PÁSCOA E TRADIÇÃO CATÓLICA (CC)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
Mensagem
recebida em 8 de Março 2000
Olá
Estava procurando resolver minhas dúvidas aqui e me deparei com sua
página... gostaria de saber se pode me ajudar...
Há pouco tempo conheci JESUS em minha vida e me converti
evangélica, mas gostaria de saber como são vistas essas datas como quarta-feira
de cinzas, sexta-feira santa, Quaresma, se são vistas da mesma forma que pela
igreja católica, quais são as diferenças. Tenho muitas dúvidas disso.
Obrigado
Cláudia Mello
Prezada
irmã Cláudia Mello
Recebi
a sua mensagem e não sei se a minha resposta será satisfatória.
Devo
dizer-lhe em primeiro lugar, que não sou pastor, nem falo em nome de nenhuma
igreja, mas todos nós, crentes em Cristo Jesus, de acordo com o pensamento de
Pedro 1ª Pedro 3:15,
devemos estar ...preparados para responder, com
mansidão e temor, a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós.
Assim, vou dizer-lhe o que penso sobre o assunto.
É
pena ter poucas informações sobre o caso que me apresenta, pois nem sei
propriamente quais as tradições da sua igreja, nem qual é a sua igreja, nem
quais as tradições da Igreja Católica a que se refere.
Das
duas principais datas que comemoramos, Natal e Páscoa, o Natal, ninguém sabe
quando foi. Não é possível determinar em que dia do ano Jesus nasceu. O que se
sabe é que não foi no dia 25 de Dezembro, porque nessa época nenhum pastor em
Israel leva os seus rebanhos para os campos onde há muito frio e não se
encontram pastagens em condições. Mas, como não é possível apresentar uma data
correcta e o mais importante é comemorar uma vez por ano o nascimento do nosso
Salvador, nós os evangélicos, temos mantido a tradição católica do dia 25 de
Dezembro.
Agora
a Páscoa, a que a irmã se refere, essa sabe-se ao certo qual foi o dia em que
Jesus foi crucificado, segundo o calendário lunar dos judeus. É por isso que
nem sempre calha no mesmo dia, pois o nosso calendário é diferente.
Nessas
datas, estamos de acordo com os católicos.
Mas
penso que o problema da prezada irmã não é bem esse, mas se referia à forma de
viver a Páscoa, se podemos comer carne, ou se temos de jejuar etc. que são
tradições católicas que se mantêm tanto no Brasil como aqui em Portugal,
principalmente nos meios rurais.
No
entanto, a privação de comer carne na época da Quaresma, não tem fundamento
bíblico nem a Igreja Católica Romana dos nossos dias defende a obrigatoriedade
de tal prática, segundo julgo saber, embora essa prática continue na tradição
de muitos católicos.
O
Catecismo da Igreja Católica, recentemente publicado, afirma sobre o assunto,
no seu parágrafo 1438 “Os tempos e os dias de penitência no decorrer do Ano
Litúrgico (tempo da Quaresma, cada sexta-feira em memória da morte do Senhor)
são momentos fortes da prática penitencial da Igreja. Esses tempos são
particularmente apropriados para os exercícios espirituais, as liturgias
penitenciais, as peregrinações em sinal de penitência, as privações voluntárias
como o jejum e a esmola, a partilha fraterna (obras caritativas e
missionárias).
Embora
não me identifique com alguns pormenores desta posição do Catecismo Católico,
não deixo de ver uma positiva evolução dessa igreja em relação à sua posição
tradicional, que continua arreigada no povo brasileiro e português. Agora falam
em jejum e esmola sem especificar os pormenores, que certamente ficarão ao
critério de cada um.
Não
sei em que ponto do Brasil está a irmã Cláudia Melo. Será que no Estado em que
vive, o povo católico ainda cumpre a tradição de não comer carne nessa época?
Aqui
em Portugal, segundo algumas sondagens efectuadas pelos jornais, poucos são os
católicos que se lembram dessa tradição, a não ser nas pequenas aldeias, nos
meios rurais.
Trata-se
duma tradição do século VII, fruto de determinado contexto histórico e
cultural, que já nada tem a ver com a realidade dos nossos dias. Podemos
imaginar o que significava o uso de carne na grande maioria dos países dessa
época. Certamente que para a maioria do povo do século VII, a carne não era
alimento do dia a dia. Comer carne era sinal de alegria, de refeição festiva,
absolutamente em contradição com os sentimentos dos crentes na época em que
Jesus morreu por nós.
Certamente
que já não é esta a nossa realidade, pois graças a Deus que o nível de vida
melhorou e a carne passou a ser elemento do dia a dia.
Se
somos cristãos, então Jesus Cristo deve ser o nosso único padrão de
comportamento.
Vejo
na sua mensagem a afirmação de que há pouco tempo conheceu Jesus em sua vida e
se converteu evangélica. Graças a Deus por essa afirmação, pois isso é a
genuína conversão. Ouvi certo dia a afirmação de que conversão é rodar 180
graus, é deixar as tradições para seguir a Cristo. Infelizmente muitos dizem
que se converteram quando rodam 360 graus, deixando as tradições católicas para
seguir as tradições protestantes.
Isso
não é genuína conversão. Mas se a irmã Cláudia já conheceu Jesus, então
pergunte a Ele, vamos procurar nos evangelhos qual a resposta do nosso Mestre.
Julgo
que o problema não está em aceitar ou rejeitar a tradição.
Devemos
aceitar uma tradição, se ela tiver fundamento nos ensinos de Jesus Cristo, e
rejeitar qualquer tradição, seja ela católica ou evangélica, se não tiver
fundamento nos evangelhos, ou estiver em contradição com os ensinos ou a
mentalidade que Jesus nos transmitiu.
Parece-me
que “santidade” ou “espiritualidade” baseada no cumprimento de rituais e
tradições, sem atender ao seu significado, está em absoluta contradição com a
mentalidade que Jesus nos transmitiu.
O
mesmo poderíamos dizer dos nossos “indicadores de santidade”, como o levantar as mão durante a oração ou os cânticos, ou certas frases
consideradas dos homens ou mulheres espirituais.
Penso
que não há mal nenhum nisso, só que esses nossos indicadores de santidade só
servem para nós. Se isso servisse para Deus, então até eu próprio poderia ser
“muito espiritual”, pois sou crente há mais de 45 anos, conheci muitas igrejas,
desde as pentecostais às mais conservadoras e sei como se faz para sermos
considerados como espirituais.
Penso
que nós podemos avaliar a identificação dos crentes com as suas igrejas, a sua
integração cultural e litúrgica, mas não nos compete avaliar a espiritualidade
de ninguém, pois somente o Deus que nos criou, tem
meios para sondar o íntimo de cada um de nós.
Jesus
viveu numa época em que havia muita “religiosidade” em que o seu povo, os
israelitas, tinham leis e normas para tudo, as quais deveriam ser rigorosamente
cumpridas.
Mas
será que Jesus foi um homem religioso, um homem de igreja, cumpridor de todas
essas normas?
Será
que podemos considerar como religioso quem transgrediu o mandamento do sábado
para ajudar o seu próximo Marcos 3:1/6, Lucas 13:10/17,
quem falou com a mulher samaritana apesar disso ser
contra as tradições religiosas do seu tempo João 4:7/9 quem
se aproximou e tocou em leprosos que a religião obrigava a ir para lugares desertos
Lucas 5:12/13,
quem frequentou ambientes que os “religiosos” desse tempo e dos nossos tempos
não podem frequentar, quem conviveu com pessoas consideradas indignas e
pecadoras?
Tudo
depende do que se entender por homem ou mulher religiosos. Se é a religiosidade
das igrejas, basta aprender e cumprir a tradição da sua igreja, mas se é o novo
tipo de religiosidade que o nosso Mestre ensinou e que depois de vinte séculos
ainda estamos a começar a aprender então temos de ir aos evangelhos e meditar
nos ensinos e no comportamento de Jesus e pensar no que Jesus teria feito, se
estivesse nos nossos dias, nas cidades onde moramos.
A
Semana Santa é tempo de reflexão no que significa a morte de Jesus, o Cristo,
em nosso lugar. Todos nós temos liberdade para o recordar ou ignorar. Mas não
comer carne, pensando que assim estamos a seguir aquele que foi contra os
rituais sem sentido, contra o mero cumprimento duma tradição que há muito
perdeu o seu significado, que já ninguém sabe porquê, nem como, nem para quê,
isso não é cristianismo, nem a Igreja Católica dos nossos dias o exige, muito
menos as igrejas evangélicas.
Não
sei se respondi ao que a prezada irmã Cláudia me perguntou, mas é o que penso
sobre o assunto. Que o Senhor a oriente, pois só Ele é o nosso único Mestre.
Do
seu irmão e companheiro no estudo dos evangelhos
Camilo – Marinha Grande,
Portugal
Março
de 2000
Estudos
bíblicos sem fronteiras teológicas