitar a liberdade para todas as religiões.
Por
vezes, quando alguma lei, ou alguma ideia, ou alguma tradição está
profundamente arreigada no povo, é mais fácil aceitar uma nova ideia do que
abandonar a antiga. Lembro-me de ver em Moçambique, islâmicos convertidos ao
Evangelho que continuavam a rejeitar a carne de porco. É também o caso de
evangélicos brasileiros que vêm para Portugal e mesmo depois de saberem que a
proibição do vinho é tradição evangélica norte-americana sem fundamento
bíblico, continuam a não beber nos primeiros tempos em Portugal. (b)
É
também o caso da antiga tradição de Moçambique, quando uma família tradicional
tinha de viajar pela selva. O homem deveria caminhar bem à frente, levando só a
lança e arco com as flechas, enquanto a mulher vinha bem atrás, acompanhada
pelos filhos, carregando à cabeça com toda a bagagem e os filhos pequenos às
costas. Mas isso tinha uma explicação. Se aparecesse algum leão, eles bem sabiam
o que tinham a fazer: A mulher teria de fugir, carregando os filhos para
procurar abrigo na aldeia mais próxima, enquanto o homem teria de enfrentar o
perigo, coitado, mesmo à custa da sua vida. Mas os tempos passaram e nos nossos
dias esse perigo é bem raro pois, coitado do leão que estaria em vias de
extinção se não fossem os fiscais de caça nos países minimamente organizados
como são os da África Lusófona. Mas a tradição mantem-se, até mesmo nas cidades
onde já não há qualquer perigo. O homem caminha à frente e não transporta nada.
Carregar a lança para quê?! E é sempre a mulher que tem de carregar com tudo,
como manda a tradição. Muitos já não sabem como, nem porquê, nem para quê… Mas
é a tradição. Aliás, tradição muito útil e cómoda para o homem moçambicano dos
nossos dias.
Penso
que foi coisa semelhante que se passou com o primitivo cristianismo que aceitou
o Evangelho, mas teve muita dificuldade em rejeitar as suas centenárias
tradições, baseadas na velha Lei de Moisés.
Na
verdade, é compreensível essa confusão na mente dos primitivos cristãos.
Esperaram muitas gerações até que viesse o seu Messias. Mas o Cristo que veio,
não era o que eles esperavam, pois curou aos sábados, devendo ser punido com a
pena de morte pela velha Lei Êxodo 31:12/14. Transgrediu Números
5:1/3 não escorraçando os leprosos e em vez disso
até tocou em leprosos, tornando-se
imundo para os curar. Recusou-se e apedrejar a mulher adúltera de acordo com a
velha Lei Levítico 20:10.
Eles
estavam perante uma importante decisão: Seguir a quem? Aos sacerdotes, levitas
e doutores da Lei? Ou seguir o Messias que cada vez mais se afastava dos
“religiosos” segundo a velha mentalidade, para conviver com pecadores?
Penso
que o primitivo cristianismo teve ainda outra grande dificuldade, pois no
Templo e nas sinagogas havia os vários livros (rolos) veterotestamentários mas
o seu cânon só ficou definido no ano 90 ou 100, já depois de Cristo. Quanto aos
livros neotestamentários, escritos durante o primeiro século, segundo alguns
historiadores, havia dezenas de “evangelhos” a que Lucas se refere no início do
seu Evangelho.
Assim,
grande parte do primitivo cristianismo aceitou a mensagem de Cristo sem que
tivesse a coragem, de abandonar completamente o Velho Testamento, como aliás seis
séculos mais tarde, Maomé teria o mesmo problema com a dificuldade em cortar
com o passado, continuando a aceitar também a Bíblia, mas com o bom senso de
colocar em dúvida a sua inerrância.
Resumidamente
a grande questão para o primitivo cristianismo seria: Salvação pela fé e pela
Graça? Ou salvação pela genealogia, pelo cumprimento da Lei e pelas obras?
Mas
o que significava a “Lei” no contexto histórico em que Jesus viveu? Era
certamente a velha Lei de Moisés. Podemos ver alguns aspectos da Lei de Moisés
em Leis do Velho
Testamento
em flagrante contradição com a nova Lei de Cristo em João 13:34, 1ª João 2:8, 2ª João 1:5/6.
Por
outras palavras o primitivo cristão de origem judaica teria de optar entre
“Obras de Lei de Moisés” ou “Fé em Cristo”.
5. O
problema que se coloca nos nossos dias
A
Idade Média, foi época de grande “religiosidade” e ao
mesmo tempo grande obscurantismo em todos os aspectos, inclusive na própria
teologia. Pode-se afirmar que até Lutero (1517) toda a ênfase estava na
salvação pelas obras, sacrifícios, indulgências, sacramentos, peregrinações
etc.
Lutero
redescobre a salvação pela fé em Cristo. Mas muitos dos seus seguidores ao
deixarem a salvação pelas obras, caíram para o extremo oposto pregando somente
a salvação pela fé, onde já não havia lugar para as obras. Compreendo que nesse
contexto histórico era necessário dar toda a ênfase à fé em Cristo. Não era
necessário, aliás seria até contraproducente, falar em obras a um povo que se
esforçava em praticar obras, sacrifícios peregrinações etc.
Mas
o que vemos no protestantismo actual? Noto uma grande competição entre as
igrejas, nomeadamente as evangélicas que por vezes utilizam meios de propaganda
incompatíveis com a mensagem evangélica.
Nos
nossos dias, uma precipitada aceitação da salvação “somente pela fé”, afirmação
típica e necessária na época da Reforma de Lutero, poderá ser mal interpretada
se não houver mais explicações. Pode ser interpretada como uma fórmula mágica,
ou “código de entrada”, ou “password”, que abra os
portões do Céu, como uma espécie de “Abre-te Sésamo” da teologia, pois isso é
precisamente o que procura, uma grande percentagem do público que vem às
igrejas para se libertar dos seus problemas, quer sejam problemas económicos,
familiares, sociais etc. e que procura uma solução, no psicólogo, ou na igreja,
ou em algum deus ou deusa de qualquer religião, ou na bruxa, ou feiticeiro etc.
Infelizmente, para muitos que procuram as igrejas evangélicas, pouco lhes
importa que a entidade a que se dirigem seja séria e verdadeira, desde que
“funcione”, pois buscam uma solução fácil, cómoda, rápida e barata.
Geralmente,
as igrejas que mais crescem, são as que pregam a “salvação mais rápida e mais
económica” e utilizam o “arrependimento litúrgico” em que o crente arrependido
levanta o braço e vai à frente, muitas vezes ao som de cânticos que mais
parecem a entrada triunfal dum herói que a aceitação dum pecador arrependido, e
nada de falar em obras, a não ser na obrigatoriedade da entrega do seu dízimo,
pois afinal a velha Lei de Moisés tem essa utilidade para muita da “classe
pastoral” dos nossos dias.
Claro
que este tipo de “conversão” só pode gerar “cristãos de igreja”, muito úteis só
no salão de cultos e sem qualquer preparação para o ambiente secular em que
vivemos, que por sua vez, também são fruto de “pastores de igreja”, muito úteis
no salão de cultos, mas inúteis no ambiente secular onde o Evangelho não é
anunciado. Lembro-me de que certo dia, em Caldas Novas, no Brasil, um Pastor mostrou-me
sete igrejas na mesma rua, competindo pelos mesmos crentes e perguntei-lhe se
havia alguma obra de apoio social ou ajuda aos necessitados que me pudesse
apresentar… Mas infelizmente só me mostrou as igrejas (edifícios) que
construíram. Não seria a esse tipo de “fé sem obras” a que Tiago se referia?
Não
sou contra a construção de edifícios religiosos, mas não podemos ignorar que o
primitivo cristianismo não se preocupou em construir igrejas. As primeiras
igrejas ou templos religiosos são do século IV, depois do Concílio de Niceia
(325), quando o Imperador Constantino, se converteu ao cristianismo e decidiu
colaborar na “evangelização” confiscando os templos e fontes de receita das
religiões tradicionais romana e grega, para os entregar aos cristãos.
As
igrejas (refiro-me aos edifícios) sempre foram um sinal de grandeza, até de
certa arrogância querendo cada uma ser a maior. Todos conhecem a antiga
competição sobre qual a maior e a mais imponente ou a mais alta. Nesse aspecto,
identifico-me com a arquitectura da nova Igreja da Santíssima Trindade de
Fátima, que em vez de procurar ser a mais alta, fez precisamente o contrário. É
um edifício parcialmente enterrado, o que lhe permite parecer mais baixo e mais
pequeno, mantendo o ambiente calmo e rural embora possa acolher 8600 pessoas
sentadas. Estou a referir-me à sua arquitectura e não ao custo da obra.
Na
minha profissão de Engenheiro de Construção Civil, já colaborei na construção e
remodelação de algumas igrejas evangélicas em Portugal. Mas tenho dúvidas se me
devo alegrar ou pedir perdão ao Senhor pelo que fiz. Há quem prefira chamar de
Templo ao edifício das igrejas. Até tenho sobre o assunto, o artigo Igreja ou Templo da rua tal ...?
(CC)
Mas há pelo menos uma exceção nos trabalhos em
que colaborei que é o Centro Social Baptista de Leiria. Graças a Deus por esta
organização que está ao serviço dos necessitados.
6.
Como conciliar as duas posições
Como
conciliar as duas posições, da salvação pela fé ou pelas obras?
Como
vemos nos textos bíblicos neotestamentários apresentados, tanto há passagens
que apresentam a salvação com toda a ênfase nas obras, palavras até do próprio
Cristo, como há outras que se referem à fé em Cristo unicamente.
Penso
que essa aparente contradição pode ser explicada pelo diferente contexto
histórico dessas passagens.
Em
Mateus 3:7/9 e Lucas 3:7/8 João Batista
dirigiu-se aos fariseus, saduceus e às multidões de judeus que acreditavam na
salvação pelo seu próprio batismo e pela sua genealogia, e a esses exigia
obras.
Bem
duras são as palavras do Mestre em Mateus 7:15/23, Mateus 16:24/27, Mateus 25:31/46, defendendo a
salvação pelas obras. Será que o Mestre falava também para os cristãos de salão
de cultos dos nossos dias?
Em
Lucas 13:23/30 no versículo 26,
em vez de Comemos
e bebemos na tua presença, talvez a transculturação para a nossa
realidade fosse: Quantas vezes comungamos na tua presença.
Em
Lucas 19:5/10 no versículo 9,
Jesus confirma a salvação de Zaqueu devido às suas obras e à sua nova
mentalidade.
Em
João 12:45/48 Jesus faz
depender a salvação da aceitação do Evangelho (vr.47) e do cumprimento da sua
Palavra (não da Velha Lei).
Em
Actos 4:8/12 e Actos 13:45/48 as palavras
defendendo a salvação pela fé, foram dirigidas aos judeus, cumpridores da Velha
Lei. A esses não faria sentido apelar para as obras,
mas para Cristo.
Em
Actos 16:27/31 o carcereiro de
Tiatira perguntou o que era necessário para a sua
salvação. Paulo e Silas falaram de Jesus e nada disseram sobre as obras. Lendo
o contexto destes versículos, penso que não seria necessário falar em obras a
um homem que estava disposto a fazer tudo que lhe pedissem, pois os presos não
fugiram devido à presença de Paulo e Silas que lhe salvaram a vida, pois se
faltasse algum preso, seria bem provável o carcereiro ser punido com a pena de
morte ou ficava no lugar do preso.
As
cartas de Paulo aos Romanos, Gálatas, Efésios e Filipenses foram dirigidas a
essas igrejas que nessa época eram constituídas maioritariamente, ou em grande
parte, por judeus convertidos ao Evangelho. A esses era necessário falar de
Cristo e não das obras, pois eles bem conheciam as muitas leis de Moisés, mas
era necessário firmar a fé deles em Cristo, numa época em que teriam de
resistir ao ataque dos judaizantes.
Quanto
a 1ª Timóteo 2:14/15, espero por alguém que saiba explicar,
que eu não consigo.
7.
Posição de Tiago a mais moderada e realista
Penso
que a melhor passagem, que consegue resumir o que o Novo Testamento diz sobre
salvação é Tiago 2:26
Como
vem na Bíblia de Jerusalém Com efeito, como o corpo sem o sopro da vida é morto, assim também é morta a fé sem obras.
Portanto, se ele diz que essa fé, sem obras, é morta, é porque não serve e não
é essa a fé que salva.
Poderíamos
e deveríamos ainda perguntar: Fé em quê? E também que tipo de obras? Algumas destas
questões foram abordadas no meu artigo Fé (CC)
8.
Qual a situação dos que nunca tiveram conhecimento de Cristo?
Incluo
nesta posição, não só aqueles a quem nunca foi pregado o Evangelho como, talvez
o maior grupo, de que pouco se tem falado, dos muitos milhões que através dos
tempos tiveram a coragem de rejeitar um “evangelho” apresentado à força da
espada ou um “evangelho” como forma de acesso a vantagens económicas ou outras
contrapartidas materiais. Estou a pensar na época da colonização, nas Cruzadas,
não só da idade média como dos nossos dias a que me refiro no artigo Cruzada americano/batista (CC). Certamente que muitos desses
“missionários” ouvirão a afirmação de Jesus “… nunca vos conheci…”
(Mateus 7:23). Assim, como poderiam eles
anunciar o verdadeiro Evangelho se eles próprios nunca conheceram a Cristo?!
A
principal passagem em que se baseia o exclusivismo cristão, é a afirmação de
Cristo em João 14:6, “…ninguém vem ao Pai, senão por mim.”
Penso
que há duas hipóteses de se interpretar este versículo:
8.1 Em primeiro
lugar quero afirmar que, na verdade este versículo parece-nos muito
exclusivista. Será que se refere a todo o ser humano em todo o mundo e em todos
os séculos, antes e depois de Cristo, que não se poderá salvar se não for
através de Cristo? Será essa a ideia que o Mestre nos quer transmitir?
Esta
é certamente uma interpretação possível e a mais divulgada nas igrejas
evangélicas, mas não a considero a única possível e gostaria de apresentar
também uma outra explicação, pois esta minha página na internet, a “Estudos bíblicos sem fronteiras
teológicas”
não se destina primariamente à evangelização, muito menos à mentalização
doutrinária a favor de determinada igreja ou linha doutrinária, mas a fornecer
informação para que o prezado leitor possa tomar conhecimento e escolher
conscientemente a sua opção teológica. Escolher livremente em sua casa, sem
quaisquer pressões nem a tutela de algum dirigente religioso.
Sobre
a posição do exclusivismo cristão, aconselho a leitura do artigo Será Cristo o único Salvador? (MC) de autoria do Pastor Manuel Pedro da Silva Cardoso, nosso antigo Professor de
Teologia.
8.2 Quanto à segunda posição, da
salvação de pessoas que nunca conheceram a Cristo ou crentes de outras
religiões:
Penso que
Paulo é o único apóstolo que aborda este assunto em Romanos 2:14/15 embora não seja esse o principal
objectivo desta carta aos Romanos.
Vejamos
estes mesmos versículos noutras das mais sérias e melhores traduções:
Na Bíblia
de Jerusalém – Quando
então os gentios, não tendo Lei, fazem naturalmente o que é prescrito pela Lei,
eles, não tendo Lei, para si mesmos são Lei; eles mostram a obra da lei gravada
em seus corações, dando disto testemunho sua consciência e seus pensamentos que
alternadamente se acusam ou defendem…
Na TEB (tradução da TOB em francês)
– Quando pagãos,
sem ter lei, fazem naturalmente o que a lei ordena, eles próprios fazem as
vezes da lei para si mesmos, eles que não têm lei. Mostram que a obra exigida
pela lei está escrita em seu coração: a sua consciência dá igualmente
testemunho disso, assim como os seus julgamentos interiores que sucessivamente
os acusam e os defendem.
Na
tradução de Ferreira de Almeida – Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem
naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são
lei; Os quais mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando
juntamente a sua consciência, e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer
defendendo-os.
Na
tradução e transculturação da BPT (Bíblia para todos)
– Ora os que não
são judeus, sem terem a Lei de Moisés, cumprem naturalmente aquilo que manda a
lei, eles são a lei para si mesmos. Mostram pelo seu proceder que trazem escrito
no coração aquilo que a lei ordena. A voz da sua consciência ensina-lhes o que
devem fazer e acusa-os ou defende-os, conforme os casos.
Paulo
refere-se à Lei de Moisés que considero impraticável e inaceitável depois de
Cristo apresentar a verdadeira imagem do Deus Pai. Aliás, o próprio Cristo, em
alguns casos, recusou-se a aplicar a Lei de Moisés, como já vimos. Não tenho
dúvidas de que a Lei implantada no coração dos gentios será bem melhor do que a
escandalosa Lei de Moisés, produto duma primitiva religião tribal de 1000 a
2000 anos antes de Cristo que aplicava e abusava da pena de morte com manifesto
desprezo pela vida humana. Aliás, nem Israel dos nossos dias segue a Lei de
Moisés, pois é um país secular dos nossos dias.
A passagem
já citada, Mateus 25:31/46 bem como outras no género, dá a
possibilidade, não só da aceitação de gentios como de crentes de outras
religiões, assim como alerta para a eventual rejeição de muitos “cristãos”
considerados os grandes dos nossos dias.
Isto pode
levar-nos a questionar: Quais as obras que Deus aceita e quais as que não estão
de acordo com os seus planos e o exemplo do primitivo cristianismo? Certamente
que o apoio aos mais necessitados, em especial aos órfãos e viúvas, era a
principal prioridade da igreja primitiva. Mas será que certos valores
exagerados do sustento pastoral e construção de igrejas (edifícios), que
absorvem a quase totalidade dos donativos das igrejas, estarão de acordo com o
pensamento do Mestre? Ou serão as obras que serão rejeitadas de acordo com 1ª Coríntios 3:10/17? (c)
Vemos em Tiago 1:27 o que
ele considerava as prioridades para as igrejas do seu tempo, mas não encontro
nas cartas dos vários apóstolos, passagens a incentivar a construção de
edifícios religiosos. Claro que estes são necessários nos nossos dias, mas a
importância que lhes damos tem prejudicado o testemunho das igrejas perante os
mais necessitados.
Claro que
as igrejas tentam monopolizar o poder e a graça de Deus, bem como manter uma
posição pouco clara sobre a posição do cristão perante o Velho Testamento, para
que este possa funcionar como um grande centro comercial (shopping, como dizem
no Brasil), onde pastores pouco honestos, possam livremente, e julgam que
impunemente, ir buscar tudo que lhes possa ser útil,
nomeadamente o fundamento do dízimo para exploração dos mais ingénuos. (veja a
secção Temas polémicos)
Ninguém, nem nenhuma organização
religiosa poderá monopolizar o poder de Deus, nem limitar o seu poder e o seu
direito de se manifestar a quem quiser, quando quiser e pelos meios que
entender, mesmo que sejam pessoas de outras religiões, pois Deus é soberano. O
Deus em que acredito, que Jesus ensinou a tratar por Pai, está muito acima de
qualquer religião e a sua acção não pode ser condicionada por qualquer
teologia. (d)
Sobre este
assunto de outras religiões, quero mencionar uma passagem de Alcorão 5:48. Ou como está na versão actualmente em elaboração
na Mesquita de Lisboa, directamente do árabe para o português. E revelamos-te o
Livro com a Verdade, confirmando o Livro que o precedeu e fizemos-te o seu
vigilador, portanto julga-os entre eles conforme o que Alá revelou, e não sigas
os seus desejos, desviando-te da Verdade que te chegou. A cada um de vós nós
temos prescrito uma Lei e um caminho aberto. E se Deus quisesse, teria feito de
vós um só povo, mas fez-vos como sois, para vos testar por aquilo que vos
concedeu; portanto, competi uns com os outros nas boas acções. Todos
voltareis para junto de Alá, que então vos esclarecerá a respeito das vossas
divergências.
8.3 Mas, vejamos
mais em pormenor o contexto de alguns destes versículos: João 14:6, Actos 4:8/12, 1ª Timóteo 2:5, 1ª João 5:10/13.
Quando
aparecem as palavras “todos” ou “ninguém”, será que se referem sempre a toda a
humanidade? Ou por vezes se referem a determinado grupo de pessoas?
Temos
vários casos onde estas palavras aparecem. Vejamos alguns deles:
Quando Lucas 2:3 ao descrever o alistamento de Jesus, afirma que “… todos iam alistar-se…”, está a referir-se à população de todo o mundo? O versículo 1 parece confirmar que sim, ao referir-se ao Decreto de César Augusto, para que todo o mundo habitado fosse recenseado. Então, também os Índios da Amazónia, os esquimós do polo Norte ou os indígenas da Austrália foram a esse recenseamento? Claro que não. Esse todo o mundo ou todo o mundo habitado como está na Bíblia de Jerusalém, ou o mundo inteiro como está na TEB, refere-se ao que eles consideravam o “mundo” nesse contexto histórico. Certamente que Deus sabe que o mundo é esférico, mas isto são palavras do médico chamado Lucas e transmitem o seu pensamento.
Também
se Mateus 7:19 se referisse a
todo o mundo, essas espécies vegetais já estariam extintas, tratando-se
certamente de “todas” essas árvores que estavam nos terrenos agrícolas de
Israel.
Quando
em Mateus 26:27 Jesus diz bebei dele
todos, certamente que esse “todos” não era toda a humanidade mas
“todos” os discípulos que estavam presentes nessa última ceia de Jesus.
Portanto
na passagem que citamos João 14:6, não podemos
limitar-nos a este versículo, mas teremos de enquadrá-lo no seu contexto, ver a
quem Jesus se referia quando disse que ninguém iria ao Pai senão por ele. Para
isso, teremos de começar a leitura no início do capítulo 13. Vemos que isto se
passou na última ceia do Mestre e estavam presentes os seus discípulos. É bem
elucidativo o seguinte versículo João 14:7 Se vós me
conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai; e já desde agora o
conheceis, e o tendes visto. É evidente que nesse momento da
história, “todo
o mundo” ainda não conhecia a Cristo, mas somente os seus discípulos
o conheciam. Certamente que “ninguém” desse grupo a quem Jesus se dirigia
poderia ir ao Pai, senão por Jesus.
É
portanto, da máxima importância estudar o contexto destas passagens:
Em
Actos 4:8/12, Pedro estava
perante o Sinédrio, dirigiu-se a Autoridades do povo e vós, anciãos (vr.8), que seguiam escrupulosamente a
Lei de Moisés e certamente a sua grande preocupação seria apresentar a Graça de
Deus através de Cristo.
Em
1ª Timóteo 2:3/6, carta dirigida
por Paulo a Timóteo, encontramos várias dificuldades de interpretação que só
podem ser entendidas pelo contexto histórico em que a Igreja de encontrava.
Claro que para Timóteo, Cristo era o único mediador, mas a grande preocupação
de Paulo, mais evidente no primeiro capítulo 1ª
Timóteo 1:3/4 era o combate ao gnosticismo que
afirmava ter conhecimento completo e transcendente da natureza e dos atributos
de Deus, aconselhava a abstenção de certos alimentos e condenavam o casamento.
(1ª Timóteo 2:3). Mas a
afirmação mais importante é a que encontramos em 1ª Timóteo 2:5 … Cristo Jesus, homem, em que dá ênfase a Jesus
Cristo como homem, numa época em que muitos o aceitavam como Deus, mas não como
verdadeiro homem. Nos nossos dias a posição inverteu-se, pois poucos duvidam
que Jesus Cristo tenha existido como homem, mas nem todos acreditam que tivesse
natureza divina.
Esta interpretação de Lucas 2:3 vem explicar a
aparente contradição com Mateus 25:31/46. É
surpreendente a afirmação dos versículos 37 a 40, em que muitos dos próprios
justos (=justificados) parecem surpreendidos pela presença do verdadeiro Cristo,
que só conheciam pelas atrocidades cometidas pelos “cristãos” ao longo dos
tempos em seu nome, quer em África, no continente Americano, ou no Oriente.
Então os justos lhe perguntarão: Senhor, quando te vimos
com fome, e te demos de comer? Ou com sede, e te demos de beber?
Quando te vimos forasteiro, e te acolhemos? Ou nu, e te
vestimos?
Quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos
visitar-te?
E responder-lhes-á o Rei: Em verdade vos digo que, sempre
que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o
fizestes.
Esta
é uma visão do fim dos tempos, que o Mestre nos deixou, quando finalmente a
Justiça Divina cairá implacável sobre toda a humanidade.
Não
nos compete saber quem serão os salvos, mas o Mestre nos dá alguma informação
do seu comportamento.
Muitos,
só demasiado tarde irão reparar nestas importantes informações:
Jesus
não pergunta quem foi membro de alguma igreja e de que igreja, como perguntam
geralmente os pastores e/ou padres dos nossos dias.
Também
não pergunta: Que igreja frequentavam? Que cargos
tinham? Que sacramentos receberam? Com quanto contribuíram para as igrejas? Nem
sequer pergunta se era membro de alguma igreja ou se praticava alguma religião.
Jesus
fala só de dois tipos de pessoas:
1
- Os indiferentes ao sofrimento do ser humano, mesmo que sejam os grandes nas
nossas igrejas e religiões, mesmo que sejam pessoas altamente “santas e
responsáveis” dos nossos dias, que falam em nome de Cristo e das igrejas
perante a sociedade dos nossos dias.
2
- As pessoas que dão de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, que
visitam os enfermos etc etc… Afinal, esse é o
trabalho, tanto dos frades e freiras das Ordens Religiosas, como de muitos que
nem estão ligados às igrejas, como dos islâmicos que entregam pontualmente e de
boa vontade o seu zacat (e) aos
necessitados e de muitos outros que nem seguem nenhuma religião. Entre eles
haverá certamente grandes teólogos, mas por vezes, também poderá haver outros
que nada percebem de teologia, mas captaram o pensamento e a mentalidade do
Mestre, que são muitas vezes desprezados pela sociedade dos nossos dias,
aqueles de quem dizem: Coitados.. são uns ingénuos..
quem lhes agradece pelo seu trabalho? Quem reconhece o
seu esforço…
Os
“crentes” que vivem no ambiente deste mundo até dizem: Esses ingénuos, parece que nem vivem no nosso
mundo. E nisso, têm toda a razão. Esses, que serão chamados, não vivem
neste mundo, e por vezes nem nestas igrejas, pois não são deste mundo…. Serão
chamados pelo Rei dum outro mundo que atentamente os observa e aguarda o
momento final para os chamar.
Pela
última vez, Jesus o Cristo, será escândalo para toda a
humanidade, pois a Justiça de Deus não é como a justiça dos homens.
Camilo - Marinha Grande, Portugal
Julho
de 2012
(a)
Nem tudo que é bíblico é bom, pois no
Velho Testamento encontramos apelos ao racismo, xenofobia, forte discriminação
da mulher e à violência. De certa forma compreendo que antigamente a Igreja
Católica não permitisse a leitura da Bíblia. Foi pena que não tivessem
divulgado somente o Novo Testamento.
(b) Compreendo que esta afirmação possa ser um
tanto escandalosa para alguns evangélicos que nunca saíram do Brasil e seguem
fielmente a tradição evangélica norte-americana. Sobre este assunto, tenho os
artigos: Vinho – O crente
pode beber? (CC + IP + AF +
OC) e Vinho na
Santa Ceia (CC)
(c) É caso para pensar, se não devemos incluir aqui, também
a nova Igreja da Santíssima Trindade de Fátima. Embora eu a aprecie nos
aspectos arquitectónicos e técnicos, o importante é que o Senhor aprove a sua
construção. Mas, se fizermos as contas, o custo de cada lugar, não estaria
muito longe do custo por lugar sentado, numa vulgar igreja evangélica que
compra uma habitação T3 para a transformar em igreja onde estão 15 a 20
pessoas. Talvez todas as igrejas, tanto pequenas como grandes e todas as catedrais,
construídas com dinheiro dos pobres, terão de passar
pela prova a que se refere 1ª
Coríntios 3:10/17
(d) Quando em Janeiro deste ano de 2012 voltei
à Índia, verifiquei que as crianças das escolas, rezam ou oram a Deus, sem
mencionar a que deus se referem, cada uma
interpretando de acordo com as suas convicções. Isto vi
em Goa e não sei se será assim em toda a Índia.
(e) Sobre o
significado de zacat, veja o artigo Contribuição nas
várias religiões (diversos) na secção sobre a contribuição no Islão. Mas
resumidamente podemos dizer que o zacat
é a contribuição obrigatória no Islão, que corresponde a 2.5%, ou seja 1/40 do
vencimento e se destina exclusivamente aos pobres. Para a construção de
mesquitas, terão de ser ofertas voluntárias.
Estudos bíblicos
sem fronteiras teológicas
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os comentários, a este ou outros artigos, enviados para eventual publicação,
serão da exclusiva responsabilidade de quem os assina e deverão ser enviados
para ---
COMENTÁRIOS
RECEBIDOS
Walmir Teodoro Monteiro - Feira de Santana – Bahia -
Brasil.
Sou
crente indenominacional, não faço parte de nenhuma
instituição religiosa. E isso porque entendo que a verdade de Cristo não está
presa a nenhuma forma teológica ou religiosa, a graça de Deus para mim é
multiforme. É assim que eu ando no caminho da vida e do amor, que tem em Cristo
a perfeita expressão. Sou um crente que não levanta nenhuma bandeira denominacional porque as minhas mãos já estão cruscificadas com Cristo, e o eu religioso e legalista já não vive mais. Sou indenominacional porque o único Deus é por todos, está em
todos e agi por meio de todos, e assim Ele é o Deus que não tem fronteiras, é o
Pai nosso, de toda a humanidade.
Li
o seu artigo, e como sempre o irmão nos dá uma boa reflexão, de fato és um pensador
livre que não teme as tradicionais interpretaçôes
teológicas.
Eu,
todavia, acredito, creio mesmo, na reconciliação universal ou salvação
universal. E por que?
Porque
“Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo, não lhes imputando
os seus pecados ...” 2ª Coríntios 5:19
. Deus encerrou a todos debaixo do pecado, para usar de misericórdia para com
todos Romanos 11:32.
E toda língua confessará e todo joelho se dobrará, confessando que Jesus Cristo
é o Senhor, não para a vitória da morte ou do suposto fogo do inferno, mas para
a glória de Deus Pai Filipenses 2:9/11.
Em Cristo, Deus congregará todas as coisas e todos os seres que há no céu e na
terra Efésios
1:9/10, Colossenses 1:19/20. Nada se perderá eternamente, pois
tudo é dele, por ele e para ele Romanos 11:36. O
Filho de Deus não veio condenar o mundo, mas salvar o mundo João 3:17, então,
dizer que o mundo (todas as pessoas) não serão salvas, é o mesmo que dizer que
Cristo morreu em vão. No entanto, Paulo nos diz que “assim como todos morreram
em Adão, assim todos (os mesmos que morreram em Adão) serão vivificados em
Cristo” 1ª
Coríntios 15:22 ). É por isso que em Apocalipse 5:13,
João vê toda criatura, do céu e da terra e do mar, louvar e adorar ao que está
assentado no trono e ao Cordeiro. O que nos mostra a reconciliação universal, e
que tudo e todos se voltarão para Deus.
A
fé, a nossa fé, é viva porque Cristo ressuscitou dentre os mortos, segundo Paulo,
não segundo Tiago 1ª Coríntios
15:11/18. A fé sem a ressurreição de Cristo é morta. As obras, em Paulo,
são as coisas que Deus preparou para que nelas andassêmos, não para sermos salvos, mas porque somos salvos
por meio da Graça. Os evangélicos acham que a salvação foi disponibilizada, e
por isso vivem nos esforços das suas próprias obras. Eu, todavia, vejo que a
salvação foi, em Cristo, CONSUMADA. João 19:28/30. E
por entender deste modo, penso que cada filho de Deus, que se encontre na
Graça, escolherá viver em gratidão ou em ações de graça.
Feira
de Santana – Bahia - Brasil.
Julho
de 2012