Reciprocidade (OC)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
Deus é amor. Ele ama o ser humano, na Sua maior medida.
O Seu amor é um amor eterno, infinito, perfeito. No entanto Deus
espera, e ordena, que o Homem o ame, também, na sua maior medida. Ou seja, de
todo o coração, toda a alma, todo o entendimento, todas as forças. Marcos 12:30
Como expressão do Seu amor, Deus age concretamente no sentido da
libertação e regeneração do Homem. Através do Cristo, Ele vem «buscar e salvar
o que se havia perdido». Ele faz tudo o que é necessário para que tal possa
acontecer. No entanto o Senhor espera e requer que o Homem se arrependa, creia
n’Ele e faça a Sua vontade. Mateus 7:21; Mateus 25:31/40;
Lucas 13:3; João 3:16/18; Actos 2:37/38; Tiago 2:26
Já no Antigo Testamento, é feita uma aliança ou pacto entre Deus e
o povo de Israel. Há como que um «contrato» em que Deus Se compromete a
abençoar o Seu povo e este se compromete a obedecer à Sua Lei. Êxodo 19:3/8 Deus impõe uma
condição: «...se diligentemente ouvirdes a minha voz...». Há, pois, um
compromisso bilateral.
Trata-se duma relação de reciprocidade em que há expectativas,
deveres e benefícios de parte a parte. No antigo como no novo pacto, o
princípio da reciprocidade mantém-se, embora em contextos distintos, com
aspectos diversos, e conteúdos específicos. Recordamos Jesus quando advertia:
«se perdoardes aos homens...também o Pai vos perdoará...» Mateus 6:12/15
Foi ainda o Mestre que tornou bem claro o seguinte: quem O confessar diante dos
homens Ele o confessará diante do Pai, mas qualquer que O negar Ele o negará
também. Mateus
10:32/33
Há, nesta base relacional da reciprocidade, uma componente a que
podemos chamar de contrapartidas. Vejamos:
Jesus disse: «... aquele que tiver
deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai... ou terras por amor do meu nome,
receberá cem vezes tanto e herdará a vida eterna». Mateus 19:29 O termo
grego «misthós» é um dos que melhor veiculam o
conceito de contrapartida, sendo traduzido por salário, recompensa, galardão,
lucro, preço. Há bastantes alusões neotestamentárias ao galardão (recompensa)
que recebem os que praticam actos meritórios. Por exemplo, em Mateus 10, em que há
várias alusões a contrapartidas, termina com a afirmação do Mestre, de que até
mesmo um simples copo de água que se der não deixará de ser galardoado. É
também Jesus que, no final do Apocalipse, assegura: « ...
o meu galardão está comigo para dar a cada um segundo
a sua obra». Apocalipse
22:12 Já Moisés, ao renunciar aos privilégios que tivera no Egipto, o fez
por ter em vista a recompensa. Hebreus 11:26
A ideia de recompensa como retribuição («dar
em paga») é bem expressa pelo termo original «antapodídoumi»,
usado na tão conhecida referência de Deuteronómio 32:35,
retomada em Romanos
12:19 e Hebreus
10:30, segundo a qual é a Deus que pertence o castigo e a recompensa.
E, se a relação de Deus com o Homem serve, como pensamos, de modelo
para as relações entre os homens, então não é de estranhar que Jesus tenha
incluído no «Pai Nosso» a expressão «...perdoa-nos as nossas dívidas assim como
nós perdoamos...», acentuada logo com as palavras seguintes: «... se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai
celestial vos perdoará a vós; se porém não perdoardes... também vosso pai vos
não perdoará...» Mateus
6:12; Mateus
6:14/15. E como é que o Senhor define e resume a lei e os profetas, na sua
aplicação às normas práticas do Seu Reino? Através do bem conhecido preceito: « ... tudo o que quereis que os
homens vos façam, fazei-lho também vós...». Mateus 7:12 Em suma, o amor, o
perdão a dádiva, o serviço ao outro implicam uma relação mútua e interactiva.
«Dai e ser-vos-á dado...» Lucas 6:38. Quem ama
espera ser amado. Quem é amado deve amar. Quem ajuda espera ser ajudado. Quem é
ajudado deve ajudar, etc.. Ou seja, as relações humanas (também) são feitas de
trocas, de dar e receber. O afecto espera ser correspondido. Só a reciprocidade
supera o egoísmo e a solidão, só ela favorece a atenção para com o outro, a
gratidão, o reconhecimento, a generosidade.
Assim, o amor (e a graça, e o perdão...) de Deus é (como também o
nosso deve ser) uma disponibilidade, um sentimento de abertura, um sinal de
braços abertos direccionado para o ser amado. No entanto, a concretização plena
só se faz na dualidade relacional, ou seja, quando o outro
aceita, responde e corresponde. É só então que o tão desejado abraço
acontece, que a reconciliação se faz, que a partilha existe, que os dois
experimentam genuína paz e perfeita comunhão.
Orlando
Caetano Leiria, Portugal
Estudos
bíblicos sem fronteiras teológicas