Encontro de religiões

Diversos autores

(Clicar nas referências sublinhadas para ter acesso aos textos)

 

Dificuldades dos últimos cinco séculos (CC)

 

Não é possível meditar no encontro de religiões, ignorando o contexto histórico em que nos encontramos, bem como, pelo menos os últimos cinco séculos.

Desde os séculos XV e XVI que, com as grandes viagens dos descobrimentos de portugueses e espanhóis, mais tarde seguidos por outros povos europeus, o mundo começou a tomar a forma que tem actualmente. Nessa época, só em alguns casos, será realista falar em encontro de culturas, excepto no Oriente. Não podemos ignorar que na África a sul do Equador, bem como no Continente Americano, salvo em alguns pontos da América central, os povos estavam muito atrasados em relação à Europa.

No Continente Americano, praticamente todas as civilizações, incluindo as mais desenvolvidas, foram destruídas pelos exércitos europeus.

O Continente Africano, a sul do Equador, era visto como simples ponto de apoio logístico dos barcos da rota do Oriente, com importância económica como fornecedor de escravos que geralmente não eram olhados como verdadeiros seres humanos. 

 

O pormenor que nos interessa investigar, o encontro de religiões, nem sempre coincide com o encontro de cultuas, pelas próprias características das religiões, nomeadamente as monoteístas que através da história foram as mais agressivas ao impor a sua Verdade. Na época das grandes descobertas, quase toda a Europa era cristã, católica ou protestante, e via os outros povos como povos a “evangelizar”, se necessário pela força das armas. Penso que até ao século XX são raros os casos em que se pode falar em verdadeiro encontro de religiões em que os cristãos tenham participado. Houve certamente uma certa “evangelização” como forma de consolidar os grandes impérios nesse contexto histórico. Nesses encontros entre religiões diferentes a religião do país colonizador aparecia sempre em posição privilegiada.

Todas as religiões podem tornar-se perigosas, principalmente as monoteístas, pois falam em paz e amor, mas parece que isso só poderá funcionar para quem deixar a sua antiga religião para abraçar a religião do país dominante. A origem dessa agressividade está na primeira parta da Bíblia, no Velho Testamento, como por exemplo em Números 33:51/56, Deuteronómio 7:1/5, Josué 6:17/24 ou Josué 8:23/30 onde estes horrorosos genocídios são praticados segundo instruções do próprio Deus dos judeus. Não encontro no Novo Testamento nem no Alcorão nada de semelhante. Essas passagens veterotestamentárias influenciaram muito negativamente o cristianismo e o islamismo. Embora sejam passagens do Velho Testamento, portanto da religião judaica, tanto cristãos como islâmicos, ou segundo penso, a sua grande maioria, aceita a inspiração dos antigos textos do Pentateuco e dos Profetas veterotestamentários.

 

Um dos assuntos que mais preocupa os crentes evangélicos dos nossos dias, é a evangelização. Geralmente os novos convertidos procuram aprender alguma técnica de evangelização. Mas, não será a evangelização uma forma de propaganda das igrejas? Temos assistido nos últimos tempos a um crescimento do número de igrejas evangélicas a que nem sempre corresponde o crescimento do número de crentes, muito menos ao crescimento da sua maturidade, em que são utilizados os vários meios de propaganda, inclusive alguns de seriedade duvidosa. As pregações perderam em qualidade para dar lugar a um apelo à emoção e à contribuição financeira.

 

Penso que o cristianismo duma maneira geral, tem uma pesada herança, bem negativa, de ter sido a religião dos povos colonizadores, que reduziu muitos dos outros povos à escravatura, que aliás estava prevista na Lei de Moisés que muitos consideram inspirada, eterna e imutável. Génesis 24:34/35 ou Êxodo 21:7 (a) Esse sentimento já se perdeu no Brasil e em África, pois os povos dos primeiros tempos da colonização não tinham escrita, pelo que não ficaram registos de atitudes que certamente foram consideradas como toleráveis nesse contexto histórico, que nos nossos dias não teríamos dúvidas em considerar verdadeiros crimes contra populações praticamente indefesas.

Mas no Oriente, já havia civilizações milenárias que registaram os actos cometidos como forma de “evangelização”. Quem nos nossos dias for a Goa, numa visita turística, pode ver a guia turística mostrar os templos hindus centenários que foram destruídos pelos missionários dos séculos XV a XVII, num conceito de “evangelização” bem vulgar nessa época, pois funcionou em Goa, um “Tribunal do Santo Ofício” (Inquisição), desde 1560 até 1623. Falo nisto, pois penso que essa mentalidade de alguns missionários cristãos, inclusive evangélicos, ainda não está totalmente ultrapassada. Veja o nosso artigo Cruzada americano/batista (CC)

Aquilo que aprendi em criança, das conversões em massa dos hindus, infelizmente é uma meia verdade. Eles foram obrigados a converter-se, como aliás também aconteceu com os cristãos novos em Portugal. Em 1552, Simão Botelho Vedor de Fazenda em Goa, escreve ao Rei de Portugal informando-o de que as propriedades agrícolas, nomeadamente em Salcete estavam a ficar abandonadas devido à fuga dos agricultores da conversão forçada e proibição de exercer a sua religião, pois preferiam abandonar as suas terras por lealdade aos seus deuses hindus.

Em 1556 ainda houve um prazo dado aos que tinham abandonado as suas terras, que lhes pertenciam há várias gerações, para que voltassem a cultivá-las, caso contrário as perderiam definitivamente. Como é evidente, o regresso significava a aceitação da conversão. Estes métodos de conversão forçada, causaram na altura, divisões até entre os próprios Jesuítas dessa época.

Mas os tempos mudaram, e nos nossos dias, o homem que melhor conhece o que se passou nessa época, é o ex-frade Jesuíta, actual Padre, Délio de Mendonça, Director do “Centro Xavier de Investigação Histórica” em Goa, que investigou não só nos velhos arquivos, bibliotecas e igrejas, em Goa, em Portugal, no Vaticano, como também nos antigos templos do hinduísmo. Só é pena que os seus livros estejam em inglês, embora já os tenha traduzido para português, que é a sua língua materna, pois nasceu em Moçambique, mas não encontrou nenhum editor interessado na publicação. (b)

Os tempos mudaram e houve inclusive, templos hindus arrasados pelos primeiros missionários na Índia, que foram reconstruídos ainda durante a administração portuguesa. Mas ficou a pesada herança da história. Será que faz sentido um cristão falar do amor de Deus a um hindu?! A princípio parece muito fácil, pois o hindu, sendo politeísta, não tem dificuldade em aceitar o deus dos cristãos, mas aceita-o na sua teologia e no seu contexto cultural, para o colocar ao lado de muitos outros, pois como dizem: No hinduísmo há muita tolerância e há sempre lugar para mais um deus, desde que seja um deus pacífico e civilizado, que ocupe disciplinadamente o seu lugar, sem entrar em conflito com os outros, para escorraçar os outros deuses, que o recebem fraternalmente e ficar sozinho.

 

Duma maneira geral, todas as religiões falam em paz e amor, mas não só a história dos vários países, como a História Universal e até a Bíblia no Velho Testamento, falam-nos de guerras e crimes horríveis, provocados pela religião. Se as religiões não têm concedido a Paz a este mundo, será que a divulgação do ateísmo será a solução?! Ou será necessária uma nova mentalidade da parte dos dirigentes religiosos? Mas, será possível esta mudança de atitude, se geralmente para os cargos dirigentes das várias igrejas e várias religiões, são sempre escolhidos os mais “fiéis”, o que quer dizer, os mais fanáticos e mais fundamentalistas?

Lembro-me dum casal amigo que mora na Índia com os seus dois filhos, num condomínio fechado, onde há pessoas de várias religiões, hindus, siques, islâmicos, budistas etc. Eles são evangélicos, mas segundo me contou a esposa, as crianças que brincam juntas nos jardins desse condomínio, conhecem as várias “teologias” sob o aspecto prático que mais lhes interessa. Como poderá algum estudante indiano, mesmo que não seja hindu, ser indiferente ao Deus Ganesh se todos os anos há uma semana de férias na época das festas desse deus? Nessa altura, os hindus distribuem bolos e guloseimas por todos os seus vizinhos do condomínio. Os islâmicos, em certas épocas, também oferecem arroz com biriany (caril de cabrito) e o mesmo fazem todas as outras religiões, pelo que ela aproveita o Natal para retribuir essa amabilidade. (c)

Que o Deus Supremo, o Pai de toda a humanidade, os livre de por lá aparecer algum “profissional da religião” para acabar com essa sã convivência. Lembrei-me de Mateus 11:25. Tenho sérias dúvidas de que possa haver paz entre as religiões a partir das cúpulas, pois geralmente elas são o problema e salvo algumas excepções, dificilmente poderão ser a solução.

Mas, se não sou muito optimista quanto a uma mudança de atitude a partir das cúpulas das várias religiões, não podemos esquecer de que vivemos num mundo cada vez mais esclarecido, ou talvez deva dizer, com mais informação, embora nem sempre verdadeira. Por vezes assistimos a pequenos grupos de fanáticos que adquirem mais “visibilidade” que os milhões que dizem representar. (Veja o anexo ao artigo Violência religiosa em Orissa (CC) com o título “Quem é o verdadeiro Hindu?” Artigo de Karan Thapar, jornalista hindu, do Hindustan Times de Mumbai.) Penso que a esmagadora maioria dos crentes de todas as religiões são pessoas pacíficas que simplesmente querem levar uma vida sossegada, mas alguns deixam-se facilmente instrumentalizar pelos seus dirigentes religiosos. Isso sempre foi assim, desde o tempo de Abraão e de Josué há cerca de 3200 anos como vimos nessas passagens veterotestamentárias raramente citadas nas nossas igrejas.

A afirmação de Jesus em Mateus 11:25, faz lembrar o mundo em que vivemos. No contexto desta afirmação de Jesus, a que correspondem, na nossa realidade, as cidades judaicas de Corazin, Betsaida ou Cafarnaum? Não seriam as nossas cidades mais santas e religiosas? Ou os locais de peregrinação de cristãos e islâmicos? E quem seriam os grandes e os pequenos a quem Jesus se revelou? Lembro-me de ver, nos bairros mais pobres das grandes cidades indianas, onde nem os grandes dirigentes das várias igrejas e religiões, nem o Papa, poderiam entrar sem uma poderosa segurança, as seguidoras de Madre Teresa de Calcutá a circular livremente, por vezes isoladas, a pé ou de bicicleta e por todos serem respeitadas. Que foi que Deus lhes revelou? Não será essa a solução para este mundo, se não for deturpada pelos “esclarecimentos” dos grandes teólogos?! 

Poucos anos antes do nascimento de Jesus, os judeus atacam e destroem o Templo de Garizim construído pelos samaritanos, que se destinava a servir o mesmo Deus dos judeus. Jesus em criança, certamente que várias vezes teria visto os judeus mais ortodoxos virar-se para Samaria para amaldiçoar os samaritanos, pedindo a Deus para os destruir para sempre. A Sua resposta está em João 4:23. Não há lugares privilegiados para a oração e ninguém, nem nenhuma religião, pode monopolizar o acesso ao Pai de toda a humanidade, que procura a todos que O adorem em espírito e verdade. Só Deus, o Pai de toda a humanidade, é soberano para aceitar ou rejeitar aqueles que O adoram, e de se manifestar como quiser, onde quiser, pelos meios que entender, mesmo aqueles que a nossa cultura e a nossa religião considera indesejáveis, pois só Ele é soberano e está muito acima de todas as religiões.

Se as várias religiões quiserem competir entre si, que o façam pelas suas boas obras, pois é pelos seus frutos que se conhece a mais verdadeira.

…. Competi uns com os outros nas boas acções Alcorão 5:48 (Noutras traduções está “emulai-vos, pois, na benevolência”)

Pelos seus frutos os conhecereis…. Mateus 7:16/20

O sábio não causa confusão no espírito dos não instruídos, exortando-os, mas encoraja-os em todas as acções, praticando-as ele próprio com desinteresse. Bhagavad 3:26

Não sou grande entusiasta pela história das religiões, pois geralmente cada igreja e cada religião tem a sua visão da história. Só no dia em que os historiadores das várias igrejas e religiões se humilharem e se reunirem para fraternalmente escrever em conjunto a história das religiões, poderão recuperar alguma credibilidade.

 

 

Vou publicar a seguir, alguns artigos, que poderão ser um contributo para esta nova mentalidade. Mas será mesmo uma nova mentalidade? Ou será uma mentalidade bem antiga que já há muito foi esquecida? Penso que sempre houve apelos à violência assim como apelos ao pacifismo.

Como sempre, continuamos abertos a receber outras contribuições, para eventual publicação, desde que tenham alguma coisa a acrescentar, estejam em português correcto e venham acompanhados da identificação do autor, salvo se já for colaborador da nossa página na internet.

Que o Senhor, o Deus de todos os povos, levante os seus pacificadores, num mundo tão conturbado em que vivemos. Mateus 5:9

 

Camilo – Marinha Grande, Portugal

Setembro de 2011 

 

(a). Portugal foi dos primeiros países a abolir a escravatura em 1761, com excepção para os escravos da Igreja que só foram libertos em 1869.

(b). No seu livro Conversions and Citizenty” o Padre Délio de Mendonça, um Jesuíta dos nossos dias, divulga factos históricos bem documentados sem quaisquer complexos, numa atitude digna de ser seguida por todas as igrejas e religiões. Gostaria que esse livro fosse publicado também em português, pela própria Igreja Católica ou alguma das suas organizações, como é aliás o Centro Xavier de Investigação Histórica em Goa.

(c). Sobre este assunto, convido a ler o artigo Festas religiosas na Índia

 

Bibliografia:

“Goa” Dr. António de Menezes

“História de Portugal”- Direcção de José Hermano Saraiva 

Conversions and Citizenty”, Padre Délio de Mendonça, Goa – Índia.

 

 

 

Universalismo da fé (RR)

 

(Temas principais da pregação apresentada na Igreja Católica da Barreira, Leiria, pelo Padre Dr. Rui Acácio Ribeiro, em 2011/08/16.

Lamento que as suas palavras com o desenvolvimento que deu a estes temas não tenham ficado registadas)

 

O vigésimo domingo do tempo comum, no calendário litúrgico católico, encerra a semana da mobilidade humana (semana das migrações). As leituras que são lidas na celebração deste domingo têm como pano de fundo esta ocorrência e o seu sentido pode recobrir-se melhor desta forma.

A primeira leitura é retirada do livro do profeta Isaías, Isaías 56:6/7. Apresenta um avanço na mentalidade comum do seu tempo. Para os judeus a eleição feita por Deus e constituída em aliança com Abraão, representava uma exclusividade. Ou seja, as promessas de Deus eram única e exclusivamente para o povo eleito, o povo judeu. Os que não pertenciam ao povo, os estrangeiros, eram chamados de ímpios e estavam excluídos das promessas de Deus. Entendendo a promessa como salvação, diremos que para os judeus a salvação era exclusiva para o povo descendente de Abraão, pelo que os estrangeiros estavam destinados à condenação. Havia, o que representava já uma certa evolução, a ideia de que os estrangeiros que vivessem na sua terra, poderiam ter um tratamento especial, diferente do resto, pois que era permitido o contacto com eles. Ora na leitura de hoje, Isaías põe na boca de Deus uma outra ideia: o estrangeiro que pratique a religião e faça sacrifícios será atendido (consequentemente será salvo). Notamos assim uma abertura ténue, mas ao mesmo tempo grandiosa na forma como se olha e se relaciona com o estrangeiro.

O Evangelho deste dia Mateus 15:21/28, volta a apresentar as mesmas ideias e a referir as mesmas atitudes. Jesus declara abertamente que (segundo a mentalidade dos judeus) eu não vim senão para as ovelhas perdidas de Israel. Ou seja, começa por recordar àquela mulher o princípio vigente da exclusividade do povo eleito. Ela responde-lhe que até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa. Com isto ela pede que lhe seja concedido “um resto” uma pequena gota de água. Mas recebe um elogio de Jesus que escandalizando tudo e todos à sua volta declara mulher é grande a tua fé, faça-se como desejas. Ou seja, também tu, apesar de seres estrangeira, és objecto da salvação de Deus… mais ainda, tu, apesar de seres estrangeira, tens uma fé maior que alguns que se consideram eleitos e predilectos…

 

A Igreja reconhece e fala do universalismo da salvação desde sempre. É doutrina que aprendemos desde pequenos. Todos são chamados a serem salvos. No entanto vigoraram ideias até aos anos 60-70 (ainda não desaparecidas) segundo as quais “fora da Igreja não há salvação”. Ou seja, a Igreja achou-se detentora da exclusividade da salvação. Roubou-a aos judeus, e guardou-a para si. Muitos de nós vivemos hoje com a consciência do universalismo da salvação, mas na prática temos muitos gestos que vão no sentido contrário.

Sobretudo no campo religioso há na maioria de nós muita dificuldade em aceitar a diferença. Se já não usamos a expressão “fora da Igreja não há salvação” continuamos a exigir que os que pretendam salvar-se sejam como nós (baptizados na nossa Igreja e vivendo segundo os ditames da mesma).

Ora a liturgia deste dia vem dizer-nos que precisamos abrir o coração para aceitar as diferenças, culturais, raciais e religiosas, também. Ou seja, a salvação é para todos e não exige que sejamos todos iguais. Pelo contrário, é na diferença e na capacidade de dialogar e respeitar essa diferença, que chegaremos ao universalismo. Mais ainda, é preciso que cada um entenda a sua fé, a sua religião, como um dom e deve esforçar-se por vive-la de forma plena e radical. Será na medida em que cada um for bom na sua convicção religiosa que conseguiremos todos, pelo diálogo e pelo respeito, construir um edifício comum. Uma casa não se constrói só com pedreiros, ou só carpinteiros, ou só electricistas. É preciso que cada um seja especialista no seu ramo para que se possa edificar em harmonia. Também na fé é assim. Cada um deve ser bom no que tem.

Que o Senhor nos ajude a reconhecer a importância deste universalismo da fé e nos dê um coração capaz de acolher a diferença.

Padre Rui Ribeiro

 

 

Fanatismo religioso (YA)

 

O fanatismo é divisão entre as Religiões. Muitas vezes a ignorância vestida de sabedoria é a raiz da intolerância.

O mundo inteiro não é um lugar de harmonia, compreensão e tolerância, se não até mesmo o contrário.

É berço de divisão, de violência, de discórdia, de guerra, de destruição, de injustiça, de intransigência. E estes conflitos não ocorrem apenas no impacto financeiro, económico ou político, mas também, e ultimamente, ainda mais, na religião. Por vezes derrama-se sangue, outras vezes somente tinta.

Por isso bem se diz que “a palavra é mais poderosa que o canhão”. Daqui retira-se o cuidado que se deve ter no que será a cicatrização de velhas feridas, especialmente quando se considera que estas já estejam definitivamente superadas.

... Hans Küng, teólogo e historiador religioso, colega e amigo de longa data do Cardeal Ratzinger (agora Papa Bento XVI) na Universidade alemã de Tubinga, manifesta as suas famosas frases programáticas, nestes termos:

 

Não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões se não for investigada a base da religião. E a isso acrescenta: O problema que se coloca é o fanatismo religioso, que é encontrado em todas as religiões e eu acrescento, e também entre aqueles que não acreditam nelas.

Se eu estou sentado na mesma mesa - continua Hans Küng - com judeus e muçulmanos, tenho de partir do princípio de que cada uma das três religiões, para os seus seguidores, é uma verdadeira religião. E isso, enquanto cristão, eu tenho de aceitá-lo também.

E logo acrescenta: Se adoptarmos uma perspectiva interna, é evidente que cada um dos representantes dessas religiões, tal como eu, tem a sua própria convicção e fé, uma convicção que sob nenhuma circunstância quereria sacrificar apenas por amor à paz. Para mim, como cristão, diz Hans Küng, Jesus Cristo significa “o caminho, a verdade e a vida”, mas ao mesmo tempo, reconheço que da mesma forma “o caminho, a verdade e a vida” são para o judeu na Tora, e para os muçulmanos, no Alcorão. Assim, é possível coexistência baseada no respeito mútuo...

 

Por outro lado, o fanatismo é a causa de toda a violência. Os fanáticos que acreditam apenas na sua fé ou nos seus princípios e não toleram que os outros pensem de diferente forma, estão perdidos; e, pelos seus métodos violentos e desproporcionados, estão fora até mesmo do grupo religioso que pretendem representar. Neste turbilhão de negatividade, torna-se cada vez mais necessário que os líderes religiosos guiem os seus seguidores a um caminho de paz e tolerância, e, ainda antes disso, que tentem obter um sólido e adequado conhecimento e compreensão mútuos, porque a ignorância frequentemente reveste-se de sabedoria e acaba por ser a raiz da intolerância. Além disso, é necessário que os meios de comunicação sociais informem também, objectivamente, sobre a religião, e não duma maneira tendenciosa, como infelizmente muitas vezes acontece hoje nos meios de comunicação ocidentais, especialmente no que toca ao Islão, que agora ocupa o lugar dos judeus, que antes eram injustamente acusados e até mesmo perseguidos.

É necessário, e mais do que isso, essencial, evitar a intolerância religiosa; procurando os pontos de acordo entre as nossas diferenças; empenhando-nos numa abordagem de aproximação, de tolerância, de solidariedade e de fraternidade entre os líderes religiosos das diferentes denominações, para que se possa de seguida, e como um bom exemplo, expandir-se aos restantes membros das nossas comunidades, deixando de parte o sectarismo fanático e o dogmatismo cego, trazendo alguma união neste nosso mundo em crise, dividido e confrontado. Seria uma demonstração manifesta de paz, para ser tomada como exemplo e referência a nível mundial.

Para além disso, estamos conscientes que o amor a Deus complementa-se com o amor à Pátria; pelo que melhorar as nossas relações internas não será suficiente. Devemos procurar colaborar na solução do problema nacional, através da crítica construtiva e liderando através do exemplo.

A Lei de Deus e dos Profetas de base do Islão e do Judaísmo dizem-nos que devemos fazer boas obras. No Novo Testamento, a base de todas as religiões cristãs incluindo o catolicismo, como pode ler-se em Tiago, fé sem obras é morta. Tiago 2:26

O somatório das acções positivas, em absoluta convergência, dar-nos-ia um comportamento colectivo exemplar.

Pedimos a Deus que a tolerância religiosa prospere e floresça, e possa transmitir-se a outros sectores da vida nacional, incluindo a política.

As igrejas de todas as denominações existem para guiar os seus correligionários a outra vida de forma positiva; mas também para cuidar e velar por eles no presente, e para ajudar todos os nossos irmãos em necessidade, ainda que estes sejam de outras religiões, pois eles também são os nossos vizinhos.

A realização espiritual que nos propõe o Islão (como outras grandes tradições) é o método mais eficaz para desfazer o fanatismo.

Se Deus quisesse, ter-vos-ia constituído em um só povo; porém, Ele desvia quem quer e encaminha quem Lhe apraz. Por certo que sereis interrogados sobre tudo quanto tiverdes feito. Alcorão 16:93

A opinião e a especulação não são substitutos do verdadeiro conhecimento. Alcorão, 53:28

Evitar o colapso da civilização humana requer, nem mais nem menos, uma transformação absoluta dos padrões culturais dominantes.

Que Deus se digne orientar-nos na senda correcta. Amém.

Mahomed Yiossuf Adamgy