NATAL SEMPRE (OC)

 

 

 

- Vozes na Noite -

Hoje é dia de Natal! Quer seja Inverno ou Verão, estejamos em Março, Julho ou Dezembro, seja qual for o dia do ano, hoje é Natal!

Todos os dias, de todos os meses, são dias para Jesus nascer. Há sempre crianças que nascem sem abrigo, algumas sem terem, ao menos, as palhas duma estrebaria, sem uns trapos para se cobrirem, sem o bafo morno duma vaquinha.

Hoje também é dia de Natal. O Natal das crianças que morrem à fome ou são chacinadas pelos «Herodes» da actualidade. Não há lugar para elas. São vítimas do ódio, da crueldade, da guerra e do terror.

 

  Fetiche do tempo inerte.

  Tortura de horas compridas...

  Maldição.

  Amputaram-se

  eternos instantes.

  Fez-se curto-circuito

  no contacto da ternura.

  Os músculos negaram-se

  crisparam-se.

  Mãos recolhidas

  gemem.

  Noite.

  É sempre noite. ( * )

 

«Nas vigílias da noite», há dois mil anos, ouviram-se notícias vindas do espaço aéreo, como se fosse a rádio ou a televisão agora. Notícias de alegria e de esperança. Um povo massacrado vê nascer a hora da liberdade. Boas novas, Evangelho! O Salvador nasceu. Ele veio libertar-nos!

Hoje é dia de Natal. Aparecem multidões. Vozes na noite: milícias, exércitos celestiais. Que dizem eles? Glória! Paz! Boa-vontade!

GLÓRIA! Glória a Deus que nos veio salvar! Glória a Deus que o Menino nasceu, e o seu nome será «príncipe da paz»!

PAZ! Precisamos de paz. Ouvem-se ainda os estrondos provocados pelos canhões, pelas armas assassinas! Vêem-se os clarões de cidades incendiadas. E cheira a morte. É o cheiro de montes de cadáveres em putrefacção.

Mas hoje é dia de Natal. E que proclamam os embaixadores vindos do Além?

BOA-VONTADE! Faz tanta falta! Tudo depende dela. Boa-vontade é amor em acção. É decisão, prontidão, motivação. Para quê? Para servir, para ajudar, para a dádiva, a partilha, a generosidade. Vontade de salvar, de salvar uma vida, de salvar os que sofrem e clamam por socorro. Salvar também os que não clamam, os pobres e sofredores envergonhados, ou de tal maneira fragilizados, cépticos, deprimidos ou frustrados que já nem sequer pedem auxílio. Deixam-se ficar, deixam-se morrer!

Jesus, o Cristo de Deus, «veio buscar e salvar o que se havia perdido». E Ele deu a Sua própria vida. Boa-vontade é desejo, é querer e é também prazer. O prazer de ser útil, de aliviar a dor, de levantar o ânimo, de sarar feridas, de alimentar famintos, de reconstruir, de trazer à Vida!

Jesus disse: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância!» Hoje é dia de Natal! Um dia simples, sem luzes, sem extravagâncias, sem artifícios, sem esbanjamento.

 

  «... e sempre que nu volto ao mar

  despido dos artifícios mundanos

  retorno a Belém

  dois mil anos,

  ao bebé divino e pobre

  sem galas nem aparatos

  sem ceias nem «pais-natais»

  sem vertigem mercantil

  sem cenas convencionais.

  Ele nasceu num curral

  no verdadeiro Natal

  que a tradição deturpou.

  Natal é também mergulho

  na paz tranquila do Oceano

  das sensações primitivas.

  Assim fosse o Natal de cada dia

  o Natal de cada ano!» (*)

 

Hoje é dia de Natal. Natal para receber Jesus, primeiramente na pessoa de todos os meninos, começando pelos mais pobres. Para receber Jesus compreendendo o que Ele fez por amor a todos os miseráveis, os excluídos, os oprimidos deste mundo.

Para receber Jesus e, em Seu nome, ir ao encontro das vítimas dos poderosos e dos déspotas que os exploram, os escravizam e os aniquilam impiedosamente. Natal para receber Jesus tomando-o como único modelo, único padrão de comportamento e de pensamento.

Se assim for, será Natal dentro de nós. Um Natal novo, uma vida nova. E essa nova vida fará de nós mensageiros (uma espécie de «anjos») para, na noite cerrada e sombria em que está mergulhado este mundo em que habitamos, sermos também vozes na noite, embaixadores da paz, da alegria, da boa-vontade.

Se assim for, talvez que nos lábios dessas multidões de criancinhas tristes, no Natal de sempre, desabrochem sorrisos de esperança.

Orlando Caetano

 

(*) In Descontinuidades , poesia, do Autor, 1991.

 

 

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas