Dons discutíveis
do Espírito Santo (JS)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
A profecia,
tanto quanto a glossolália, são dons discutíveis que
mais prejuízos trazem à Igreja hoje.
Não em função,
propriamente, do carisma mesmo, mas como afirmava Paulo, por causa do
entusiasmo desenfreado dos “pneumáticos”. 1ª Coríntios 14:37
Não é acidental que o texto de 1ª Coríntios 12:14
seja uma exposição exaustiva, peculiar e inteligente do tema. Neste excurso,
restringir-me-ei à análise da perícope, exegetizando
e hermeneutizando para a vivência eclesial. Tudo se
resume, ver-se-á, à questão de se priorizar o experiencial em detrimento do
nocional da Palavra de Deus. E, todas as vezes que o orante parte da
experiência para a doutrina, surge um subjetivismo contagiante e legalista.
Ambas precisam andar juntas.
Profecia é em
linguagem teológica e considerada nesta reflexão, um carisma extraordinário.
Infelizmente, não sabemos, a rigor, o que teria levado o autor a resposta tão
sistemática e precisa do tema. Havia um problema de relacionamento provocado
por avaliações heréticas a respeito do carisma? Estava a autoridade do autor
sendo posta em discussão? O contexto da epístola nos induz à conclusão de que a
situação era mais relacional do que epistemológica, isto porque, os coríntios
se reuniam para adoração. 1ª Coríntios
11:17/19, 1ª
Coríntios 14:26/32. Nestes capítulos Paulo conceitua e expõe como se dá a
manifestação do Espírito Santo em profecia e glossolália,
determinando balizas para o uso dos dons a nível congregacional. 1ª Coríntios
14:26/32.
Em minha
vivência pastoral, noto que este é o carisma no qual a presença do discernimento
de espíritos é mais ausente na sua devida compreensão. Em certas circunstâncias
tem se tornado o horóscopo de cristãos que não fazem absolutamente nada sem um
salvo-conduto, às vezes até biblicamente supérfluo, de um pretenso guru que se
intitula profeta evangélico. Em função destas idiossincrasias já se teria
eleito um Presidente protestante, doentes terminais impreterivelmente curados,
negócios feitos e desfeitos, bancarrotas desestruturando a vida de crentes
crédulos, conquanto ingênuos, sinceros diante de Deus. Os abusos, entretanto,
não devem levar-nos ao extremo de negar o carisma, nem questionar o ministério
do Espírito Santo como dizia o Nosso Senhor e registrado em João 14:25/26.
Este é o grande perigo que a igreja corre, ignorar ou proibir o mover
pneumático, e isto é, exatamente, o que a Escritura condena, ou seja, nem a
ignorância nem o arbítrio anulam a legitimidade da ação do Espírito. Destarte,
a opção sábia é “procurar com zelo os melhores dons”, ou numa tradução contextulizada, “os dons mais úteis à assembléia”.
1ª Coríntios
14:31/39
A tarefa de
interpretar escrituristicamente o fenômeno é
imprescindível. E a releitura inteligente da Palavra de Deus jungida à unção do
Espírito sugere alguns pressupostos. A priori ,
elucidemos definições históricas, mas incorretas biblicamente. Por exemplo, há
uma distinção fortíssima entre pregação e profecia. Tanto no Antigo Testamento,
versão grega da Septuaginta, como no Novo Testamento,
o grego Koinê , a profecia tem caráter intimista e preditivo. Os termos
gregos que identificam os fenômenos são “kerussô” Romanos 10:16 e “profeteo”
1ª
Coríntios 14:28 Apesar da distinção etimológica, há em contextualizações
específicas uma intercambialidade de idéias, isto é, em determinadas circunstâncias uma pregação
pode conter ou se tornar uma profecia. Não é a regra, é a exceção. Em
princípio, geralmente os fenômenos são discerníveis. As conceituações são tão
flexíveis que até uma conversa entre religiosos, com toda certeza politicamente
tendenciosa, pode ser uma profecia, tal é a liberdade do Espírito Santo. João 11:47/52, 1ª Coríntios 12:11.
Profecia é
revelação do propósito de Deus ao orante. É um fenômeno porque não se pode
negar que quaisquer manifestações do Espírito Santo são experiências intensas e
que só são digeridas a níveis do transcendente, ou plagiando Otto Piper, à luz do “numinoso”. Aqui este teólogo se identifica
com a Escritura 1ª
Coríntios 2:10/16. Assim sendo, o texto de 1ª Coríntios
14:29/32 declara que a profecia é uma revelação, é algo que não se apreende
academicamente, conquanto seja, ao contrário da glossolália,
uma experiência cognitiva. Note-se que há no texto a idéia explícita de que o
cristão está no controle da manifestação pneumática. As cláusulas “..esteja assentado..” 1ª Coríntios 14:30a
“...cale-se o primeiro..” 1ª Coríntios 14b,
“...um após outro..” 1ª
Coríntios 14:31 e “os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios
profetas..” 1ª
Coríntios 14:32; denotam a ordem do fenômeno na dimensão comunitária. O
Apocalipse de João é chamado com propriedade “Revelação de Jesus Cristo” Apocalipse 1:1 e identificado
genericamente como “profecia” Apocalipse 1:4. É
um discurso inspirado dentro da mais legitima tradição
dos profetas hebraicos. Desta maneira, as formas de expressar determinadas
teofanias não poderiam ser diferentes das dos profetas, por exemplo Êxodo 4:15/16.
Assim, o elemento preditivo na profecia do Novo Testamento Actos 21:10/14
não deve ser entendido como qualquer interpolação arbitrária de determinado
autor, mas seu elemento constitutivo. Todavia, quando se discute este carisma
hoje, já não há dubiedade quanto à natureza, etiologia ou relevância do fato,
mas a questão é – quais os critérios de avaliação da autenticidade do fenômeno?
O que é divino, pisicológico ou demonizante?
São probabilidades factíveis no universo espiritual. Efésios 6:10/14.
Aqui é que está a grande problemática do tema em termos de praticidade
eclesial. Isto é tão sério que o próprio Espírito Santo se manifesta “em dom de
discernimento de espíritos” 1ª Coríntios 12:10
Observem que não é carisma de “discernimento”, “bom senso”, mas dom de
discernimento de espíritos. Isto viabiliza os cuidados acima pressupostos.
Então, a grande inquirição é: como identificar um mover do Espírito Santo em profecia ? Como distinguir o falso do verdadeiro e que
atitude tomar. Êxodo
8:6/7, Êxodo
8:16/19 ?
Em primeiro
lugar, o texto de Paulo estabelece que a grande ênfase no exercício da profecia
é que a mesma deve ser sempre “julgada” 1ª Coríntios
14:29/30. Aqui surge um impasse textual: julgar a quem ?
O profeta ou a profecia? O texto é teologicamente dúbio. Entretanto, contextualizando
a declaração de Paulo, parece que discernir simultaneamente o espírito da
profecia e o caráter do profeta é o caminho mais fiel e conveniente. Examine-se
tanto o profeta como a profecia. Por exemplo, o profeta pode falar em línguas
espirituais, exorcizar demonizados, operar milagres, manter postura beneditina,
mas se os frutos da sua vivência da prática do Nosso Senhor, forem maus, é
preciso questionar, com certeza estaremos diante de uma escaramuça do diabo.
São João da Cruz , nos seus escritos, dizia que para
se descobrir o demônio é só uma questão de tempo e paciência. Jesus foi
incisivo neste aspecto. Mateus 7:15/23.
Toda profecia deve fielmente cumprir-se. Profecia do Espírito Santo se cumpre,
malgrado o sentido pleno, longínquo, maior, de que fala o biblista; ela sempre
tem um cumprimento imediato Deuteronómio
18:21/22. O grande problema hoje é que vivemos numa sociedade marcada pelo
instantâneo exagerado e o crente não tem paciência para esperar ouvir a voz de
Deus. Tiago
1:19/21, Isaías
28:16. E aí a veracidade da fé é questionada em razão da ingenuidade,
hipocrisia ou soberba de pretensos profetas. Aqui louvo os grupos carismáticos
católicos. Nestes, toda profecia é submetida, antes de anunciada à congregação,
ao parecer teológico dos “pastores e mestres” Efésios 4:11/15.
Há uma simbiose entre o carismático e o institucional Actos 15:1/28.
Além disto, vivemos em um caldeirão religioso sobremodo sincretista. Não há
povo mais religiosamente sincrético do que o nosso. Imagine discernir o
verdadeiro entre adeptos da macumba, candomblé, Iurd,
católicos carismáticos, neo-pentecostais, segmentos diversos
do espiritismo, grupos orientais, etc. Não é fácil! Qual o referencial para o
cristão sincero? Eu, particularmente, não ignoro a recomendação de Jesus
presente em João
5:37/40.
A Glossolália, como a profecia, é uma
carisma constitutivo da igreja. Na visão de Paulo, não existe igreja sem
carisma Efésios
4:7/14. A exposição de 1ª Coríntios 12-14, conquanto ocasional, é uma
formulação doutrinária do assunto. Em 1ª Coríntios a questão é sistematizada e
em Actos dos Apóstolos é historizada. O evento do Pentecostes não foi de
línguas estrangeiras na sua origem, apesar da opacidade da perícope de Actos 2:1/13. A
reunião em casa de Cornélio, interpretada por Pedro como tendo sido
epistemologicamente semelhante ao acontecido no Pentecostes, elimina todas as
justificativas dos que optam pela hermenêutica tradicional do fato. Assim
sendo, a essência do problema é que tivemos no Pentecostes um milagre não de
dicção, mas certamente de audição não obstante em situações peculiaríssimas os
fenômenos pululem simultaneamente. Em 1ª Coríntios, os textos em análise não
esgotam a explicitação de todos os dons, mas somente os discutíveis, geradores
de uma postura litúrgica e ética de alguns irmãos. Outrossim, esclareça-se que
o autor fala a uma igreja que vivencia os carisma, daí não achar necessário
defini-los, restringindo a interpretação apenas à glossolália
e profecia. 1ª
Coríntios 12:14.
A priori , Paulo corrige distorções presentes na igreja local.
Sugere que não ignorem os dons 1ª Coríntios
12:1/3, mas que procurem com “zelo os dons úteis”, ou seja, que promovam a
edificação e em circunstância alguma se proíba o falar em línguas, desde que,
evidentemente, sejam respeitadas as normas estabelecidas por Deus 1ª Coríntios 14:37.
E isto é, justamente o que a igreja histórica brasileira não tem pensado. Até
hoje, não se viu um texto de peso, exegeticamente imparcial que tente definir o
fenômeno. Os poucos documentos que surgiram nestas duas últimas décadas, por
exemplo, são análises tímidas e vividamente viciadas exegética e
teologicamente. Na verdade diria que são mais eisxegese
do que exegese séria, ou seja, construída à serviço da
Teologia Institucional, e neste caso o Espírito tem procurado “assoprar” em
outros campos. Actos
10:44.
Nos textos paulinos acima referenciados, o que podemos descobrir como
princípios a respeito da questão? A exposição inicia dizendo que “falar em
línguas” é um fenômeno 1ª Coríntios 14:2.
A expressão “falar em línguas estranhas”, que apareceu na década de setenta em
algumas versões da Escritura, não é nem bíblica nem teológica. No texto
original, Paulo afirma simplesmente que orar no Espírito ou pelo Espírito é “glossolalein”, reconhecidas lingüisticamente
quanto à estrutura morfológica, mas não conhecidas por etnia alguma. 1ª Coríntios 14:2.
É um dom de Deus, útil à igreja quando corretamente interpretada 1ª Coríntios 12:8, 1ª Coríntios
14:5/39. Qual seria a natureza deste fenômeno? É uma forma não intelectual
de comunhão com Deus. Examine nesta perspectiva 1ª Coríntios
14:13/14 contextualizando exegeticamente. O que o texto diz é que o orante
glossolálico, conquanto a nível consciente não saiba o que está verbalizando,
pelo menos tem o controle das emoções e está sendo
edificado. 1ª
Coríntios 14:4/32. É aqui onde quem não teve a experiência não absorve o
fenômeno, mas é a mais clara e pura verdade do Espírito. Observe-se com cuidado
a declaração de Paulo: “Porque , se eu orar em outra língua,
o meu Espírito ora de fato, mas a minha mente fica infrutífera” 1ª Coríntios 14:14.
Aqui sou menos dogmático e mais empírico e diria que na verdade, a rigor,
ninguém pode declarar que é proprietário de um carisma, mas que somos meros
canais, instrumentações do Espírito que distribui “como lhe apraz”. 1ª Coríntios 12:11.
“visando um fim proveitoso” 1ª Coríntios 12:7;
a edificação em unidade da igreja que adora. Se não edifica a comunidade, no
refletir do autor não é um dos “melhores dons”. Melhor aqui é sinônimo de útil.
Além disto, o falar em línguas é uma experiência que edifica 1ª Coríntios
14:4/5, 1ª
Coríntios 14:22/23. A idéia embutida neste termo “edificar”
tem uma conotação terapêutica. O Espírito Santo cria livremente mecanismo para
o louvor, comunhão, derramamento da Graça de Deus, que geram cura interior,
convicção da presença cotidiana do Senhor, disposição para preservar a unidade
do Espírito, apego à Palavra de Deus e um tremendo amor ao próximo. Finalmente,
de forma abrangente, mas didática, o texto reafirma alguns critérios para o uso
deste carisma e expurga crendices que lamentavelmente estão arraigadas no seio
da igreja hoje, mas que não permitem uma boa, séria e saudável hermenêutica:
(1) Não há
normas para o uso do dom a nível não congregacional 1ª Coríntios 14:28.
(2) O dom não
pressupõe que o orante seja mais espiritual do que outros irmãos. Quando muito,
pode-se admitir que o mesmo vivencie vida cristão mais coerente do que antes. 1ª Coríntios 14:4.
(3) Se não
houver interpretação e não tradução, ou seja, alguém que sob inspiração de Deus
decodifique a experiência glossolálica, a recomendação é que “...fique calado
na igreja, falando consigo mesmo e com Deus..” 1ª Coríntios
14:28/32
(4) O orante
não perde nem a consciência, nem o controle emocional quando ora em línguas. 1ª Coríntios 14:32.
(5) O carisma,
como qualquer outro, deve ser avaliado pela comunidade. Observe a necessidade
do “discernimento de espíritos” como guardião da legitimidade da revelação e
adoração 1ª
Coríntios 12:20, 1ª
Coríntios 14:29.
(6) Todo
crente comprometido com a Palavra de Deus, deve aceitar estes pressupostos como
revelação do Senhor. 1ª
Coríntios 14:37.
Rev. Joel
Paulo de Sousa Filho
Igreja Cristã
Evangélica União
Goiânia – Estado de Goiás – Brasil
Estudos
bíblicos sem fronteiras teológicas