“Filho/s de Deus” O que significa? (CC)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

 

1) Introdução

Quase todos conhecem as expressões que se encontram em várias passagens bíblicas, “filhos de Deus” (no plural) que aparece cinco vezes no Velho Testamento (a) ou “filho de Deus” como está em várias passagens neotestamentárias. No Alcorão encontrei “Filho de Deus” em Alcorão 9:30 e “filhos de Deus” em Alcorão 5:18, mas ambas as passagens são apresentadas como transcrições bíblicas sem mencionar a sua localização.

No Novo Testamento, em João 11:4 e 1ª João 5:12 encontra-se “O Filho de Deus” em contextos que não deixam dúvidas de que não era um “filho de Deus” entre muitos outros, mas um personagem bem definido como “O Filho de Deus”, e em João 3:18 está “Unigénito Filho de Deus” ou “Filho único de Deus” referindo-se a Jesus Cristo. Mas não encontrei nenhuma passagem didáctica com a definição do que seja propriamente, ou em que sentido Jesus é o Filho de Deus.

Comecemos por Lucas 10:21/24 que a TEB traduz como:

21 Nessa hora, Jesus exultou sob a acção do Espírito Santo e disse: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, por teres ocultado isto aos sábios e aos inteligentes e por tê-lo revelado aos pequeninos. Sim, Pai, foi assim que tu dispuseste em tua benevolência. 22 Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece quem é o Filho a não ser o Pai, nem quem é o Pai a não ser o Filho e aquele a quem ao Filho aprouver revelá-lo”.

23 Depois ele se voltou para os discípulos e lhes disse em particular: “Felizes os olhos que vêem o que vós vedes! 24 Pois eu vos digo, muitos profetas e muitos reis quiseram ver o que vedes e não viram, ouvir o que ouvis e não ouviram”.   

Podemos imaginar o que seria nos nossos dias se no Sínodo duma grande igreja ou num Concílio da Igreja Católica, perante todos os dirigentes, professores e alunos dos Seminários, Jesus pegasse numa criança para dar graças por Deus lhe ter revelado aquilo que mais ninguém sabe?!!!

Então, será que o estudo deste assunto seja uma missão impossível? Seremos nós capazes de raciocinar com a fé duma criança? Ou será que o facto de não estar ao alcance do nosso entendimento nos deverá desincentivar da reflexão teológica?

O ser humano pode sondar e conhecer alguma coisa do Universo que, como qualquer obra de arte nos dá alguma informação sobre o seu criador, mas é óbvio que o criador do Universo não pode existir nalgum ponto do próprio Universo que criou, pois é omnipresente. Apesar da grandeza do Universo, Deus é omnipresente e não cabe no Universo que criou.

Teremos pois de começar por rogar ao Pai que nos oriente neste estudo para que certamente não estamos preparados, pois há muito que deixamos de ser crianças, e nos revele o que Ele entender sobre o assunto.

 

2) Religiões primitivas

Esta expressão “filhos de deus” aparece em muitas religiões desde as épocas mais primitivas, geralmente significando que o ser humano deve a sua existência à divindade que é cultuada nessa religião. Outras acrescentam que na qualidade de filho desse deus, o ser humano pode contactar com o ser que o criou, invocando a sua protecção, pensamento de quase todas as religiões. Eram épocas de grande instabilidade, em que os vários povos e tribos lutavam entre si, correspondendo à luta entre os vários deuses, cada um lutando a favor do seu povo, contra todos os outros povos, tribos e deuses.

Outras religiões acreditavam que alguns (homens ou mulheres) mereciam uma especial atenção do seu deus ou deuses (caso dos heróis da antiga Grécia).

Afinal, em certos aspectos, vemos isto na própria natureza. Os animais, mais desenvolvidos, já nascem com o “conhecimento” de que podem confiar nos seus pais, naqueles a quem devem a sua origem. Então, se Deus é a origem da nossa existência, certamente se encarregará da nossa preservação e protecção.

Não é fácil, mesmo para os que não são cristãos, ultrapassar a nossa cultura cristã, pelo que faço a seguinte pergunta:

Qual é propriamente o significado desta expressão “Filho de Deus” e qual o significado que teve para o judeu contemporâneo de Cristo, quando a ouviu pela primeira vez?

Para isso, teremos de tentar compreender o que seria o contexto cultural, nomeadamente religioso, desse primeiro século nessa província romana da Judeia, visto que Israel já deixara de existir como nação independente.

 

3) Contexto cultural e religioso em Israel

Antes da colonização romana, Israel era um país muito fechado e isolado de todos os outros países culturas e religiões.

Em Israel não havia liberdade de pensamento nem de religião. A Lei de Moisés era imposta com muita dureza e previa a pena de morte para os mais variados delitos. Podemos citar Êxodo 22:18, Êxodo 31:14, Levítico 20:27, Levítico 24:16. O problema é que, segundo Deuteronómio 17:2/7 a definição de blasfémia é demasiado vaga e a mínima transgressão podia ser considerada como … o que é mau aos olhos do Senhor teu Deus. Não havendo uma definição de blasfémia mais explícita, podiam facilmente afirmar que todas as outras religiões blasfemavam quando falavam dos seus deuses. Deuteronómio 13:6/10. Assim, qualquer divulgação de outra religião era punida com a pena de morte aplicada por todo o povo, isto é, todo o povo era obrigado a servir de carrasco. Não havendo liberdade de religião e sendo praticamente condenados à morte todos os praticantes de outras religiões, certamente que os israelitas dessa época nada conheciam de outras religiões.  

Esta situação mudou a partir do ano 63 aC quando Israel foi conquistado por Roma que transformou a Judeia numa província romana. Foi a época em que a civilização, tal como a imaginamos nos nossos dias chegou a Israel. Mas muitas leis de Moisés continuaram em vigor, desde que não colidissem com a legislação romana. Assim, foi proibida a pena de morte por motivos religiosos e muitas outras religiões, além da religião tradicional de Roma, puderam ser praticadas na província romana da Judeia, pois no Império Romano havia liberdade de religião. No entanto, o Templo de Jerusalém continuava a ser o principal centro religioso, económico e político, embora tivesse perdido o monopólio da religião.

Também as fronteiras entre os vários países do Império Romano foram abolidas. Nessa época, muito antes de haver espaço Schengen, já era possível viajar com relativa segurança, pelas vias romanas, desde a Lusitânia até à província da Judeia utilizando somente o latim ou o grego e somente o denário romano, muito antes do euro.

No entanto, Roma só se preocupou com as principais vias romanas que podemos considerar como as auto-estradas dessa época. Na época de Jesus, Samaria era uma cidade “moderna” com largas avenidas onde carros puxados por várias parelhas de animais podiam inverter a marcha sem ter de recuar, coisa impossível na velha cidade de Jerusalém com as ruelas apertadas e constantes engarrafamentos. Roma bem sabia onde valia a pena investir os seus denários, pois Samaria estava no centro duma planície fértil enquanto Jerusalém, no alto do monte, não tinha espaço para se desenvolver. Além disso, as pequenas estradas secundárias estavam a cargo das administrações locais. Mesmo assim, a “indústria religiosa” de Jerusalém continuava bem próspera, mas o Templo não se preocupou com os acessos à velha cidade nem outras obras de interesse público.

A grande maioria dos estrangeiros que chegava a Jerusalém e outras cidades da província da Judeia era certamente de judeus e prosélitos de outras regiões, algumas bem distantes. Em Actos 2:9/11 temos uma “foto” dessa gente.

Embora certa percentagem dos estrangeiros fossem prosélitos do judaísmo, havia certamente comerciantes estrangeiros de muitas outras religiões que entravam na província da Judeia protegidos pela Lei Romana que defendia a liberdade de religião e até permitia que outras religiões fossem praticadas na Judeia e construíssem os seus templos.

 

Os vários “livros”, ou rolos, que circulavam no Templo e nas sinagogas, pois ainda não havia imprensa nem cânon veterotestamentário, tinham referências aos “filhos de Deus” referindo-se aos anjos nomeadamente no livro de Job. Noutras passagens aparece a expressão “filhos de Deus” referindo-se a todo o povo de Israel.

Em Êxodo 4:22 a expressão “filho primogénito de Deus” refere-se ao povo de Israel. Em Deuteronómio 32:6 também aparece a expressão “pai” pelo facto de ter concedido a vida. É também uma referência ao povo de Israel.

A grande ênfase veterotestamentária está na “santidade genealógica”, ser “filho de Abraão” ou seja, descendente de Abraão. No arquivo do Templo de Jerusalém havia o registo das genealogias dos sacerdotes, constantemente actualizadas. Flávio Josefo conhecia a sua genealogia paterna até cerca de 250 anos com todas as datas dos nascimentos. (b) Claro que este registo das genealogias tinha também um grande valor económico, pois legalizava os vencimentos dos sacerdotes como legais sacerdotes levíticos.

Não encontrei passagens veterotestamentárias que se refiram a Deus como pai. A vulgar ideia que se encontra abundantemente no Velho Testamento é a dum deus distante e pouco acessível. Nesta tradução, a palavra “altíssimo” aparece 46 vezes, “criador” 17 vezes, mas “senhor dos exércitos” mais de 100 vezes.

Certamente que, antes de haver cristianismo, a interpretação lógica dos primeiros judeus que ouviram falar num filho do seu Deus, não havendo informação nos textos religiosos do judaísmo, seria uma semelhança do que conheciam de muitas outras religiões. Comecemos por dizer alguma coisa sobre o contexto histórico, cultural e até geográfico em que estas expressões apareceram e o que significariam nessa cultura em que Jesus viveu.

No Velho Testamento não encontrei a expressão “filho de Deus”, mas aparece cinco vezes, como já dissemos, “filhos de Deus” no plural. (a)

Esta expressão “filhos de Deus” ou “filhos dos deuses” é bem antiga e podemos encontrá-la em quase todas as antigas religiões pré-abraâmicas. Vejamos o pensamento de algumas das antigas religiões dos estrangeiros mencionados em Actos 2:9/11.

A teologia do Velho Egipto tinha vários deuses considerados com filhos dos deuses mais importantes, como era o caso de Ahi filho de Hator, os quatro filhos de Hórus: Imseti, Hapi, Duamutef e Kebehsenuef correspondendo aos pontos cardeais N S E W e ao culto funerário entre muitos outros deuses menores.

A mitologia grega tinha também uma grande quantidade de deuses menores que eram considerados filhos dos deuses mais importantes. Deuses menores gregos

A “foto” que o livro de Actos nos apresenta, refere-se à Ásia em geral. Um dos países asiáticos mais importantes é sem dúvida a Índia, onde encontramos a religião mais antiga com documentos escritos. Temos o caso de Kartiqueia que é considerado filho de Shiva. Também Parasurama é filho dum brâmane e até Ganesh, o deus mais popular na Índia dos nossos dias é um jovem filho de Shiva. (c) No hinduísmo há por vezes famílias de deuses, como o caso de Brahma e sua esposa Sarasvati, ou o caso de Parvati (ou Mahadevi), esposa de Shiva. Nestes casos, teremos de admitir que os deuses secundários seus filhos, fossem filhos biológicos (se é que as leis da biologia se lhes possam aplicar).

Embora na época de Cristo não tivessem internet nem os meios de comunicação e de transporte de que dispomos actualmente, como já mencionamos, as grandes viagens já eram possíveis, quer pelo mediterrâneo quer pelas vias romanas. Fora do Império Romano, como foi o caso da India, ou melhor das índias, embora com mais dificuldade as classes mais cultas das grandes cidades tinham informações através dos viajantes em especial os ligados ao comércio.

 

Outra interpretação, perfeitamente possível nessa época, estava relacionada com a cultura judaica. Numa época em que as únicas “escolas” eram as das sinagogas onde aprendiam a sua religião, quase sempre os filhos aprendiam a profissão dos pais e tinham as mesmas ideias. Assim, o filho dum pescador, certamente que seria também pescador, assim como o filho do lavrador ou de todas as outras profissões. Jesus é chamado de “filho do carpinteiro” em Mateus 13:55 pelos que se admiraram da sua sabedoria, pois esperavam que só fosse entendido em carpintaria. 

 

4) No Novo Testamento

Na transição do Velho Testamento para o Novo Testamento, nota-se logo uma grande alteração, que julgo obrigar a repensar toda a teologia veterotestamentária, nomeadamente o significado da palavra “filho” no contexto neotestamentário.

É verdade que o Novo Testamento tem muitas referências ao Velho Testamento, mas a grande diferença está na forma do crente contactar com Deus e no comportamento de Deus no VT e no NT. Essas grandes diferenças têm levado muitos a duvidar de que seja o mesmo Deus. (d)

Os tradicionais valores da genealogia a que o Velho Testamento dava tanta ênfase, os “filhos de Abraão”, já não têm a mesma importância, assim como a paternidade de Deus pelo facto de ser o criador.

Claro que esta abertura de Deus a todos os povos, não agradou aos judeus que de certa maneira se sentiram defraudados pelo seu deus que lhes prometera o domínio sobre os outros povos. Vemos isso em Lucas 4:16/30. Mas para se compreender a fúria do judeus que decidiram matar a Cristo, teremos de ler a parte do texto de Isaías que Jesus se recusou a ler em Isaías 61:1/6 que foram principalmente os versículos 5 e 6 que a Bíblia de Jerusalém traduz como 5 Estrangeiros estarão aí para apascentar os vossos rebanhos; alienígenas serão os vossos lavradores e os vossos vinhateiros, 6 Quanto a vós, sereis chamados sacerdotes de Iahweh; sereis chamados ministros do nosso Deus; alimentar-vos-eis das riquezas das nações, haveis de suceder-lhes na sua glória.

Certamente que os judeus tinham bem vivas na sua memória as promessas do seu deus em Deuteronómio 20:10/18 ou Josué 24:11/13. Não estavam interessados num Messias que lhes viesse falar de paz e amor pelos estrangeiros, mas num Messias que fosse um guerreiro “filho de David” (com as mesmas características de David) (e) que transformasse os estrangeiros, não em irmãos, mas em escravos ao seu serviço, como vos velhos tempos.

 

No Novo Testamento Jesus apresenta Deus como o Pai, e em lugar das complicadas orações, precedidas de lavagens rituais acompanhadas de gestos litúrgicos em locais santificados, o Mestre quebra todas essas barreiras para apresentar o Deus supremo como o Pai, como vemos na oração que Jesus ensinou, em Mateus 6:9/13

Para contactar com o Pai, não necessitamos de lugares especiais, pois Ele é omnipresente, nem de linguagem especial em hebraico, ou latim ou qualquer outra língua, pois Ele nos compreende como qualquer mãe compreende o choro do seu bebé que ninguém mais consegue entender, nem de lavagens rituais, pois a única imundície que o preocupa é a imundície do coração, que a água não consegue lavar. (f) Jesus tocou em leprosos para os curar, tornando-se assim também imundo de acordo com a Lei de Moisés. Estamos perante um novo conceito de santidade. (g)

Trata-se duma outra revelação do Deus Supremo, que já não é o distante Senhor dos Exércitos, mas o Pai, que está e sempre esteve presente.

Ao contrário do Velho Testamento que apresentava Deus como o Pai de Israel, Jesus apresenta Deus não só como o seu Pai, como também o Pai de todos os que o aceitam. Nos capítulos 5 e 6 de Mateus, aparece várias vezes a expressão “vosso Pai” como vemos, por exemplo, na tradução de TEB e em todas as outras.

 

Mateus 5

43 Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 44 Eu, porém, vos digo: Amai vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. 45 a fim de serdes verdadeiramente filhos do vosso Pai que está nos céus, pois ele faz nascer o seu sol sobre os maus e os bons, e cair a chuva sobre os justos e os injustos. 46 Pois se amais aqueles que vos amam, que recompensa tereis por isso? Não agem da mesma forma até os colectores de impostos? 47 E se saudais somente vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem os pagãos a mesma coisa? 48 Vós, portanto, sereis perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celeste.

Mateus 6

1 Guardai-vos de praticar vossa religião diante dos homens para atrair os seus olhares; do contrário, não haverá nenhuma recompensa para vós da parte do vosso Pai que está nos céus. 2 Por isso, quando deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, tendo em vista a glória que vem dos homens. Em verdade, eu vos declaro: eles já receberam sua recompensa. 3 Quanto a ti, ao dares esmola, ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita, 4 a fim de que a tua esmola fique no segredo; e teu Pai, que vê no segredo, te retribuirá.  

5 E quando rezardes, não sejais como os hipócritas que gostam de fazer suas orações de pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos homens. Em verdade, eu vos digo: Já receberam a sua recompensa. 6 Quanto a ti, quando quiseres orar, entra em teu quarto mais retirado, tranca a tua porta, e dirige a tua oração ao teu Pai que está ali, no segredo. E teu Pai, que vê no segredo, te retribuirá. 7 Quando orardes, não multipliqueis palavras como fazem os pagãos; eles imaginam que pelo muito falar se farão atender. 8 Não vos assemelheis, pois, a eles, porque vosso Pai sabe do que precisais, antes de lho peçais.

9 “Vós, portanto, orai assim: Pai nosso, que estás nos céus, dá a conhecer a todos quem tu és, 10 faze com que venha o teu Reinado, faze com que se realize a tua vontade, na terra, à imagem do céu. 11 Dá-nos hoje o pão de que precisamos, 12 perdoa-nos as nossas faltas contra ti, como nós mesmos temos perdoado aos que tinham, faltas contra nós, 13 e não nos introduzas na tentação, mas livra-nos do Tentador.

14 Com efeito, se perdoardes aos homens as suas faltas, vosso Pai celeste também vos perdoará; 15 mas se não perdoardes aos homens, também vosso Pai não vos perdoará vossas faltas.    

 

A expressão “filho de...” também podia significar “descendente de..”.  Jesus é chamado “filho de David” em Lucas18:38.

Há também as expressões como “filho da paz” em Lucas 10:6, ou “filho da perdição” em João 17:12 ou 2ª Tessalonicenses 2:3, expressões que funcionam como um adjectivo que caracteriza a pessoa.

Será que podemos deduzir que seremos tanto mais “filhos de Deus” quanto mais parecidos formos com o Pai? Então, “O Filho de Deus” será o que mais se identificou com Deus o Pai.

 

5) Preexistência de Cristo

Há certas passagens neotestamentárias que nos indicam que Jesus Cristo já existia antes de nascer como filho de Maria.

Citamos em primeiro lugar João 01:01/15 e também João 6.38, João 8:58 (h), Gálatas 4:4, Filipenses 2:5/7, Colossenses 1:15/20. 

Em João 3:13 Jesus refere-se a si mesmo como “filho do homem”, para que não houvesse dúvidas da sua condição de verdadeiro homem.

Estas afirmações, de que Jesus o Cristo já existia antes do seu nascimento, bem como a sua natureza, se era verdadeiro homem ou verdadeiro Deus, foram temas de acalorados debates teológicos durante os primeiros séculos do cristianismo em que muita atitudes vergonhosas aconteceram.

 

Penso que será útil diferenciar “Jesus” o homem que nasceu como filho de Maria, nome que ainda é utilizado na nossa língua. Enquanto “Cristo”, vem do latim “Christu” que em hebraico é “Messias” que significa ungido.

A passagem em João 17:24 tem sido apresentada para mostrar que se Deus O amou antes da fundação do mundo, então Cristo já existia. Também 1ª Pedro 1:20. 

Mas então, se vemos em Efésios 1:4 que nós também fomos eleitos antes da fundação do mundo (e predestinados no versículo seguinte) também nós já existíamos, pelo menos em projecto, no pensamento de Deus? Mas será que o nosso raciocínio se pode aplicar a Deus, para quem não há passado nem futuro, pois tudo está no presente, pois está fora do tempo?!     

Não vou entrar nestes pormenores teológicos que foram debatidos durante vários séculos e por vezes as conclusões foram “arrancadas” pela força das armas. Até o próprio cânon neotestamentário só ficou “decidido” no IV Concílio em Cartago, no ano 419, portanto já no quinto século. Temos nesta página da internet o meu artigo Apocalipse e o cânon neotestamentário (CC) sobre esse assunto.

 

6) Filho adoptivo de Deus

Há muitas mais referências a Jesus Cristo como o filho de Deus, mas não encontrei nenhuma explicação para o significado desta expressão. Penso que temos de nos conformar com a impossibilidade de aprofundar este assunto com boa base neotestamentária. Julgo, no entanto, poder afirmar que a grande maioria rejeita a ideia dum filho biológico de Deus a quem não se aplicam as leis da natureza a que estamos sujeitos. João 9:35/38

Mas há outro assunto, semelhante a este e da máxima importância.

Todos conhecemos passagens que admitem que nós também podemos ser filhos adoptivos de Deus. Mas afinal, como podemos, nós também ser filhos adoptivos de Deus?

 

6.1) No Velho Testamento, como dissemos, não aparece a expressão “filho de Deus” com o significado que tem no Novo Testamento. A base da salvação dos israelitas foi a promessa do deus de Israel a Abraão que seria transmitida aos seus descendentes. Nesse contexto cultural, cerca de 1900 anos antes de Cristo tratava-se do deus dum povo que, como todos os outros deuses dos vários povos, das tribos, ou das cidades, lutava pelo seu povo, contra todos os outros.

Assim, a principal preocupação no Velho Testamento era a preservação da pureza racial do seu povo, nomeadamente dos levitas, como já referimos, mas também dos israelitas em geral, pois segundo diz Joaquim Jeremias, somente os israelitas de origem legítima formavam o Israel puro que estava incluído nessa promessa do deus de Abraão. Quando o Velho Testamento fala em salvação, refere-se à libertação de situações difíceis, como a guerra, fome, peste, doença, seca etc. enquanto no Novo Testamento a salvação refere-se geralmente às consequências do nosso pecado.

Segundo Joaquim Jeremias... a classificação do povo, do ponto de vista social, era inteiramente comandada pela ideia da conservação da pureza na nação, a única excepção a esse princípio assumia proporções muito graves. Tratava-se dos pagãos que se convertiam ao judaísmo. Certamente, não faziam parte do núcleo puro do povo israelita, mas eram, sem dúvida, recebidos na comunidade do povo em geral e tinham o direito de se casar com israelitas de origem pura, não sacerdotes. Também nesse caso, a razão era de ordem religiosa: a pertença à comunidade religiosa pesava mais do que a origem.  

Além da pureza genealógica, podemos citar a circuncisão se fosse do sexo masculino e um escrupuloso cumprimento da Lei de Moisés, que tinha certamente aspectos positivos, mas também obrigava a ser carrasco, aplicando e pena de morte em muitos casos de quem transgredisse a Velha Lei de Moisés. Levítico 24:14, Levítico24:16,  Deuteronómio 22:21 etc… 

 

6.2) No Novo Testamento há uma mudança radical no conceito de Deus.

O Deus que Jesus revelou, deixou de ser o general distante, o Senhor dos Exércitos, implacável e pouco acessível, para ser substituído pelo Pai sempre presente e pronto a receber a todos que o procurem. João 6:37

O nascimento como filho de Deus é bem diferente do nascimento biológico de todo o ser vivo como vamos em João 1:13.

Outro versículo, que já foi mencionado, mas vou repetir, pois considero-o da máxima importância é João 1:12. Mas, a todos quantos o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Ser filho de Deus é diferente de ser membro de alguma igreja, mesquita, sinagoga ou qualquer outra organização religiosa, pois para ser membro de alguma organização religiosa é necessário cumprir certos rituais de admissão, certa identificação doutrinária e ter o seu nome na lista de membros, etc. Mas tais formalidades, embora tenham a sua utilidade, não são imprescindíveis nem são suficiente para ser um filho de Deus.

Ser filho adoptivo de Deus é opção pessoal de cada um. O Deus que pode transformar pedras em “filhos de Abraão” Mateus 3:9 ou Lucas 3:8 respeita a liberdade de cada um em O receber. Essa será sempre uma opção pessoal.

Julgo que esta seria a ideia inicial dos primeiros crentes: Assim como o filho do pescador era pescador, o filho do lavrador era também lavrador etc. o filho de Deus seria certamente parecido com a imagem de Deus que Jesus apresentou, muitas vezes em oposição à religião e ao deus de Moisés, pois foi precisamente isso que aconteceu a Cristo.

Jesus o Cristo identificou-se de tal maneira com o Pai, a ponto de ser necessário dizer em João 14:28… o Pai é maior do que eu” para que não o confundissem com Deus o Pai.

 

 

 

 

(a) Génesis 6:2, Génesis 6:4, Job 1:6, Job 2:1, e Salmo 89:6

 

(b) Jerusalém no tempo de Jesus de Joaquim Jeremias pag. 292

 

(c) Não admira que Ganesh seja o deus mais popular na Índia, pois todos os anos dá direito a feriado de dois dias para todo o comércio e indústria, mas para os estudantes, uma semana de férias, em que não só os estudantes hindus comemoram como todos os outros de outras religiões se associam.

 

(d) Embora a maior parte dos cristãos seja treinada para afirmar que o Novo Testamento está em perfeita sintonia com o Velho, as grandes diferenças do comportamento divino no Velho e no Novo Testamento têm levado alguns a pensar que até aos 30 anos, Jesus tivesse contactos com outras religiões mais antigas em sintonia com o Deus Pai do Novo Testamento.

Veja-se por exemplo na tradução livre do Bhagavad Guitá do Induísmo o capítulo 12 BG-12. Não estarão estes pensamentos mais próximos da “imagem” do Deus Pai que Jesus apresentou do que as leis de Moisés?!

Noto em todas as religiões uma certa tendência em tentar monopolizar a revelação de Deus, talvez até por motivos económicos, como foi o caso de Garizim.

Ninguém pode dizer que tem a última revelação, ou a mais credível ou a mais verdadeira, pois isso seria limitar ou de alguma forma condicionar o Poder do Pai que não prescinde de se revelar no futuro, a quem quiser, quando e onde entender e pelos meios que entender, mesmo que contrarie todos os nossos valores e tradições. É isso que sempre aconteceu ao longo dos séculos, pois só o Pai é soberano.

 

(e) Aconselhamos a leitura do nosso artigo David ou Davi (CC)

 

(f) Segundo Levítico 21:16/21 um sacerdote do Velho Testamento para se aproximar do altar não podia ter nenhum defeito físico. Mas nada encontrei sobre as suas qualidades morais.   

 

(g) Veja o nosso artigo Santidade ao Senhor - Bom Samaritano (CC)

 

(h) Outras traduções, em João 8:58:  

TEB – Jesus lhe respondeu: “Em verdade, em verdade, eu vos digo, antes que Abraão fosse, Eu sou”.

Jerusalém – Jesus lhes disse: “Em verdade, em verdade, vos digo: antes que Abraão existisse, eu sou.”

BPT (tradução livre e transculturação) – Jesus afirmou-lhes: “Fiquem sabendo que, antes de Abraão nascer, já eu era aquele que sou.”

(Muitas línguas com menor precisão que a nossa, inclusive nos nossos dias, têm de utilizar o mesmo verbo para ser ou estar)          

 

 

 

Camilo - Marinha Grande - Portugal

Fevereiro de 2016

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas