Leccionário Litúrgico
(MC)
À falta de melhor designação, tem-se
chamado “Igrejas históricas” às Igrejas que têm as suas raízes na Reforma ou
muito para além do século XVI: Igreja Ortodoxa, Igreja Católico-Romana,
Igreja Luterana, Igreja Presbiteriana ou Reformada, Igreja Anglicana, Igreja
Congregacional e, por manter muito da herança anglicana, a Igreja Metodista.
Nestas Igrejas é publicada periodicamente uma lista de textos bíblicos que
proporciona as leituras que são feitas em cada Domingo. A tal lista chama-se
leccionário, palavra que vem do latim “lectio”, “lectionis”, e refere-se às lições para a Igreja. Diz-se
“leccionário litúrgico” porque as leituras indicadas são para uso no culto
público cristão. O leccionário indica para cada semana uma passagem do Antigo
Testamento; outra de uma Epístola, livro de Actos ou Apocalipse e uma do
Evangelho. É indicado também um Salmo, ou uma porção dele. Nos primeiros
séculos do Cristianismo, lia-se o Livro de Actos entre a Páscoa e o
Pentecostes, usando-se os textos para pregação. A partir do século VI
começaram a ser publicados os leccionários.
Por muitos séculos, o leccionário tinha
textos apenas para um ano; depois alargou-se para três anos, chamados Ano A,
Ano B e Ano C. Desde há alguns anos vem-se discutindo (e julgo que trabalhando)
para que o leccionário abranja cinco anos.
Entre outras famílias de Igrejas
(baptistas, irmãos, pentecostais, etc.) só alguns pregadores farão a título
pessoal uso do leccionário, mas são conhecidas muitas relutâncias a ele. Aliás,
há também Igrejas presbiterianas, de cariz mais “evangélico” que não publicam
nenhum leccionário nem parecem ter grande simpatia pelo seu uso. Alguns
argumentam que não há sinais no Novo Testamento de que a Igreja Primitiva
usasse algum tipo de leccionário. Não é um argumento muito forte, porque se nos
limitarmos a fazer apenas o que se provar ter sido feito pelos primeiros
cristãos temos de desistir de ter templos ou santuários ou casas de oração – e
muitas Igrejas evangélicas vivem preocupadas com construir grandes templos.
Também não podemos imaginar os primeiros cristãos a gastarem dinheiro com
aparelhagem sonora, bandas de música, órgãos, pianos. E seria inconcebível que
um pregador subisse ao púlpito de casaco (terno, paletó) e gravata! A Igreja
cristã é uma realidade histórica e vai adquirindo, muito correctamente,
mudanças ao longo dos séculos – desde que tais mudanças não se oponham à
mensagem cristã.
Há reservas aceitáveis ao uso de
leccionário. Uma delas é que em três anos as leituras que se fazem da Bíblia no
Culto cobrem uma parte muito reduzida do texto bíblico (l6% de toda a Bíblia,
diz um autor). Muitos textos que nos são familiares não vêm no Leccionário, não porque quem organizou o Leccionário no-los queira evitar, mas por uma questão de
espaço. Se se incluir tudo, teremos um leccionário de
dez anos! Há partes muito significativas das Escrituras que em três anos não
são lidas (e como o ciclo recomeça, a verdade é que nunca são lidas no Culto
público). Por outro lado, sabe-se que, por vezes, nas comunidades, há
acontecimentos que merecem ter eco na pregação dominical – e os textos do
leccionário podem pouco ou nada servir para uma pregação contextualizada.
Ou então o pregador faz contorcionismo com o texto para o fazer adequar-se ao
tema que quer tratar.
Mas é evidente que o Leccionário
tem mais vantagens que desvantagens. Sobretudo se se
tiver em mente que a pregação, pelo menos nas Igrejas que conheço melhor, não é
obrigatoriamente feita a partir dele. Pessoalmente, penso que os pregadores
devem fazer um esforço para pregar sempre a partir dos textos do Leccionário, substituindo-os só em casos excepcionais.
Passo a enumerar os benefícios que encontro no uso do Leccionário:
1º - As várias congregações lêem no
mesmo Domingo as mesmas lições da Escritura. É um pequeno sinal da proclamação
bíblica de que fomos chamados a ser um só povo, seguindo um só Senhor. O uso do
Leccionário é um esforço para a unidade da Igreja.
2º Ainda que cada pregador faça mensagens
diferentes com os mesmos textos bíblicos, é impossível que no conjunto não soa
um pensamento comum, denominador comum, que é um testemunho forte do discipulado cristão.
3º O Leccionário
combate o individualismo do pregador e da congregação. O pregador tem a
oportunidade de evadir-se do egocentrismo que o leva a escolher um texto que
julga compreender muito bem. O professor Paolo Ricca, no seu livro Pregar Hoje o Evangelho, lembrava que o
uso do Leccionário “oferece a vantagem de
eliminar o arbítrio e o subjectivismo do pregador na escolha do
texto” (p.41). Quanto à congregação, sabendo-se sob uma lição comum a outras,
liberta-se da visão de “gheto”.
4º Os pregadores têm a oportunidade de
estudar em conjunto os textos de cada Domingo, encontrando materiais auxiliares
que os ajudam a aprofundar o que estudam. Quando o hebraico e o grego do
Seminário já se reduziram a vagos conhecimentos, os pregadores têm a
oportunidade de ler estudos de especialistas sobre os textos marcados no Leccionário. Numa região, os pastores e outros pregadores
de denominações que seguem o leccionário, podem reunir-se e fazer juntos a
exegese dos textos, com proveito para todos. Obviamente, depois cada um fará o
seu próprio sermão, mas com um fundamento mais sólido.
5º As Igrejas que publicam leccionários publicam também, semanalmente, mensalmente ou
em volume para o ano inteiro, estudos que auxiliam os pregadores – e essa é
outra das vantagens do leccionário, proporcionar aos especialistas a reflexão
continuada dos textos bíblicos. Os jornais, revistas, livros que são publicados
ficam acessíveis não apenas a quem tem a missão de pregar mas também a qualquer
irmão ou irmã que tenha suficiente curiosidade para estudar os textos de cada
Domingo. E isso concorre para uma maior edificação do povo de Deus.
Figueira da Foz – Portugal
Agosto de 2006.
Estudos
bíblicos sem fronteiras teológicas