Sbd.1.1 Amai a justiça, vós que governais a terra, tende para com o Senhor
sentimentos perfeitos, e procurai-o na simplicidade do coração,
Sbd.1.2 porque ele é encontrado pelos que o não tentam, e se revela aos que não
lhe recusam sua confiança;
Sbd.1.3 com efeito, os pensamentos tortuosos afastam de Deus, e o seu poder,
posto à prova, triunfa dos insensatos.
Sbd.1.4 A Sabedoria não entrará na alma perversa, nem habitará no corpo sujeito
ao pecado;
Sbd.1.5 o Espírito Santo educador (das almas) fugirá da perfídia, afastar-se-á
dos pensamentos insensatos, e a iniquidade que sobrevém o repelirá.
Sbd.1.6 Sim, a Sabedoria é um espírito que ama os homens, mas não deixará sem
castigo o blasfemador pelo crime de seus lábios, porque Deus lhe sonda os rins,
penetra até o fundo de seu coração, e ouve as suas palavras.
Sbd.1.7 Com efeito, o Espírito do Senhor enche o universo, e ele, que tem
unidas todas as coisas, ouve toda voz.
Sbd.1.8 Aquele que profere uma linguagem iníqua, não pode fugir dele, e a
Justiça vingadora não o deixará escapar;
Sbd.1.9 pois os próprios desígnios do ímpio serão cuidadosamente examinados; o
som de suas palavras chegará até o Senhor, que lhe imporá o castigo pelos seus
pecados.
Sbd.1.10 É, com efeito, um ouvido cioso, que tudo ouve: nem a menor murmuração
lhe passa despercebida.
Sbd.1.11 Acautelai-vos, pois, de queixar-vos
inutilmente, evitai que vossa língua se entregue à crítica, porque até mesmo
uma palavra secreta não ficará sem castigo, e a boca que acusa com injustiça
arrasta a alma à morte.
Sbd.1.12 Não procureis a morte por uma vida
desregrada, não sejais o próprio artífice de vossa perda.
Sbd.1.13 Deus não é o autor da morte, a perdição dos vivos não lhe dá alegria
alguma.
Sbd.1.14 Ele criou tudo para a existência, e as criaturas do mundo devem
cooperar para a salvação. Nelas nenhum princípio é funesto, e a morte não é a
rainha da terra,
Sbd.1.15 porque a justiça é imortal.
Sbd.1.16 Mas, (a morte), os ímpios a chamam com o gesto e a voz. Crendo-a
amiga, consomem-se de desejos, e fazem aliança com ela; de fato, eles merecem
ser sua presa.
Sbd.2.1 Dizem, com efeito, nos seus falsos raciocínios: Curta é a nossa
vida, e cheia de tristezas; para a morte não há remédio algum; não há notícia
de ninguém que tenha voltado da região dos mortos.
Sbd.2.2 Um belo dia nascemos e, depois disso, seremos
como se jamais tivéssemos sido! É fumaça a respiração de nossos narizes, e
nosso pensamento, uma centelha que salta do bater de nosso coração!
Sbd.2.3 Extinta ela, nosso corpo se tornará pó, e o
nosso espírito se dissipará como um vapor inconsistente!
Sbd.2.4 Com o tempo nosso nome cairá no esquecimento, e ninguém se lembrará de
nossas obras. Nossa vida passará como os traços de uma nuvem, desvanecer-se-á
como uma névoa que os raios do sol expulsam, e que seu calor dissipa.
Sbd.2.5 A passagem de uma sombra: eis a nossa vida, e nenhum reinício é
possível uma vez chegado o fim, porque o selo lhe é aposto e ninguém volta.
Sbd.2.6 Vinde, portanto! Aproveitemo-nos das boas coisas que existem! Vivamente
gozemos das criaturas durante nossa juventude!
Sbd.2.7 Inebriemo-nos de vinhos preciosos e de
perfumes, e não deixemos passar a flor da primavera!
Sbd.2.8 Coroemo-nos de botões de rosas antes que eles
murchem!
Sbd.2.9 Ninguém de nós falte à nossa orgia; em toda parte deixemos sinais de
nossa alegria, porque esta é a nossa parte, esta a nossa sorte!
Sbd.2.10 Tiranizemos o justo na sua pobreza, não poupemos a viúva, e não
tenhamos consideração com os cabelos brancos do ancião!
Sbd.2.11 Que a nossa força seja o critério do direito, porque o fraco, em
verdade, não serve para nada.
Sbd.2.12 Cerquemos o justo, porque ele nos incomoda; é
contrário às nossas acções; ele nos censura por violar a lei e nos acusa de
contrariar a nossa educação.
Sbd.2.13 Ele se gaba de conhecer a Deus, e se chama a si mesmo filho do Senhor!
Sbd.2.14 Sua existência é uma censura às nossas ideias; basta sua vista para
nos importunar.
Sbd.2.15 Sua vida, com efeito, não se parece com as outras, e os seus caminhos
são muito diferentes.
Sbd.2.16 Ele nos tem por uma moeda de mau quilate, e afasta-se de nossos
caminhos como de manchas. Julga feliz a morte do justo, e gloria-se de ter Deus
por pai.
Sbd.2.17 Vejamos, pois, se suas palavras são verdadeiras, e experimentemos o
que acontecerá quando da sua morte,
Sbd.2.18 porque, se o justo é filho de Deus, Deus o defenderá, e o tirará das
mãos dos seus adversários.
Sbd.2.19 Provemo-lo por ultrajes e torturas, a fim de
conhecer a sua doçura e estarmos cientes de sua paciência.
Sbd.2.20 Condenemo-lo a uma morte infame. Porque,
conforme ele, Deus deve intervir.
Sbd.2.21 Eis o que pensam, mas enganam-se, sua malícia os cega:
Sbd.2.22 eles desconhecem os segredos de Deus, não
esperam que a santidade seja recompensada, e não acreditam na glorificação das
almas puras.
Sbd.2.23 Ora, Deus criou o homem para a imortalidade, e o fez à imagem de sua
própria natureza.
Sbd.2.24 É por inveja do demónio que a morte entrou no mundo, e os que
pertencem ao demónio prová-la-ão.
Sbd.3.1 Mas as almas dos justos estão na mão de Deus, e nenhum tormento os
tocará.
Sbd.3.2 Aparentemente estão mortos aos olhos dos insensatos: seu desenlace é
julgado como uma desgraça.
Sbd.3.3 a sua morte como uma destruição, quando na verdade estão na paz!
Sbd.3.4 Se aos olhos dos homens suportaram uma correcção, a esperança deles era
portadora de imortalidade,
Sbd.3.5 e por terem sofrido um pouco, receberão grandes bens, porque Deus, que
os provou, achou-os dignos de si.
Sbd.3.6 Ele os provou como ouro na fornalha, e os acolheu como holocausto.
Sbd.3.7 No dia de sua visita, eles se reanimarão, e correrão como centelhas na
palha.
Sbd.3.8 Eles julgarão as nações e dominarão os povos, e o Senhor reinará sobre
eles para sempre.
Sbd.3.9 Os que põem sua confiança nele compreenderão a verdade, e os que são
fiéis habitarão com ele no amor: porque seus eleitos são dignos de favor e
misericórdia.
Sbd.3.10 Mas os ímpios terão o castigo que merecem seus pensamentos, uma vez
que desprezaram o justo e se separaram do Senhor: e desgraçado é aquele que
rejeita a sabedoria e a disciplina!
Sbd.3.11 A esperança deles é vã, seus sofrimentos sem proveito, e as obras
deles inúteis.
Sbd.3.12 Suas mulheres são insensatas e seus filhos malvados; a raça deles é
maldita.
Sbd.3.13 Feliz a mulher estéril, mas pura de toda a mancha, a que não manchou
seu tálamo: ela carregará seu fruto no dia da retribuição das almas.
Sbd.3.14 Feliz o eunuco cuja mão não cometeu o mal, que não concebeu iniquidade
contra o Senhor, porque ele receberá pela sua fidelidade uma graça de escol, e
no templo do Senhor uma parte muito honrosa,
Sbd.3.15 porque é esplêndido o
fruto de bons trabalhos, e a raiz da sabedoria é sempre fértil.
Sbd.3.16 Quanto aos filhos dos adúlteros, a nada
chegarão, e a raça que descende do pecado será aniquilada.
Sbd.3.17 Ainda que vivam muito tempo, serão tidos por
nada e, finalmente, sua velhice será sem honra.
Sbd.3.18 Caso morram cedo, não terão esperança alguma, e no dia do julgamento
não encontrarão nenhuma piedade:
Sbd.3.19 porque é lamentável o fim de uma raça injusta.
Sbd.4.1 Mais vale uma vida sem filhos, mas rica de virtudes: sua memória
será imortal, porque será conhecida de Deus e dos homens.
Sbd.4.2 Quando está presente, imitam-na; quando passada, desejam-na; ela leva
na glória uma coroa eterna, por ter triunfado sem mancha nos combates.
Sbd.4.3 Mas para nada servirá, ainda que numerosa, a raça dos ímpios;
procedendo de renovos bastardos, não estenderá raízes profundas, não se
estabelecerá numa base sólida.
Sbd.4.4 Ainda que por algum tempo estenda seus ramos, estando instavelmente
assentada, será abalada pelo vento e, pela violência da tempestade, será
desarreigada.
Sbd.4.5 Os galhos serão quebrados antes do desenvolvimento, o fruto deles será
inútil, verde demais para ser comido, e impróprio para qualquer uso,
Sbd.4.6 porque os filhos nascidos de uniões ilícitas serão no dia do juízo testemunhas a deporem contra seus pais.
Sbd.4.7 Quanto ao justo, mesmo que morra antes da idade, gozará de repouso.
Sbd.4.8 A honra da velhice não provém de uma longa vida, e não se mede pelo
número dos anos.
Sbd.4.9 Mas é a sabedoria que faz as vezes dos cabelos brancos; é uma vida pura
que se tem em conta de velhice.
Sbd.4.10 Ele agradou a Deus e foi por ele amado, assim (Deus) o transferiu do
meio dos pecadores onde vivia.
Sbd.4.11 Foi arrebatado para que a malícia lhe não corrompesse o sentimento,
nem a astúcia lhe pervertesse a alma:
Sbd.4.12 porque a fascinação do vício atira um véu sobre a beleza moral, e o
movimento das paixões mina uma alma ingénua.
Sbd.4.13 Tendo chegado rapidamente ao termo, percorreu uma longa carreira.
Sbd.4.14 Sua alma era agradável ao Senhor, e é por isso que ele o retirou
depressa do meio da perversidade. Os povos que vêem esse modo de agir não o
compreendem, e não reflectem nisto:
Sbd.4.15 que o favor de Deus e sua misericórdia são para seus eleitos, e sua
assistência está no meio de seus fiéis.
Sbd.4.16 O justo, ao morrer, condena os ímpios que sobrevivem, e a juventude,
atingindo tão depressa a perfeição, confunde a longa velhice do pecador.
Sbd.4.17 Eles verão o fim do sábio, e não compreenderão os desígnios do Senhor
a seu respeito, nem por que ele o pôs em segurança.
Sbd.4.18 Eles verão e mostrarão desprezo, mas o Senhor zombará deles.
Sbd.4.19 Depois disso serão cadáveres sem honra, desterrados entre os mortos,
numa eterna ignomínia, porque ele os ferirá, e os precipitará sem voz,
abatê-los-á nas suas bases e os mergulhará na última desolação. Eles serão
entregues à dor, e a memória deles perecerá.
Sbd.4.20 Comparecerão aterrorizados com a lembrança de seus pecados, e suas
iniquidades se levantarão contra eles para os confundir.
Sbd.5.1 Então, com grande confiança, o justo se levantará em face dos que o
perseguiram e zombaram dos seus males aqui em baixo.
Sbd.5.2 Diante de sua vista serão presos de grande temor e tomados de assombro
ao vê-lo salvo contra sua expectativa;
Sbd.5.3 tocados de arrependimento, dirão entre si, e,
gemendo na angústia de sua alma, dirão:
Sbd.5.4 Ei-lo, aquele de quem outrora escarnecemos, e a quem loucamente
cobrimos de insultos! Considerávamos sua vida como uma loucura, e sua morte
como uma vergonha.
Sbd.5.5 Como, pois, é ele do número dos filhos de Deus, e como está seu lugar
entre os santos?
Sbd.5.6 Portanto, nós nos desgarramos para longe da verdade: a luz da justiça
não brilhou para nós e o sol não se levantou sobre nós!
Sbd.5.7 Nós nos manchamos nas sendas da iniquidade e
da perdição, erramos pelos desertos sem caminhos e não conhecemos o caminho do
Senhor!
Sbd.5.8 O que ganhamos com nosso orgulho, e que nos trouxe a riqueza unida à
arrogância?
Sbd.5.9 Tudo isso desapareceu como sombra, como
notícia que passa;
Sbd.5.10 como navio que fende a água agitada, sem que se possa reencontrar o
rasto de seu itinerário, nem a esteira de sua quilha nas ondas.
Sbd.5.11 Como a ave que, atravessando o ar em seu voo, não deixa após si o
traço de sua passagem, mas, ferindo o ar com suas penas, fende-o com a
impetuosa força do bater de suas asas, atravessa-o e logo nem se nota indício
de sua passagem;
Sbd.5.12 como quando uma flecha, que é lançada ao alvo, o ar que ela cortou
volta imediatamente à sua posição de modo que não se pode distinguir sua
trajectória,
Sbd.5.13 assim, também nós, apenas nascidos, cessamos de ser, e não podemos
mostrar traço algum de virtude: é no mal que nossa vida se consumiu!
Sbd.5.14 Assim a esperança do ímpio é como a poeira levada pelo vento, e como
uma leve espuma espalhada pela tempestade; ela se dissipa como o fumo ao vento,
e passa como a lembrança do hóspede de um dia.
Sbd.5.15 Mas os justos viverão eternamente; sua recompensa está no Senhor, e o
Altíssimo cuidará deles.
Sbd.5.16 Por isso receberão a régia coroa de glória, e o diadema da beleza da
mão do Senhor, porque os cobrirá com sua direita, e os protegerá com seu braço.
Sbd.5.17 Por armadura tomará seu zelo cioso, e armará as criaturas para se
vingar de seus inimigos.
Sbd.5.18 Tomará por couraça a justiça, e por capacete a integridade no
julgamento.
Sbd.5.19 Ele se cobrirá com a santidade, como com um impenetrável escudo,
Sbd.5.20 afiará o gume de sua ira para lhe servir de espada, e o mundo se
reunirá a ele na luta contra os insensatos.
Sbd.5.21 Os raios partirão como flechas bem dirigidas, e, como de um arco bem
distendido, voarão das nuvens para o alvo;
Sbd.5.22 uma balista fará cair uma pesada saraiva de ira; a água do mar se
levantará em turbilhão contra eles e os rios os arrastarão impetuosamente.
Sbd.5.23 O sopro do Todo-poderoso se insurgirá contra eles e os dispersará como
um furacão; a iniquidade fará de toda a terra um deserto, e a malícia derribará
os tronos dos poderosos!
Sbd.6.1 Ouvi, pois, ó reis, e entendei; aprendei vós que governais o
universo!
Sbd.6.2 Prestai ouvidos, vós que reinais sobre as nações e vos gloriais do número
de vossos povos!
Sbd.6.3 Porque é do Senhor que recebestes o poder, e é do Altíssimo que tendes
o poderio; é ele que examinará vossas obras e sondará vossos pensamentos!
Sbd.6.4 Se, ministros do reino, vós não julgastes equitativamente, nem
observastes a lei, nem andastes segundo a vontade de Deus,
Sbd.6.5 ele se apresentará a vós, terrível,
inesperado, porque aqueles que dominam serão rigorosamente julgados.
Sbd.6.6 Ao menor, com efeito, a compaixão atrai o perdão, mas os poderosos
serão examinados sem piedade.
Sbd.6.7 O Senhor de todos não fará excepção para ninguém, e não se deixará
impor pela grandeza, porque, pequenos ou grandes, é ele que a todos criou, e de
todos cuida igualmente;
Sbd.6.8 mas para os poderosos o julgamento será severo.
Sbd.6.9 É a vós, pois, ó príncipes, que me dirijo, para que aprendais a
Sabedoria e não resvaleis,
Sbd.6.10 porque aqueles que santamente observarem as santas leis serão
santificados, e os que as tiverem estudado poderão justificar-se.
Sbd.6.11 Anelai, pois, pelas minhas palavras, reclamai-as
ardentemente e sereis instruídos.
Sbd.6.12 Resplandecente é a Sabedoria, e sua beleza é inalterável: os que a
amam, descobrem-na facilmente.
Sbd.6.13 Os que a procuram encontram-na. Ela antecipa-se aos que a desejam.
Sbd.6.14 Quem, para possuí-la, levanta-se de madrugada, não terá trabalho,
porque a encontrará sentada à sua porta.
Sbd.6.15 Fazê-la objecto de seus pensamentos é a prudência perfeita, e quem por
ela vigia, em breve não terá mais cuidado.
Sbd.6.16 Ela mesma vai à procura dos que são dignos dela; ela lhes aparece nos
caminhos cheia de benevolência, e vai ao encontro deles em todos os seus
pensamentos,
Sbd.6.17 porque, verdadeiramente, desde o começo, seu desejo é instruir, e
desejar instruir-se é amá-la.
Sbd.6.18 Mas amá-la é obedecer às suas leis, e obedecer às suas leis é a
garantia da imortalidade.
Sbd.6.19 Ora, a imortalidade faz habitar junto de Deus;
Sbd.6.20 assim o desejo da Sabedoria conduz ao Reino!
Sbd.6.21 Se, pois, ceptros e tronos vos agradam, ó vós
que governais os povos, honrai a Sabedoria, e reinareis eternamente.
Sbd.6.22 Mas eu vou dizer o que é a Sabedoria e como
ela nasceu. Não vos esconderei os seus mistérios; mas investigá-la-ei até sua
mais remota origem; porei à luz o que dela pode ser conhecido, e não me
afastarei da verdade.
Sbd.6.23 Não imitarei aquele a quem a inveja consome,
porque esse tal não tem nada a ver com a Sabedoria:
Sbd.6.24 é no grande número de sábios que se encontra a salvação do mundo, e um
rei sensato faz a prosperidade de seu povo.
Sbd.6.25 Deixai-vos, pois, instruir por minhas palavras, e nelas encontrareis
grande proveito.
Sbd.7.1 Eu mesmo não passo de um mortal como todos os outros, e descendo do
primeiro homem formado da terra. Meu corpo foi formado no seio de minha mãe,
Sbd.7.2 onde, durante dez meses, no sangue tomou consistência, da semente viril
e do prazer ajuntado à união (conjugal).
Sbd.7.3 Eu também, desde meu nascimento, respirei o ar
comum; eu caí, da mesma maneira que todos, sobre a mesma terra, e, como todos,
nos mesmos prantos soltei o primeiro grito.
Sbd.7.4 Envolto em faixas fui criado no meio de
assíduos cuidados;
Sbd.7.5 porque nenhum rei teve outro início na existência;
Sbd.7.6 para todos a entrada na vida é a mesma e a partida semelhante.
Sbd.7.7 Assim implorei e a inteligência me foi dada, supliquei e o espírito da
sabedoria veio a mim.
Sbd.7.8 Eu a preferi aos ceptros e tronos, e avaliei a
riqueza como um nada ao lado da Sabedoria.
Sbd.7.9 Não comparei a ela a pedra preciosa, porque
todo o ouro ao lado dela é apenas um pouco de areia, e porque a prata diante
dela será tida como lama.
Sbd.7.10 Eu a amei mais do que a saúde e a beleza, e
gozei dela mais do que da claridade do sol, porque a claridade que dela emana
jamais se extingue.
Sbd.7.11 Com ela me vieram todos os bens, e nas suas
mãos inumeráveis riquezas.
Sbd.7.12 De todos esses bens eu me alegrei, porque é a Sabedoria que os guia,
mas ignorava que ela fosse sua mãe.
Sbd.7.13 Eu estudei lealmente e reparto sem inveja e não escondo a riqueza que
ela encerra,
Sbd.7.14 porque ela é para os homens um tesouro inesgotável; e os que a
adquirem preparam-se para se tornar amigos de Deus, recomendados (a ele) pela
educação que ela lhes dá.
Sbd.7.15 Que Deus me permita falar como eu quisera, e ter pensamentos dignos
dos dons que recebi, porque é ele mesmo quem guia a sabedoria e emenda os
sábios,
Sbd.7.16 porque nós estamos nas suas mãos, nós e nossos discursos, toda a nossa
inteligência e nossa habilidade;
Sbd.7.17 foi ele quem me deu a verdadeira ciência de todas as coisas, quem me
fez conhecer a constituição do mundo e as virtudes dos elementos,
Sbd.7.18 o começo, o fim e o meio dos tempos, a sucessão dos solstícios e as
mutações das estações,
Sbd.7.19 os ciclos do ano e as posições dos astros,
Sbd.7.20 a natureza dos animais e os instintos dos brutos, os poderes dos
espíritos e os pensamentos dos homens, a variedade das plantas e as
propriedades das raízes.
Sbd.7.21 Tudo que está escondido e tudo que está aparente eu conheço:
porque foi a sabedoria, criadora de todas as coisas, que mo ensinou.
Sbd.7.22 Há nela, com efeito, um espírito inteligente, santo, único, múltiplo,
subtil, móvel, penetrante, puro, claro, inofensivo, inclinado ao bem, agudo,
Sbd.7.23 livre, benéfico, benévolo, estável, seguro, livre de inquietação, que
pode tudo, que cuida de tudo, que penetra em todos os espíritos, os
inteligentes, os puros, os mais subtis.
Sbd.7.24 Mais ágil que todo o movimento é a Sabedoria, ela atravessa e penetra
tudo, graças à sua pureza.
Sbd.7.25 Ela é um sopro do poder de Deus, uma irradiação límpida da glória do
Todo-poderoso; assim mancha nenhuma pode insinuar-se nela.
Sbd.7.26 É ela uma efusão da luz eterna, um espelho
sem mancha da actividade de Deus, e uma imagem de sua bondade.
Sbd.7.27 Embora única, tudo pode; imutável em si mesma, renova todas as coisas.
Ela se derrama de geração em geração nas almas santas e forma os amigos e os
intérpretes de Deus,
Sbd.7.28 porque Deus somente ama quem vive com a sabedoria!
Sbd.7.29 É ela, com efeito, mais bela que o sol e ultrapassa o conjunto dos
astros. Comparada à luz, ela se sobreleva,
Sbd.7.30 porque à luz sucede a noite, enquanto que,
contra a Sabedoria, o mal não prevalece.
Sbd.8.1 Ela estende seu vigor de uma extremidade do mundo à outra e governa
todas as coisas com felicidade.
Sbd.8.2 Eu a amei e procurei desde minha juventude,
esforcei-me por tê-la por esposa e me enamorei de seus encantos.
Sbd.8.3 Ela mostra a nobreza de sua origem em conviver com Deus, ela é amada
pelo Senhor de todas as coisas.
Sbd.8.4 Ela é iniciada na ciência de Deus e, por sua escolha, decide de suas
obras.
Sbd.8.5 Se a riqueza é um bem desejável na vida, que há de mais rico que a
Sabedoria que tudo criou?
Sbd.8.6 Se a inteligência do homem consegue operar, o que, então, mais que a
Sabedoria, é artífice dos seres?
Sbd.8.7 E se alguém ama a justiça, seus trabalhos são virtudes; ela ensina a
temperança e a prudência, a justiça e a força: não há ninguém que seja mais
útil aos homens na vida.
Sbd.8.8 Se alguém deseja uma vasta ciência, ela sabe o passado e conjectura o
futuro; conhece as subtilezas oratórias e revolve os enigmas; prevê os sinais e
os prodígios, e o que tem que acontecer no decurso das idades e dos tempos.
Sbd.8.9 Portanto, resolvi tomá-la por companheira de
minha vida, cuidando que ela será para mim uma boa conselheira, e minha
consolação nos cuidados e na tristeza.
Sbd.8.10 Graças a ela, receberei as honras das
multidões, e, embora jovem como sou, o respeito dos anciãos.
Sbd.8.11 Reconhecerão a penetração de meu julgamento, e excitarei a admiração
dos reis.
Sbd.8.12 Se me calo, esperarão que eu fale; se falo,
estarão atentos; e se prolongo meu discurso, levarão a mão à boca.
Sbd.8.13 Por meio dela obterei a imortalidade, e
deixarei à posteridade uma lembrança eterna.
Sbd.8.14 Governarei povos e as nações ser-me-ão submissas.
Sbd.8.15 Príncipes temíveis estarão cheios de medo ao ouvirem falar de mim;
mostrar-me-ei bom para com o povo e valoroso no combate.
Sbd.8.16 Recolhido em minha casa, repousarei junto
dela, porque a sua convivência não tem nada de desagradável, e sua intimidade
nada de fastidioso; ela traz consigo, pelo contrário, o contentamento e a
alegria!
Sbd.8.17 Meditando comigo mesmo nesses pensamentos, e considerando em meu
coração que a imortalidade se encontra na aliança com a Sabedoria,
Sbd.8.18 a alegria perfeita na sua amizade, contínua riqueza na sua actividade,
inteligência nas lições de seus entretenimentos familiares, e glória na
comunicação de suas sentenças, saí à sua procura a fim
de possuí-la em mim.
Sbd.8.19 Eu era um menino vigoroso, dotado de uma alma excelente,
Sbd.8.20 ou antes, como era bom, eu vim a um corpo intacto;
Sbd.8.21 mas, consciente de não poder possuir a sabedoria, a não ser por dom de
Deus, (e já era inteligência o saber de onde vem o dom), eu me voltei para o
Senhor, e invoquei-o, dizendo do fundo do coração:
Sbd.9.1 Deus de nossos pais, e Senhor de misericórdia, que todas as coisas
criastes pela vossa palavra,
Sbd.9.2 e que, por vossa sabedoria, formastes o homem para ser o senhor de
todas as vossas criaturas,
Sbd.9.3 governar o mundo na santidade e na justiça, e proferir seu julgamento
na rectidão de sua alma,
Sbd.9.4 dai-me a Sabedoria que partilha do vosso trono, e não me rejeiteis como
indigno de ser um de vossos filhos.
Sbd.9.5 Sou, com efeito, vosso servo e filho de vossa serva, um homem fraco,
cuja existência é breve, incapaz de compreender vosso julgamento e vossas leis;
Sbd.9.6 porque qualquer homem, mesmo perfeito, entre os homens, não será nada,
se lhe falta a Sabedoria que vem de vós.
Sbd.9.7 Ora, vós me escolhestes para ser rei de vosso povo e juiz de vossos
filhos e vossas filhas.
Sbd.9.8 Vós me ordenastes construir um templo na vossa
montanha santa e um altar na cidade em que habitais: imagem da sagrada
habitação que preparastes desde o princípio.
Sbd.9.9 Mas, ao lado de vós está a Sabedoria que conhece vossas obras; ela
estava presente quando fizestes o mundo, ela sabe o que vos é agradável, e o
que se conforma às vossas ordens.
Sbd.9.10 Fazei-a, pois, descer de vosso santo céu, e enviai-a do trono de vossa
glória, para que, junto de mim, tome parte em meus trabalhos, e para que eu
saiba o que vos agrada.
Sbd.9.11 Com efeito, ela sabe e conhece todas as coisas; prudentemente guiará
meus passos, e me protegerá no brilho de sua glória.
Sbd.9.12 Assim, minhas obras vos serão agradáveis; governarei vosso povo com
justiça, e serei digno do trono de meu pai.
Sbd.9.13 Que homem, pois, pode conhecer os desígnios de Deus, e penetrar nas
determinações do Senhor?
Sbd.9.14 Tímidos são os pensamentos dos mortais, e incertas as nossas
concepções;
Sbd.9.15 porque o corpo corruptível torna pesada a alma, e a morada terrestre
oprime o espírito carregado de cuidados.
Sbd.9.16 Mal podemos compreender o que está sobre a terra, dificilmente encontramos o que temos ao alcance da mão. Quem, portanto,
pode descobrir o que se passa no céu?
Sbd.9.17 E quem conhece vossas intenções, se vós não lhe dais a Sabedoria, e se
do mais alto dos céus vós não lhe enviais vosso Espírito Santo?
Sbd.9.18 Assim se tornaram direitas as veredas dos que estão na terra; os
homens aprenderam as coisas que vos agradam e pela sabedoria foram salvos.
Sbd.10.1 O primeiro homem, o pai do mundo, que foi criado sozinho, foi a
Sabedoria que cuidou dele, tirou-o de seu próprio pecado,
Sbd.10.2 e deu-lhe o poder de reinar sobre todas as coisas.
Sbd.10.3 E porque o perverso, na sua ira, dela se afastou, pereceu depois de
seu furor fratricida.
Sbd.10.4 E estando a terra submersa por causa dele pelo dilúvio, a Sabedoria de
novo o salvou, conduzindo o justo num lenho sem valor.
Sbd.10.5 E quando as nações unânimes caíram no mal, foi ela que distinguiu o
justo, o manteve irrepreensível diante de Deus, e lhe deu a força para vencer
sua ternura pelo seu filho.
Sbd.10.6 Foi ela que, quando do aniquilamento dos ímpios, salvou o justo,
subtraindo-o ao fogo que descera sobre a Pentápole,
Sbd.10.7 cuja perversidade ainda no presente é testemunhada por uma terra
fumegante e deserta, onde as árvores carregam frutos incapazes de amadurecer, e
onde está erigida uma coluna de sal, memorial de uma alma incrédula.
Sbd.10.8 Porque aqueles que desprezaram a Sabedoria, não somente se
prejudicaram em ignorar o bem, mas ainda deixaram aos homens um testemunho de
sua loucura, para que seus pecados não fossem esquecidos.
Sbd.10.9 Quanto aos que a honram, a Sabedoria os liberta de sofrimentos;
Sbd.10.10 foi ela que guiou por caminhos rectos o justo que fugia à ira de seu
irmão; mostrou-lhe o reino de Deus, e deu-lhe o conhecimento das coisas santas;
ajudou-o nos seus trabalhos, e fez frutificar seus esforços;
Sbd.10.11 cuidou dele contra ávidos opressores e o fez conquistar riquezas;
Sbd.10.12 ela o protegeu contra seus inimigos e o
defendeu dos que lhe armavam ciladas; e no duro combate, deu-lhe vitória, a fim
de que ele soubesse quanto a piedade é mais forte que tudo.
Sbd.10.13 Ela não abandonou o justo vendido, mas preservou-o do pecado.
Sbd.10.14. Desceu com ele à prisão, e não o abandonou nas suas cadeias, até que
lhe trouxe o ceptro do reino e o poder sobre os que o tinham oprimido;
revelou-lhe a mentira de seus acusadores, e conferiu-lhe uma glória eterna.
Sbd.10.15 Foi ela que livrou das nações que o
tiranizavam, o povo santo e a raça irrepreensível;
Sbd.10.16 entrou na alma do servo de Deus, e se opôs, com sinais e prodígios, a
reis temíveis.
Sbd.10.17 Deu aos santos o galardão de seus trabalhos,
conduziu-os por um caminho miraculoso; durante o dia serviu-lhes de protecção,
e deu-lhes a luz dos astros, durante a noite.
Sbd.10.18 Fê-los atravessar o mar Vermelho, e deu-lhes passagem através da
massa das águas,
Sbd.10.19 ao passo que engoliu seus inimigos, e depois os tirou das profundezas
do abismo.
Sbd.10.20 Também os justos, depois de despojados os ímpios, celebraram, Senhor,
vosso santo nome, e louvaram, unidos num só coração, vossa mão protectora,
Sbd.10.21 porque a Sabedoria abriu a boca aos mudos, e tornou eloquente a
língua das crianças.
Sbd.11.1 Pela mão de um santo profeta aplanou suas dificuldades;
Sbd.11.2 eles atravessaram um deserto inabitado, e
levantaram suas tendas em lugares ermos;
Sbd.11.3 resistiram aos que os atacavam, e repeliram seus inimigos.
Sbd.11.4 Tiveram sede e clamaram a vós: do rochedo abrupto a água lhes foi
dada, e da pedra seca estancaram sua sede.
Sbd.11.5 Porque os elementos que tinham servido para punir seus inimigos,
foram-lhes dados, na sua necessidade, como benefício:
Sbd.11.6 em lugar das ondas de um rio perene turvadas por uma lama de sangue,
Sbd.11.7 pela punição do decreto que consagrava crianças à morte, vós lhes
destes, de maneira inesperada, água em abundância,
Sbd.11.8 mostrando-lhes, pela sede que então sofreram, como punistes seus
inimigos.
Sbd.11.9 Por isso, tratados com piedade na sua provação, reconheceram quanto
deviam ter sofrido os ímpios, julgados com ira.
Sbd.11.10 A estes provastes como um pai que corrige,
mas a outros provastes como um rei severo que condena.
Sbd.11.11 Tanto estando longe como perto, a dor os consumiu da mesma forma,
Sbd.11.12 porque tiveram um segundo para se entristecer e gemer à lembrança dos
males passados.
Sbd.11.13 Compreendendo, com efeito, que o que era para eles castigo, era para outros ocasião de benefício, sentiram a mão do Senhor;
Sbd.11.14 e aquele que, outrora exposto e abandonado,
tinham repelido com zombaria, admiraram-no finalmente, porque sofreram uma sede
diferente da sede do justo.
Sbd.11.15 Por outro lado, para os punir dos loucos pensamentos de sua
perversidade, que os faziam extraviar-se na adoração de répteis irracionais e
de vis animais, enviastes contra eles uma multidão de animais estúpidos,
Sbd.11.16 a fim de que compreendessem que por onde cada um peca, será punido.
Sbd.11.17 Não era difícil à vossa mão todo-poderosa, que formou o mundo de
matéria informe, mandar contra eles bandos de ursos e de leões ferozes,
Sbd.11.18 ou animais desconhecidos e duma nova espécie, cheios de furor,
exalando um hálito inflamado, ou espalhando um fumo infecto, ou lançando de
seus olhos faíscas terríveis,
Sbd.11.19 capazes não só de os exterminar com seus golpes, mas ainda de os
matar de terror só pelo seu aspecto.
Sbd.11.20 E, mesmo sem isso, eles poderiam perecer por um sopro, perseguidos
pela justiça e arrebatados pelo vento de vosso poder; mas, dispusestes tudo com
medida, quantidade e peso,
Sbd.11.21 porque sempre vos é possível mostrar vosso poder imenso, e quem
poderá resistir à força de vosso braço?
Sbd.11.22 Diante de vós o mundo inteiro é como um
nada, que faz pender a balança, ou como uma gota de orvalho, que desce de
madrugada sobre a terra.
Sbd.11.23 Tendes compaixão de todos, porque vós podeis tudo; e para que se
arrependam, fechais os olhos aos pecados dos homens.
Sbd.11.24 Porque amais tudo que existe, e não odiais
nada do que fizestes, porquanto, se o odiásseis, não o teríeis feito de modo
algum.
Sbd.11.25 Como poderia subsistir qualquer coisa, se não o tivésseis querido, e
conservar a existência, se por vós não tivesse sido chamada?
Sbd.11.26 Mas poupais todos os seres, porque todos são
vossos, ó Senhor, que amais a vida.
Sbd.12.1 Vosso espírito incorruptível está em todos.
Sbd.12.2 É por isso que castigais com brandura aqueles que caem, e os advertis
mostrando-lhes em que pecam, a fim de que rejeitem sua malícia e creiam em vós,
Senhor.
Sbd.12.3 Foi assim que se deu com os antigos habitantes da Terra Santa.
Sbd.12.4 Tínheis horror deles por causa de suas obras detestáveis, sua magia e
seus ritos ímpios,
Sbd.12.5 seus cruéis morticínios de crianças, seus festins de entranhas, carne
humana e sangue, suas iniciações nos mistérios orgíacos,
Sbd.12.6 e os crimes de pais contra seres indefesos; e resolvestes aniquilá-los
pela mão de nossos pais,
Sbd.12.7 para que esta terra, que estimais entre todas, recebesse uma digna
colónia de filhos de Deus.
Sbd.12.8 Contudo, porque também eles eram homens, vós os poupastes,
enviando-lhes vespas precursoras de vosso exército, para que elas os fizessem
perecer pouco a pouco.
Sbd.12.9 Não é que vos fosse impossível esmagar os maus por meio dos justos num
combate, ou exterminar todos juntos por animais ferozes ou por uma palavra
categórica;
Sbd.12.10 mas castigando-os pouco a pouco, dáveis tempo para o arrependimento,
não ignorando que sua raça era maldita, ingénita a sua perversidade, e que
jamais seus pensamentos se mudariam,
Sbd.12.11 porque sua estirpe era má desde a origem… Não era por temor do que
quer que fosse que vos mostráveis indulgente para com eles em seus pecados.
Sbd.12.12 Porque, quem ousará dizer-vos: Que fizeste tu? E quem se oporá a
vosso julgamento? Quem vos repreenderá de terdes aniquilado nações que
criastes? Ou quem se levantará contra vós para defender os culpados?
Sbd.12.13 Não há, fora de vós, um Deus que se ocupa de tudo, e a quem deveis
mostrar que nada é injusto em vossos julgamentos;
Sbd.12.14 nem um rei, nem um tirano que vos possa resistir em favor dos que
castigastes.
Sbd.12.15 Mas porque sois justo, governais com toda a justiça, e julgais
indigno de vosso poder condenar quem não merece ser punido.
Sbd.12.16 Porque vossa força é o fundamento de vossa justiça e o fato de serdes
Senhor de todos, vos torna indulgente para com todos.
Sbd.12.17 Mostrais vossa força aos que não crêem no vosso poder, e confundis os
que a não conhecem e ousam afrontá-la.
Sbd.12.18 Senhor de vossa força, julgais com bondade,
e nos governais com grande indulgência, porque sempre vos é possível empregar
vosso poder, quando quiserdes.
Sbd.12.19 Agindo desta maneira, mostrastes a vosso
povo que o justo deve ser cheio de bondade, e inspirastes a vossos filhos a boa
esperança de que, após o pecado, lhes dareis tempo para a penitência;
Sbd.12.20 porque se os inimigos de vossos filhos, dignos de morte, vós os
haveis castigado com tanta prudência e longanimidade, dando-lhes tempo e
ocasião para se emendarem,
Sbd.12.21 com quanto cuidado não julgareis vós os vossos filhos, a cujos
antepassados concedestes com juramento vossa aliança, repleta de ricas
promessas!
Sbd.12.22 Portanto, quando nos corrigis, castigais mil
vezes mais nossos inimigos, para que em nossos julgamentos nos lembremos de
vossa bondade, e para que esperemos em vossa indulgência quando somos julgados.
Sbd.12.23 Por isso também aqueles que loucamente viveram no mal, vós os
torturaste por meio das suas próprias abominações:
Sbd.12.24 porque se tinham afastado demais nos caminhos do erro, tomando por deuses
os mais vis animais, deixando-se enganar como meninos sem razão;
Sbd.12.25 assim é que, como a meninos sem razão, lhes destes um castigo
irrisório.
Sbd.12.26 Mas os que recusam a advertência de semelhante correcção sofrerão um
castigo digno de Deus.
Sbd.12.27 Excitados, então, pelos sofrimentos causados por esses animais que
tinham julgado deuses, e que os atormentavam, viram o que no começo tinham
recusado ver, e reconheceram o verdadeiro Deus. Por isso é que caiu sobre eles
a condenação final.
Sbd.13.1 São insensatos por natureza todos os que desconheceram a Deus, e,
através dos bens visíveis, não souberam conhecer Aquele que é, nem reconhecer o
Artista, considerando suas obras.
Sbd.13.2 Tomaram o fogo, ou o vento, ou o ar agitável, ou a esfera estrelada,
ou a água impetuosa, ou os astros dos céus, por deuses, regentes do mundo.
Sbd.13.3 Se tomaram essas coisas por deuses, encantados pela sua beleza,
saibam, então, quanto seu Senhor prevalece sobre elas, porque é o criador da
beleza que fez estas coisas.
Sbd.13.4 Se o que os impressionou é a sua força e o seu poder, que eles
compreendam, por meio delas, que seu criador é mais forte;
Sbd.13.5 pois é a partir da grandeza e da beleza das criaturas que, por
analogia, se conhece o seu autor.
Sbd.13.6 Contudo, estes só incorrem numa ligeira censura, porque, talvez, eles
caíram no erro procurando Deus e querendo encontrá-lo:
Sbd.13.7 vivendo entre suas obras, eles as observam com cuidado, e porque eles
as consideram belas, deixam-se seduzir pelo seu aspecto.
Sbd.13.8 Ainda uma vez, entretanto, eles não são desculpáveis,
Sbd.13.9 porque, se eles possuíram luz suficiente para poder perscrutar a ordem
do mundo, como não encontraram eles mais facilmente aquele que é seu Senhor?
Sbd.13.10 Mas são desgraçados e esperam em mortos, aqueles que chamaram de
deuses a obras de mãos humanas: o ouro, a prata, artisticamente trabalhados,
figuras de animais, alguma pedra inútil, a que, outrora, certa mão deu forma.
Sbd.13.11 Assim, um lenhador cortou e serrou uma árvore fácil de manejar.
Habilmente ele lhe tirou toda a casca, e com a
habilidade do seu ofício, fez dela um móvel útil para seu uso.
Sbd.13.12 Com as sobras de seu trabalho, cozinhou
comida, com que se saciou.
Sbd.13.13 O que ainda lhe restava, não era bom para nada, não passando de
madeira torcida e toda cheia de nós; contudo, ele a tomou e consagrou suas
horas de lazer a talhá-la; ele a trabalhou com toda a arte que adquirira, e lhe
deu a semelhança de um homem,
Sbd.13.14 ou o aspecto de algum vil animal. Pôs-lhe vermelhão, uma demão de uma
tinta encarnada, e encobriu-lhe cuidadosamente todo defeito.
Sbd.13.15 Em seguida, preparou-lhe um nicho digno
dele. e o fixou à parede, segurando-o com um prego:
Sbd.13.16 foi por medo que caísse, que tomou este cuidado, porque sabe muito
bem que ele não pode ajudar-se a si mesmo, pois não passa de uma estátua que
tem necessidade de um apoio.
Sbd.13.17 Mas quando lhe implora por seus bens, seus casamentos, seus filhos,
não se envergonha de falar ao que é inanimado, e pede saúde ao que é
desprezível.
Sbd.13.18 Reclama a vida ao que é morto, e procura socorro
no que é débil; e para uma viagem, invoca o que não pode andar;
Sbd.13.19 para um lucro, um trabalho, o bom êxito de uma obra de suas mãos,
pede a força ao que nem é capaz de mover as mãos.
Sbd.14.1 Outro, por sua vez, que quer navegar e se prepara para atravessar
as impetuosas ondas, invoca um madeiro de pior qualidade que o navio que o
leva;
Sbd.14.2 porque o desejo do lucro inventou o navio, e uma hábil sabedoria
dirigiu sua construção.
Sbd.14.3 Mas sois vós, Pai, que o governais pela vossa Providência, porque, se
abristes caminho, mesmo no mar, e uma rota segura no meio das ondas -
Sbd.14.4 mostrando por aí que vós podeis tirar do perigo
aquele que as afronta mesmo sem meios -,
Sbd.14.5 quereis entretanto que não sejam inúteis as
obras de vossa sabedoria. Por isso os homens confiam a própria vida a um pouco
de madeira e atravessam em segurança as ondas num navio.
Sbd.14.6 Assim, com efeito, quando na origem dos tempos fizestes perecer
gigantes orgulhosos, a esperança do universo, refugiando-se num barco, que
vossa mão governava, conservou para o mundo o germe de uma geração.
Sbd.14.7 Porque é bendito o madeiro pelo qual se opera a justiça,
Sbd.14.8 mas maldito é o ídolo, ele e o que o fez; este porque o formou, aquele
porque, sendo corruptível, leva o nome de deus.
Sbd.14.9 Com efeito, Deus odeia tanto o ímpio quanto sua impiedade,
Sbd.14.10 e a obra sofrerá o mesmo castigo que o autor.
Sbd.14.11 Este é o motivo porque também os ídolos das
nações serão julgados, porque, na criação de Deus, eles se tornaram uma
abominação, objectos de escândalo para os homens, e laços para os pés dos
insensatos.
Sbd.14.12 É pela idealização dos ídolos que começou a apostasia, e sua invenção
foi a perda dos humanos.
Sbd.14.13 Eles não existiam no princípio e não durarão para sempre;
Sbd.14.14 a vaidade dos homens os introduziu no mundo. E, por causa disso, Deus
decidiu a sua destruição para breve.
Sbd.14.15 Um pai aflito por um luto prematuro, tendo mandado fazer a imagem do
filho, tão cedo arrebatado, honrou, em seguida, como a um deus aquele que não
passava de um morto, e transmitiu, aos seus, certos ritos secretos e
cerimónias.
Sbd.14.16 Este costume ímpio, tendo-se firmado com o tempo, foi depois
observado como lei.
Sbd.14.17 Foi também em consequência das ordens dos príncipes que se adoraram
imagens esculpidas, porque aqueles que não podiam honrar pessoalmente, porque
moravam longe deles, fizeram representar o que se achava distante, e expuseram
publicamente a imagem do rei venerado, a fim de lisonjeá-lo de longe com seu
zelo, como se estivesse presente.
Sbd.14.18 Isto contribuiu ainda para o estabelecimento deste culto, mesmo entre
os que não conheciam o rei; foi a ambição do artista,
Sbd.14.19 que, talvez, querendo agradar ao soberano, deu-lhe, por sua arte, a
semelhança do belo;
Sbd.14.20 e a multidão, seduzida pelo encanto da obra, em breve tomou por deus aquele que tinham honrado como homem.
Sbd.14.21 E isto foi uma cilada para a humanidade: os homens, sujeitando-se à
lei da desgraça e da tirania, deram à pedra e à madeira o nome incomunicável.
Sbd.14.22 Como se não bastasse terem errado acerca do conhecimento de Deus,
embora passando a vida numa longa luta de ignorância, eles dão o nome de paz a
um estado tão infeliz.
Sbd.14.23 Com efeito, sacrificando seus filhos, celebrando mistérios ocultos,
ou entregando-se a orgias desenfreadas de religiões exóticas,
Sbd.14.24 eles já não guardam a honestidade nem na
vida nem no casamento, mas um faz desaparecer o outro pelo ardil, ou o ultraja
pelo adultério.
Sbd.14.25 Tudo está numa confusão completa - sangue, homicídio, furto, fraude,
corrupção, deslealdade, revolta, perjúrio,
Sbd.14.26 perseguição dos bons, esquecimento dos benefícios, contaminação das
almas, perversão dos sexos, instabilidade das uniões, adultérios e impudicícias
-
Sbd.14.27 porque o culto de inomináveis ídolos é o começo, a causa e o fim de
todo o mal.
Sbd.14.28 (Seus adeptos) incitam o prazer até a loucura, ou fazem vaticínios
falsos, ou vivem na injustiça, ou, sem escrúpulo, juram falso,
Sbd.14.29 porque, confiando em ídolos inanimados, esperam não ser punidos de
sua má fé.
Sbd.14.30 Contudo, o castigo os atingirá por duplo motivo: porque eles
desconheceram a Deus, afeiçoando-se aos ídolos, e porque são culpados, por
desprezo à santidade da religião, de ter feito juramentos enganadores.
Sbd.14.31 Pois não é o poder dos ídolos invocados, mas o castigo reservado ao
pecador, que sempre persegue as faltas dos maus.
Sbd.15.1 Mas vós, Deus nosso, sois benfazejo e
verdadeiro, vós sois paciente e tudo governais com misericórdia;
Sbd.15.2 com efeito, mesmo se pecamos, somos vossos, porque conhecemos vosso
poder; mas não pecaremos, cientes de que somos considerados como vossos.
Sbd.15.3 Porque conhecer-vos é a perfeita justiça, e conhecer vosso poder é a
raiz da imortalidade.
Sbd.15.4 Não fomos seduzidos pelas invenções da arte corruptora dos homens nem
pelo vão trabalho dos pintores: borrada figura de cores misturadas,
Sbd.15.5 cuja vista excita os desejos dos insensatos, fantasma inanimado de uma
imagem sem vida que provoca a paixão!
Sbd.15.6 Cativados pelo mal, não merecem esperar senão o mal, os que o fazem,
os que o amam e os que o veneram.
Sbd.15.7 Eis, portanto, um oleiro que amassa laboriosamente a terra mole, e
forma diversos objectos para nosso uso, mas da mesma argila faz vasos
destinados a fins nobres e outros, indiferentemente, para usos opostos. Para
qual destes usos cada vaso será aplicado? O oleiro será o juiz.
Sbd.15.8 Do mesmo barro, forma também, como obreiro perverso, uma vã divindade,
ele que, ainda há pouco, nasceu da terra, e em breve voltará a ela, de onde foi
tirado, quando lhe serão pedidas as contas de sua vida.
Sbd.15.9 Ele mesmo não tem preocupação alguma com o próprio desfalecimento, nem
com a brevidade da vida; ele rivaliza, pelo contrário, com aqueles que
trabalham o ouro e a prata, imita os que trabalham o cobre.
Sbd.15.10 Pó é o seu coração, mais vil que a terra sua esperança, e põe sua
glória em fabricar objectos enganadores. E mais desprezível que o barro é sua
vida,
Sbd.15.11 porque não reconheceu aquele que o formou, aquele que lhe inspirou
uma alma activa e lhe insuflou o espírito vital.
Sbd.15.12 Para ele a vida é um divertimento, e nossa
existência um mercado lucrativo, porque, diz ele, é preciso aproveitar-se de
tudo, mesmo do mal.
Sbd.15.13 Mais que qualquer outro, esse homem sabe que peca, fazendo do mesmo
barro vasos frágeis e ídolos.
Sbd.15.14 Ora, verdadeiramente, muito insensatos, mais infortunados que a alma
da criança, são os inimigos de vosso povo, que o oprimiram,
Sbd.15.15 porque eles também tiveram por deuses todos os ídolos das nações, que
não podem servir-se de seus olhos para ver, que não têm nariz para aspirar o
ar, nem ouvidos para ouvir, nem os dedos das mãos para apalpar, e cujos pés são
incapazes de andar;
Sbd.15.16 foi, com efeito, um homem que os fez, formou-os alguém que recebeu a
alma de empréstimo. Nenhum homem pode fazer um deus, mesmo semelhante a si
próprio,
Sbd.15.17 porque, sendo ele próprio mortal, morto é tudo que produz com suas
mãos ímpias. De fato, ele vale mais que os objectos que venera; ele, pelo
menos, tem vida, enquanto os ídolos não a têm.
Sbd.15.18 Chega-se até a adorar os mais odiosos animais, que são piores ainda
que os outros animais irracionais,
Sbd.15.19 que nem mesmo possuem o que outros seres vivos possuem: bastante
beleza para serem amados, e que foram excluídos da aprovação e da bênção de
Deus.
Sbd.16.1 Por isso foram justamente castigados por animais dessa espécie e
atormentados por uma multidão de animais;
Sbd.16.2 em vez de feri-lo assim, vós favorecíeis
vosso povo, satisfazendo por um alimento surpreendente o ardor de seu apetite,
e oferecendo-lhe por alimento codornizes.
Sbd.16.3 De tal modo que aqueles, mau grado sua fome, diante do aspecto
hediondo de animais enviados contra eles, experimentaram a náusea; estes, após
uma curta privação, receberam um alimento maravilhoso.
Sbd.16.4 Pois era preciso que os primeiros, os opressores, fossem oprimidos por
uma inexorável fome, e que aos outros fossem apenas mostrados os tormentos
suportados por seus inimigos.
Sbd.16.5 Efectivamente, quando o cruel furor dos animais os atingiu também, e
quando pereceram com a mordedura de sinuosas serpentes, vossa cólera não durou
até o fim.
Sbd.16.6 Foram por pouco tempo atormentados, para sua correcção: eles possuíram
um sinal de salvação que lhes lembrava o preceito de vossa lei.
Sbd.16.7 E quem se voltava para ele era salvo, não em vista do objecto que
olhava, mas por vós, Senhor, que sois o salvador de todos.
Sbd.16.8 Com isso mostráveis a vossos inimigos, que sois vós que livrais de
todo o mal.
Sbd.16.9 Quanto a eles as mordeduras dos gafanhotos e
das moscas os matavam e não se encontrou remédio para salvar sua vida, porque
mereciam ser castigados por tais instrumentos;
Sbd.16.10 mas a vossos filhos, mesmo os dentes de serpentes venenosas não os
puderam vencer, porque sobrevindo a vossa misericórdia curou-os.
Sbd.16.11 Eram picados, para que se lembrassem de vossas palavras, e, em
seguida, ficavam curados, para que não viessem a esquecê-las completamente e a
subtraírem-se a si mesmos de vossos benefícios.
Sbd.16.12 Não foi uma erva nem algum unguento que os curou, mas a vossa palavra
que cura todas as coisas, Senhor.
Sbd.16.13 Porque vós sois senhor da vida e da morte.
Vós conduzis às portas do Abismo e de lá tirais;
Sbd.16.14 enquanto o homem, se pode matar por sua maldade, não pode fazer
voltar o espírito uma vez saído, nem chamar de volta a alma que o Abismo já
recebeu.
Sbd.16.15 Escapar à vossa mão é impossível,
Sbd.16.16 e os ímpios, que recusaram conhecer-vos, foram fustigados pela força
de vosso braço, perseguidos por chuvas extraordinárias, saraivas e implacáveis
tempestades, e consumidos pelo fogo dos raios.
Sbd.16.17 O que havia de mais admirável ainda, é que,
na água que tudo extingue, o fogo tomava mais violência, porque o universo toma
a defesa dos justos.
Sbd.16.18 Ora, a chama temperava seu ardor para não queimar os animais enviados
contra os ímpios, para que estes se apercebessem e reconhecessem que eram
perseguidos pelo julgamento de Deus.
Sbd.16.19 Ora, excedendo sua força habitual, o fogo ardia mesmo no meio da água
para destruir os frutos de uma terra iníqua…
Sbd.16.20 Mas, pelo contrário, foi com o alimento dos anjos que alimentastes
vosso povo, e foi do céu que, sem fadiga, vós lhe enviastes um pão já
preparado, contendo em si todas as delícias e adaptando-se a todos os gostos.
Sbd.16.21 Esta substância que dáveis se parecia com a doçura que mostráveis a
vossos filhos. Ela se adaptava ao desejo de quem a comia, e transformava-se
naquilo que cada qual desejava.
Sbd.16.22 (Embora fosse como) neve e gelo, ela suportava o fogo sem se fundir,
para mostrar que era para os inimigos que o fogo destruía as colheitas, quando
ardia, apesar da saraiva, e brilhava debaixo de chuvas,
Sbd.16.23 enquanto que, quando se tratava de alimentar
os justos, até perdia sua natural violência.
Sbd.16.24 A criatura que vos é submissa, a vós, seu Criador, aumenta sua força
para castigar os maus, e os modera para o bem dos que puseram em vós sua fé.
Sbd.16.25 Do mesmo modo, transformada em tudo que se queria, servia à vossa
generosidade que a todos alimenta, segundo a vontade dos que dela tinham
necessidade,
Sbd.16.26 para que os filhos que vós amais, Senhor, aprendessem que não são os
frutos da terra que alimentam o homem, mas é vossa palavra que conserva em vida
aqueles que crêem em vós.
Sbd.16.27 O que não era destruído pelo fogo, fundia-se ao simples calor de um
raio de sol,
Sbd.16.28 para que se soubesse que é preciso antecipar-se ao sol para vos
agradecer, e que é preciso adorar-vos antes de raiar o dia;
Sbd.16.29 porque a esperança do ingrato é como a geleira do inverno, que se
derramará como água inútil.
Sbd.17.1 Em verdade, grandes e impenetráveis são vossos juízos, Senhor; por
isso as almas grosseiras caíram no erro.
Sbd.17.2 Por terem acreditado que podiam oprimir a santa nação, os ímpios,
prisioneiros das trevas e encarcerados por uma longa noite, jaziam encerrados
nas suas casas, tentando escapar à vossa incessante vigilância.
Sbd.17.3 Depois de terem imaginado que, com seus secretos pecados, ficariam
escondidos sob o sombrio véu do esquecimento, eles se viram dispersados, como
presa de um terrível espanto, e amedrontados por alucinações.
Sbd.17.4 Mesmo o canto mais afastado em que se abrigavam não os punha ao abrigo
do terror: ruídos aterradores ressoavam em torno deles, e taciturnos espectros
de lúgubre aspecto lhes apareciam.
Sbd.17.5 Nenhuma chama, por intensa que fosse, chegava a iluminar. E a luz
brilhante dos astros era impotente para alumiar esta noite sombria.
Sbd.17.6 Mas aparecia-lhes de súbito nada mais que uma chama aterradora, e,
tomados de terror por esta visão fugitiva, julgavam essas aparições mais
terríveis ainda.
Sbd.17.7 A arte dos mágicos se mostrou ilusória, e esta sabedoria, a que eles
pretendiam, evidenciou-se vergonhosamente como falsidade.
Sbd.17.8 Aqueles que se jactavam de banir das almas doentes o terror e a
perturbação, eram eles mesmos atormentados por um
ridículo temor.
Sbd.17.9 Mesmo quando nada de mais grave os aterrorizava, a passagem dos
animais e o silvo das serpentes punham-nos fora de si, e eles morriam de medo.
Recusavam até mesmo contemplar essa atmosfera à qual nada podia escapar;
Sbd.17.10 porque a maldade, condenada por seu próprio testemunho, é medrosa, e,
sob o peso da consciência, supõe sempre o pior,
Sbd.17.11 pois o temor não é outra coisa que a privação dos socorros trazidos
pela reflexão,
Sbd.17.12 porque, quanto menor for em sua alma a esperança de auxílio, tanto
mais penosa é a ignorância daquilo de que se tem medo.
Sbd.17.13 Eles, durante essa noite de impotência, saída dos recantos do Abismo
impotente, dormiam num mesmo sono,
Sbd.17.14 agitados, de um lado, pelo terror dos espectros, e paralisados, de
outro, pelo desfalecimento da alma; pois era um pavor repentino e inesperado o
que se abatera sobre eles.
Sbd.17.15 E todo aquele que caía sem força, ficava como que preso e encerrado
num cárcere sem ferros.
Sbd.17.16 Fosse ele camponês ou pastor, ou o operário
que se afadiga sozinho no seu trabalho, uma vez surpreendido, tinha de suportar
a inevitável necessidade, porque todos estavam ligados por uma mesma cadeia de
trevas.
Sbd.17.17 O silvo do vento, o canto harmonioso dos passarinhos nos ramos
espessos, o murmúrio da água correndo precipitadamente, o estrondo das rochas
que se despenhavam,
Sbd.17.18 a carreira invisível dos animais que saltavam, os urros dos animais
selvagens, o eco que repercutia nas cavidades dos montes: tudo os paralisava de
terror.
Sbd.17.19 Enquanto o mundo inteiro era alumiado de uma brilhante luz, e sem
obstáculo se entregava às suas ocupações,
Sbd.17.20 somente sobre eles se estendia uma pesada noite, imagem das trevas
que mais tarde os deviam acolher; e eram para si mesmos um peso mais
insuportável que esta escuridão.
Sbd.18.1 Contudo, para vossos santos havia uma luz brilhantíssima. Sem
verem seus semblantes, os outros ouviam-lhes a voz, e julgavam-nos felizes por
não sofrerem os mesmos tormentos.
Sbd.18.2 Davam-lhes graças, porque não se vingavam dos maus tratos
suportados, e pediam-lhes perdão de sua inimizade.
Sbd.18.3 Pelo contrário, vós destes uma
coluna luminosa para guiá-los na sua marcha para o desconhecido, como um sol
que sem incomodá-los alumiava seu glorioso êxodo.
Sbd.18.4 Mas eles bem mereciam ser privados da luz e
aprisionados nas trevas, eles, que tinham encerrado em prisões os vossos
filhos, através dos quais a incorruptível luz da lei se devia comunicar ao
mundo.
Sbd.18.5 Também tinham resolvido levar à morte os filhos dos santos, mas um
deles foi exposto e salvo, e para puni-los fizestes perecer em multidão os seus
filhos, e, todos juntos, vós os aniquilastes na profundeza das águas.
Sbd.18.6 Esta mesma noite tinha sido conhecida de antemão por nossos pais, para
que, conhecendo bem em que juramentos confiavam, ficassem cheios de coragem.
Sbd.18.7 Assim vosso povo esperava tanto a salvação dos justos como a perdição
dos ímpios,
Sbd.18.8 e pelo mesmo fato de terdes destruído nossos inimigos, vós nos convidastes a ser vossos e nos honrastes.
Sbd.18.9 Por isso, os santos filhos dos justos ofereciam secretamente um
sacrifício; de comum acordo estabeleciam o pacto divino: que os santos
participariam dos mesmos bens e correriam os mesmos perigos; e entoavam já os
hinos de seus pais,
Sbd.18.10 quando se elevaram os gritos confusos dos inimigos e se espalharam as
lamentações dos que choravam seus filhos.
Sbd.18.11 Uma mesma sentença feria o escravo e o senhor, o homem do povo sofria
o mesmo castigo que o rei.
Sbd.18.12 Todos igualmente tinham um número incalculável de mortos abatidos da
mesma maneira; os sobreviventes não eram suficientes para sepultá-los. porque, num instante, sua melhor geração era exterminada.
Sbd.18.13 Depois de terem permanecido incrédulos por causa de seus sortilégios,
reconheceram, vendo morrer seus primogénitos, que esse povo era verdadeiramente
filho de Deus,
Sbd.18.14 porque, quando um profundo silêncio envolvia todas as coisas, e a
noite chegava ao meio de seu curso,
Sbd.18.15 vossa palavra todo-poderosa desceu dos céus e do trono real, e, qual
um implacável guerreiro, arremessou-se sobre a terra condenada à ruína.
Sbd.18.16 De pé, ela tudo
encheu de morte, e, pisando a terra, tocava os céus.
Sbd.18.17 No mesmo instante, visões e sonhos terríveis os perturbaram, e
temores inesperados os assaltaram;
Sbd.18.18 tombando aqui e acolá, semimortos, revelavam a causa da morte que os
atingia;
Sbd.18.19 porque os sonhos que os tinham agitado tinham-nos informado
antecipadamente, para que eles não perecessem sem conhecer a causa de sua
desgraça.
Sbd.18.20 Verdade é que a prova da morte feriu também os justos, e numerosos
foram os que ela abateu no deserto, mas a ira de Deus não durou muito tempo;
Sbd.18.21 porque um homem irrepreensível se apressou a tomar sua defesa,
servindo-se das armas de seu ministério pessoal, a oração e o sacrifício
expiatório do incenso. Opôs-se à ira, e pôs fim ao flagelo, mostrando que era
vosso servo.
Sbd.18.22 Dominou a revolta, não pela força física, nem pela força das armas,
mas pela sua palavra deteve aquele que castigava, relembrando-lhe os juramentos
feitos aos antepassados e a aliança estabelecida.
Sbd.18.23 Já os mortos se amontoavam uns sobre os outros, quando ele interveio,
deteve a cólera e afastou-a dos vivos.
Sbd.18.24 Na sua longa vestimenta estava representado o universo inteiro; nas
quatro fileiras de pedras os nomes gloriosos dos patriarcas; e no diadema de
sua cabeça vossa Majestade.
Sbd.18.25 Diante destas coisas cedeu o exterminador e foi diante destas coisas
que retrocedeu: porque a simples demonstração de vossa ira era suficiente.
Sbd.19.1 Quanto aos ímpios, inexorável foi a ira que os perseguiu até o
fim: porque Deus previa o que eles haveriam de fazer,
Sbd.19.2 isto é, depois de terem deixado partir (os justos), instando mesmo que
fossem embora, mudariam de opinião e os perseguiriam.
Sbd.19.3 Na verdade, eles estavam ainda enlutados, e gemiam ainda sobre a tumba
de seus mortos, quando loucamente tomaram outra resolução e perseguiram, como a
fugitivos, aqueles aos quais tinham rogado que partissem.
Sbd.19.4 Um merecido destino os impelia a esse proceder extremo, e os atirava
no olvido dos acontecimentos passados, para que sofressem, em meio a tormentos,
um castigo completo,
Sbd.19.5 e fossem feridos de uma morte insólita, enquanto vosso povo tentava
uma extraordinária passagem.
Sbd.19.6 É que toda a criação, obedecendo às vossas ordens, foi remodelada em
sua natureza, para que vossos filhos fossem conservados ilesos.
Sbd.19.7 Foi vista uma nuvem cobrir o acampamento, e a terra seca surgir do que
tinha sido água, um caminho viável formar-se no mar Vermelho, e um campo
verdejante emergir das ondas impetuosas.
Sbd.19.8 Por aí passou toda ela, a nação dos que vossa mão protegia, e que
viram singulares prodígios.
Sbd.19.9 Iam como cavalos conduzidos à pastagem, e saltavam como cordeiros,
glorificando-vos a vós, Senhor, seu libertador,
Sbd.19.10 porque eles se lembravam ainda do que tinha acontecido na terra
estrangeira: como a terra, contrariando a geração dos vivos, tinha produzido
moscas, e como o rio, em lugar de peixes, tinha lançado fora uma multidão de
rãs.
Sbd.19.11 Mais tarde, viram ainda nascer uma nova
espécie de pássaros, quando, premidos pela cobiça, pediram manjares delicados,
porquanto, para satisfazê-los, codornizes subiram do mar.
Sbd.19.12 Os castigos não surpreenderam os pecadores, sem que fossem antes
advertidos pela violência dos raios.
Sbd.19.13 Suportavam justamente o castigo de sua própria maldade, porque tinham
mostrado excessivo ódio pelo estrangeiro.
Sbd.19.14 Houve muitos que não quiseram receber hóspedes desconhecidos, mas
estes reduziram à escravidão hóspedes que tinham sido benfeitores.
Sbd.19.15 E isso não é tudo; haverá algo a mais que um castigo qualquer para
aqueles que acolheram mal os estrangeiros:
Sbd.19.16 mas estes, a princípio, receberam bem seus hóspedes, e
concederam-lhes a participação em seus direitos. Em seguida, eles os encheram
de males.
Sbd.19.17 Do mesmo modo, foram feridos de cegueira, como aqueles homens, às
portas do justo, quando, envolvidos por uma profunda escuridão, procuravam,
cada um de seu lado, o caminho para suas casas.
Sbd.19.18 Assim, os elementos mudavam suas propriedades entre si, como na harpa
os sons mudam de ritmo, conservando a mesma tonalidade. É o que se pode
verificar perfeitamente quando se consideram esses acontecimentos.
Sbd.19.19 Os seres terrestres tornavam-se aquáticos, os que nadam passavam à
terra,
Sbd.19.20 o fogo era mais violento debaixo da chuva, e a água esquecia a
propriedade que tem de extingui-lo.
Sbd.19.21 Além disso, as chamas não ofendiam as carnes dos frágeis animais que
as atravessavam, e não liquefaziam esse alimento celeste, semelhante ao gelo e
inteiramente capaz de se derreter.
Sbd.19.22 É que em tudo, Senhor, engrandecestes e
glorificastes vosso povo, e não deixaste de assisti-lo em todo o tempo e em
todo o lugar.