Louvor a Deus (CC)

(Deverá “clicar” nas referências, para ter fácil acesso aos textos)

 

 

Este artigo vem na sequencia dos artigos Samaritana (CC),  Em espírito e verdade (CC) e Louvor no Islão (YA) cuja leitura aconselhamos previamente.

 

1. Introdução

Caro Yiossuf

Em primeiro lugar os meus agradecimentos por mais este artigo que me enviaste Louvor no Islão (YA), quase todo baseado no Velho Testamento e que tive o prazer de publicar na minha página, pois está de acordo com os seus objectivos, onde cada um diz o que pensa, desde que o faça de maneira correcta e delicada, sem se referir de modo negativo às outras igrejas ou religiões e penso que será muito útil para uma séria divulgação do pensamento islâmico. Também está de acordo com o que defendo nesta minha página, que seja um verdadeiro islâmico a divulgar em que crê. O mesmo digo das outras religiões, hindus, budistas etc, que sejam os próprios a dizer em que crêem, pois só assim a informação desta minha página poderá ser credível.

Penso que este, assim como a maior parte dos artigos que tenho nesta minha página, parte do pressuposto de que toda a Bíblia é igualmente inspirada, e no caso deste teu artigo também o Alcorão, facto que será importante para se compreender o pensamento islâmico. Digo isto, porque esta pode não ser a posição teológica de muitos dos leitores desta minha página.

No meu caso, por exemplo, considero-me um crente em Cristo e só em Cristo. Valorizo o Novo Testamento, (excepto o livro do Apocalipse, rejeitado por grande parte do primitivo cristianismo, pelos motivos que apresento no meu artigo Apocalipse e o cânon neotestamentário (CC)) por ser, o Novo Testamento, a fonte de informação mais credível que temos de Jesus o Cristo. Não aceito a inspiração total ou inerrância da Bíblia nem do Alcorão, embora haja muita coisa positiva nestes livros assim como no Bhagavad Guitá e noutros livros religiosos das várias religiões.

Se verdadeiro cristão só é quem acredita em toda a Bíblia, então eu não serei um verdadeiro cristão. Acredito no Deus supremo que Jesus nos ensinou a tratar por Pai, que não é protestante, nem católico, nem islâmico, nem judeu, nem evangélico, budista ou hindu, pois o Pai está muito acima de todos nossos problemas. Nenhuma religião pode monopolizar a revelação divina, ou de certa forma limitar ou condicionar o seu poder, pois o Pai pode revelar-se a quem quiser, quando, onde e com os meios que entender, mesmo aqueles que as nossas teologias considerem indesejáveis por contrariarem as nossas tradições.

Como islâmico, perfeitamente integrado na tua religião, certamente que aceitas a Bíblia completa, dando maior ênfase ao Alcorão. Bem sei que acreditas muito mais do que eu, no Antigo Testamento, como dizes, embora eu prefira a expressão Velho Testamento que corresponde à ideia que tenho de alguma coisa ultrapassada. Esse foi o motivo do meu artigo Samaritana (CC) ter poucas referências ao Velho Testamento.

Não posso dizer que aceito o Velho Testamento como normativo para os nossos dias se me recuso a cumprir a maior parte das leis veterotestamentárias que menciono numa pequena listagem que fiz em Velho Testamento (Algumas leis do). Como o Velho Testamento é muito grande, poucos encontram essas passagens pois praticamente nunca são lidas nas igrejas. Mas lamento que o Velho Testamento ao longo da história e até no presente, tenha influenciado tão negativamente o islamismo e o cristianismo. Um dos exemplos dos nossos dias é o que apresento nos meus artigos Violação no Afeganistão (CC) ou Fanatismo Evangélico (CC). No entanto, reconheço o valor histórico do Velho Testamento que também é importante para se compreender o contexto cultural em que Jesus divulgou a sua mensagem.

Mais outro assunto que gostaria de abordar nesta introdução.

Bastará apresentar um ou mais versículos para afirmar que determinado livro diz isto ou aquilo? Vou apresentar um exemplo. Tenho um amigo que há anos, teve um acidente no seu carro e só nos dizia: Eu vinha da direita e tinha o direito de passagem segundo o artigo 30. Não é isso que diz o Código de estrada?! Tivemos de lhe explicar que uma coisa é afirmar que determinado artigo da nossa legislação diz isto ou aquilo e outra bem diferente a afirmação de que isso é o que diz a legislação, que tem vários artigos. É por isso que o nosso código de estrada tem no seu artigo 7 a hierarquia da sinalização. 

Também na interpretação dos textos sagrados, uma coisa é dizer que determinado versículo diz isto ou aquilo e outra coisa, bem mais difícil, é dizer que o Velho Testamento, ou o Alcorão, ou o Novo Testamento diz o mesmo. Certamente que é importante complementar as nossas afirmações com versículos tirados dos textos religiosos, pois já é uma boa ajuda ou uma sugestão para o estudo do assunto, mas não podemos esquecer de que de acordo com a hermenêutica, só podemos afirmar que o Novo Testamento ou o Alcorão ou qualquer outro livro religioso nos apresenta determinada afirmação, se conseguirmos resumir tudo quanto esse livro religioso disser sobre esse assunto.

 

2. Penso que duma maneira geral, vens confirmar o que afirmei no meu artigo sobre a samaritana:

2.1 No Velho Testamento seguiam o vulgar método de adoração, utilizado praticamente em todas as religiões dessa época. Método que Jesus rejeitou na sua conversa com a mulher samaritana João 4:21/24. Não significa isto que quem se ajoelha ou se prostra na sua adoração não possa estar a adorar correctamente. Não ponho em dúvida que muitos o fazem com toda a sinceridade, que é o mais importante, mas simplesmente que tal pormenor será insuficiente se não for fruto duma realidade espiritual, pois Deus é espírito e temos de o adorar em espírito e verdade. Certamente que quem se julgar mais santo ou mais perfeito pelo simples facto de cumprir certa e determinada liturgia no local indicado, isso para nada lhe servirá, pois Deus é espírito. Deus não vê como nós vemos. Ele vê o íntimo de cada um de nós e é a isso que dá a maior importância, enquanto nós só vemos o exterior e por vezes tiramos conclusões precipitadas.

A liturgia da adoração tem muito a ver com as culturas dos vários povos. Por exemplo, se o típico africano do interior de África se expressa melhor com o seu tradicional tambor, por que não o poderá utilizar nos seus cultos? Certamente que seria um escândalo para o cristão ocidental, mas julgo que seria mais um problema cultural que teológico. Tenho no meu artigo Música religiosa (CC) uma foto duma jovem africana a tocar um tambor, que tirei numa igreja batista do norte de Moçambique, num culto tanto ou mais abençoado que muitos dos cultos das igrejas na Europa ou no Brasil. Deus não privilegia nenhum povo nem nenhuma cultura. Romanos 15:11  e Salmo 150:6

Como tu, também nasci em Moçambique e já estive em cultos religiosos com as mais variadas liturgias, como os pentecostais africanos com toda a sua exuberância ou no protestantismo histórico europeu com a sua solenidade ou nas igrejas católicas com os seus gestos litúrgicos, etc. Uns louvam o Deus altíssimo, outros oram ao Deus omnipotente e bem sei que alguns me consideram insensível por não rezar como eles, mas eu prefiro sentar-me e falar com o Pai como sempre fiz, se houver cadeiras, coisa que nem sempre têm em algumas igreja evangélicas indianas ou no interior de África onde se sentam no chão.  

 

2.2 Citei algumas passagens veterotestamentárias afirmando que nessa época, o deus de Moisés exigia obediência cega e não havia qualquer incentivo à reflexão ou meditação ou ao pensamento do crente. É verdade que por vezes há referências ao pensamento no Velho Testamento, mas só encontrei Provérbios 12:5 em que o pensamento é encarado de forma positiva, pois em muitas outras referências ao pensamento, que encontrei, é sempre encarado de forma bem negativa, como Salmo 94:11 ou Isaías 55:7/9 Também encontrei referências à meditação, mas o que seria a meditação numa religião que condenava à pena de morte qualquer divergência doutrinária?! Certamente que aquilo a que chamavam de meditação seria o simples decorar os textos do Velho Testamento que era considerado como a verdade, situação que veio quase até aos nossos dias.

Vejo que encontraste mais passagens sobre esse assunto que confirmam a minha afirmação, pois em nenhuma delas encontro qualquer referência ao pensamento do crente, pois Deus segundo a revelação de Cristo, não prescinde de todo o nosso entendimento como está por exemplo em Mateus 22:37. Poderia também ser traduzido por pensamento, inteligência etc. Também no Alcorão há vários incentivos ao pensamento ou meditação Alcorão 3:191, Alcorão 6:126, Alcorão 16:13, coisa que não encontrei no Velho Testamento.

 

2.3 Todas as passagens que mencionas, são passagens históricas que descrevem o que aconteceu, ou como adoraram. Não encontro nenhuma passagem didática sobre o assunto, escrita com o objectivo de ensinar uma única e exclusiva forma de adorar. Se não houver passagens didáticas sobre o assunto, não é o simples facto de algum personagem bíblico ter feito isto ou aquilo que nos deve levar a imitá-lo.

Aliás o próprio Cristo deu o exemplo de ignorar as leis do Velho Testamento ao curar em dia de sábado Lucas 6:6/10 ou tocar em leprosos Mateus 8:2/3, tornando-se assim também impuro de acordo com a Lei de Moisés. Até mesmo o exemplo de Jesus Cristo nem sempre deve ser seguido por nós. Não me parece que o Mestre deseja que façamos jejum de 40 dias Mateus 4:2 ou que devemos seguir o que fez em João 9:1/7 fazendo lodo com o nosso próprio cuspo para curar um cego.

Penso que mais importante que fazer o que Jesus fez, será fazer o que Jesus faria no nosso lugar, na realidade em que vivemos. Ou então, perguntar ao Pai: Que queres que eu faça, no contexto histórico e cultural em que estou e com as possibilidades que tenho?

 

3. Quanto à tua afirmação: O Islão é a única religião em que Deus é diariamente adorado numa única língua e num mesmo espírito, universalmente.

Não sabia disso, mas se o dizes, não ponho em dúvida.

Essa ideia não é nova. Antigamente a Igreja Católica celebrava a Missa sempre em latim, por ser a língua oficial do Vaticano e noto também em algumas igrejas evangélicas americanizadas uma certa tendência em valorizar o língua inglesa. Sei de missionários evangélicos brasileiros que até para irem para Angola ou Moçambique, ao serviço de organizações missionárias americanas, têm de aprender o inglês em vez das línguas africanas.

Pessoalmente, penso que cada povo deve louvar a Deus na sua língua materna, pois Deus não é estrangeiro e não se identifica com nenhuma língua, nenhuma cultura, nenhum povo, nem nenhum local. Actos 2:4/6, 1ª Coríntios 13:1     (a)

 

4. Certamente que confirmo Mateus 26:39 embora possa haver algumas pequenas diferenças nas várias traduções, mas o significado é o mesmo.

Temos uma passagem paralela em Marcos 14:35.

Mas, como nas outras passagens, não estamos perante uma passagem didáctica com a intenção de ensinar a orar. Ninguém condena quem se prostrar para orar. O que digo, é que para Deus não basta isso se não for fruto duma realidade espiritual, ou se quem ora, acreditar que essa liturgia o pode tornar melhor que os outros crentes ou de certa maneira pressionar Deus a ouvir a sua oração. Julgo que algumas dessas fotos que apresentei, são de sacerdotes católicos na sua ordenação.

Há também outras orações ou rezas que ficaram registadas no Novo Testamento, quer de Jesus Lucas 9:28 que como era seu hábito, foi orar para um monte, o que não significa que todos nós teremos de procurar um monte, quer do jovem rico que se ajoelhou em Marcos 10:17.

 

5. O que mais importa são as passagens didáticas sobre a oração.

Mateus 6:6/13 e Lucas 11:1/4  

Encontrei somente estas duas passagens, nitidamente didáticas no Novo Testamento, em que Jesus nos ensina como devemos orar ou rezar. Lucas afirma que foi a pedido dum discípulo.

 

5.1 Poderá haver dúvidas se estaremos perante passagens paralelas (quando Mateus e Lucas se referem ao mesmo acontecimento), ou se isto se passou em diferentes ocasiões, ou ainda se Jesus ensinou em várias ocasiões, mas só ficaram registadas estas duas.

 

5.2 Não encontramos nenhuma referência à liturgia necessária para rezar, como alguns dizem, ou orar como outros preferem. Eu preferia a expressão “falar com o Pai”.

Penso que temos inteira liberdade para “falar com o Pai” sempre que necessitarmos e onde estivermos. Se alguém entende que se deve ajoelhar, ou prostrar-se, ou ficar de pé, ou efectuar os gestos litúrgicos da sua tradição, que o faça, mas com humildade, sem se julgar melhor que os outros, como era o caso de alguns fariseus do tempo de Jesus.

 

5.3 Outra dúvida que estas duas passagens nos podem suscitar, é se teremos de repetir rigorosamente as mesmas palavras que Jesus pronunciou, como alguns ensinam.

Pessoalmente, penso que o Mestre nos deixou um exemplo de oração que cada um deverá adaptar à sua própria realidade. Mas também poderá limitar-se a repetir sempre as mesmas palavras, desde que pense bem no seu significado.

Ainda bem que temos duas passagens. Se tivéssemos de repetir rigorosamente as mesmas palavras, nas duas ocasiões Jesus teria dito precisamente a mesma oração. Mas encontramos diferenças embora o pensamento seja o mesmo.

 

5.4 Algumas orações ficaram registadas no Novo Testamento:

João 17 Todo este capítulo 17 apresenta uma importante oração de Jesus Cristo. Se lermos o capítulo anterior João 16, podemos verificar que Jesus, perante os seus discípulos a quem falava, se limitou a “levantar os olhos ao céu”.

Em Mateus 11:25 e na passagem paralela em Lucas 10:21 Jesus dirigiu estas breves palavras ao Pai, portanto era uma oração, e não consta que tivesse efectuado qualquer gesto litúrgico, pois continua com a sua conversa com os discípulos.

Em Actos 4:24/30 temos uma oração de Pedro, João e outros crentes da igreja primitiva em que não repetem a oração do Pai Nosso, mas aqui podemos ver os ideais e os pensamentos da oração que Jesus ensinou aplicados à situação em que se encontravam.

 

6. Passagens do Alcorão sobre a oração.

Efectuamos uma busca de várias palavras sinónimas nesta tradução disponível na internet:

Não encontrei referências a ajoelhar ou curvar no Alcorão. A quem encontrar, peço o favor de me indicar. Mas há muitos outros sinónimos.

Inclinar (sinónimo de curvar) – Alcorão 26:4  

OrarAlcorão 4:142, Alcorão 24:41, Alcorão 87:15, Alcorão 96:10

Prostrar - Alcorão 2:34, Alcorão 4:102, Alcorão 7:11/12, Alcorão 12:100, Alcorão 15:30, Alcorão 17:61, Alcorão 18:50, Alcorão 20:70, Alcorão 20:116, Alcorão 25:60, Alcorão 27:24, Alcorão 38:73/75    

RezarAlcorão 73:6 e Alcorão 73:20   

Não me parece que sejam passagens didáticas sobre a oração. Mas julgo que a prostração era a forma habitual de oração, que Maomé utilizou e aprovou, mas não me parece que tenha recusado alguma oração a Deus por motivos litúrgicos.

Baseei-me nesta tradução do Alcorão que está disponível na internet que julgo ter sido efetuada a partir do inglês e talvez algumas passagens ficaram deturpadas. Está em elaboração na Mesquita de Lisboa, uma tradução diretamente dos textos originais para português, mas ainda não está disponível.

 

7. Importância da liturgia

Bem sei a importância que as várias igrejas dão às suas liturgias. Não sou contra a liturgia dos cultos, mas julgo que nalguns casos há o perigo de confiar demais na liturgia esquecendo o mais importante. Lembro-me de ter assistido ao casamento dum amigo que contratou uma boa firma de filmagem para registar em vídeo todo o casamento. Foi uma filmagem muito pormenorizada. Eles vieram mais cedo, filmaram o noivo e a noiva a arranjarem-se para a cerimónia do casamento e na igreja filmaram bonitas imagens dos convidados e do banquete nupcial.

Dias depois, quando esse meu amigo me mostrou o vídeo, estava à espera de ouvir novamente a pregação, o mais importante documento que certamente eles iriam preservar para sempre mas… não registaram a pregação. Disseram-lhe deveria ter dito atempadamente que queria o vídeo do casamento com a pregação, pois assim o vídeo ficaria monótono, pois a pregação não tem movimento, a imagem é sempre a mesma e geralmente os noivos não se interessam por essa parte. No entanto, toda a liturgia foi filmada. Mas.. em que se tornou essa liturgia para quem a considera mais importante que a própria homilia? Será que é só um interessante folclore tradicional e não tem interesse a mensagem do pregador?!    

 

8. Conclusão

Voltando à questão inicial do artigo Samaritana (CC). Por que Jesus rejeitou as orações dos templos de Garizim e de Jerusalém?! O que estava mal na forma como adoravam a Deus? Não seria esse o local certo? A posição correcta? As palavras correctas?

Penso que, quer no Novo Testamento, quer no Alcorão, não há passagens nitidamente didácticas sobre a liturgia a cumprir na oração ou reza embora haja descrições que podemos tomar como exemplos. Mas noto que o Velho Testamento, apesar do grande rigor em cumprir todos os pormenores da sua liturgia, limita-se a aceitar a prostração tal como o faziam as religiões mais antigas.

 

8.1 No Novo Testamento

No Novo Testamento, Jesus em conversa com a Samaritana, rejeita as orações dos milhares de judeus que se prostravam em Jerusalém ou em Garizim.

Será por discordar da prostração? Ou por ser insuficiente? Antes de Cristo, também João Batista recusa a liturgia dos fariseus por ser insuficiente. Também Isaías cerca do ano 500 aC Isaías 1:11/17 afirma que Deus estava farto dos cultos que faziam, pelos motivos que Isaías menciona.

Mas duma maneira geral, o Novo Testamento aconselha uma oração como vemos em Mateus 22:37, mantendo o que dizia o Velho Testamento, mas acrescentando o entendimento que também poderia ser traduzido por pensamento, ou meditação ou compreensão etc. e em Mateus 6:6 aconselha a orar em privado, sem que ninguém saiba.

 

8.2 No Alcorão

Embora não tenha encontrado no Alcorão, passagens nitidamente didácticas sobre a oração, vejo que a palavra prostração (ou versículos em que essa forma de adoração é sugerida) é muito superior às outras formas de adoração. Mas também não encontro motivos para rejeitar, com base no Alcorão, outras formas litúrgicas para a oração.

Penso que o Alcorão, ao contrário do Novo Testamento, sugere uma adoração que todos vejam.

 

8.3 Então, haverá contradição entre o Novo Testamento e o Alcorão neste assunto?

Parece que é evidente que são mentalidades diferentes. Enquanto o Novo Testamento valoriza a oração privada, no Alcorão vemos que tal acontece com a oração pública. Quais as consequências desta diferença.     

Assim, para o cristão, o Alcorão ficará um livro cada vez mais “distante”. Mas mais difícil será para o islâmico sincero, como há muitos, que aceitam os profetas da Bíblia, embora dêem mais ênfase ao Alcorão. Se há essa diferença em que Deus se manifesta, qual estará certo e qual o errado? Ou será que Deus que mudou?

Penso que a explicação é outra. Temos de fazer um estudo mais aprofundado.

Qual seria o contexto histórico cerca do ano 600, quando Maomé apresentou o Alcorão?

Era um contexto histórico de guerra e grande instabilidade. Alcorão 4:102 No Alcorão, assim como no Velho Testamento, há uma forte ligação entre política e religião. Assim, nesses tempos conturbados seria muito mais difícil rezar com todas as formalidades, pois enquanto estivessem prostrados estariam mais sujeitos aos ataques dos inimigos. Julgo que houve necessidade de incentivar a prostração, mas com todos os cuidados que mostram o versículo que mencionei.      

E qual seria o contexto histórico em Israel, nomeadamente em Jerusalém, quando Jesus apresentou a sua mensagem?

O Império Romano estava no seu auge e impôs a “Pax Romana” em todo o seu território, incluindo Israel onde a situação política, religiosa e económica era a que descrevo no meu artigo João Batista (CC) Uma das formas de Roma pacificar os seus territórios era manter todos os privilégios da classe dominante. Nessa época era bem fácil manifestar-se como crente em público. Em especial os levitas (principais beneficiários dessa política de Roma) gostavam de rezar em público e exibir as sua ofertas para o Templo.

Já mencionei Mateus 6:6 quando afirmei que esse versículo aconselhava uma oração em privado. Vejamos agora o mesmo versículo integrado no seu contexto, lendo Mateus 6:1/8.

Isto mostra como o problema cerca do ano 30 era bem diferente. Era necessário combater o exibicionismo e a hipocrisia na religião. Há mais passagens sobre a hipocrisia religiosa nesse artigo sobre João Batista (CC).

 

8.4 Mas poderão perguntar-me:

Então Camilo? Em que é que ficamos? Qual a conclusão? Como devemos rezar ou orar?

Prefiro confessar que não sei…. Não me atrevo a julgar alguém que invoque a Deus, seja como for. Se rezamos ou oramos a Deus, temos de ter cuidado com o que fazemos, que seja de acordo com as nossas consciências. Penso que ainda há, em todas a igrejas e religiões muita hipocrisia, mas também muitos crentes sinceros. Mas não sei como os distinguir.

Lembremo-nos da parábola do trigo e do joio em Mateus 13:24/30. A nossa tendência é sempre separar, ou tentar separar o trigo do joio. Mas o que disse o Mestre, também se aplica a nós. Esse não é o nosso trabalho. O Mestre sabe que não estamos preparados para isso, pois iríamos certamente arrancar trigo, pensando que era joio e deixaríamos muito joio julgando que era valioso trigo. Não é isso que tem acontecido ao longo da história?!   

Penso que não há passagens didácticas sobre a liturgia da oração nem no Novo Testamento nem no Alcorão, simplesmente por que não há locais mais santos que outros, pois Deus é omnipresente, nem há posições que devemos assumir ou frases que devemos dizer que nos possam tornar dignos de ser ouvidos por Deus ou que possam pressionar Deus a atender às nossas orações. Se houvesse, então essas passagens tornar-se-iam a base da nossa fé, iríamos acreditar mais nesse ritual, que se tornaria o nosso código secreto para contactar com Deus.

Mas, se Jesus nos ensinou a tratar a Deus por Pai, quais as implicações da aceitação de tal pensamento? Será qua basta substituir as expressões “o altíssimo”, “o omnipotente”, “o Senhor dos exércitos” pela palavra Pai e tudo ficar na mesma?! O Pai que nos protegeu desde que fomos gerados e que nos acompanhará para além desta vida. Será necessário ensinar alguma criança a falar com o seu próprio Pai?  Será que falamos com o Deus Pai com a mesma intimidade com que falamos com o nosso pai biológico?

Ou podia colocar a mesma pergunta ao contrário: Quando falamos com os nossos pais, temos também a preocupação de cumprir os mesmos rituais se preparação?!

Deixo estas perguntas aos visitantes desta nossa página, pois tenho a sensação de que todos nós, cristãos e islâmicos ainda não compreendemos o que significa a afirmação de que Deus é o Pai.

 

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(a) É natural que alguns leitores desta minha página notem a diferença entre Sofonias 3:9 como está nesta tradução, que confere com a tradução de Almeida muito utilizada no protestantismo lusófono ou da Bíblia Ave Maria, muito divulgada no catolicismo que dizem “…darei lábios puros…”, assim como nas melhores traduções, directas do hebraico para o francês e depois para a nossa língua, como a Jerusalém ou a TEB, e a tradução citada no artigo Louvor no Islão (YA) em relação a Sofonias 3:9 em que diz “…darei aos povos uma língua pura e eloquente…”

Tentei aprofundar o assunto, pedindo a ajuda de quem conhece o hebraico das cópias dos textos originais. Afinal, palavra “Saphah”, que aparece nesta passagem permite as duas traduções.

Por um lado o livro de Sofonias, escrito cerca do ano 620 aC portanto antes do exílio na Babilónia e antes de Isaías e Jeremias que alertaram para a necessidade de alguma coisa mais que o cumprimento dos rituais, estavam ainda sob influência de Levítico 21:16/21 o que me levava a interpretar os lábios puros como lábios sem nenhuma ferida ou cicatriz o que, segundo vimos em Levítico, seria impedimento a que alguém se aproximasse do altar. Mas por outro lado, nesse contexto histórico, de grande instabilidade, Israel estava entre as duas superpotências dessa época, Egipto e Assíria. Assim, a preservação da língua e cultura de Israel seria uma grande preocupação perante a forte influência da cultura e da língua do Egipto e da Assíria o que nos sugere que fosse a preservação do hebraico. Deixo isto ao critério dos visitantes desta minha página.  

 

Camilo - Marinha Grande – Portugal

Julho de 2014

 

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas