Escrita universal (CC)
1.
Introdução
Parece à primeira vista, ao
leitor do mundo ocidental, que este título não faz muito sentido. Por que
referir-me à escrita universal, ou à escrita mais utilizada no mundo dos nossos
dias? Não seria mais natural e compreensível referir-me à língua mais divulgada
mundialmente?
Já me aconteceu há muitos anos,
no sul da China, ter dificuldade em comunicar com alguém e dizerem-me em
linguagem gestual, qualquer coisa como “Espere um pouco que já explico”. Eu
espero, pensando que vai chamar algum tradutor, mas ao fim de algum tempo a
pessoa com quem tento contactar, aparece com um papel, onde escreve em escrita
ideográfica, aquilo que no ocidente indevidamente chamam de “escrita chinesa”.
Claro que comigo nunca deu
resultado, pois não entendo o chinês cantonense, nem a escrita ideográfica, mas
é assim que, em grande parte do Oriente, vários povos com línguas diferentes se
entendem, utilizando a escrita comum.
Como será isso possível? Uma
escrita comum para línguas diferentes? Será certamente a dúvida de quem nasceu
e sempre viveu no Ocidente.
A resposta é simples. Pelo facto
de representar ideias e não palavras (sons), tal escrita não está subordinada a
nenhuma cultura nem nenhuma língua, e todos a podem ler na sua própria língua.
Se no ser humano, a vista é um
sentido mais apurado que a audição, seria de esperar que a comunicação por
imagens ou por símbolos, fosse mais perfeita que a comunicação por sons. Isso
não é verdade na escrita fonética, pois os símbolos gráficos (letras)
representam sons e não ideias, não podendo, evidentemente, ser mais explícitos
do que os sons, que representam.
2. Escrita ideográfica nos nossos dias
A escrita ideográfica está a
conquistar o nosso mundo, embora tal facto ainda não seja muito perceptível a
quem vive no ocidente. Posso citar o exemplo dos símbolos da marinha que os
grandes veleiros do passado, apresentavam nas
bandeiras que içavam nos seus mastros para comunicar entre si, mesmo falando
línguas diferentes. Há os sinais de trânsito que se estão a tornar universais,
bem como os símbolos da meteorologia representando e quantificando o vento,
chuva, nuvens, ondulação marítima etc que são
assinalados nas cartas (mapas meteorológicos) trocados entre os vários países,
sem necessidade de falarem a mesma língua e por vezes vemos na TV. Mas o caso
mais importante da utilização da linguagem ideográfica está na numeração árabe
que, por ser ideográfica já se tornou internacional. Praticamente todo o mundo
tem a mesma numeração árabe, sem necessidade de falar árabe, pois cada povo lê
na sua língua. Além disso a numeração ideográfica é muito mais explícita. Quem
tiver dúvidas, que faça uma simples conta de dividir com a antiga numeração
europeia, a chamada numeração romana.
Mas, mesmo nas palavras, a
escrita ideográfica já é a que tem maior número de utilizadores, se contarmos a
população da China (onde povos de várias línguas chinesas se entendem com a
mesma escrita), o Japão e a Coreia, além de outros utilizadores dessa escrita,
fora desses países.
A página da internet FASILAE apresenta a lista das 25
línguas mais faladas do mundo actual. (Poderá “clicar” nestas referências,
para ter acesso aos textos, estando ligado à internet.)
Com base nesta informação,
podemos fazer uma estimativa da parte da humanidade que utiliza a escrita
ideográfica:
Na China temos os falantes de:
Chinês Mandarim |
885.000.000 |
Chinês WU |
77.175.000 |
Chinês YUE |
66.000.000 |
Chinês MIN Nan |
49.000.000 |
Chinês JINYU |
45.000.000 |
Isto dá um total de 1.122.175.000 valor que
supomos estar um tanto desactualizado, pois deveria coincidir com o total da
população da China.
A página da internet Wikipédia, apresenta a seguinte
estimativa da população mundial em Dezembro de 2007. Lista
de países por população.
Com base nestes elementos da Wikipédia, podemos considerar que, o número dos que
utilizam a escrita ideográfica será superior a
População da
China |
1.321.852.000 |
População do
Japão |
127.046.944 |
População da
Coreia do N. |
23.302.177 |
População da
Coreia do S. |
49.045.671 |
População de
Taiwan |
23.144.384 |
Soma |
1.544.391.176 |
Com a estimativa de 6.676.629.170
para a população mundial apresentada pela Wikipédia,
podemos afirmar que actualmente, mais de 23% da população mundial utiliza a
escrita ideográfica. Como dissemos, este valor será ainda superior, pois não
foram considerados os que, fora desses países, utilizam esta forma de escrita,
que está crescendo em muitas partes do mundo.
Pesquisando na internet, não
encontrei referências às escritas mais utilizadas no mundo, mas somente às
línguas mais utilizadas, valores que são coincidentes, quando nos referimos às
escritas fonéticas. Mas assim, se nos referirmos às várias escritas e não às
línguas, a listagem apresentada pela FASILAE
teria os seguintes valores em milhões.
Escrita
ideográfica |
1.544 |
|
|
Espanhol |
332 |
Inglês |
322 |
Bangalês |
189 |
Hindi |
182 |
Português |
170 |
Russo |
170 |
Alemão |
98 |
Javanês |
76 |
Francês |
72 |
Seria necessário juntar todas as outras
escritas que se apresentam nesta lista, para se ultrapassar o número dos que,
segundo sabemos, já utilizam a escrita ideográfica.
Todos os valores mencionados até
aqui, referem-se ao número de pessoas que têm essas línguas como sua língua
materna, ou sua primeira língua, que geralmente é a que utilizam diariamente,
mas a Wikipédia apresenta outra lista dos falantes
das várias línguas, isto é, o total dos que sabem falar as línguas quer seja ou
não a sua língua materna ou a primeira língua.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_l%C3%ADnguas_por_total_de_falantes
Assim, por exemplo, no meu caso,
que tenho o português como minha língua materna, mas também entendo alguma
coisa do francês, minha segunda língua e do inglês a minha terceira língua,
deveria contar como falante dessas três línguas. No entanto, para escrever, só
escrevo correctamente a língua portuguesa.
Se considerarmos que a numeração
árabe, se tornou universal pelo facto de ser ideográfica e ser mais explícita
que a linguagem falada (ver o nosso artigo Bilião ou bilhão), sendo
aceite inclusive pela China e Japão, que já tinham outra numeração ideográfica,
mas sem utilizarem o zero, é fácil de se prever, que a escrita ideográfica, tal
como aconteceu com a numeração, será também a escrita do futuro, de quase todos
os livros. Só uma escrita em todo o mundo, que cada um irá ler na sua língua,
embora as outras formas de escrita fonética irão certamente continuar, por
motivos culturais, mas com uma utilidade prática cada vez menor, enquanto
houver quem as utilize.
3.
Qual a escrita ideográfica
Mas, falta-me ainda abordar um pormenor,
que possivelmente passou despercebido ao leitor ocidental, mas não aos
utilizadores da escrita ideográfica, nomeadamente no Japão.
Qual a escrita ideográfica que
poderá tornar-se internacional?
Acontece que no Japão, país mais
tradicionalista, há as três escritas ideográficas, que julgo não terem tradução
em língua portuguesa, mas que na língua japonesa, (utilizando os sons das
letras em português), seriam:
Canji ou kanji
Katagana ou katakana
Hiragana
Na China, também havia algumas
formas de escrita ideográfica, mas com a Revolução Cultural, a escrita kanji foi simplificada e imposta a toda a todos os povos da
China.
Esta foi uma das grandes obras da
Revolução Cultural, tão elogiada por uns e tão criticada por outros.
Pessoalmente penso que ambos terão razões, pois mudanças destas em países
milenares, nunca poderão agradar a todos. Mas os resultados estão à vista. Esse
“kanji reformado” ou simplificado, portando mais
fácil de se aprender, veio substituir a sua forma clássica e serve actualmente
para os 1300 milhões de chineses de várias línguas se entenderem, e é também
compreendido pelos japoneses que utilizam o kanji
clássico. Mas, com o aumento do número de estudantes japoneses que frequentam
universidades chinesas e vice-versa e também o número de trabalhadores que
circulam entre esses países, o kanji reformado se
está espalhando pelo Japão e por grande parte do mundo. Segundo compromisso da
China, em Macau, Hong-Kong e Taiwan (Formosa) o kanji
reformado só será obrigatório a partir do ano 2050. Mas possivelmente muito
antes dessa data a forma simplificada já será amplamente utilizada.
4. Como será o futuro?
Nos nossos dias, é inegável a
influência das línguas ocidentais, que foram impostas a todo o mundo, primeiro
pela colonização e ocupação militar e posteriormente por uma “colonização”
tecnológica, económica, cultural e inclusive religiosa. Veja-se a preocupação
do imperialismo norte-americano em divulgar a sua língua noutros países,
utilizando inclusive os “missionários evangélicos brasileiros” que aprendem
inglês para ir para a África de língua oficial portuguesa e já conseguiram que
algumas tribos da Amazónia falassem inglês, perante a passividade do Governo
brasileiro. A época da colonização pela ocupação militar acabou no fim do século
passado, e a “colonização” pelos condicionalismos económicos, culturais,
tecnológicos e religiosos, destinada a salvaguardar os interesses económicos
das ex-grandes potências ocidentais, está em rápido declínio, com o
desenvolvimento dos novos grandes países do Oriente.
Com a época da hegemonia do
Ocidente, que caracterizou o século passado, as grandes línguas não foram
afectadas, nem se espera que o sejam no futuro. Nos países que utilizam a
linguagem ideográfica todos os computadores funcionam com essa linguagem. Na
Índia (a) onde há vários povos, várias línguas e
várias culturas, que a Inglaterra fez o favor de unificar, tornando-se o
inimigo comum, o desenvolvimento da informática tem ajudado a ultrapassar as
barreiras linguísticas através do aumento de computadores, processadores de
texto e correctores ortográficos com dicionários nas várias línguas e tradução
informática, que permite a utilização do computador e da internet, na língua
materna da maioria da população. Mas infelizmente, em todo o mundo, muitas
línguas com pouca divulgação, desapareceram para sempre e outras estão em vias
de extinção, em África, e um pouco por todos os continentes, não esquecendo as
línguas dos índios do Brasil. A Índia é um dos países onde a informática mais
se desenvolveu, embora pense que muito poderia beneficiar se também adoptasse a
escrita ideográfica.
Se nos nossos dias, a nível
mundial, todas as crianças aprenderem a escrita ideográfica, o tal kanji reformado, seria possível em uma ou duas gerações, termos uma escrita comum a toda a humanidade, sem nenhuma
agressão cultural nem hegemonia de nenhuma cultura, com todas as vantagens
económicas, didácticas e culturais, nomeadamente para os “livros” de estudo.
Penso que no futuro haverá um gradual declínio da influência das línguas
ocidentais que caracterizaram os grandes impérios a nível mundial, com todas as
consequências políticas, económicas e culturais. Devido aos meus 73 anos, já
não vou viver essa realidade, mas “sonho” com o dia em que todo o estudante, quer
esteja no interior de África, em Paris, no interior da Amazónia ou em Tóquio,
estará em pé de igualdade no acesso à informação, e a capacidade intelectual de
cada um será a única diferença entre os estudantes em todo o mundo. Esse dia,
já está próximo. Penso que a partir de certa altura, todos irão aderir à
escrita ideográfica, pois mesmo que algum país ou grupo de países não queira
aderir, ficarão isolados e ultrapassados em relação ao resto do mundo, como
alguém que nos nossos dias queira rejeitar o sistema métrico, para continuar a
utilizar as medidas em pés e polegadas ou a fazer as contas com a antiga
numeração romana, rejeitando a numeração árabe e as possibilidades da
informática.
Camilo – Marinha Grande
Junho de 2007
(a)
Na
Índia não é utilizada a linguagem ideográfica, mas o desenvolvimento da
informática tem ajudado a ultrapassar barreiras linguísticas e quase todo o estudante
tem acesso à informática e processadores de texto na sua própria língua
materna. Há anos foi lançado o “Simputer” computador
simplificado de baixo custo (4100 rupias = 100 dólares ou 75 euros) para
lavradores pobres. Mas um computador com maior capacidade, de fabrico indiano,
custa actualmente cerca de 20 000 rupias (364 euros ou 484 dólares), valor não
acessível a todo o estudante, problema que tem sido ultrapassado por alguns
Estados indianos, pagando o estudante da secundária somente 1000 rupias (20
euros ou 27 dólares) ficando o restante por conta desse Estado indiano.
Enquanto
na China a escrita está uniformizada na escrita ideográfica, o tal kanji reformado a que nos referimos, na Índia há dois
alfabetos utilizados por várias línguas:
Alfabeto
Aryana utilizado nas línguas hindi ou devnaguiri (língua oficial na Índia), concanim (falado em
Goa), marathi, gujarati.
Alfabeto
Dravidiana utilizado nas línguas kannada, tamil, telegu, malayalam e também em
bengali e orya embora com algumas diferenças nestas
duas últimas.
Estudos bíblicos sem
fronteiras teológicas