MISSÕES EVANGÉLICAS (CC)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
Podemos
ler em 1ª Pedro 2:5 Vós, também,
como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para
oferecer sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo.
Vamos
examinar somente a primeira parte deste versículo. Trata-se, como sabemos, duma
carta que Pedro não dirigiu a nenhuma comunidade em especial, mas a todos os
que estavam disperses, a todos os eleitos segundo a vontade de Deus o Pai.
Portanto,
esta carta também foi escrita para nós, e como destinatários da carta podemos
dizer: “Nós também, como pedras vivas, somos edificados casa espiritual.”
Comecemos
pela expressão “edificar, ou construir a casa espiritual”.
Para
que serve uma casa?... Vejamos o que está por trás da semântica desta palavra.
Desde
os tempos mais remotos que o homem sentiu a necessidade duma casa. Uma casa que
fosse uma protecção contra a adversidade do clima, que fosse o símbolo da sua
crença ou do seu poder em determinada região, que fosse elemento de defesa
contra os seus inimigos e armazenagem dos seus bens. Nos nossos dias, alguns
destes conceitos foram ultrapassados, outros continuam no nosso subconsciente,
tendo adquirido maior importância os aspectos estéticos ou de conforto e bem estar.
No
entanto, para se construir uma casa, é necessário um projecto. Mesmo nas casas
mais simples e primitivas em que o seu proprietário era também o arquitecto, o
engenheiro, e o construtor, esse projecto existia na sua imaginação. Primeiro
tinha de pensar no que queria, para depois construir a sua casa.
Nos
meus trabalhos de engenharia, que normalmente complementam os trabalhos dos
arquitectos, tenho ouvido estes queixarem-se da dificuldade que por vezes têm
em trabalhar para os nossos emigrantes, porque estes voltam normalmente com
ideias que não se adaptam nem ao nosso clima nem aos hábitos dos portugueses.
Porque
uns vêm da África do Sul e querem construir uma vivenda espaçosa e com
cobertura quase plana. Outros vêm da Alemanha e querem um telhado muito
inclinado, típico dos países frios, para aproveitar os sótãos. Outros querem
uma vivenda estilo “maison” ....
O
missionário é sempre levado a construir a nova “casa” de acordo com a sua
experiência. Isso é natural e compreensível.
Sobre
o assunto, assim se referiu o teólogo e psicólogo Professor Orlando Caetano:
“Missionar é como construir um edifício. Quem vem de fora e constrói uma casa,
constrói-a geralmente conforme o estilo das casas do país ou região da sua
procedência”.
Quando
um emigrante regressa a Portugal, com as novas ideias e novos hábitos
adquiridos no país de acolhimento, a habitação que acaba por construir, é fruto
do diálogo com o arquitecto, da adaptação das suas ideias à realidade nacional.
No
entanto, no caso do missionário, por vezes tal diálogo à muito mais difícil.
O
missionário, é sempre portador de determinada cultura
que se manifesta através dos seus padrões morais, da sua liturgia e do seu
comportamento.
Mesmo
que alguns se esforcem por ultrapassar os seus condicionalismos culturais, nem
sempre tal é possível, não só porque como todos nós, o missionário tem a sua própria
personalidade, como pelo facto das organizações que enviam o missionário, e
principalmente os crentes que contribuem para o manter, esperarem que construa
uma igreja que seja como que uma “fotocópia” da igreja mãe.
E
não é só esta a dificuldade. Portugal é um país onde o movimento protestante é
relativamente fraco, com pouca experiência, e principalmente nas classes menos
cultas, onde haja um significativo desnível entre a preparação cultural do
missionário e a dos outros crentes, não é possível o diálogo que tenha
correspondência ao dialogo entre o emigrante e o
arquitecto no paralelo de ideias que tentei estabelecer.
Assim,
em muitas igrejas protestantes, a população acaba por se acomodar, recebendo a
mensagem de Cristo acompanhada por uma invasão de conceitos culturais,
sujeitando-se alegremente aquilo a que já ouvi chamar de “colonização
cultural”.
Se
alguns aspectos dessas culturas importadas, se adaptam à realidade nacional,
noutros casos penso que têm prejudicado o crescimento das igrejas protestantes
em Portugal, pois o sistema que resulta na América ou na França, ou no Brasil,
pode não resultar em Portugal.
No
entanto o problema não é só do nosso pais. É também de África por exemplo, onde
se nota que as Igrejas que têm mais afinidades culturais com o povo africano
crescem muito mais que as igrejas europeizadas. No entanto, o caso mais típico
que observei foi na Índia, na Igreja Batista de Bombaim. Os nossos irmãos
batistas costumam citar muitas vezes o caso do missionário Guilherme Carey que foi para a Índia em 1800 e tal e durante os
primeiros 30 anos nenhum indiano se converteu, até que a certa altura a sua
mensagem começa a ser aceite... Este caso tem sido citado como um exemplo de
persistência e fidelidade ao Senhor.
Depois
do que observei na Índia, na Igreja Batista de Bombaim tenho uma opinião bem
diferente. Penso que muitos dos nossos irmãos batistas do ocidente teriam
dificuldade em identificar essa comunidade como uma igreja batista. Não me
lembro se tinham órgão, mas lembro-me de que tinham era uma orquestra
tipicamente indiana com os seus violinos e os seus instrumentos de percussão.
Toda a liturgia era bem diferente do que estamos habituados a ver no ocidente.
Quando
me dizem que a mensagem de Guilherme Carey só foi aceite
pelos indianos 30 anos depois da sua chegada à Índia, penso que foi porque ao
fim desses 30 anos ele já tinha adquirido a necessária preparação para
apresentar a sua mensagem de acordo com a mentalidade dos seus ouvintes.
Mas
então, qual a atitude correcta sobre o assunto? Se nesta passagem que lemos,
Pedro não entra em mais pormenores, haverá outras passagem
nas nossas bíblias que nos possam ajudar?
Vejamos
o que Paulo diz em 1ª Coríntios
9:19/23
Porque,
sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos, para ganhar ainda mais; e
fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão
debaixo da lei, como se estivera debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo
da lei; para os que estão sem lei, como se estivera sem lei (não estando sem
lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem
lei. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para
todos, para, por meio de todos os meios, chegar a salvar alguns. Eu faço isto
por causa do evangelho, para ser, também, participante dele.
Penso
que muito podemos aproveitar da experiência desta igreja em Corinto.
Pela
sua posição geográfica, Corinto era ponto de convergência de várias culturas,
que alguns anos antes ninguém haveria de imaginar que se pudessem encontrar.
Judeus,
gregos, romanos.... numa mesma igreja em Corinto?!
Como seria possível juntar pessoas com diferenças culturais tão vincadamente
diferentes, na mesma igreja?
Paulo
tem a solução:
Ele
falava para os judeus, falava para os gregos e falava para os romanos....
Vejamos
qual a ideia que lhes quero transmitir com esta minha afirmação, dando
particular ênfase à expressão “falar para”.
Vi
há tempos na televisão um programa em que se comentava a estratégia da
propaganda dos vários partidos políticos. Achei interessante, pois no fim do
programa, pedem a um técnico em comunicação para fazer os seus comentários....
Comentários que foram muito negativos.
Dizia
ele que os políticos se entusiasmam tanto na sua luta, que acabam por lutar
entre si... falam entre eles e se esquecem do grande público, não aproveitando
de forma útil o tal tempo de antena que lhes está destinado.
Penso
que o mesmo se pode passar em religião. Várias vezes tenho ouvido os crentes
dizer: “Ele deve ser um pregador muito culto... deve falar muito bem, mas eu
não percebi nada do que ele disse”.
Tenho
muito respeito pela cultura, mas por vezes confunde-se cultura com dificuldade
de comunicação, ou dificuldade de identificação, cujo resultado é o afastamento
do pregador daqueles que o ouvem.
A
teologia, assim como qualquer outra ciência, tem os seus termos próprios. O
mesmo acontece aliás com a medicina, ou a engenharia, ou a agricultura, ou a
pesca. Mas os termos técnicos servem para facilitar a comunicação e não para a
dificultar. Somente devem ser utilizados quando forem compreensíveis para a
grande maioria dos ouvintes. Parece que as técnicas de comunicação aconselham
uma certa identificação com as pessoas a quem se quer transmitir a mensagem.
Mas
então, não foi isto que Paulo disse há quase dois mil anos?
Paulo
fez-se judeu para com os judeus, contou-lhes a sua experiência como judeu que
era, utilizando certamente referências à Velha Lei e linguagem só perceptível
aos judeus.
Para
com os que estavam sem lei, Paulo prescindiu da sua posição de judeu,
prescindiu de toda a tradição para se identificar como gentio.
Para
com os fracos na fé, o apóstolo Paulo que todos conhecemos, fez-se como se
fosse fraco na fé.
E
não somente Paulo... Temos também o exemplo de Jesus que nas zonas rurais
empregou palavras mais simples e parábolas relacionadas com a vida do campo, e
entre pescadores já a sua linguagem era um pouco diferente empregando exemplos
que lhes eram familiares.
Será
que por vezes nos falta a identificação com aqueles a quem pretendemos
transmitir a mensagem do Senhor? Ou tentamos transmitir essa mesma mensagem por
meios testados noutros países que nada tem a ver com a nossa cultura? Para
seguir o método de Paulo, a transformação terá de começar por nós próprios,
através duma integração cultural no ambiente que nos rodeia.
Mas
voltemos à nossa passagem principal, à carta de Pedro. Dizia ele, que somos
como pedras vivas ...
Só
há relativamente pouco tempo é que descobri o verdadeiro significado desta
metáfora que Pedro empregou.
Muitas
vezes lia estas passagens em que somos comparados ás pedras duma casa e
pensava. Bem, hoje já não construímos casas com pedra, mas isto corresponde aos
blocos ou aos tijolos.
Era
esta a ideia que eu tinha, até que certo dia visitei o mosteiro da Batalha e
ouvi a explicação do facto das pedras estarem todas marcadas. A marca é da
pedreira onde a pedra foi talhada e do responsável pelas suas características,
tanto a sua forma como a sua resistência.
Só
aqui é que eu compreendi a grande diferença entre um bloco ou tijolo dos nossos
dias e a pedra a que Pedro nos comparou.
Mas
será lícito realçar este pormenor? Será que era essa a ideia de Pedro quando nos
comparou às pedras dum edifício?
Onde
é que já ouvi falar nas diferentes funções das várias pedras dum edifício? .... Na
pedra que os edificadores rejeitaram... Na pedra angular ou pedra de
esquina.... Na pedra de fundação sobre a qual iria ser levantado o
edifício?...... Pedro também, certamente que se lembrava destas expressões
quando estava a escrever a sua carta.
Numa
habitação dos nossos dias, pode-se partir uma parede, abrir uma passagem,
retirar um ou mais blocos, sem afectar a segurança do edifício. No entanto, num
grande templo construído de pedra, não é possível retirar qualquer uma das
pedras sem afectar seriamente a segurança do templo, porque enquanto os tijolos
nos nossos dias, só servem para preencher um espaço, pois o que aguenta com os
pesos são os pilares e as vigas, já as pedras, pelo contrário, têm funções
resistentes. Cada pedra aguenta com o peso das outras. Não foi o mesmo Paulo
que na sua carta aos efésios lhes disse “...suportai-vos uns aos outros em
amor”?
Os
blocos e os tijolos dos nossos dias, são todos iguais,
saíram todos do mesmo molde e podem ser escolhidos aleatoriamente para os seus
lugares.
Uma
pedra dum templo foi talhada para determinada função. Ela é diferente das
outras. Ela é insubstituível na sua função. Há um lugar que lhe está destinado
e que só ela poderá preencher.
Cada
crente da Igreja de Cristo é diferente de todos os outros.
Certamente
que todos temos ainda muito que crescer na nossa fé. Crescer sim, mas em que
direcção?
Será
desejável o crescimento em direcção a uma normalização dos crentes, a uma
acomodação a padrões de comportamento que tendam a uniformizar tudo e todos?
Será
que as pedras vivas deverão ser moldadas e acomodadas a uma única forma? A
forma da nossa linha doutrinária ou a forma da nossa denominação?
Ou
pelo contrário, será o crescimento em direcção à forma que o Grande Arquitecto
entendeu ser a mais conveniente para cada uma das Suas pedras? Penso que essa
unidade na diversidade é das principais características do genuíno cristianismo.
Ouvi
já há alguns anos num Sínodo da Igreja Presbiteriana a afirmação dum Pastor
visitante de que “a Igreja deve ser governada pela ditadura de Deus.”
Até
aqui tudo bem... Penso que em princípio, todos concordamos com tal afirmação,
mas como a poderemos pôr em prática? Onde está a voz de Deus para a podermos
seguir? Estará nalgum “infalível”? Estará nalgum alto dirigente com títulos
mais ou menos pomposos?
Parece-me
que a responsabilidade de falar em nome de Deus, de ser o fundamento deste
edifício a que chamamos Igreja Presbiteriana, é demasiado grande para que a
possamos relacionar com uma pessoa, por mais consagrada que seja, e nessa
opinião não estamos sós, pois muitas outras igrejas genuinamente reformadas
também têm a mesma opinião.
Pensava
no assunto no meu gabinete de trabalho, quando por acaso resolvi ligar o
gravador com uma cassete dum coro evangélico. Eram vozes masculinas e
femininas, vozes mais agudas ou mais graves, vozes desencontradas que se
complementavam e formavam um majestoso coral. Talvez fosse a resposta do
Senhor.
As
discussões, por vezes acaloradas, nos sínodos e nos conselhos das comunidades,
com várias opiniões, por vezes desencontradas, por vezes contraditórias, são o
que mais se assemelha à voz do Senhor que por vezes não temos sensibilidade
para compreender, pois procuramos, ouvir somente algumas vozes, perdendo a
visão do conjunto.
Se
somos diferentes uns dos outros, graças a Deus pelas diferenças se estiverem ao
serviço do Senhor, se formos ferramentas nas suas mãos. Um carpinteiro não
poderá trabalhar com 100 serrotes ou 100 martelos. É melhor ter meia dúzia de
ferramentas todas diferentes.
Não
vamos transformar em simples blocos sem personalidade, as pedras a que o
Espírito do Senhor deu forma, deu inteligência, deu uma nova personalidade e
preparou para determinada finalidade na Sua Obra.
São
pedras diferentes. São pedras vivas que o Senhor talhou, que o Senhor preparou
para a sua obra. Talvez a preparação que o Senhor lhes deu tenha, começado há
muitos anos, talvez mesmo antes da vossa conversão.
A
minha oração ao Senhor e o apelo que vos deixo é que ocupem os vossos lugares
como pedras vivas, no grande templo que o Senhor tem em construção. Que estejam
conscientes de que foram preparados para determinada função na obra do Senhor.
Tudo
o que somos, não só nos nossos conhecimentos teológicos, como na nossa
preparação espiritual e intelectual, a experiência adquirida através dos
tempos, faz parte da preparação que o Senhor nos concedeu. Fomos talhados pelo
Senhor, para a construção do grande edifício que é a sua Igreja. Mas mais do
que isso, somos todos peças únicas.
Sem
a colaboração de cada um de nós, ficará um espaço vazio que poderá afectar a
segurança do edifício. Um espaço vazio que só tu, meu irmão ou irmã, poderás
preencher.
Que
o Senhor desperte em cada um de nós o verdadeiro zelo pela sua Igreja.
Camilo - Marinha Grande
- Portugal
1998/10/16
Estudos bíblicos sem fronteiras
teológicas