Porquê
tantas Igrejas (Denominações)? (CC)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
Recebi dum irmão no Brasil, moderador
de Escola Dominical, pessoa com certa preparação teológica, a seguinte
pergunta:
Olá irmão Camilo
........................ Se
os pastores e bispos pregam e estudam inspirados por Deus, porque existem
tantas placas de igrejas?
Não usam a mesma Bíblia e
não crêem no mesmo Deus?
Prezado irmão Kleber
Talvez os pastores e bispos dessas
igrejas sejam as pessoas mais indicadas para te responder, informando quais as
divergências doutrinárias que têm entre si. Mas como a pergunta me foi
dirigida, só te posso dizer o que penso deste problema.
Em primeiro lugar, partes do princípio
de que todos os dirigentes religiosos estudam e pregam inspirados por Deus. Não
sei se te referes a em estudar no Seminário, ou estudar a pregação que vão
apresentar.
Entre tantos pastores, certamente que
haverá de tudo. Não ponho em dúvida que muitos vão estudar teologia no Seminário
para seu crescimento espiritual, para assim melhor servir ao Senhor. Mas não
somos ingénuos a ponto de não reparar que outros entram no Seminário somente
porque não conseguiram nota suficiente para entrar nalgum outro curso superior
e até muitos se tornam “missionários” e vão para outros países, sem terem uma
profissão, nem suficiente cultura geral nem preparação teológica, simplesmente
como uma alternativa ao desemprego no Brasil.
Não podemos generalizar. Entre tantos
pastores e bispos que há no Brasil, certamente que haverá de tudo. Há os que
estudam procurando a orientação do Senhor e há também os que simplesmente
procuram uma profissão que seja rentável e não lhes dê muito trabalho. Não nos
compete julgar ninguém, para efeitos de salvação ou condenação, mas como
crentes, temos a obrigação de examinar os que servem nas nossas igrejas. O
Apóstolo Paulo foi o primeiro a incentivar e elogiar os crentes que não
receberam abertamente as suas palavras, mas examinaram cuidadosamente a
mensagem que lhes apresentou.
Quanto a essas diferentes “placas de
igrejas”, como dizes, temos de ser realistas e não exagerar o sectarismo das
igrejas, que tem escandalizado muita gente, dando-lhe uma dimensão ainda maior.
Havendo no mundo em que vivemos, muitos
milhões de cristãos, certamente que seria necessário algum meio de identificar
as várias igrejas locais.
Isso já acontecia no primitivo
cristianismo quando Paulo se dirigiu aos coríntios ou aos gálatas etc, nas cartas
que lhes escreveu. Embora fossem todos eles, crentes do primitivo cristianismo,
já eram igrejas diferentes com as suas especificidades, e foi necessário
escrever cartas diferentes para cada uma.
Nos nossos dias, há quem divida os
cristãos, duma maneira geral, em três grandes grupos: Católicos, Ortodoxos e
Protestantes, englobando assim a grande maioria, embora fiquem ainda de fora
pequenas seitas com pouca expressão. Emprego a palavra seita, sem o vulgar
sentido pejorativo, significando somente um grupo que se desligou da sua
origem, por motivos históricos, doutrinários, económicos, políticos ou outros.
Duma maneira geral, todos dizem que se
baseiam na Bíblia, que consideram igualmente inspirada do Génesis ao
Apocalipse, o que aliás, não é a minha posição pessoal.
O homem dos nossos dias, pelo menos o
de cultura média, bem sabe que apesar de todos os cristãos falarem em paz e
amor, não se conseguem livrar da influência da sua história em que muita coisa
horrível aconteceu. A história do cristianismo duma maneira geral, tem sido uma
história de fanatismo, guerra, violência de todo o tipo, mortes e massacres,
que até fazem lembrar as mortes cometidas por Moisés, ou os genocídios
cometidos por Josué e que muitos que se dizem cristãos,
consideram como grandes manifestações do poder de Deus.
Mas como será possível, com base na
mesma colecção de livros, a que damos o nome de Bíblia, terem surgido igrejas
tão diferentes?
Não podemos ignorar as divisões que
existem dentro do catolicismo e igualmente entre as igrejas ortodoxas. Mas
julgo que me perguntavas pelas divisões entre as igrejas protestantes, ou
evangélicas.
Ao falar nessas divisões no
protestantismo, também não podemos esquecer o lado oposto. Em Portugal há duas
organizações que colaboram entre si e servem de união entre as várias igrejas
protestantes ou evangélicas, a AEP (Aliança Evangélica Portuguesa) e o COPIC
(Conselho Português de Igrejas Cristãs). Sei que no Brasil também há
organizações nesse género, embora não me lembre como se chamam. Em Moçambique
há o Conselho Cristão de Moçambique e o mesmo acontece em quase todos os
países.
Por aquilo que tenho observado, posso
citar vários motivos para o facto de termos tantas denominações. Julgo que era
esta a tua pergunta principal.
1 – Há os motivos históricos. Temos
igrejas muito semelhantes na sua doutrina e organização, mas que tiveram
diferentes origens e se mantêm divididas por uma questão de fidelidade às suas
origens. Será que vale a pena? A resposta não é tão fácil como parece. É que,
se há pequenas diferenças em alguns pontos doutrinários, estes poderão ser uma
futura fonte de graves problemas. Em vez de termos, no futuro, uma igreja muito
grande e cheia de problemas, talvez seja preferível termos igrejas mais
pequenas que se amem e colaborem fraternalmente com respeito pelas diferenças
de cada uma. Também penso que há igrejas (denominações) a mais, mas é
necessário muita precaução nessa aproximação, que não considero uma prioridade.
2 – Devo citar também a influência
política, muitas vezes ligada a interesses económicos das igrejas. É o caso de
igrejas que recebem ajuda económica do estrangeiro. Embora essas igrejas se
chamem de “Igreja X do Brasil” (ou de Portugal etc), sempre acaba por
prevalecer o velho princípio de que “quem paga é que decide”.
3 – Devo também citar os interesses
económicos dos pastores. Quanto mais denominações e mais igrejinhas houver,
maior é o número de empregos para os pastores. Por vezes formam-se novas
denominações em que os crentes estão ingenuamente a pensar em divergências
doutrinárias insignificantes e não reparam nos principais motivos que são os
interesses económicos da nossa “classe sacerdotal”. Há casos em que as mesmas
pessoas, são crentes excluídos perante uma denominação
e perante outra denominação, são respeitáveis membros fundadores.
4 – Cito também a preparação fornecida
pelos Seminários. Principalmente se forem Seminários com o nome duma Igreja
(Denominação), onde geralmente não há liberdade de expressão nem de
investigação, onde seguem uma determinada linha doutrinária e logo de início
estabelecem uma “espécie de cânon” do que o seminarista pode ou não pode ler.
Claro que não empregam o termo cânon das leituras, mas “lista dos livros
aconselhados”, o que só seria aceitável se também indicassem aos seminaristas
uma “lista dos livros não aconselhados”, para que estes pudessem livremente
tomar a sua opção, sem o dirigismo dos seus Professores.
Talvez possamos dizer que os Seminários
de Teologia têm uma grande preocupação com a formação dos seminaristas,
mas não com a sua livre investigação da revelação do Filho de Deus. Emprego a
palavra formação de acordo com o seu significado original, que se
encontra em qualquer dicionário etimológico. Formação é palavra derivada de
forma, que vem do latim “formatiõne” e significava confecção, configuração.
Penso que está aqui a origem da questão
que me colocaste. Podemos imaginar uma dona de casa que vai fazer bolos.
Primeiro prepara a massa dos bolos e depois de misturar bem, pega numa forma
redonda, outra forma rectangular, outra quadrada, com paredes lisas ou
onduladas etc. Depois deita a massa que logo enche o recipiente e coloca tudo
no forno. Quando, cerca de meia hora mais tarde, retira os bolos, as formas já
não são necessárias, pois os bolos já adquiriram as dimensões desejadas.
Podemos comparar o forno da dona de
casa, aos vulgares Seminários de Teologia. Ao fim do curso, o teólogo já está
“formado”, depois de durante alguns anos defender as mesmas ideias, perante os
crentes, familiares e conhecidos, depois de investir alguns anos de estudo no
que será a sua profissão, sendo muitas vezes pessoa casada e com filhos, já é
demasiado tarde para mudar de ideias, já há fortes pressões psicológicas e
económicas para que continue a defender o que lhe ensinaram, pois uma mudança
de opinião poderá resultar na sua rejeição como pastor e terá de enfrentar o
mundo do trabalho, fora da igreja, para o qual geralmente não está preparado.
Já tirei algumas cadeiras em cursos de
teologia por extensão, tanto em institutos bíblicos como em seminários,
fundamentalistas ou liberais. Penso que os melhores são os Seminários que não
ostentam o nome de nenhuma denominação evangélica, que sejam somente “Seminário
de Teologia”, principalmente se tiverem professores de várias denominações
diferentes.
Mas hoje, qualquer seminarista que
procure meditar na mensagem do Mestre sem se sentir “aprisionado” na “forma”
que lhe quiserem impor, tem uma importante ferramenta que é a internet, onde
inclusive poderá ter acesso aos argumentos que não constam dos livros que estão
na biblioteca do seu Seminário.
Por vezes, há pequenos
pormenores que definem um verdadeiro Seminário, e eu gostaria de citar o
que se passou comigo na correcção dum trabalho em que discordei do Professor,
seguindo uma linha de pensamento bem diferente. Foi num curso por extensão do
Seminário Evangélico de Teologia de Lisboa. Aguardei pela nota, que boa ou má,
seria a minha nota, até que por fim veio a correcção do prezado Professor
Manuel Pedro Cardoso que colocou este pequeno comentário logo de início. “É um trabalho globalmente bom, mesmo que em
alguns aspectos não temos ideias convergentes. Mas é salutar a diferença de opiniões” É isto que define um
verdadeiro Professor, que incentiva a investigação do pensamento do Mestre, sem
a preocupação em formar alunos “à imagem e semelhança do Professor”.
5 – Por último, quero citar a falta de
liberdade de expressão nas igrejas evangélicas. Principalmente no Brasil onde
te encontras, tenho visto quando lá vou, muita emoção nas igrejas e pouca ou
quase nenhuma reflexão. Como resultado, há um protestantismo (ou evangelismo)
estrangeirado que pouco diz à classe pensante do Brasil. Noto uma grande
preocupação em preservar os valores culturais e litúrgicos de cada denominação,
que na maior parte dos casos teve origem fora do Brasil e geralmente nada tem a
ver com a cultura brasileira.
Deixei este ponto para o fim, mas é dos
mais importantes. Penso que é preciso dar voz ao verdadeiro povo brasileiro nas
igrejas evangélicas. Certamente que me irás perguntar: Mas então, aqueles que
falam não são brasileiros? As músicas que cantamos não são de autores
brasileiros?...
Certamente que sim. Mas dar a palavra a
quem já foi devidamente “formado” para repetir somente o que aprendeu a dizer,
não é dar voz ao povo brasileiro. Tenho rejeitado na minha página a colaboração
de muitos crentes que se limitam a repetir o que ouviram na pregação das suas
igrejas e nunca tiveram a preocupação de “olhar” para a realidade à sua volta.
Mas felizmente que o Brasil também tem alguns bons teólogos protestantes e
católicos, verdadeiros brasileiros que sabem observar e sentir a realidade à
sua volta como Jesus o faria nos nossos dias.
Não basta compor músicas em português,
é necessário que seja também na cultura do povo brasileiro. Certamente que já
leste o artigo Música
religiosa que tenho nesta minha página. Pelo que tenho visto, quer em
África quer na Índia, as igrejas que crescem com mais vigor e saúde, são as que
mais integradas estão na cultura do seu povo, e que utilizam os seus
instrumentos tradicionais.
Para concluir, direi que essas várias
“placas de igrejas” (como dizes), são o resultado de se querer impingir ao povo
brasileiro um evangelho estrangeirado e de se dificultar a livre expressão do
povo brasileiro, “ensinando” como se comportam os espirituais, e ensinando o
que devem responder e como devem interpretar as palavras do Mestre, esquecendo
que Jesus falou para o povo de todas as épocas da história.
Um dos meios mais eficientes para se
combater essa pulverização de igrejas, seria a organização de verdadeiras
escolas bíblicas dominicais participativas, em que em vez do Professor houvesse
um moderador de escola dominical, em que todos estudassem e tivessem livre
intervenção, em que houvesse revistas de escola dominical que se limitassem a
apresentar as passagens bíblicas, os temas de reflexão ou as perguntas e não
dessem respostas, pois é na Bíblia, nomeadamente nos evangelhos, e não nas
revistas e livros de teologia que se devem procurar as respostas. Claro que
toda a literatura religiosa é útil, mas nunca para substituir a mensagem do
Mestre.
Tens toda a razão ao dizer que a Bíblia
é a mesma, só que estamos cada vez menos a procurar respostas nas palavras de
Jesus e cada vez mais a guiarmo-nos pelas revistas e pelos nossos entendidos em
teologia. Jesus falou para o povo, e todo que medita na Sua palavra é um
teólogo. Mas, claro que esse tipo de escola dominical, teria certamente a
oposição de muitos dos nossos pastores, pois teriam menor capacidade de dirigir
as igrejas e corria-se o risco de se abandonar muitas das nossas tradições
evangélicas. Mas penso que seria bem proveitoso para o Evangelho em geral.
Deixem que o povo brasileiro interprete
livremente a mensagem do Filho de Deus e deixem que ele se expresse como
verdadeiro povo brasileiro, liberto das influências de “missionários”
estrangeiros ou estrangeirados, também eles fruto da “formação” que lhes deram,
para que surja uma verdadeira Igreja do Senhor.
Isto não é utopia, nem é ideia minha.
Outros países, como a Índia, acabaram com a maior parte das denominações quando
formaram a poderosa Igreja Evangélica Indiana, à qual aderiu a maior parte das
igrejas. Penso que isso também é possível no Brasil.
Camilo – Marinha Grande
Outubro de 2005
Comentários recebidos
Prezado Irmão Camilo Coelho,
Obrigado pelo envio do seu texto sobre
Igrejas. Realmente este assunto é, por vezes, abordado por aqueles/as que ao
falar de religião se questionam porque tantas Igrejas. O seu estudo
contribui com mais um ponto de vista sobre esta temática tão
interessante.
Por haver sempre muitos interesses em
todas as áreas da vida, também esta área não podia deixar de haver tantas
iniciativas que asseguram, em muitos casos, mais uns lugares de chefia.
Envio cumprimentos fraternos,
ASFelicio
em 2005/10/07
Estudos
bíblicos sem fronteiras teológicas