Isabel a católica e Bush o evangélico (RG)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
Ela e seu marido foram agraciados pelo papa Alexandre VI em 1494
com o título de “los reyes católicos”.
Isabel e Fernando, os soberanos do Império Espanhol eram
profundamente religiosos e de uma piedade pessoal impressionante. Em 1492,
conta-nos o historiador Will Durant,
Isabel escolheu o cardeal Ximenes como seu confessor pessoal e ele se tornou
tão importante e poderoso para Isabel quanto o próprio rei. Esse Ximenes
pertencia a uma das mais severas ordens monásticas da Espanha – os Franciscanos
Observantes. Ascético: dormia no chão ou em tábua dura, jejuava frequentemente,
flagelava-se, e usava uma camisa de crina sobre a pele.
Nada disso adiantou muito.
Fernando e Isabel chancelaram a Inquisição e patrocinaram os
Conquistadores que saquearam a América. Na intolerância espanhola, milhões
sofreram. Judeus, mouros ou qualquer pessoa mal querida poderiam ser indiciados
nos autos inquisitórios e morrer na fogueira.
Os Conquistadores chegaram às civilizações pré-colombianas,
prometendo libertação e oferecendo a fé católica como salvação. Sob o pretexto
de evangelizar, trucidaram e espoliaram. Dizimaram culturas milenares.
Saquearam um ouro limpo e deixaram uma cruz suja. Quando se
escreveu a história posteriormente, soube-se que Isabel, a católica, cometeu
mais horrores em nome da fé do que Nero em nome de seus vícios. Não sobrou
nenhum bem espiritual da Inquisição ou de suas incursões na América, apenas
miséria.
A revista semanal Newsweek publicou matéria de capa sobre a fé que
move o presidente George W. Bush. O mundo tomou conhecimento dos contornos
evangélicos de sua devoção pessoal e dos grupos de oração que se reúnem pela
Casa Branca.
Sabe-se agora que a cada decisão, pequenas células de intercessão
se juntam em preces a Deus. Rogam para que o presidente opte pela via correcta.
Bush acorda mais cedo para ler a Bíblia e fazer seu devocional.
Critica-se a influência de Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Condoleezza Rice, Colin Powel, e Paul Wolfwitz na política externa norte-americana. Fala-se do
poder que os militaristas do Pentágono exercem sobre a presidência. Especula-se
sobre a influência da mentalidade texana quando o presidente define sua
estratégia geo-política para o mundo. Afirma-se que
as mãos da família Bush estão besuntadas de petróleo. Mas agora há outras
questões que necessitam de reflexão.
Até que ponto a mentalidade evangélica influencia as decisões do
presidente?
Quais os desdobramentos dessa influência sobre o futuro da
humanidade e, particularmente, para o mundo cristão? Se ninguém advogaria uma
guerra, pelo simples desejo de invadir e matar, devem existir alguns factores
que levam grandes segmentos evangélicos a se posicionarem ao lado dos
beligerantes e não da paz. Quais? É possível que a comunidade evangélica
legitime um genocídio acreditando no desmoronamento de uma última resistência
satânica à evangelização? Perguntas perturbadoras.
Entendamos a mentalidade evangélica:
1. O mundo islâmico e suas barreiras missionárias.
Por anos a comunidade evangélica via o comunismo como um inimigo a
ser destruído. Ouviam-se inúmeros sermões que o anticristo surgiria de um país
marxista. A dificuldade de se enviar missionários para aquele mundo sem
liberdades era o grande desafio das denominações evangélicas. Quando o muro de
Berlin caiu em 1989, essa mobilização se esvaziou.
Segundo os estrategistas missionários, restava um último obstáculo.
O mundo islâmico com suas fronteiras geográficas e culturais inexpugnáveis.
Como abrir uma brecha nesse hermetismo? A propaganda de guerra
americana promete um Iraque livre, democrático. Não é preciso muito exercício
de imaginação para contemplar luzes acesas nos olhos das lideranças evangélicas
quando ouvem essa promessa. “Entraremos no Iraque, ganharemos milhares de
pessoas para Cristo e minaremos o último obstáculo para cumprir a Grande
Comissão de Jesus Cristo”.
Quem chegará primeiro? No competitivo mercado religioso importa
despontar como líder.
Quem tirará as primeiras fotos de uma enorme cruzada (?)
evangelística com milhares de iraquianos de mãos levantadas atendendo ao apelo?
Da mesma maneira, algumas lideranças evangélicas latino-americanas se calaram
diante das atrocidades e torturas de regimes ditatoriais. Justificando que eles
combatiam o comunismo e que davam ampla liberdade para que se pregasse o
evangelho.
2. A nova teologia dos demônios territoriais.
Alguns escritores se notabilizaram nos Estados Unidos com a
bizarra teologia de que demônios dominam geograficamente continentes, países,
cidades e até bairros. Eles acreditam que há “príncipes” satânicos governando
sobre determinados países. Crêem, inclusive, que essas entidades do mal
conseguem retardar as acções históricas de Deus.
Obviamente essas potestades precisam ser destronadas. Imagino o
sorriso de alguns desses teólogos. “Ora, se conseguirmos ‘desdemonizar’
a Mesopotâmia, berço da civilização babilônica, vamos escancarar as comportas
espirituais que bloqueavam a evangelização de toda aquele pedaço de mundo”.
Bush pode não ter lido o livro “Este Mundo Tenebroso” de Frank Perreti, que tornou essa teologia popular. Perreti escreveu essa ficção com uma visão de mundo
maniqueísta e dualista. Permaneceu na lista dos best-sellers do mundo religioso
americano por quase toda década de 80. Mas seus mentores espirituais leram o
livro com certeza.
A linguagem de Bush preocupa pelo seu maniqueísmo e dualismo.
Preocupa porque ele se apropria das palavras de Jesus – quem não é por mim é
contra mim – para legitimar sua doutrina política. Preocupa porque ele
militariza o discurso religioso. Endereçando a Academia Militar de West Point afirmou: “Estamos em um conflito entre o bem e o mal,
e a América chamará o mal por seu nome”.
Na noite do dia 17 de março de 2003, quando deu o ultimato a
Saddam Hussein, o chamou de “lawless man”, (literalmente o sem-lei), expressão usada na Bíblia
de King James em que o apóstolo Paulo repreende os falsos mestres de seus dias.
A indevida apropriação do linguajar religioso para justificar acções políticas
e militares é perigosíssima. Tiranos já se levantaram invocando sobre si a
unção divina e em nome dela cometeram grandes atrocidades. No seu discurso no
Congresso sobre o Estado da União em 29 de janeiro de 2003, Bush usou a estrofe
de um hino evangélico para enaltecer o nacionalismo americano: “Há poder força
e vigor, na bondade, idealismo e fé do povo americano”. Em sua versão original
o hino termina afirmando que todo o poder e vigor estão no sangue de Jesus. Com
certeza a comunidade evangélica deve se sentir envaidecida que o seu presidente
goste de citar a Bíblia e rechear seus discursos com versículos bíblicos.
Contudo, deveria se lembrar que Jesus não permitia que sua missão
se confundisse com ambições políticas e que ele não desejava que projectos
políticos desfigurassem sua missão espiritual – “O meu reino não é deste
mundo”.
3. O conceito de um mundo arruinado pelo pecado.
Para a grande maioria evangélica, o mundo inteiro está
irremediavelmente arruinado pelo pecado; a acção da igreja se resume em salvar
o maior número de almas deste planeta apodrecido. Os fundamentalistas
evangélicos crêem numa versão exagerada da perversão humana segundo a teologia
de Santo Agostinho. Ele propôs que os seres humanos já nascem condenados ao
inferno devido ao pecado original. O pecado, segundo ele, deformou a humanidade
de tal maneira que as pessoas são incapazes de fazer o bem.
Os muçulmanos, hereges e infiéis, segundo o fundamentalismo
evangélico, já estão condenados ao fogo eterno. Os evangélicos americanos
chegam a conceder que os motivos para essa guerra são escusos e que os
governantes não agem com transparência. Ao mesmo tempo a justificam, mesmo que
ela mate milhões de crianças por desnutrição, doenças ou debaixo das bombas.
Por que? Devido à mesma lógica inquisitória que condenava as
bruxas a arderem nas fogueiras. “Se já vão para o inferno mesmo, não há
problema em lhes antecipar a chegada”. Não há grandes problemas se a força
militar os destruir.
Eles representavam um estorvo para que o cristianismo chegasse aos
confins da terra.
A revista Newsweek detectou um fatalismo calvinista na administração
Bush. “Há um elemento fatalista” afirma David Frunn,
ex-escritor dos discursos do presidente. “Você faz o seu melhor e aceita que
tudo esteja nas mãos de Deus”. A lógica é que se Deus controla todas as coisas,
basta agir com sinceridade e todas as variáveis históricas se acertarão. “Hoje
ninguém ao redor de Bush”, denuncia Frunn, “pode
duvidar de seus actos, mesmo quando deveria”. A Newsweek denuncia (ou elogia?)
que a fé de Bush o ajuda a escolher um caminho sem nunca questionar os seus
desdobramentos. Ele nunca olha para trás porque acredita que Deus está sempre
cumprindo os seus desígnios e que o futuro acontecerá como estava predito desde
sempre.
As lógicas acima alimentam o imaginário norte-americano e com
certeza os mentores espirituais de George Bush. Contudo, elas não subsistem ao
bom senso e sequer ao espírito bíblico.
As grandes barreiras que os missionários enfrentam não se resumem
ao mundo islâmico. Elas estão no quintal das nossas igrejas ocidentais.
Complacência, materialismo, violência, destruição da família,
tóxico e alienação cultural, se avolumam como montanhas que a fé dos
evangelistas mais famosos não consegue remover. Antes de apontar o dedo para os
“infiéis islâmicos” e condená-los ao inferno, seria bom que olhássemos para
dentro de nossas próprias denominações. Observarmos quanto joio se misturou ao
trigo e quanto lobo se vestiu com pele de ovelha. O argueiro islâmico e a trave
do cristianismo ocidental, ou vice versa, se tornam uma questão de perspectiva.
Os evangélicos acreditam que os demônios territoriais que dominam
sobre a antiga Babilônia serão expulsos pelo poder militar. Não saíram com
oração, mas os mísseis teleguiados completarão o trabalho.
Isabel, a católica também acreditava que os seus soldados ajudavam
os evangelistas. Massacrando os líderes, impondo medo. Acreditava que o povo
submisso, ouviria a mensagem dos jesuítas. Seu projecto foi um desastre.
Infelizmente há um fundamentalismo evangélico nos dias de hoje que
enxerga o governo de Washington como um agente de Deus para cumprir o seu
propósito eterno. Com o poder militar que possuem, essa crença ameaça o futuro
da humanidade.
Principalmente quando, não faz muito tempo, esse mesmo governo
apoiou um sangrento golpe de estado no Chile, dizimando milhares de inocentes.
Envolveu-se em várias conspirações de assassinato. Abençoou o
regime despótico do Xá do Irã. A CIA apoiou Noriega
no Panamá e quando ele não serviu mais, o trancafiou numa cela da Flórida.
O Iraque não se transformará em uma democracia. A paz no Oriente
Médio não chegará com a invasão de tanques. Aconselho as igrejas que já
preparam os seus missionários para evangelizar o Iraque a esperarem. A não ser
que queiram produzir mártires e com o testemunho de suas mortes aumentar a
arrecadação! O ódio islâmico certamente recrudescerá. Não há nenhum observador
internacional que não tenha advertido que se multiplicarão os terroristas e
viveremos em um mundo crescentemente inseguro. Pior. Os muçulmanos já
identificam a cultura ocidental com o cristianismo. Acabarão culpando
generalizadamente os cristãos pela invasão do Iraque. A porta se blindará!
Isabel perdeu uma excelente oportunidade de dialogar com os reis
Astecas. Morreram sem jamais ouvir sobre o imenso amor de Deus. Ao invés de
tratar o regime de Saddam Hussein com tanto ódio, existe uma terceira via.
Através de maciços investimentos em saúde, educação e
desenvolvimento humanitário naquela região. O amor formaria um cinturão ao
redor do regime sanguinário do Iraque; o próprio povo destituiria o ditador.
Uma legítima democracia tem que nascer do povo, nunca é imposta por um invasor.
Bush desprezou as mínimas brechas de diálogo que restavam no
regime truculento de Saddam Hussein. Restará um ódio pelo invasor que se inflamará
ainda mais. O Islã se sentirá ultrajado. Ninguém desejará ouvir a mensagem
daquele que arrombou a porta. Na ponta da baioneta não acontecem conversões
legítimas.
Como Isabel, a católica, Bush, o evangélico, não terá o louvor da
história.
Infelizmente! Quanto ao futuro? Que Deus nos ajude.
Soli
Deo Gloria.
Artigo do Pastor Ricardo
Gondim
Transcrito da página da Betesda na internet - www.betesda.com.br