Patrimônio (NG)

Por Nilson Franco de Godoi – Advogado - franco@aasp.org.br ;

 

Em resumo e de forma leiga: - tudo o que é comprado, ou importado, por uma igreja para fazer parte dela, parte do patrimônio dela, pode ser imune de impostos, isto é, não precisa pagar impostos - imóveis, carros, equipamentos, doações em dinheiro, etc.  A imunidade  também deve ser reconhecida para os templos alugados. Segue o estudo que deve ser adaptado no caso de ação judicial e ou administrativa:

 

Patrimônio conceito civil.

Patrimônio Conjunto de bens direitos e obrigações de uma entidade. (http://www.tesouro.fazenda.gov.br/servicos/glossario/glossario_p.asp)

Segundo o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil – commentado por Clovis Beviláqua, volume 1 de 1940 – Ed. Rio Estácio de Sá, traçando os parâmetros da interpretação do seu art 57 – nas observações apôs:  PATRIMÔNIO É O COMPLEXO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS DE UMA PESSÔA QUE TIVEREM VALOR ECONÔMICO. Nelle se comprehendem os direitos privados economicamente apreciáveis (elementos activos) e as dividas (elementos passivos). Para o Código Civil, o patrimonio é uma universidade de direito. 

 

...Assim, compreende-se no patrimônio tanto os elementos ativos quanto os passivos...  É a atividade econômica de uma pessoa, sob o seu aspecto jurídico, ou a projeção econômica da personalidade civil.

Raoul de La Grasserie compreende-o como o prolongamento da personalidade sobre as coisas. (Teoria Geral do Direito Civil Clóvis Beviláqua3a. edi. Ed. Rio)

O patrimônio é formado pelo conjunto de relações ativas e passivas, e esse vínculo entre os direitos e as obrigações do titular, constituído por força de lei, infunde ao patrimônio o caráter de universalidade de direitos (cf Silvio M. Marcondes Machado, Limitações da Responsabilidade do Comerciante Individual , no. 79).

 

O patrimônio de toda e qualquer pessoa seja ela física ou jurídica,  é constituído pelo conjunto dos seus  “direitos, obrigações e os seus bens”, principalmente das obrigações logo, não há como distinguir obrigações do patrimônio, pois este último se dá de certa forma pelo conjunto de bens.

Desta feita, todo e qualquer imposto que venha a incidir sobre o seu patrimônio deve ser expurgado do ordenamento jurídico pátrio, sob pena de flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade.

Sendo assim, todo e qualquer bem (diga-se aqui que a locação é um verdadeiro bem da instituição religiosa), que venha a integrar o patrimônio de uma instituição religiosa, sem fins lucrativos não deve sofrer a incidência de qualquer imposto, vários impostos são assim não considerados, dentre os quais a remansosa jurisprudência já reconhece quanto ao Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, tendo em vista que tais instituições são contribuintes de fato, ou seja, são elas quem suporta todo o ônus fiscal do imposto em comento, e como tais, são elas quem tem direito de pleitear a restituição de todos os valores recolhidos a tal título, nos termos do art. 166 do CTN.

 

O templo, local de culto, é um patrimônio no sentido amplo.

A imunidade constitucional que deve atingir o templo e seu patrimônio, por força da Lei Maior, abarca o imóvel alugado enquanto o templo e enquanto o culto nele estiver instalado e ocorrendo.

Tributar a propriedade enquanto alugada para cultos é tributar o patrimônio do templo, situação expressamente vedada pela Constituição.

Como o IPTU está dentro do patrimônio da entidade imune?

 

Resposta: - Nos exatos termos da Lei do Inquilinato, Lei 8245/1991, nos artigos que tratam dos deveres do locatário e locador, exatamente no artigo 22, inciso VIII, existe disposição expressa (aliás, a prática comanda que ninguém alugaria um imóvel sem a expectativa de que pudesse se aliviar também do IPTU transferindo-o, para o locatário).

Quando a Constituição faz referência à vedação de ser cobrado imposto sobre o patrimônio, não está facultando aos Estados, à União, aos municípios e ao DF que lancem, criem exijam ou cobrem impostos sobre as operações, atos, atividades ou sobre  os resultados daí obtidos, seja da entidade imune ou sobre o produto imune.

Patrimônio não é apenas o conjunto de bens, direitos ou créditos, deduzidos das obrigações; mas o alcance da mensagem constitucional leva-nos ao raciocínio lógico e racional que nenhum imposto deverá suportar a entidade imune subjetivamente, como contribuinte de direito (o que obrigaria a recolher o imposto, se imune não estivesse ela); nem como mera depositária, nos impostos indiretos que gravam a saída e a circulação.

O que pretende a Constituição é que o patrimônio mais as rendas e os serviços das entidades, não venham a sofrer qualquer redução ou diminuição, isto é, não venham a ser desfalcados, diminuídos ou reduzidos com o pagamento ou recolhimento de impostos, mesmo daqueles indiretos, pois neste caso, se o contribuinte de fato não saldasse seu débito, v.g., numa saída tributada, a entidade imune subjetivamente estaria suportando o respectivo ônus fiscal cobrado numa nota fiscal.

O pagamento de impostos implica numa saída de numerários da caixa social, gerando uma diminuição de disponibilidade financeira e gerando uma despesa, que teria como conseqüência reduzir o patrimônio líquido da entidade...

A Constituição, ao conceder o direito-garantia da imunidade às entidades que elenca e especifica, não distinguiu quais os impostos abrangidos, se diretos ou indiretos; nem quais as origens das receitas delas, desde que lícitas e vinculadas às atividades essenciais. O que não pode confundir, é que o patrimônio a que se refere, é elemento dinâmico e mutável dos bens, direitos e créditos da entidade, e não apenas o estático...

 

O conceito de patrimônio não pode ser interpretado obliquamente pelo fisco ou pela Administração Fazendária, para excluir da imunidade quaisquer impostos, a pretexto destes não incidirem diretamente sobre os bens da entidade. 323-A[1].(Tributos e Contribuições – Samuel Monteiro – 2a. Ediç.1991  Hemus Editora Ltda - SP)

No ônus na aquisição de um bem, no caso um serviço, ou seja,   locação do templo, a entidade imune não pode ver onerada com impostos, pois lhe é perfeitamente aplicável o princípio da imunidade nos termos do art. 150 da CF., o Ministro Carlos Velloso,  relator do RE 203.755-9 ES, doc 13 anexo, exarou os seguintes esclarecimentos, que destacamos do documento 13 anexo:

 

O acórdão invoca BALEEIRO, citado no RE 87.913 (acórdão na integra doc.18 anexo), a lecionar que a imunidade “deve abranger os impostos que, por seus efeitos econômicos, segundo as circunstâncias, desfalcariam o patrimônio, diminuiriam a eficácia dos serviços ou a integral aplicação das rendas aos objetivos específicos daquelas entidades presumidamente desinteressadas, por sua própria natureza”

Ruy de Barros Monteiro, que escreveu trabalho a respeito do tema – “Apontamentos sobre imunidades tributárias ‘a luz da jurisprudência do S.T.F.” em Revista de Informação Legislativa números 93/139 e 04/199 – demonstra que o Supremo Tribunal Federal, em numerosos julgamentos, rejeitou a tese fiscalista (RIL 93/151 e ss).  É que não cabe distinguir, para efeitos da imunidade tributária, entre bens e patrimônio (RE 88671-RJ Relator Ministro Xavier de Albuquerque, TJ 90/263). Ora patrimônio se constitui  do conjunto de bens. Destarte, se o bem tem como dono a entidade coberta pela imunidade, esse bem integra o patrimônio dessa entidade, motivo por que a imunidade tem aplicação, ‘as inteiras.

Ora, vê-se claro que o valor do IPTU como um custo colocado para ser suportado pela entidade imune,  então incluído no patrimônio passivo daquela entidade, sendo tal entidade um local de culto, um Templo, embora locatário ou não proprietário, não  pode esta  suportar tal imposto.  Principalmente quando se trata do IPTU cuja obrigação do pagamento, por força de Lei, foi transferido para o Templo inquilino. Segue (contrato de locação - doc 5 anexo);

 

O pagamento das locações, perfeitamente legal, faz parte do elemento passivo do patrimônio do Templo, é o local que foi alugado e escolhido para ser um verdadeiro patrimônio da entidade. A imunidade aqui existe pela atividade de culto imune, o templo, e não pelo ponto de vista da propriedade ou não. 

 

O pagamento do IPTU implica numa saída de numerários, e este numerário, arrecadado por espontaneidade dos fiéis contribuintes, tem por finalidade os valores religiosos que a Lei Maior quer preservar imune. A saída destas importâncias a titulo de IPTU, gera uma diminuição na disponibilidade financeira, gera uma despesa, que tem como conseqüência reduzir o patrimônio da entidade.

A Constituição objetivou deixar fora do campo da incidência as operações, suas atividades, seus atos jurídicos, sejam saídas, circulações, serviços, sejam receitas, seja seu patrimônio passivo, estático ou dinâmico, sejam suas rendas, não só seus bens

O que não se pode aceitar é a mudança de interpretações  dos princípios constitucionais ao léu do exator, em razão de sua política predominante numa determinada gestão e outros que tais. 

A interpretação do conceito de patrimônio para o Direito Tributário: - Não há que se falar em interpretação restritiva, ou desfavorável a ora suplicante da imunidade, conforme a seguir:

 

Por essa razão, houve por bem a Suprema Corte(*) Consagrar a interpretação extensiva para a imunidade, mantendo a restritiva, nos termos do art.111 do CTN para as demais formas desonerativas.  (*) Em recurso especial sustentei oralmente perante o STF, a tese da interpretação extensiva foi hospedada, conforme se lê na ementa... RE.101.441-5-RS - Ives Gandra Martins – Sist. Tribu. Const. de 1988 – Ed. Saraiva – 1991 – pág 153 e 154  e nosso destaque:

STFRE102141  (doc 14 anexo)

Relator: Ministro Carlos Madeira

Julgamento: 18.10.85

 

Segunda Turma

DJ 29.11.85, pág. 21920

 

EMENTA: Imunidade tributária – Livro – Constituição, art. 19, III, alínea d. Em se tratando de norma constitucional relativa às imunidades tributárias genéricas, admite-se a interpretação ampla, de modo a transparecerem os princípios e postulados nela consagrado. O livro, como objeto da imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o conjunto de serviços que o realiza, desde a redação até a revisão de obra, sem restrição dos valores que formam e que a Constituição protege.

Votação por maioria. Resultado conhecido e provido.

 

O Custo da Locação é parte do Patrimônio do Templo

O conceito de patrimônio não pode ser interpretado obliquamente pelo fisco, para excluir da imunidade quaisquer impostos, a pretexto deste não incidirem diretamente sobre os bens da entidade “sic.   Aliás a legislação fiscal não pode modificar os termos usados pela legislação civil, vejamos:

 

TRIBUTÁRIO - LIMITAÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS E BASES DE CÁLCULO NEGATIVAS A 30% - ART. 16 DA LEI Nº 9.065/95 - DESVIRTUAMENTO DO CONCEITO DE LUCRO - CRIAÇÃO DE EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SEM OBSERVÂNCIA DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS PRÓPRIOS

1 - A realidade econômico-financeira da empresa deve ser considerada pela lei tributária.  Portanto, o conceito de lucro não pode ser aferido em desconformidade com o conceito de patrimônio e do aspecto temporal necessário para a sua realização.  O lucro apurado num dado momento é resultado de uma seqüência  ordenada de atos, tendentes a ele, que não podem ser esquecidos pela legislação fiscal.   2 - Impedir a compensação dos prejuízos fiscais e das bases de cálculo negativas acarreta tributação incidente sobre o patrimônio da empresa, conseqüência do desvirtuamento do conceito de lucro pela lei tributária. Infringência ao art. 110 do CTN.   3 - Obstar o direito de compensação nessas hipóteses equivale a instituir empréstimo compulsório sem, entretanto, atender às regras constitucionais aplicáveis. 4 - Apelação provida. (TRF - 3ª Região - 4ª T.; AP no MS204378-SP; Reg. nº 2000.03.99.045385-4; Rel. Des. Federal Newton De Lucca; j. 27/6/2001; maioria de votos.) BAASP, 2327/742-e, de 11.8.2003. - LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL – CONTRIBUINTE.

 

O Patrimônio tem sua definição, seu conteúdo e o seu alcance institucional, conforme a conceituação e as formas do direito privado  e não pode ser modificado pelo Direito Tributário “sic”.

As vedações constitucionais que compreendem o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas (§ 4o do art. 150 da CF), deixaram claro o alcance da sua pretensão imunizante. 

Aliás, nesta matéria de imunidade “como um toque de Midas” o ente imune, naquilo que está diretamente ligado a sua atividade, no caso o templo para culto, faz com que suas obrigações e direitos (intrínsecos no conceito de patrimônio)  também sejam imunes.

O IPTU é do imóvel,  do proprietário.   A imunidade é do culto, do templo.  Não se confundem.  Mas, a imunidade do templo se sobrepõe a qualquer conceito de propriedade, enquanto nela ocorrer o culto, ou seja, a manifestação religiosa que a Constituição Federal visa proteger.

O locador proprietário não está tendo sua propriedade indefinitivamente considerada imune, a imunidade sobre templo alugado não depende da propriedade, independe do conceito de posse com animo definitivo.  O toque de Midas constitucional imunizante ocorre se a propriedade, sob qualquer título, passa a ser um templo, notadamente pela existência do elemento amplo do conceito de patrimônio do templo, nele estando o custo da locação como seu elemento passivo. Mesmo a dívida do templo não deve vir onerada por impostos.

 

Templo Locatário – embutido no custo da locação está o IPTU.

Segundo a Lei do Inquilinato, Lei 8245/1991, nos artigos que tratam dos deveres do locatário e locador, exatamente no artigo 22, inciso VIII, havendo disposição expressa, a responsabilidade pelo pagamento do IPTU é transferida para o locatário.  A Lei do Inquilinato autoriza a transferência do encargo do IPTU para  a responsabilidade do locatário, quando expressamente contratado. É o caso conforme contrato de locação anexo.

Desta forma, pode estar no pólo ativo desta ação e tratar de um encargo a que vem sendo cobrada, diretamente pelo Locador (contrato de locação e documento de cobrança anexos) e indiretamente pela Prefeitura de São Paulo.

Não se trata de um mero documento particular, mas, um documento que, com suporte legal, com suporte nas normas de Direito Civil – na Lei do Inquilinato,  atribui ao locatário a condição de ser cobrado, pelo locador, o pagamento do IPTU.

 

DA IMUNIDADE DO PATRIMÔNIO DOS TEMPLOS.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

 ...

VI – instituir imposto sobre:

...

b) templos de qualquer culto;

...

§ 4o. As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

A municipalidade alega que o templo quando alugado, então detentor de posse precária, não está mais sujeito a imunidade constitucional.

Datissima maxima venia” O raciocínio, de que os templos de qualquer culto funcionando em locais sob a condição de locatário não estão sujeitos a imunidade, violenta os comezinhos princípios constitucionais. 

A imunidade, neste sentido deve ter sua interpretação objetiva e extensiva para tirar da mão do Estado qualquer pretensão que não seja a imunizante.  “A Imunidade torna o Estado um flecheiro sem arco, o flecheiro não pode atingir o alvo, não por não existir o alvo ou a flecha, mas, por não existir o arco lançador”.

Quanto aos templos de qualquer culto:

 

“A imunidade consagrada na Constituição objetiva não permitir ao Estado que imponha restrições às relações do ser criado, com Seu Criador. Não há no direito brasileiro desde a República (...) qualquer preconceito ou distinção entre os diversos cultos”.

O dispositivo exterioriza a preocupação de que o Estado não impeça o exercício da maior aspiração do ser humano, que é compreender os mistérios da existência e responder às questões primeiras a respeito de suas dúvidas sobre a vida, o mundo e o Universo, sobre a origem e o destino de tudo, sobre a razão da sua presença no mundo”. (Comentários à Constituição do Brasil – Tomo I livro 6, pagina 178 – Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra).

IMUNIDADE, do latim immunitas, quer significar “qualidade de não ser sujeito a algum ônus ou encargo” (Yoshiaki Ichihara, ImunidadesTributárias, Ed. Atlas, pág 124 mencionando o dicionário Caldas Aulete, RJ; Delta, 1974, v 3, p.1927).

Na imunidade, portanto, há o interesse nacional superior a retirar do campo da tributação, pessoas, situações, fatos considerados de relevo... (Yoshiaki Ichihara, ImunidadesTributárias, Ed. Atlas, pág 162).

O anseio religioso é o mais primitivo dos desejos da raça humana, é o que mais os diferencia dos demais animais irracionais, todas as sociedades de homens e mulheres buscam por seu  “deus”, por suas origens e destino final, buscam algo que lhes falta no íntimo, buscam preencher um vazio, assim vêm concluindo renomados antropologistas. 

A bíblia, respeitada autoridade nos assuntos espirituais, nos informa que os seres humanos querem se religar do que foram desligados lá no Jardim do Édem, pois ao desobedecer ao Criador, vieram a ser dispensados, por justa causa,  foram desligados da origem da vida que é Deus, assim, desligados da fonte divina, os humanos estão sedentos, e para isto criaram as religiões, palavra cuja origem no latim significa religarreligar o que está desligado.

É este lado mítico e insaciável do homem por sua busca do Deus JUSTIÇA, para a vingança contra os opressores e pecadores, e do Deus AMOR para perdoar, salvar e restaurar a raça humana, que a Constituição preserva. E mais, através da busca em se religar a Deus, o ser humano, melhora sua convivência social, explode em criatividade, aumenta sua cultura, estabelece seus folclores, etcetera.

 

A imunidade objetiva claramente impedir, por motivos que o constituinte considera de especial relevo, que os poderes tributantes, pressionados por seus déficits orçamentários, invadam áreas que no interesse da sociedade devam ser preservadas. (Ives Gandra Martins – Sist. Tribu. Const. de 1988 – Ed. Saraiva – 1991 – pág 153 e 154).

 

A Isonomia Constitucional.

Templos próprios sendo diferenciados dos templos alugados, quanto ao IPTU/SP.

 

A liberdade de culto.

Tratar os templos próprios sob o manto da imunidade constitucional e os templos alugados sob quaisquer outras coberturas  fere também o princípio da isonomia constitucional e da liberdade de culto.

Sobre o significado do princípio da isonomia para o legislador, cita Seabra Fagundes: “que, ao elaborar a lei, deve reger, com iguais disposições - os mesmos ônus e as mesmas vantagens - situações idênticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a quinhoá-las ou gravá-las em proporção às suas diversidades”.

 

Temos que a aplicação da lei indistintamente a todos é um mero aspecto da isonomia, talvez o mais insignificante deles. Há que ficar patente que, o princípio da isonomia com residência constitucional, implica que a lei em si considere a todos igualmente. As desigualdades devem ser sopesadas para fazer prevalecer a igualdade.

Para a aplicação do princípio isonômico, não há de se encontrar resistências. Ao contrário, todos são concordes em aceitar a valia do mesmo, com um cunho de superioridade dentro do ordenamento jurídico.    Rui Barbosa reestruturando o pensamento de Aristóteles, inúmeras vezes utilizado pelos que se enveredam nos caminhos da tentativa de delimitar o conteúdo do princípio isonômico, averbou que “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam (...). Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”.  

Podemos formular o raciocínio no qual a igualdade busca guarida na norma, ou seja, ela é fruto da cultura humana na busca de um objetivo a ser buscado, a saber, a redução das desigualdades verificadas na realidade da vida, nos diversos aspectos que diferenciam os homens dentro da sociedade e que fazem o Estado intervir para reduzi-las. O que o ditame constitucional faz, ao proibir a desigualdade por motivo de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas, é simplesmente colocar evidenciado certos traços que não podem, isoladamente, por razões preconceituosas, ser colocados gratuitamente como razão fundamentadora do discrímen.

A Constituição Federal colheu na realidade em que vivemos, fatores que possivelmente poderiam se tornar fontes de desequilíbrios, e tingiu, com a marca da impossibilidade, de virem a ser em algum momento, por si só utilizados. Encontra a desigualdade e ou a falta de isonomia, na norma constitucional seu obstáculo intransponível.  Os fatores que o constituinte reputou relevantes foram expressamente demarcados, ficando os demais absorvidos na generalidade da regra.

A Constituição pretende com esse mandamento, evitar desequiparações infundadas. Neste aspecto, Pimenta Bueno externou precioso entendimento: “A lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania”

A hostilidade ao preceito pode encontrar residência em qualquer deles, bastando assim, por infração a apenas um ponto, tornar incompatível a regra de direito com o princípio constitucional. A norma jurídica deve satisfazer todas as  exigências para ser compatível com a isonomia constitucionalmente preceituada.

Os objetivos prioritários do princípio da igualdade se encerram em dois, a saber, sob um ângulo visa a garantia individual contra perseguições, e sob o outro, procura impedir favoritismos. Não pode a norma jurídica atribuir um benefício a uma pessoa determinada, sem propiciar a aferição aos demais, nem de outra forma impor um gravame sobre um só indivíduo.

Relevante enfocar que a violação também se configura quando a norma tenta em sua aparência se mostrar amparada pelo preceito constitucional, sendo formulada em termos que permitam, em uma leitura menos rigorosa, pensar que a mesma possui caráter de generalidade e abstração, quando na verdade maquiou um dirigismo particular. A ofensa tanto pode vir em flagrância quanto camuflada, a censura será a mesma.

O ponto crucial, segundo Celso Antônio, para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fato erigido para ser avaliado e a discriminação legal decidida em função dele. O reconhecimento da juridicidade de uma norma diferenciadora ocorre de modo espontâneo ou até mesmo inconsciente, quando se é possível estabelecer uma congruência entre a distinção de regras estabelecidas e a desigualdade de situações correspondentes. Basta exemplificar que jamais se investiu contra a licença maternidade de 120 dias, diferençada da duração da licença paternidade de muito menor duração; da mesma forma não atenta contra a isonomia a regra que limita a responsabilidade criminal aos maiores de 18 anos; nem a outra que estipula a aposentadoria compulsória aos servidores que conseguem chegar aos 70 anos, e assim, muitas outras regras no sistema normativo. Não há que se falar então em pagamento de IPTU para templo próprios ou alugados, sob pena de ferir esta regra absoluta da livre manifestação religiosa.

Da mesma forma, é imediata e espontânea a rejeição de validade quando a regra aparta situações, desequiparando-as, e se embasa em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico dispensado. Assim, a igualdade estará agredida, segundo Celso Antônio,”quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guardar relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto...a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferençada.

O sistema constitucional é quem vai ser o parâmetro para aferição da receptividade da regra criada face ao ordenamento jurídico. Como poderia ser isonômico sob o ponto de vista constitucional, se a liberdade religiosa está sendo cerceada justamente para aquelas entidades que não podem possuir templos próprios?

Os objetivos traçados pelo Estado - ente disposto a co-participar na construção de uma sociedade justa e produtiva, e assim neutralizar as desigualdades de fato existentes através do conteúdo material da isonomia - não se restringem só à fiscalidade, ou seja, ao ato de tributar e angariar receitas para cobrir os gastos públicos.

Estaria agora o Estado, voltado a restringir de alguma forma a liberdade de culto, através da fiscalização como ocorre com outros tributos?  Através das normas tributárias, não no sentido de arrecadar dinheiro para satisfação dos gastos públicos, mas, com a finalidade de através delas atingir outros fins também almejados pelo corpo social. Exemplos dessa atuação seriam: a majoração de alíquotas progressivas do ITR e IPTU, o primeiro para impedir o latifúndio improdutivo e o segundo para coibir a especulação imobiliária urbana. Noutro sentido age o Estado através de políticas tributárias visando a implementar incentivos em setores produtivos, no sentido de alavancar o crescimento de determinadas regiões.

Numa e noutra situação, não se permite que aja o poder público, descompassado com os básicos princípios da liberdade de culto e a isonomia, que conferem legitimidade à própria atuação estatal. Não se pode impor aos contribuintes gravames que importem na supressão de outros direitos constitucionalmente assegurados, nem também, de outra monta, permitir a concessão de benefícios fiscais direcionados a determinados contribuintes sem se fazer a análise do princípio da isonomia e da discriminação.

A Prefeitura de São Paulo, em recentes normas sobre o assunto  (Lei 13250 de dez2001 doc 15 anexo)  enquadra as naves dos templos alugados numa norma que as isentam do IPTU.  Assim, as pessoas atingidas pelas isenções, são tratadas de uma forma especial porque são consideradas da mesma categoria essencial, isto é, se inserem na categoria vista pelo Estado como apta para concretização dos seus planos sociais. Mas, na verdade, outra alternativa não resta somente a de se submeter à regra de regularidade e igual tratamento para seres da mesma categoria, templos locados ou não.

E lembrando Canotilho afirma: “Ao princípio da igualdade é caríssima a igualação de oportunidades. Estendendo a isenção a todos os que se encontrarem em igual situação, haverá simples obediência ao imperativo constitucional de “compensação de oportunidades”. Posto que não se pode conviver com as normas constitucionais vigentes a omissão do Poder Judiciário, comodamente acobertada de neutralidade. Já que o papel deste poder é justamente o oposto.

Conforme Sampaio Dória, evidenciada a arbitrariedade da discriminação, é diretriz de boa hermenêutica que o magistrado procure alçar ao plano do tratamento fiscal mais benévolo a pessoa ou atividade contra as quais indevidamente se discriminou. No que pertine ao exemplo supra utilizado, Souto Maior Borges alude: “o que então o Judiciário estará fazendo, ao restaurar a isonomia onde, ex vi do art. 6º, ela havia sido erradicada, é aplicar uma norma constitucional que a Constituição Federal determinou tivesse imediata aplicação. É assegurar o primado da Constituição Federal do qual ele - o Poder Judiciário - é o principal garante, o responsável mais imediato.”

É patente que a Constituição de 88 justifica a adoção de uma nova posição pelo Supremo Tribunal Federal, que não pode se manter como simples legislador negativo. Entendimento que encontra eco em doutrinadores de escol, como Misabel e Souto Maior. O que não é razoável, diz Misabel, “é ‘fingir’ que é constitucional a norma discriminatória para não se ter de enfrentar o problema, ou reconhecer a inconstitucionalidade, mas declarar-se o Tribunal ‘impotente’, ou cassar a isenção ou outro benefício, interferindo em plano de governo”.

Citando Jónatas Eduardo Mendes Machado, quando escreveu sua tese para a Faculdade de Direito – Universidade de Coimbram – em “Liberdade Religiosa Numa Comunidade Constitucional Inclusiva”, pagina 374 – destacamos o que diz:   *** Interpretadas conforme a Constituição, as normas fiscais incidentes sobre as confissões e comunidades religiosas devem aplicar-se a todas as comunidades religiosas que possam razoavelmente ser consideradas como tais, ‘a luz do que anteriormente se firmou sobre os conceitos de religião e de confissão religiosa.  Do mesmo modo, o tratamento mais favorável concedido ‘a confissão religiosa dominante dever ser imediatamente alargado a todas as confissões e comunidades religiosas. O Estado não pode conformar o status quo religioso distribuindo selectivamente isenções fiscais ou manipulando interpretativamente, de forma arbitrária, os conceitos integrantes do Tatbestand das normas de direito fiscal. Qualquer diferenciação no status jurídico-tributário dos cidadãos católicos e não católicos é flagrantemente inconstitucional. O seu resultado é prático é inerente coercitivo, já que conduz ‘a associação  ‘a opção de fé, em termos alternativos, de determinados benefícios ou custos econômicos, que acabam por funcionar para os indivíduos e para as confissões religiosas como um bônus ou uma multa consoante as crenças religiosas por eles perfilhadas***.

 

Nilson Franco de Godoi

OAB SP 94 060

 

[1] Aliomar Baleeiro, Direito Tributário Brasileiro, 9a. Edição, Rio,  Cia Editora Forense, 1977, p.92, (com a EC 7 e 8/77) e Limitações Constitucionais ao poder de tributar, 3a. Edição, Rio, Cia Forense, p.184. STF RE 88671, 1a. Turma, RTJ 90/263; RE 89590 RJ , 1a. T., RTJ 91/1103 e RE 89 173, 2a. T.,RTJ 92/321)