Dominus Iesus - Reacção
da IEPP
IGREJA EVANGÉLICA
PRESBITERIANA DE PORTUGAL
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Excelência Reverendíssima
Edward Idris
Card. Cassidy
Presidente do Conselho Pontifício para a
Promoção da Unidade Cristã
Vaticano
Lisboa, 13 de Setembro de
2000
N/ Ref.-
F/185/00 – 5.6.3
Estimado Cardeal Cassidy,
Que a Paz de nosso Senhor
Jesus Cristo esteja consigo!
Em nome da Igreja Evangélica
Presbiteriana de Portugal (IEPP), vimos manifestar-lhe a nossa desilusão e
tristeza ao ver que, passados trinta e cinco anos da realização do Concílio
Vaticano II, as mais altas figuras da Igreja Católica Romana (ICR) ainda são
capazes de produzir um documento como a “Dominus Iesus” que, no mínimo, se reveste de uma grande
insensibilidade ecuménica.
A Declaração nada traz de
novo. Tudo o que ela contem já foi dito há muitos anos e em muitos outros
documentos. Neste sentido somos tentados a dizer, como muitos, “Roma nunca
muda”! Mas será que a participação
activa, e irreversível, da
ICR no diálogo ecuménico durante as últimas décadas é compatível com a
inflexibilidade e o exclusivismo manifestados na “Dominus
Iesus”? Quando pensávamos que a “teoria do retorno”
já havia desaparecido do vocabulário ecuménico, constatamos que ela continua a
orientar as relações da ICR com as outras Igrejas Cristãs.
Senhor Presidente,
Será possível, e desejável,
a continuação de um diálogo que visa a manifestação visível da unidade dos
cristãos, quando uma Igreja continua a afirmar ser “a única e verdadeira” tendo
a coragem de dizer que as outras “não são Igrejas em sentido próprio” e, se
algum valor nelas existe ele se deve à “plenitude da graça e da verdade que foi
confiada à Igreja Católica”?
Nós que não identificamos a
Igreja de Cristo, a Una Sancta , com a ICR, não podemos reconhecer a apropriação abusiva
dessa identificação (por muitas justificações que se dêem ao subsist in) feita
pela ICR. Desejamos ser reconhecidos como parte integrante da única Igreja do
Senhor. Nesse sentido afirmamo-nos como Igreja irmã da ICR, bem como de outras
Igrejas, tanto em Portugal como no mundo. Será que esta Declaração nos
reconhece como Igreja irmã? De acordo com a leitura que dela
fazemos, a nossa resposta é, infelizmente, negativa.
Como cristãos reformados,
entendemos que a Igreja existe quando e onde os fiéis se congregam e no momento
em que a Palavra, Jesus Cristo Ressuscitado, é fielmente anunciada e os
Sacramentos devidamente celebrados. Sabemos que não é a Igreja que salva. Ela
anuncia a Salvação que só em Cristo reside. Esta proclamação feita por homens e
mulheres, ordenados ou não, acontece dentro e fora da ICR. Apesar de não
aceitarmos, conscientemente, a doutrina católica romana do Primado e, menos
ainda, o ela ser da vontade de Deus como o documento afirma, e ainda que o
sistema que nos rege não seja o episcopal, não duvidamos estar na linha da
“sucessão apostólica” e, daí, não podermos aceitar a afirmação da Declaração
quando diz que «os fiéis são obrigados a professar que existe uma continuidade
histórica – radicada na sucessão apostólica – entre a Igreja fundada por Cristo
e a Igreja Católica: “Esta é a única Igreja de Cristo [...] governada pelo
Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele”». A Palavra Viva que
anunciamos e as Escrituras que lemos sob a orientação do Santo Espírito, para
além das muitas testemunhas ao longo dos séculos, bispos ou não, são para nós o
garante desta sucessão apostólica que aponta unicamente para Jesus Cristo.
Deste modo, somos plenamente uma Igreja apostólica.
Senhor Presidente,
Estimado Irmão em Cristo,
Para além de tudo o que
acima afirmámos e do que a Declaração “Dominus Iesus” nos relembrou, queremos permanecer membros activos
do movimento ecuménico e é-nos impossível viver a Igreja separados desta
dimensão ecuménica. Tememos, entretanto, que as posições agora reiteradas pela
ICR, venham causar alguns novos problemas sobre assuntos que, não sendo novos,
pensávamos pertencer a um passado que nos trouxe alguns dissabores. Desejamos
continuar, mas esperamos que a paridade exigida como pressuposto do diálogo,
não se limite à “dignidade pessoal das partes”, como a Declaração refere, mas
também às Igrejas, enquanto tais, que nesse diálogo estão envolvidas, por
diferentes que sejam as suas tradições, os seus percursos históricos e as suas
doutrinas. O diálogo é feito entre diferentes e a unidade que desejamos viver
assenta na diversidade do que somos e pensamos. A via da uniformidade e o velho
convite “ao retorno” parecem-nos caminhos errados.
Cremos que o Santo Espírito
nos tem falado nos últimos tempos de um modo diferente do da Declaração. Pela
Sua orientação já alcançámos, e reconhecemos, muitas bênçãos comuns. Aceitámos
ser irmãos uns dos outros ao dizermos em conjunto “Pai nosso...”.
Aceitámos pertencer todos à mesma Igreja quando confessamos o mesmo Credo e
dizemos: “Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica”. Submetemo-nos
todos à autoridade das Escrituras e até produzimos versões interconfessionais
das mesmas. Temo-nos unido na oração, na acção social e na produção de textos e
documentos em conjunto. Tudo isto graças ao movimento ecuménico. Desejamos
continuar e aprofundar ainda mais o nosso conhecimento mútuo e o amor que já
nos une uns aos outros.
Estimado Irmão em Cristo,
Não deveria a Igreja de
Roma, culpada do nascimento de várias divisões no passado, ao ser tão expedita
na excomunhão dos que levantaram a voz profética contra as adulterações da fé
bíblica, ser mais cautelosa e caridosa na salvaguarda do espírito do diálogo,
tão dificilmente criado e mantido por cristãos e Igrejas de outras confissões e
por ela própria? E isto precisamente no mesmo ano em que o seu chefe supremo,
João Paulo II, pede perdão pelos erros do passado e proclama a necessidade da
reconciliação neste Jubileu 2000!
Finalmente, e a exemplo da
divulgação pública da “Dominus Iesus”,
desejamos informá-lo do nosso propósito de partilhar o conteúdo desta carta com
quem entendermos conveniente.
Com os nossos votos e
orações para que Deus o guarde e abençoe, subscrevemo-nos
Fraternalmente em Cristo,
José Manuel Leite
Presidente da Comissão
Executiva do Sínodo
IEPP – Igreja Evangélica
Presbiteriana de Portugal