Dogma evangélico e protestante (CC)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

 

1. Introdução

Qual o fundamento do Cristianismo e das religiões em geral? Ou qual a base de toda a teologia?

Lembro-me de que, quando trabalhava na minha profissão de engenharia de construção civil (antes de estar aposentado), um dos pormenores dum edifício que mais me preocupava eram as fundações. De nada serviria todos os cálculos da estrutura estarem bem elaborados, se não tivesse confiança nas fundações do edifício pois todos os esforços das lajes descarregam nas vigas, e estas nos pilares que assentam nas fundações.

Estabelecendo um paralelo de ideias com a teologia, também pergunto: Qual será a base ou o fundamento de toda a teologia?

Podemos imaginar o início duma missa católica em que por vezes os celebrantes entram em solene procissão, trazendo um deles uma grande Bíblia que segura com os braços bem levantados. Mais adiante, na leitura dos textos, a Bíblia é perfumada com incenso e quando o texto dos evangelhos é lido pelo padre ou pregador desse dia, toda a assistência se coloca de pé. Mas… será isso suficiente para comprovar a inspiração dos textos bíblicos?!

Também nas igrejas protestantes e evangélicas, se dá uma grande ênfase à Bíblia e toda a reflexão teológica se baseia em passagens bíblicas. Mas… não faz parte da tradição cristã, questionar a credibilidade da própria Bíblia.

Já tirei algumas cadeiras de cursos protestantes de teologia por extensão, desses em que o aluno estuda em sua casa e envia os trabalhos de sua investigação pelos correios ou pela internet. Todos se baseavam na Bíblia, mas não me lembro de se ter questionado a sua veracidade. Houve vários estudos a descrever a Bíblia, a sua composição e a origem dos seus livros mas nunca se questionou a sua credibilidade, que sempre funcionou como um dogma que ninguém teve a oportunidade ou o “atrevimento” de questionar. Bem sei que a palavra dogma não faz parte da teologia protestante, mas o importante não são propriamente as palavra mas aquilo que elas significam e não tenho dúvidas de que há entre evangélicos e protestantes, perante certas tradições, a mesma atitude que os católicos têm perante os dogmas que consideram afirmações que não estão em discussão.

Assim como na comparação que apresentei, a primeira coisa a fazer na construção dum edifício são as suas fundações, pois se estas não forem suficientemente sólidas todo o edifício estará em perigo e já será demasiado tarde para emendar as fundações depois do edifício construído, não deveríamos também começar por desenvolver o assunto da credibilidade da Bíblia antes de “construir” toda a nossa teologia tendo por base a própria Bíblia?!

Geralmente os teólogos judaicos baseavam-se no Velho Testamento, os cristãos fundamentam as suas convicções em versículos de toda a Bíblia e os teólogos islâmicos baseiam-se em versículos do Alcorão e da Bíblia.

Duma maneira geral, todas as grandes religiões têm os seus livros que consideram como inspirados e em que baseiam toda a sua teologia. Todas as afirmações são demostradas e comprovadas com base nos seus textos sagrados e o mesmo acontece nas religiões abraâmicas.    

Noto nas várias igrejas uma certa preocupação em controlar e dirigir as leituras da Bíblia dos seus crentes. Se for numa igreja evangélica, a alguém que compre uma bíblia, logo oferecem os “planos de leitura de toda a Bíblia em x anos” e claro que se dá maior ênfase aos versículos que mais interessam a determinada teologia. Não seria mais fácil ler tudo de seguida do Génesis ao Apocalipse? Se for numa igreja católica ou do protestantismo tradicional, há o leccionário litúrgico, que certamente tem as suas vantagens, mas acaba por se dar muito maior ênfase aos textos do leccionário, que acabam por se tornar o Cânon do cânon e as outras passagens ficam esquecidas, em especial as passagens mais escandalosas da Bíblia.  

 

2. Origem da Bíblia

A Bíblia, tal como hoje a imaginamos, como um livro com todos os textos do Génesis ao Apocalipse é bem recente, pois os seus primeiros exemplares só apareceram em 1455 na tradução em alemão. Mas, nem sempre foi assim, pois durante muitos séculos os vários “livros” da antiguidade eram os rolos que estavam no Templo de Jerusalém e as cópias que havia nas várias sinagogas. Podemos imaginar o valor de cada um desses “livros”, não só pelo preço do material antes da invenção do papel, como pelo trabalho dos copistas, pois tudo era feito manualmente.

Penso que hoje estamos numa época de transição, em que a vulgar bíblia deixará de ser um livro para passar a ser um registo informático. Eu prefiro ler no meu computador por ser mais cómodo, pois posso regular o tamanho das letras, procurar algum versículo escrevendo o livro/capítulo/versículo e principalmente se me lembrar de algum versículo, sem ter ideia de onde estará, em vez de ter a missão quase impossível de o procurar nos vários rolos duma bíblia da antiguidade ou entre as 2000 ou mais páginas duma bíblia inteira (em livro), poderei simplesmente escrever as palavras e ao fim de uns segundos o computador encontra todos os versículos onde essa expressão aparece.

 

2.1 Velho Testamento

Os “livros” mais antigos do Velho Testamento supõe-se que sejam da época de Salomão, que mandou escrever o que até essa época se transmitia oralmente de pais para filhos.

Mesmo na época em que Jesus viveu, as “Escrituras” ou os “Livros” dessa época eram os vários rolos que estavam no Templo de Jerusalém, havendo também algumas cópias nas várias sinagogas de Israel e noutros locais do Império Romano. Só depois da época de Cristo, cerca do ano 90 ou 100 da nossa era, um grupo de levitas se reuniu na cidade de Jâmnia para definir o cânon, ou seja quais os “livros” que eles consideravam inspirados e quais os que deveriam ser rejeitados.

Será que faz sentido que protestantes e evangélicos que, como eu, não aceitam a infalibilidade do Papa, aceitem sem questionar esta decisão desse grupo de judeus?

Atendendo a que:

Eles não eram cristãos. Nesse contexto histórico podiam considerar-se como os inimigos de Cristo, os que estão na origem da sua morte.

Só foram aceites os livros escritos originalmente em hebraico e em Jerusalém. Será que o Deus em que acreditamos é judeu? Ou só fala hebraico? Já não é o Deus omnipresente, pois só se manifesta em Jerusalém?

Alguns desses livros, rejeitados em Jâmnia foram considerados como “deuterocanónicos” que significa menos inspirados ou de inspiração duvidosa, mas são aceites no catolicismo, embora sejam rejeitados por protestantes e evangélicos que seguem a tradição dos judeus.

Afinal, o cânon veterotestamentário também não foi decidido em Jerusalém, mas em Jâmnia que fica a ocidente de Jerusalém já próximo do Mediterrâneo.

 

2.2 Novo Testamento

Como é óbvio, todos os “livros” do Novo Testamento foram escritos depois da época de Cristo e o cânon neotestamentário foi-se formando gradualmente. Na época em que Lucas escreve o seu evangelho, segundo alguns historiadores, havia dezenas de “evangelhos” fruto da fértil imaginação dos crentes. É a esses “evangelhos” que Lucas se refere em Lucas 1:1/4, quando decide investigar pormenorizadamente a verdade antes de escrever o seu Evangelho fruto duma cuidadosa investigação.

Inicialmente o problema foi a afirmação de que os novos escritos também eram “Palavra de Deus” inspirada, em igualdade com os escritos veterotestamentários, já tradicionalmente aceites como tal. A antiga expressão “está escrito…passa a ser utilizada também em relação aos textos neotestamentários.

Mas logo de início, não houve unanimidade na aceitação da inspiração de toda a Bíblia. Marcião afastou-se da Igreja no ano 144 pois recusou aceitar os métodos alegóricos de exegese habituais e achou impossível conciliar o Velho Testamento com o Evangelho de Cristo. Considerava que o legalismo e justiça severa de um e a graça e o amor redentor do outro representavam dois conceitos opostos de religião.

Não sabemos quais os “livros” da Bíblia que circulavam na época de Marcião, mas se quando Lucas escreveu o seu Evangelho já havia dezenas de evangelhos, possivelmente mais haveria na época de Marcião. Assim surgiu a necessidade de se estabelecer um cânon para o Novo Testamento, à semelhança do que já havia para o Velho Testamento. Há pouca informação credível sobre Marcião, pois a quase totalidade da informação vem através dos seus inimigos que o consideram como “o herege de Sinope”, por este afirmar o que é mais que evidente, a grande diferença na revelação de Deus no Velho e no Novo Testamento.

Por vezes ficamos impossibilitados de ver o que é simples e mais que evidente por falta de liberdade de reflexão e por estarmos condicionados pela nossa tradição e cultura religiosa que nos obriga a defender a “nossa verdade” ou a “verdade” a que estamos ligados pelos mais variados motivos.

Se inicialmente o problema foi aceitar que os textos do Novo Testamento eram tão credíveis como os do Velho Testamento, alguns séculos mais tarde, e ainda hoje, a dificuldade está em provar o contrário, que o Velho Testamento é tão credível como o Novo Testamento.   

O cânon do Novo Testamento foi o resultado de alguns séculos de estudos do primitivo cristianismo durante os quais os vários “livros” foram colocados à prova, sendo muitos deles rejeitados. No Concílio de Niceia (325) já estava praticamente definido, mas grande parte das igrejas do primitivo cristianismo rejeitou o Apocalipse que só foi integrado no cânon neotestamentário no século V, numa sessão muito polémica do Concílio de Cartago, a que me refiro no meu artigo Apocalipse e o cânon neotestamentário (CC).   

 

 

3. Inspiração bíblica

O primitivo cristianismo “herdou” o conceito de inspiração do Velho Testamento. Mas o que entendemos por “inspiração?!

Os teólogos dos primeiros tempos, considerados como os “Pais da Igreja”, segundo nos informa J. Kelly tinham dois conceitos diferentes inspiração:

Segundo Filo, os profetas perdiam a consciência quando o Espírito de Deus se apoderava deles, ficando num estado de êxtase como acontecia noutras religiões dessa época. Eram como instrumentos musicais tocados pelo Espírito Santo.

Mas, segundo Hipólito, quando o Verbo movia os profetas, era para esclarecer a sua visão e instruir a sua compreensão. Também Orígenes rejeitava a ideia de que o Espírito de Deus actuasse como os oráculos do paganismo, pois o seu objectivo era instruir o próprio profeta, sem suspender o seu livre-arbítrio. Portanto, os verdadeiros profetas de Deus continuavam na plena posse de todas as suas faculdades mentais.

Penso que as duas interpretações são possíveis: a Primeira, defendida por Filo, poderia basear-se em Actos 2:01/04 ou Actos 10:44/46 e a segunda posição teológica, seria baseada nas contradições e afirmações bíblicas que são consideradas erradas no nosso contexto histórico mas que eram a “verdade” da época em que foram escritos. Pelos textos que chegaram aos nossos dias, vemos que cada evangelista ou escritor da Bíblia, mantem o seu estilo literário e também penso que seria esta a posição teológica de Paulo quando em 1ª Coríntios 1:14/17 verificou que se tinha enganado. Em vez de rasgar tudo e começar novamente (e seriam só 17 versículos), pois estava a escrever um documento onde não podia haver nem sombra de erro, Paulo, com toda a naturalidade, afirma que se enganou e continua a escrever.   

 

3.1Cristo homologou o Velho Testamento?

A maior parte da literatura religiosa afirma que Jesus Cristo aceitava a inspiração do Velho Testamento pelas várias referências que faz aos textos veterotestamentários.

É verdade que Jesus várias vezes se refere ao Velho Testamento, mas não podemos ignorar passagens como Mateus 5:21/46 em que corrigiu várias informações do Velho Testamento com a sua conhecida expressão … mas Eu vos digo. Também há passagens em que Jesus se recusa a apedrejar a mulher adúltera João 8:01/11 transgredindo assim o que diz a Lei veterotestamentária em Levítico 20:10 que mandava aplicar a pena de morte à mulher, ou que em Lucas 8:51/55 transgrediu o Velho Testamento que em Números 19:11 proibia de tocar num cadáver.         

 

3.2 Posição teológica de outros escritores neotestamentários sobre o Velho Testamento

A principal passagem neotestamentária para “provar” a inspiração de toda a Bíblia é Timóteo 3:16 que geralmente é traduzida como na TEB Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, refutar, corrigir, educar na justiça, … mas a própria TEB (na sua tradução completa) alerta para uma segunda tradução possível como Toda a Escritura inspirada por Deus é útil…. Também outras traduções mais sérias e imparciais como a Bíblia de Jerusalém ou a TOB (em francês) alertam para as duas traduções possíveis de Timóteo 3:16.

Como não conheço a língua grega, muito menos o grego antigo, tentei investigar numa tradução palavra por palavra que seria: Toda (a)Escritura (é)inspirada por Deus e útil para ensino … Nas cópias (dos originais) só está o que apresento em azul. Foi necessário acrescentar (a) e (é), para fazer sentido na nossa língua, mas isso foi opção do tradutor. (I)

Para ter acesso ao texto com o grego e português, poderá clicar em Timóteo 3:16 (interlinear)    

 

Temos portanto duas traduções possíveis. Vejamos qual a mais credível no contexto histórico em que Paulo escreveu.

Segundo vemos em Timóteo 1:8 Paulo estava preso quando escreveu esta carta a Timóteo. Esta informação é importante, pois leva os historiadores a afirmar que a carta foi escrita no ano 67.

Assim, como qualquer documento da história, tem de ser interpretado dando às palavras o significado que tinham nesse contexto histórico. Quando Paulo fala em Escritura, não podemos imaginar as nossas bíblias impressas e encadernadas, pois para Paulo eram os rolos manuscritos que estavam no Templo (em relação do Velho Testamento) ou os “recentes” manuscritos neotestamentários que já circulavam pelas várias igrejas.

Mas se estavam no ano 67 e Paulo diz que Toda a Escritura é inspirada, e o cânon veterotestamentário é do ano 90 ou 100, teremos de aceitar todos os “livros” veterotestamentários que foram rejeitados em Jâmnia, bem como todos os “evangelhos” a que Lucas se refere logo no início do seu Evangelho Lucas 1/4.

Paulo bem sabia que havia “livros” que não mereciam confiança, por serem fruto da imaginação popular, quer no Velho como no Novo Testamento ainda em formação. É por isso que Paulo tenta deixar claro que não se refere a toda a escritura mas só à Escritura inspirada.

Nos nossos dias parece não fazer muito sentido esta afirmação de Paulo. Mas temos de interpretar este versículo no seu contexto histórico. (II)

Certamente que “escritura” são todos os documentos escritos. Mesmo num contexto de religião “Escritura” seria o escrito inspirado por Deus. Portanto seriam todos os documentos que se apresentavam como Escrituras religiosas. Não podemos ignorar que nessa época nem todos sabiam ler e escrever, e muito menor seria o número dos que se podiam dar ao luxo de escrever, pois ainda não havia papel e os materiais para escrever não estavam ao alcance de todos. A antiga expressão “…está escrito …”, que aparece 13 vezes no Novo Testamento e 20 vezes no Velho Testamento, dava muito mais ênfase e credibilidade à informação, o que já não acontece nos nossos dias em que ninguém de bom senso vai dar mais credibilidade a determinada informação só por estar escrita. Não podemos ignorar esse contexto histórico em que Lucas logo no início do seu Evangelho em Lucas 1:1/4, se refere à grande quantidade de “evangelhos”, muitos deles fruto da imaginação popular. Alguns historiadores dizem que havia dezenas de “evangelhos”. Tudo isso também “estava escrito” e Paulo teve necessidade de alertar os crentes para que não aceitassem “toda e qualquer escritura”, mas só a inspirada.   

 

Costumam também mencionar Pedro 1:21 que segundo a TEB é: Porque nunca uma profecia foi proferida pela vontade humana, mas foi movidos pelo Espírito Santo que homens falaram da parte de Deus.   

Mas não podemos esquecer de que havia, e certamente ainda há, os falsos profetas e falsas profecias, como somos alertados em Mateus 7:15, Mateus 24:11, Lucas 6:26, Pedro 2:1 e principalmente em 1ª João 4:1.    

 

3.3 Quem é o autor do Velho Testamento? 

Não pergunto propriamente quem escreveu o Velho Testamento, mas se são livros inspirados, temos de investigar quem os inspirou, pois este seria o verdadeiro autor mesmo admitindo os dois tipos de inspiração a que já nos referimos.

Na maior parte dos livros veterotestamentários, já se sabe quem os escreveu. Em todo o Velho Testamento aparece 29 vezes a expressão “veio a palavra do Senhor”, ou “a palavra do Senhor foi dirigida” ou outra expressão equivalente, confirmando que o autor se limitou a transcrever o que recebeu de Deus, que é o verdadeiro autor desses livros. Mas, será o mesmo deus que Jesus nos revelou? Como podemos confirmar?

Os habituais métodos de identificação do autor, não funcionam nestes casos. Certamente que não podemos esperar por uma assinatura de Deus. A letra dos antigos manuscritos, mesmo que os originais chegassem aos nossos dias, seria a letra de quem escreveu, assim como o seu estilo literário. Mas há só um pormenor que nos pode dar ideia do autor: Pelas ideias que manifesta. Será que é a mesma mentalidade, a mesma personalidade, as mesmas ideias que vemos no Deus Pai, que Jesus nos manifestou?

Vejamos por exemplo Números 15:32/36 em que o deus dos judeus aplica a pena de morte, transformando todos os judeus em carrascos para apedrejar o desgraçado que foi apanhar lenha num dia de sábado. Ou Números 31:8/18 em que o deus dos judeus através de Moisés repreende os militares de Israel por tentarem poupar algumas vidas e os obriga a matar inocentes. Ou Deuteronómio 20:10/18 que nos mostra o imperialismo de Israel, que certamente não é divulgado nas igrejas. Mesmo considerando que esta última lei, no livro de Deuteronómio, foi uma Lei válida só para essa época da ocupação do território, será argumento suficiente para justificar esses crimes?

Será possível, alguém que verdadeiramente conhece a Cristo e ao Deus Pai, afirmar que esse do Velho Testamento é o mesmo Deus que Jesus nos revelou?! Isto e muito mais, é o que nos mostra o Velho Testamento, que os fundamentalistas judeus ou cristãos afirmam ser a Palavra de Deus eterna e imutável.

Será que as Leis de Moisés são eternas e imutáveis?! Então, teremos de aplicar a pena de morte a quem trabalhar ao sábado, executando todo o pessoal em serviço aos sábados nos hospitais (médicos, enfermeiros, farmacêuticos etc.), serviços de segurança (polícias, militares, bombeiros) que velam pela nossa segurança assim como o pessoal que trabalha aos sábados para que tenhamos o abastecimento de água e de electricidade a funcionar? Será que a segurança nos aeroportos, quando tivermos de viajar, nos deixará embarcar com o pau ou a pá, para cumprir Deuteronómio 23:13 (noutras traduções é o vr. 14) que faz parte da Lei eterna e imutável segundo afirmam os fundamentalistas? Desculpem por não transcrever este versículo, mas podem ler no Velho Testamento. 

Penso que o Velho Testamento tem utilidade é até imprescindível para se compreender o Novo Testamento além do seu inegável valor como livro histórico. Mas será que podemos aceitar a velha Lei de Moisés como normativa para os nossos dias, por ser uma Lei de Deus eterna e imutável?!

 

 

4. Perigo duma interpretação fundamentalista da Bíblia  

Certo dia, recebi uma mensagem dum dirigente evangélico português, que defendia “a validade do fundamentalismo evangélico como afirmação categórica da Bíblia como a inerrante Palavra de Deus, a palavra eterna que não passará e que tem toda a pertinência seja na dimensão espiritual, moral, ética, cultural, filosófica, psicológica, antropológica, histórica, científica ou outra qualquer.

Penso que este tipo de interpretação é um grande perigo, pois grande parte da velha Lei de Moisés é impraticável nos nossos dias. Até penso que muitos dos crimes do auto proclamado Estado Islâmico não têm fundamento no Alcorão, mas poderão ter fundamento na Velha Lei de Moisés, nomeadamente no Pentateuco.

Mas o maior escândalo é que os mais horrorosos crimes foram cometidos pelos israelitas em cumprimento das instruções do seu deus que obrigava todos os israelitas a servir de carrascos ao aplicar a pena de morte.

 

 

5. Conclusão

Pessoalmente, tenho de rejeitar o dogma da inspiração ou infalibilidade de toda a Bíblia, aceite por muitos evangélicos e protestantes.

Considero-me cristão e tento seguir a Cristo, e só a Cristo. Sou um admirador do Novo Testamento, mas não posso garantir que não haverá erros como diz a tradição.

Quanto ao Velho Testamento, o mínimo que posso dizer é que nem tudo é bom no Velho Testamento por não estar em sintomia com o Pai que Jesus nos revelou. Talvez tenham certa razão os que defendem que não foi esse deus do Velho Testamento que fez o primeiro homem, mas foi o homem primitivo que fez um deus à sua semelhança. Assim, o homem da época de Abraão que viveu há quase 4000 anos ou da época de Moisés que viveu há 3200 anos “fez” um deus à sua imagem e semelhança, um deus primitivo, sanguinário e indiferente ao sofrimento humano, que faz discriminação atendendo à raça, nacionalidade e sexo, um deus que o defendesse e lutasse a seu favor, contra todos os outros povos. Mas também se nota a influência de algumas das mais antigas religiões dessa época, como a da Babilónia e do Egipto nomeadamente no Decálogo. Penso que Moisés “pirateou” o que havia de melhor nas grandes religiões que conhecia, embora ele próprio não cumprisse o Decálogo que acabara de proclamar, como vemos em Êxodo 32:27/28. Veja também o artigo Decálogo – Dez Mandamentos (CC)

Considero que o Velho Testamento é perigoso se for considerado como normativo para os nossos dias por conter passagens que apelam ao racismo, machismo extremo, xenofobia, e ódio religioso etc.

Certamente que a Bíblia é um livro de grande importância. Mas talvez estejamos a dar uma exagerada importância à Bíblia, pois comportamo-nos como se Jesus tivesse dito: Não vos deixarei órfãos; Deixo-vos as Escrituras.

Foi isto que Jesus disse?... Por favor…. Veja o que está em João 14:15/18.

Se me amarem hão-de cumprir os meus mandamentos, e eu pedirei ao Pai para vos enviar um outro Defensor que esteja sempre convosco.

O Espírito de verdade que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece. Ele está convosco e habitará em vós, por isso o conhecem.

Não vos hei-de deixar órfãos pois voltarei para junto de vós. Tradução de BPT (Bíblia para todos)

Já é tempo de darmos o lugar que merece ao Espírito de Verdade que o Pai enviou para habitar connosco e estar em nós. Que o Pai nos perdoe se por vezes ignoramos o Seu Espírito, que está connosco, para orar ao distante Senhor dos Exércitos.

 

Camilo, Marinha Grande, Portugal

Outubro de 2016

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas

 

(I) Segundo nos informa a Bíblia de Frederico Lourenço na página 41, na época em que os evangelhos foram escritos, a escrita grega não tinha maiúsculas, nem pontuação, nem separação de palavras.

 

(II) Por vezes, até no mesmo contexto histórico pode o contexto cultural ser diferente.

Lembro-me do caso dum casal amigo de Goa que veio residir em Portugal. O seu menino foi para a escola e depois contacta com seus amiguinhos em Goa pela internet enviando imagens da escola que considera muito bonita, nova, moderna e com espaço para brincar (O principal problema na Índia é o espaço para as crianças). Os colegas em Goa vêem as imagens enviadas pela internet e houve um que perguntou:

O que é aquilo aí ao teu lado?

Isto… dizem que é um irradiador, mas não sei bem como funciona.

Para que serve isso?

Dizem que é para fazer calor.

O quê?!!!  Ainda mais calor?!

     

Literatura consultada:

Bíblia de Jerusalém, BPT, Novo Testamento Interlinear, TEB, Bíblia de Frederico Lourenço.

Atlas Bíblico da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Evangelhos Apócrifos de Luigi Moraldi

Dicionário de Teologia Bauer das Edições Loyola

Comentário Esperança – Werner de Boor Hans Burki

Doutrinas Centrais da Fé Cristã de J. N. D. Kelly

 

 

Comentários recebidos

 

 

David de Oliveira - Goiânia - Brasil

Outubro de 2016

Somos mais verdadeiros quando vivemos juntos com os outros, nas ruas e na vida. É exatamente nesses lugares que demonstramos espontaneamente aquilo que realmente somos sem nos preocuparmos em ser o que querem que sejamos. Foi exatamente isso que aconteceu com o apóstolo Pedro, quando Paulo o repreendeu por ser um tipo de pessoa quando estava junto com os judeus e outro tipo de pessoa quando estava junto com os não judeus e longe dos judeus. Esse tipo de hipocrisia é muito comum quando pessoas comuns estão numa igreja/prédio, mas quanto a Pedro, essa ideia é extraordinária. Três anos seguidos juntos com o Mestre; discípulo evidenciado dentre os outros e comandou a inauguração do período da Igreja no episódio-ícone do Pentecostes. Menciono tudo isso para tentar ousar questionar os dois “livros” que temos dele no cânon neotestamentário – imagine quantos escritores bíblicos de pouca credibilidade e até desconhecidos temos na bíblia! Será que Pedro, quando escreveu os seus dois “livros” já havia se livrado de suas dissimulações, que equivalem a falsidades e mentiras?

A bíblia, como um todo é como um grande supermercado de conveniências. O que é conveniência? É aquilo que nos convém; aquilo que nos interessa; aquilo que escolhemos para satisfazer os nossos interesses ou os interesses da maioria. A bíblia é cheia de variedades de interpretações, por isso é que dela surgiram várias matizes teológicas ou denominações. O que é que queremos ser? O que é certo e o que é errado? Seja lá o que for poderemos encontrar amparos para atenuar o peso de consciência, mas mesmo essas contemplações de interesses não vão aliviar o peso do comportamento espúrio que escolhemos e que nos convém para levar vantagens diversas.

A verdade bíblica não é encontrada em seus pedaços fatiados, mas no conjunto da obra. O seu entendimento ou moral é feito pelos seus acertos e falhas e isso deverá ser feito levando em consideração a historicidade, cultura e costumes, não esquecendo que, confiar nos acontecimentos descritos é confiar na perspectiva de quem os escreveu e para confiar que “tudo está certo” tem-se que confiar em dogmas e doutrinas fora da bíblia, porque ela mesma não se posiciona como verdade absoluta. Mesmo sem aqueles recursos escritos temos capacidade para entender e perceber o que realmente somos. O que nos norteia para a Verdade Absoluta é a nossa consciência, fruto do relacionamento/comunicação do Espírito, aquele que realmente nos convence.

“Posso fazer, pensar, projetar, escutar, envolver-me em todas as coisas, mas também tenho a capacidade de escolher o que melhor me convém por mim mesmo”. Se a “inspiração” foi dada aos falhos escritores, porque eu também não a posso ter para o meu entendimento e não precisar de intermediários para os meus questionamentos? Se toda a bíblia é Verdade absoluta, Jesus foi o maior herege do Velho Testamento, porque transgrediu toda a Lei de Moisés, portanto forçosamente temos de admitir que, se Jesus estava certo, o Velho Testamento estava errado, ou vice-versa. 

Será que eu também seria um herege se dissesse que toda a Lei de Moisés era fraca e inútil e que não servia para edificar ninguém, conforme Hebreus 7: 18/19? Se as 613 leis mosaicas eram uma baboseira só, e a Lei era, até o tempo de Jesus a principal “regra de fé”, o que nos resta em termos de motivação, o Velho Testamento?

 

 

 

Álvaro Moraes - Manhuaçu – Minas Gerais – Brasil

Outubro de 2016

Eu entendo que Teologia é uma coisa meio pretensiosa, como se pretende fazer estudo de Deus, explorar em um campo intransponível? Deus é impossível! Só pela fé! Deus não existe: Deus é!

A origem da Bíblia, um livro que a parte nova tem 2.000 anos e a velha é de tempos imemoriais, é quase impossível. Se não fosse o zelo judeu, não teríamos nada do Velho Testamento.

Jesus homologou o Velho, mas o Seu: “... eu porém vos digo”, muda tudo. Jesus é a Palavra de Deus.  As heresias todas, têm base bíblica. Maus religiosos, deturpam, sofismam, é texto fora de contexto, e por aí vai.

Concordo plenamente com você, quando diz que:  “Considero-me cristão e tento seguir a Cristo, e só a Cristo. Sou um admirador do Novo Testamento, mas não posso garantir que não haverá erros como diz a tradição”.

Como se dizia na década de 60: “CRISTO É A ÚNICA ESPERANÇA!”.

 

 

 

Manuel Pedro da Silva Cardoso – Figueira da Foz – Portugal

Outubro de 2016

O meu mau estado de saúde não me permite senão uma breve palavra de aplauso ao seu artigo.

Sublinho apenas um ponto fundamental. Jesus é a chave hermenêutica de toda a Bíblia.

O Velho Testamento tem páginas admiráveis para o cristão  e tem também aspectos abomináveis que os fundamentalistas, judeus, cristãos e muçulmanos  tomam à letra.

Um abraço amigo.