Religião (OC)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

 

 

Fala-se muito em religião. Uns são religiosos, outros não. Há muitas religiões.

Há quem discuta sobre qual delas é a verdadeira, ou a melhor. Há quem diga que é a cristã.

Mas Jesus, o Cristo, não falou em religião, nem se assumiu como religioso. Ele dedicou-se a anunciar a Boa Nova do Reino de Deus, a aliviar os enfermos, os cansados e os oprimidos, ensinou o amor, a paz, a tolerância, a compaixão, condenou a hipocrisia e o legalismo...

Ele convidou: Vinde a mim! e recomendou: Permaneçam em mim! Permanecer é uma palavra que Ele repetiu muitas vezes, como por exemplo na alegoria da videira e das vides João 15:1/17 em que esse termo (no original menw) é mencionado onze vezes.

Por isso, talvez que, para alguém se assumir como cristão, o mais importante seja, justamente, estar e ficar (permanecer) em Jesus. Requerer-se-ia, pois,  uma ligação e um relacionamento estável com o Filho de Deus. Ou seja, ficar n’Ele mude o que mudar, suceda o que suceder, pois conservar-se em Jesus é manter-se implantado n’Ele, como a vide na videira.

Para muitos protestantes, o apóstolo Paulo é quase um ídolo. E uma espécie de ídolos são Pedro e Maria para outros cristãos. Há quem venere os santos do Antigo Testamento, como Abraão, Moisés, David e outros. Será correcto centrar a fé cristã noutra pessoa que não em Jesus?

Quem é a Palavra de Deus (logos) senão o Cristo? Deus falou-nos a nós pelo Filho. Foi Ele quem disse: Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes... João 15:7

Permanecer n’Ele é muito mais importante do que permanecer numa igreja, numa confissão de fé, numa constituição, credo, regulamento ou tradição.

Em Jesus... e na Bíblia! - replicará alguém. Mas a Bíblia não é o próprio Cristo? E as Escrituras não devem ser lidas à luz dos Seus ensinos e da Sua prática? Só tem vínculo normativo aquilo que nas Escrituras estiver de acordo com o Verbo, a Palavra viva. Pergunto: Não será tempo de aceitarmos e aclamarmos o Cristo como Rei absoluto, e o Seu Evangelho como a única norma de doutrina e de comportamento?

Certa vez, os apóstolos testemunharam d’Ele com uma simples pergunta: Para quem iremos nós? Tu ( só tu ) tens as palavras da Vida Eterna...  João 6:68

É claro que a Igreja tem o seu valor, como corpo do Cristo e comunhão dos que estão n’Ele. Mas permanecer no Cristo não depende de permanecer numa igreja ou comunidade cristã. Em certos casos nem compatível é.

A vida do cristão centra-se no Filho de Deus e não numa igreja-comunidade, e menos ainda numa igreja-edifício (casa ou local de reunião).

Tem-se sacralizado os chamados “templos” ou “casas de oração”. E quando esses espaços deixam de ser meios úteis para o encontro fraterno e cultual, e passam a ocupar o centro da vida dos que neles se reúnem? E quando a vida cristã se reduz às “obrigações” dominicais de culto e catequese (Escola Dominical)? E quando os “templos” funcionam como clubes ou centros de convívio e de lazer? Em certos casos até de má língua, e de alienação dos problemas reais do mundo em que vivemos e da nossa missão de solidariedade activa.

Templos? Mas o “Templo” não é uma noção/construção veterotestamentária, ou seja do Velho Pacto? Porventura houve templos nos primeiros séculos do cristianismo?

Sabe-se que as comunidades cristãs se reuniam em casas de habitação, ao ar livre e até nos cemitérios subterrâneos, em tempos de perseguição.

Templos somos nós. Jesus falou do Seu corpo como templo. Paulo referiu-se ao nosso corpo como templo do Espírito Santo. Precisamos de exercitar o processo de entrar, cada um de nós, no fundo de si mesmo, para aí, nesse templo vivo, adorar ao Senhor em espírito e em verdade.

Precisamos também de voltar a ter as igrejas reunidas nas casas de habitação, como nos tempos primitivos. Ou seja, não limitar o encontro e o culto ao edifício (salão, capela ou catedral) a que se chama igreja.

Pior ainda é chamar-lhe “casa de oração”. Primeiro porque essa designação foi especificamente atribuída por Jesus ao Templo (judaico) em Jerusalém. Segundo porque chamar “casa de oração” a locais onde se ora tão pouco é, no mínimo, dissonante, para não dizer contraditório.

As mentalidades neojudaizante e neopagã continuam instaladas em muitos sectores do cristianismo dito evangélico, e neles ganham raízes. Um exemplo disso é a recusa do sabatismo mas a manutenção do dizimismo, como se não representassem ambos a mesma atitude de subordinação à Lei, no sentido de amarrar-se à letra e perder o espírito que vivifica. Tal legalismo vai corroendo e apodrecendo certas igrejas. Igrejas essas que até se reclamam de neotestamentárias e agitam a bandeira da ortodoxia.

Permanecer no Cristo é também permanecer no Seu Amor. Aí parece que todos estão de acordo. Todos falam de amor e pregam o amor. Todavia, quando se passa à acção concreta, as coisas mudam de figura. É que Jesus não só se entregou para a salvação da Humanidade, mas também  se entregou a cada um dos Seus contemporâneos, vítimas da fome, da doença, da opressão, da violência, da insegurança, da solidão e de tantos outros estados de sofrimento. E entregou-se a eles para minorar esses males, e libertá-los deles.

Ao povo evangélico falta muito este amor activo, ou seja este ministério (serviço) que inclui visitação (nomeadamente aos doentes e aos idosos), ajuda e apoio aos marginalizados, aos imigrantes, aos deficientes, aos toxicodependentes e a todos os discriminados, vítimas de preconceitos retrógrados.

Pergunto: Onde e como nos posicionamos face às mães solteiras, aos que vivem na e da prostituição, aos que têm outras formas de amar (não convencionais), aos que enfrentam o dilema angustiante da interrupção da gravidez? Que atitude tomamos perante os que desejam que a sua vida terrena termine com dignidade? Referimo-nos às pessoas idosas cuja grande aspiração é que respeitem o seu direito à dignidade na velhice e à dignidade na morte. Dignidade que implica liberdade!

Não haverá sermões a mais e amor a menos? Não haverá muito clubismo eclesiástico, acompanhado de indiferença e alheamento relativamente aos problemas reais do mundo em que vivemos? Será que, por exemplo, somos sensíveis à  hegemonia prepotente dos poderosos sobre os pobres, (indivíduos e povos) e à consequente miséria e exploração destes, cada vez mais generalizadas?

Afinal, o que é que Jesus espera de nós? Especulações, misticismo, contemplação, repetição estéril de frases feitas, lições de história da antiguidade judaica, ou dos relatos bíblicos de há milénios... esquecendo-nos da nossa actualidade e da nossa responsabilidade, aqui e agora,  como sal da terra e luz do mundo?

Se permanecermos em Jesus, a resposta é clara e óbvia. Se Ele ocupar o centro da nossa vida não haverá dúvidas quanto às opções a fazer.

É curioso lembrar que, no Getsémane, altas horas da noite, na véspera da crucifixão, Jesus fez um pedido a três dos Seus apóstolos: ...a minha alma está cheia de tristeza até à morte. Ficai (permanecei) aqui e velai comigo.

Permaneceremos com Jesus?

 

Orlando Caetano Leiria, Portugal

(Transcrito da revista «Portugal Evangélico», nº915)