Dízimo - Será doutrina neotestamentária? (CC)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas para ter acesso aos textos)

 

 

 

 

 

Estará a lei do dízimo em vigor no Novo Testamento?

Tratando-se dum assunto um tanto polémico, que tem dividido as opiniões, pois uns defendem que a lei do dízimo está em vigor, pelo que, quem não der à sua igreja 10% do seu vencimento está a roubar a Deus, enquanto outros defendem que, tratando-se duma lei do Velho Testamento, está revogada assim como toda a velha Lei. Decidi abordar o problema, com a intenção de ajudar quem tiver interesse no assunto, ou quem não tenha oportunidade de ouvir as duas opiniões para poder tirar as suas conclusões.

Tencionava inicialmente, pedir a duas pessoas conhecedoras da Bíblia, mas de opiniões contrárias, que pusessem por escrito as suas opiniões, mas, em vez disso, resolvi publicar a seguinte série de cartas, que teve origem num artigo duma revista evangélica, que apresento em primeiro lugar, seguido da minha carta, em que reajo a esse artigo, seguindo-se uma troca de cartas sobre o assunto, com um Pastor que teve a amabilidade de compilar uma grande quantidade de argumentos a favor do dízimo nos nossos dias.

Embora tenha ideias divergentes desse Pastor com quem contactei, penso que ele fez um bom trabalho, compilando todos os argumentos de quem defende a doutrina do dízimo nos nossos dias, e fê-lo sempre de forma digna, utilizando linguagem correcta, pelo que optei pela divulgação destes documentos, que estão por ordem cronológica embora fossem ligeiramente alterados ao suprimir partes que continham assuntos pessoais e não diziam respeito ao assunto de que estamos a tratar.

Agradecemos a sua colaboração, se puder acrescentar mais algum argumento, pró ou contra a doutrina do dízimo no Novo Testamento, com a sua autorização para o divulgar nesta página, utilizando somente argumentos bíblicos e não testemunhos pessoais.

Nesse caso, terá de voltar à página principal e carregar no meu E-mail, para me enviar a sua colaboração.

Camilo - Marinha Grande.

 

 

 

Introdução - Dar! ....... Não dar? ........

(Artigo publicado numa revista evangélica)

 

I - O Dízimo está na lei de Deus. 1.300 anos antes de Cristo. Deus ordenou que seus filhos trouxessem o Dízimo, oferta alçada, oferta voluntária, holocaustos e outros votos, ao lugar de culto. Deuteronómio 12:5/6, Deuteronómio 12:11; Deuteronómio 14:22.

 

II - O Dízimo está nos profetas. 800 anos mais tarde, ou 500 anos antes de Cristo. O profeta do Senhor confirma e actualiza a lei, não só em relação ao Dízimo, mas também sobre ofertas alçadas, dizendo mesmo ser roubo não pagá-los e declarando, em nome do Senhor, haver maldição ao infractor. Malaquias 3:7/10.

 

III - O Dízimo está nas palavras de Jesus Cristo. 600 anos após o profeta e 1.300 depois da lei, Jesus Cristo, nosso único mestre Mateus 23:7/10, confirma a lei e os profetas, e afirma que NINGUÉM DEVE DEIXAR DE PAGAR O DÍZIMO. Mateus 23:23; Lucas 11:42. Portanto, deixar de pagar o Dízimo é ir de encontro à Palavra de Cristo, é desobedecer a Cristo, é discordar de Cristo, é renegar o ensino de Cristo.

 

IV - O Dízimo está antes da Lei. 2.000 anos antes de Cristo e 700 anos antes da Lei. Abraão, o patriarca, pagou o Dízimo de tudo ao sacerdote Melquisedec, rei de Salém, rei da Justiça. Hebreus 7:1/2; Génesis 14:18/20.

 

V - O Dízimo está em vigor até a volta de Cristo. Jesus Cristo é sacerdote segundo a ordem de Melquisedec o qual recebeu Dízimo, e não segundo a ordem levítica. Os filhos de Levi têm ordem, segundo a Lei, de tomar Dizimo, do povo isto é, dos seus irmãos Hebreus 7:5. Estes, “certamente tomam dízimos homens que morrem”. “ali”, (Jesus Cristo, o qual toma Dízimo também). “Aquele de quem se testifica que vive" Hebreus 7:8. Pelas palavras do escritor da carta aos Hebreus, 60 anos depois da palavra de Cristo, vemos o Dízimo pertencendo ao sacerdócio de Levi e ao sacerdócio de Melquisedec, e Jesus segundo a ordem de Melquisedec Hebreus 7:21, isto é sacerdote eterno Hebreus 7:24, cujo sacerdócio está até hoje e para sempre. O Dízimo segundo Hebreus capítulo 7, foi antes do sacerdócio levítico, durante o mesmo e continua depois do mesmo; é mandamento portanto da lei e da graça: da velha e da nova dispensação de que Cristo é o Sumo Sacerdote. Logo o Dízimo é mandamento de Deus, para todos seus filhos, em vigor, até à volta de Cristo.

 

CONCLUSÃO:

Quem não paga o Dízimo é porque não concorda com Cristo e Sua Palavra.

Quem não paga o Dizimo não ama a Cristo, João 14:21/24; João 15:14, pois é o melhor modo que Nosso Senhor achou para seus discípulos contribuírem.

Quem não paga o Dízimo sofrerá o que está escrito em Mateus 7:21/27; 1ª Coríntios 16:22.

 

 

 

carta

 

Exmo. Pastor ....................

Recebi o último número da sua publicação .................Por discordar da sua doutrina, decidi devolver.

No entanto, pelo respeito que o Pastor me merece, pois penso que está a fazer trabalho útil para o Senhor, decidi escrever estas linhas.

Embora nem sempre me manifeste, quando são pormenores secundários, já o mesmo não acontece quando se trata de pormenores doutrinários importantes como é o caso presente.

Refiro-me ao artigo “Dar!.... Não Dar? ....” Em que se pretende pôr em vigor a lei do dízimo nos nossos dias. Nesse ponto, tenho de reagir, não com o vigor com que o faria o autor das carta aos Gálatas, mas com as fracas possibilidades que tenho.

Segundo os claros ensinos das epístolas paulinas, em especial Gálatas 5:18 e Filipenses 3:9 o crente cristão não está debaixo da lei que foi dada ao povo de Israel.

Se o assunto em questão é duma maneira geral a contribuição e o dízimo em particular, entendo que uma abordagem séria e honesta do assunto deveria começar pelo estudo das passagens didácticas sobre a contribuição neotestamentária com por exemplo 1ª Coríntios 16:1/2, 2ª Coríntios 8:1/3 ( ... deram voluntariamente), 2ª Coríntios 9:7 (..nem por constrangimento..), Filipenses 4:14/16.

Quero também mencionar as conclusões da Assembleia de Jerusalém sobre o nosso caso, isto é, sobre o crente gentio em face da lei judaica. Actos 15:4/5, Actos 15:19/20. Estas são as passagens que deveriam ser consultadas de acordo com as boas regras da hermenêutica, e não encontro nelas qualquer referência ao dízimo.

Não sei em que é que se baseiam para afirmar que pelo facto do dízimo ser anterior à Lei de Moisés não se deve considerar revogada por Cristo.

Se aceitar o vosso argumento de que o dízimo está em vigor por ser anterior a Moisés, então também pelas mesmas razões a poligamia está em vigor por ser anterior a Moisés. E que diremos da escravatura que era anterior a Moisés embora este a tivesse incorporado nas suas leis Êxodo 21:2/4

Não quer isto dizer que eu defenda a poligamia ou a escravatura, mas simplesmente que não posso aceitar a lógica sugerida no vosso artigo.

Quando às passagens apresentadas, Mateus 23:23 e Lucas 11:42 quero comentar o seguinte:

Trata-se de versículos isolados, arrancados ao seu contexto.

Para se fundamentar uma doutrina, deve-se procurar uma passagem escrita com a intenção de doutrinar sobre o assunto. Ora o desígnio ou objectivo destas passagens não é de maneira nenhuma o ensino do dízimo, porque:

1. A ocasião não era própria, pois Cristo não estava a falar para os seus discípulos,

2. As pessoas a quem Cristo se dirigia eram dizimistas escrupulosos não sendo pois necessário ensiná-los a dar o dízimo.

3. Cristo não elogiou os dizimistas, mas até os chamou de hipócritas.

4. Os fariseus estavam sob a Lei. Deveriam portanto dar o dízimo, guardar o sábado, praticar a circuncisão e todos os rituais do V. T.

Queria colocar ainda a seguinte questão? Se todos os portugueses fossem evangélicos e dizimistas, seria aceitável que 10% do rendimento bruto nacional fosse entregue às igrejas ?

Pelos dados estatísticos de que disponho, admito que estejam um pouco desactualizados, Portugal gasta cerca de 9% do orçamento do estado com a saúde e segurança social (construção e manutenção de hospitais, apoio à infância, terceira idade e deficientes), 8% com a educação (escolas e universidades, cultura e investigação), 5% com os serviços de administração (funcionalismo, representações diplomáticas e modernização da nossa organização) .... Não seria um escândalo uma verba superior a essas para as igrejas ?

Não me diga que nesse caso as igrejas se iriam dedicar à beneficência e à instrução em substituição do Estado ...

Aceito que haja quem defenda tal situação, mas não prescindo de afirmar que não é esse o modelo de sociedade que defendo para o nosso país.

Que se fale no dízimo do Velho Testamento.

Que se apresente o dízimo como um incentivo. Até aí tudo bem.

Mas desde o momento em que se coloque uma lei do V.T. em vigor, seja ela do dízimo, da circuncisão, do sábado (ou do domingo), penso que os irmãos ultrapassaram a fronteira entre o genuíno Evangelho e as ideias judaizantes. A partir desse momento não me posso identificar convosco, razão porque me sinto obrigado a devolver-lhe a revista que me enviou.

Com os melhores cumprimentos.

Camilo

 

 

 

carta

 

Estimado Irmão:

A sua carta aqui recebida em 6 do corrente, e em que faz uma apreciação ao artigo “Dar !... Não dar ?...” publicado no nosso boletim ............ em Maio, mereceu-nos a maior atenção e suscitou em nós de imediato, duas observações.

Primeiro, o artigo não é nosso; foi transcrito de um livreco (que por puro lapso não foi enunciado), pertence a um autor da Igreja Evangélica do Brasil, e foi publicado naquelas condições, simplesmente por falta de oportunidade da nossa parte para, rapidamente, para aquele boletim, produzirmos um texto mais próprio, já que por força das circunstâncias, somos nós somente quem pode produzir os imensos textos que regularmente se usam nesta Casa.

Como segunda observação, vincamos que no essencial estamos de acordo, já que no penúltimo parágrafo da sua carta o Irmão admite que se pode falar do dízimo e usá-lo mesmo como um incentivo. Para nós, o dízimo, como verificará adiante, de acordo com as Escrituras, estudadas ampla a coerentemente, é uma lei da propriedade, ensinada por Deus nos primórdios da raça, de valor perpétuo, mas não é o conceito mais alargado de contribuição, e ainda mais largo, da mordomia, vinculados pelas Escrituras.

Posto isto, a argumentação que permeia a carta é o reflexo de uns ensinos muito populares entre alguns evangélicos, mas que não representam qualquer escola ou linha de pensamento séria e abalizada, que não tem produzido os melhores resultados no campo da mordomia, e, por isso, nos entristece muito, mas que nós, com facilidade, pelas Escrituras desmontaremos.

Em referência às passagens paulinas de Gálatas 5:18 e Filipenses 3:9, são passagens isoladas e que nada têm a ver, directamente, com o dízimo ou a contribuição e, desse modo, contrariam os critérios por si estabelecidos, de “uma boa hermenêutica” e de não usar “passagens isoladas” ainda que esse não seja o problema maior. O equívoco maior está na definição do que é a lei e o estar ou não debaixo da lei. Com efeito, a ideia popular é que tudo que provem do V.T. é Lei; o que provém do N.T. é Graça. Outra ideia popular mas mais próxima do equilíbrio da Verdade, é a que divide a Lei em dois sectores: assim, a Lei Cerimonial reuniria as cerimónias, as leis civis; a Lei Moral, os princípios espirituais permanentes. Neste segundo sentido, o Sermão do Monte, o maior de sempre, é a reinterpretação da Lei, por Jesus, e da qual Ele disse que “não veio abrogar, mas cumprir”, Mateus 5:17/18. Jesus cumpriu a Lei em quatro sentidos: guardando-a perfeitamente segundo a vontade do Autor, João 8:29; transformando a sombra na realidade, sobretudo no aspecto cerimonial, Hebreus 9:12; estendendo-a a todos os povos e culturas, Marcos 3:1/6; exaurindo as suas penas, Colossenses 2:14.

Além do muito mais, o carácter permanente dos valores espirituais da Lei, verifica-se no facto de os dez mandamentos do Decálogo estarem todos incluídos nos ensinos do N.T., com excepção única do Sábado, ainda que este haja dado lugar ao “Descanso de Deus”, Hebreus 4:3, Hebreus 4:9/10.

As duas passagens primeiro citadas, de Paulo, estão num contexto da sua controvérsia com os judaizantes, em que ele vinca o carácter único da justificação pela fé, com base na graça, pelo que, de acordo com o seu critério de não se utilizarem textos isolados e não correspondentes ao assunto em causa - o Dízimo - e que utiliza na sua argumentação sobre a interpretação de Mateus 23:23, não podem ser interpretadas como uma exclusão dos valores espirituais permanentes da Lei. Até por que para Paulo “A lei é santa: e o mandamento, santo, justo e bom”, Romanos 7:12; e a justiça do preceito da lei cumpre-se na vida daqueles que andam segundo o Espírito, Romanos 8:4. O cristão não está debaixo da Lei apenas no sentido que esta seja o meio da sua justificação a santificação.

 

O USO DO TERMO LEI NO N.T. E POR PAULO: a referência comum entre os Judeus era, certamente, ao sistema de leis de Moisés. Mas, as controvérsias de Paulo forçaram-no a refutar os seus oponentes na sua própria base e a usar o termo com outras nuances. Como, por exemplo, na definição de “filhos de Abraão” como equivalente a “participantes no concerto”, Gálatas 3:6/9; ou em, “aquele que observar os seus preceitos (da lei), por eles viverá”, vr.12; ou ainda, “a lei não é contrária às promessas” v. 21.

Segundo, Romanos 2:12/16, declara que a lei não é de todos os homens, mas há um sentido em que a mesma está em todos, v.14. e que “os que praticam a lei hão de ser justificados”, v.13, significando que, no julgamento actual, são aprovados. Há muitas outras nuances que aqui não podemos agora tratar. Para Paulo, NOMOS, era, salvo raras excepções, a vontade revelada de Deus, e a referência primária do termo, era a revelação dessa vontade no V.T., quer em estatutos passageiros, quer em princípios éticos permanentes.

Demonstremos:

1-Um estatuto; Neemias 10:51; Êxodo 12:49; Levítico 6:9; Romanos 7:2b; Hebreus 8:10; Hebreus 10:16;

2-Lei divina, a vontade geral de Deus: facto concreto, regime histórico; lei divina sem referência à sua expressão; Romanos 2:13; lei divina como um sistema puramente legalista, Deuteronómio 27:26; Gálatas 3:10/15, em estreita relação com outros significados; lei divina como princípios éticos, centralizada no amor, Mateus 7:12; Mateus 5:17/18; Lucas 16:17; Gálatas 5:14; e, talvez, Romanos 7:22/23b, Romanos 7:25a; Gálatas 5:23; Gálatas 6:2, seriam classificados aqui, ou no ponto 2.

3-Por metonímia, os livros que contém a lei;

4-Lei, sem referência à origem ou autoridade; Actos 7:15; Romanos 7:1/2; 1ª Timóteo 1:9, etc.;

5-Força ou tendência; Romanos 7:21/25; Romanos 8:2. (2).

 

ANTINOMISMO É O RESULTADO DO ABANDONO DA LEI: a justificação não pode conduzir-nos a uma "graça barata". A parábola de Jesus do Credor Incompassivo, Mateus 18:23/35, mostra claramente que aqueles a quem Deus cancela os pecados, têm obrigações para com Ele. O Antinomismo (contra-anti; a lei-nomos), equivalente a libertinagem, trata dos que pensam que a graça é tão abrangente que todo o esforço para fazer o que Deus manda é desnecessário e até errado. Paulo tinha esse erro em mente ao escrever Romanos 6. Ao desprezar a Lei faz com que ela não tenha nenhuma função legítima. Na antiga aliança a Lei compungia a consciência a buscar refúgio no Evangelho. Assim pensava Calvino. (3). Como disse M.Lloyd-Jones: “Se a graça que você recebeu não o ajuda a guardar a lei, você não recebeu a graça”. (4)

A obrigação que o Antinomismo desconhece é o preço da libertação, Mateus 18:23/24. Não satisfaz as condições do relacionamento pois “o amor de Cristo constrange”, 2ª Coríntios 5:14. Os antinomistas adoptam a posição extremada dos dispensacionalistas que negam a necessidade de arrependimento ou mudança ética de comportamento ao se aceitar a salvação em Cristo. Uma vez pressuposto que o Sermão do Monte não descreve a vontade de Deus para a Igreja de hoje, nega-se a responsabilidade de tentar viver de acordo com as suas ordenanças. O arrependimento que Deus quer - dizem - é sinónimo de fé, Dr. Charles Ryrie, Dallas. A lei nada acrescenta à graça, a não ser confusão e contradição, Chafer. O arrependimento é um acréscimo falso à graça; quer dizer mudar a mente, não a vida! Dr. Ryrie.

Não podem esquecer que Lucas escreveu, além de Actos, o Evangelho, incluindo nele o Sermão da Planura, Lucas 6:47/49. Simão o Mágico creu mas não se arrependeu e foi rejeitado, Actos 8:21/23. Ler ainda Actos 17:30/31; e Actos 26:19.

Professar a fé pode ser um acto apenas intelectual; não chegar a ser fé salvadora, Tiago 2:14/24. Entende-se como acreditar apenas nos factos bíblicos, como sucede muitas vezes com filhos de crentes educados nas Escolas Dominicais. Desse modo, quase toda a gente estaria salva! Paulo ensinou aos coríntios que baptismo nas águas não garante a salvação; que é necessária a mudança de comportamento, 1ª Coríntios 10:1/13. O Evangelho é algo que deve ser obedecido. Romanos 10:16; 2ª Tessalonicenses 1:8. Os romanos “obedeceram”, Romanos 6:17. Uma teologia que apresenta a graça sem arrependimento não é verdadeira. O Antinomismo depende de uma graça barata em lugar de uma graça transformadora Romanos 5:5, o amor; a fome pela justiça, Mateus 5:6; a busca do reino, Mateus 6:33; crescer na obediência produz comunhão, João 1:4/7. O Cristianismo verdadeiro não pode existir com base numa graça tão leviana que o cristão não a valorize.

Mas, a graça verdadeira não pode ser desviada, como C.F.D.Moule escreveu:

Um dos resultados do confronto que Paulo teve com J.C. como a incorporação do amor de Deus é uma nova atitude quanto à observância da lei. Ele entendeu que somente quando alguém é justificado por Deus pela resposta da fé à graça antecedente é que se torna possível cumprir as demandas reais da lei formuladas em termos do “espírito” e não da “letra” ... Uma fé genuína muda o comportamento e conduz à obediência. (5)

 

PASSAGENS DIDÁCTICAS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO NEOTESTAMENTÁRIA

1ª Coríntios 16:1/2: esta passagem não é necessariamente uma de ensino da contribuição para a sustento da Igreja, do Culto, do Ministério; é antes, relativa à beneficência para os crentes pobres da Judeia, como aparece em outras escrituras. Contém, entretanto, elementos valiosíssimos para a teologia da Mordomia, nomeadamente o princípio da proporcionalidade, que está na base do Dízimo, aqui não expresso mas subentendido, na frase  “conforme a sua prosperidade”. Esta expressão não sustenta a prática de qualquer cristão contribuir com “qualquer coisa”!

2ª Coríntios 8:1/3: do mesmo modo o objectivo deste ensino é a beneficência para os cristãos aflitos pela crise na Judeia, destacando-se, entretanto, o princípio básico de que aqueles que contribuíam não o faziam da sua fartura, muito ao contrário, “de muita prova de tribulação” e “da extrema miséria”. Destacam-se também a graça, a abundância de alegria, a generosidade, a voluntariedade. Mas, quem diz que o Dízimo não pode ser entregue com estas mesmas qualidades ?

2ª Coríntios 9:7: uma vez mais, as ofertas para os cristãos pobres da Judeia são feitas com presteza, 2, estão preparadas com tempo, 3, com zelo, 3, com generosidade e não avareza, 5, segundo o princípio da proporcionalidade, 6 e, sem constrangimento mas com alegria, 7. Todas estas qualidades são sustentadas por aqueles que criam a disciplina de calcular, separar e entregar os dízimos de todos os seus rendimentos e não por aqueles que tiram uma moeda qualquer, apressada e inconscientemente do bolso quando passa o saco da colecta !

Filipenses 4:14/16: esta passagem, que é preciosa, não acrescenta algum elemento novo, registando o cuidado dos Filipenses pelas necessidades de Paulo, que eles satisfizeram “o bastante”, não o mínimo. É preciso referir aqui que estes textos nada dizem contra a prática do Dízimo, e também que estas não são as únicas passagens sobre contribuição, havendo dezenas de muitas outras, que precisam igualmente de ser interpretadas.

 

AS CONCLUSÕES DA ASSEMBLEIA DE JERUSALÉM

A Igreja vivia um período de transição, como se releva em Actos.

Judaizantes que desceram de Jerusalém para Antioquia ensinavam que os gentios conversos deviam sujeitar-se à Circuncisão. Os Irmãos nascentes, com Paulo e Barnabé, resolveram que estes dois e outros subissem à Igreja em Jerusalém para dirimirem ali este diferendo. A Igreja decidiu por “pleno acordo”, recomendar-lhes, por epístola, que se abstivessem das coisas sacrificadas aos ídolos, do sangue, da carne sufocada e das relações sexuais ilícitas, A primeira e a última referem-se a valores permanentes; a segunda e a terceira a prescrições cerimoniais. Mas, nem aqui o Dízimo é revogado. Convém notar bem o que a texto de Actos 15:28 diz: “... pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo...”. Há alguma coacção, alguma disciplina, alguma limitação, alguma norma. Porque o estar não debaixo da Lei, mesmo no N.T., não é estar sem lei alguma! E haveria que adicionar expressões do N.T. tais como, “os mandamentos de Deus”, “os mandamentos de Jesus” e outras.

 

O DÍZIMO É ANTERIOR À LEI E NÃO FOI REVOGADO POR CRISTO

As duas instituições citadas da Poligamia e da Escravatura, como pretensos paralelos, não têm razão de ser, já que são instituições pertencentes ao foro cívico, enquanto o Dízimo pertence ao fora religioso, além de se basearem em valores rejeitados quer no Velho quer no N.T., enquanto que o Dízimo como princípio da propriedade, permanente, nunca aparece revogado em qualquer Escritura. Como valor permanente, não foi revogado, como outros, tais como a fé, a justiça e a misericórdia, igualmente anteriores à Lei, não foram também revogados.

Os Pais da Igreja Ireneu e Clemente, Tertuliano, ligavam a rejeição da oferta de Caim com o Dízimo, ensinado por Deus e traduziam Génesis 4:6/7, “....Se todavia procederes mal ...”, como, “Mas não a dividiste rectamente” significando, segundo Tertuliano, “que ele não deu o dízimo das primícias.” E, mais tarde o escritor aos Hebreus, que leria na Septuaginta o V.T., comentava as ofertas de Caim e Abel, dizendo que este “ofereceu a Deus um mais abundante sacrifício do que Caim”, Hebreus 11:4/7 Além de ser muito anterior à Lei, os Israelitas entregavam três Dízimos, não um só ! O primeiro Dízimo, Dízimo do Senhor, Dízimo para os Levitas, que estes, por sua vez, partilhavam com os Sacerdotes, Levítico 27:30/33; Números 18:21/30. O segundo, o Dízimo do Festival, Deuteronómio 12:5/28; Deuteronómio 14:22/29; Terceiro, o Dízimo dos Pobres, só de três em três anos, era armazenado para a “Ano Sabático”, de sete em sete anos, e dedicado aos Levitas, aos pobres, viúvas e órfãos. Se assim era sob a Lei quanto mais deveria ser sob a Graça !!! Deuteronómio 26:12/15.

 

O DÍZIMO NO NOVO TESTAMENTO

McConoughy, erudito bíblico e histórico, diz que “Em todo o mundo pagão antigo se reconhecia à Divindade o direito à décima parte dos bens.” E no N.T. ele não é referido mais fortemente porque todos, Judeus e Gentios, o entregavam. Como prova disso está que nem Jesus nem os Apóstolos têm de repreender os Cristãos por faltarem na entrega dos Dízimos, pelo contrário, eles são zelosos, Actos 21:20. Mas, no N.T. há muitas referências ao Dízimo, umas directas, outras por metáfora, e ainda subentendidas:

Referindo-se aos fariseus, Jesus disse aos discípulos: “Fazei, pois, e guardai tudo quanto eles vos disserem ...”, Mateus 23:1/3, o que incluía o Dízimo; Jesus não os censurou por darem os Dízimos: “Sem omitir aquelas” refere-se a dizimar a hortelã, o endro e o cominho; enquanto “devíeis, porém, fazer estas coisas”, refere-se “aos preceitos mais importantes da lei, a justiça, a misericórdia e a fé”, em Mateus 23:23; censurou, sim, por negligenciarem estes !

Tratando do sustento do Ministério da Palavra na 1ª Coríntios 9:4/14, Paulo usa uma porção de metáforas, muito expressivas e refere-se aos sacerdotes e levitas no v.13, os quais, indefectivelmente, eram suportados pelos dízimos, apelando, inclusivamente, antes, à autoridade da Lei no v.8; De Cristo, diz o autor de Hebreus que, como antítipo de Melquisedec “recebe dízimos aquele de quem se testifica que vive”, Hebreus 7:4/10, ver v.8. Fica demonstrado inequivocamente que o Dízimo foi ensinado e praticado no N.T., e que os Cristãos Primitivos iam muito além do Dízimo; “Nenhum deles dizia que coisa alguma era sua própria ...”, Actos 4:32/35.

 

TODOS OS PORTUGUESES EVANGÉLICOS E DIZIMISTAS?

Esta última questão da sua estimada carta é inconsequente, porque não há país algum onde todos os habitantes sejam evangélicos. A conclusão é errada porque as premissas o são também. 10% do rendimento bruto nacional para as Igrejas? A questão é importantíssima, mas o espaço não a comporta.

Sempre temos lido e estudado que os graves problemas da fome, das injustiças da não evangelização dos Povos Não Alcançados, seriam totalmente resolvidos se todos os Cristãos dessem os seus dízimos. Quanto à questão de a beneficência e a instrução pertenceram à Igreja ou ao Estado, é política; ultrapassa-nos. Contudo, declaramos que em toda a História da Redenção, o amor ao próximo, a generosidade a justiça, sempre tiveram lugar, e disso há nobres exemplos.

Vou ter o prazer de lhe enviar o livro .......... que espero, cimentem ainda melhor a nossa amizade.

 

(1) Lei, Shed, 20-26.

(2) Comentário Internacional, Burton, 443-450

(3) Calvino, Intitutas, Vol.II,II,9.

(4) Richard Alderson, 30.

(5) Lei, Shedd, 28-34.

(6) O Dízimo, Arthur Brown.

(7) F. B. Westcott.

 

 

Carta

 

Prezado Pastor ............

Recebi há dias a sua estimada carta, juntamente com o livro .......

Ainda não tive tempo de ler o livro nem os apontamentos, pois parto nos próximos dias para o Algarve onde vou em serviço, mas quero desde já escrever para lhe agradecer a sua carta e o tempo precioso que deve ter certamente distendido para a escrever.

A maior parte dos argumentos apresentados já eram do meu conhecimento.

Concordo com a sua afirmação de que no essencial estamos de acordo.

Certamente que o crente se deve esforçar por contribuir o mais liberalmente possível, tendo em vista o crescimento das igrejas e a sua autonomia em relação à ajuda exterior, pois a autonomia administrativa nunca poderá funcionar eficientemente enquanto as nossas igrejas estiverem tão dependentes do exterior.

Onde discordo, e não posso colaborar, é na maneira com tal contribuição é incentivada, apelando-se para a lei do Velho Testamento e não para a espontaneidade dos crentes.

Sem entrar em pormenores, vejo que ambos lemos o Novo Testamento com mentalidade diferentes.

Eu continuo a afirmar que não há passagens no N.T. em que Cristo ou algum dos seus discípulo tenha posto em vigor a lei do dízimo, e a sua carta veio confirmar esta afirmação, pois se houvesse uma tal passagem, certamente o Pastor a teria mencionado.

O Pastor ........... prova com as passagens que menciona, que não há passagens no N.T. em que o dízimo seja revogado.

De facto, não há passagens a revogar o dízimo no N.T., nem tal faria sentido. Como afirmei na minha carta, se aceitar o dízimo porque não foi revogado no N.T., teria de aceitar também a escravatura, a obrigação dos cunhados das viúvas que não tivessem filhos Deuteronómio 25:5/10 e a poligamia, pois também não há passagens a revogar estas leis.

Não aceito a sua explicação de que estes exemplos pertencem ao foro cívico enquanto o dízimo ao foro religioso. No V.T., não vejo que seja sustentável esta divisão, pois estava-se numa sociedade cívico-religiosa.

Os levitas eram sustentados pelos dízimos. E que função tinham eles? Não eram simplesmente funções religiosas, tinham funções que nos nossos dias competem aos tribunais, ao delegado de saúde (exame dos leprosos) etc.

Quanto à sua referência a Mateus 23:3, embora com todo o respeito, discordo que seja uma alusão ao dízimo, pois não só não está de acordo com o contexto, como o Pastor transcreveu só parte desse versículo, que nesta tradução diz: Portanto, tudo o que vos disserem, isso fazei e observai; mas não façais conforme a suas obras, porque dizem e não praticam. Uns versículos mais adiante (vr.23) Cristo volta a referir-se aos fariseus, dizendo que eram dizimistas escrupulosos. Se considerarmos esta passagem como passagem didáctica sobre o dízimo, teria de concluir que Cristo proibiu o dízimo, porque os fariseus o davam! Penso no entanto, que o objectivo desta passagem era a censura dos fariseus e nada tem a ver com o ensino do dízimo.

Como lhe disse, ainda não li os seus apontamentos, escritos há alguns anos. Li somente a carta, embora tencione voltar a ler mais atentamente quando regressar a casa.

..................................

Termino com os meus agradecimentos pelo livro que me ofereceu e pelos seus apontamentos, que são para mim, tanto mais valiosos por representarem opiniões diferentes da minha. Tenho por norma ler tudo, embora tal não signifique necessariamente a sua aceitação

......................

Saudações fraternais em Cristo

Camilo

 

4ª Carta

 

Prezado Pastor .................

A minha última carta do dia 27 do mês passado foi escrita logo que recebi os seus apontamentos e o livro que fez o favor de me enviar, pois segui no dia seguinte para o Algarve em viagem de serviço.

Agora, depois de ler com mais vagar a sua carta, resolvi voltar a escrever-lhe, pedindo ao Senhor que o ajude a ultrapassar as ideias preconcebidas para que possa efectuar um exame imparcial das Sagradas Escrituras.

Vejo que a minha carta foi transcrita no número 55 da sua publicação ......................., embora omitindo o meu nome. Por mim é indiferente. Não me importo que o meu nome seja mencionado, pois assumo a responsabilidade do que escrevo.

Quero no entanto felicitá-lo pela atitude de abertura que manifestou ao publicar a minha carta na .................., carta em que discordo da sua posição sobre a doutrina do dízimo nos nossos dias.

Concordo que no essencial estamos de acordo. Conheço as dificuldades das igrejas e sou certamente a favor da contribuição dos crentes.

O problema não é esse, como o Pastor compreendeu, embora muitos defensores da lei do dízimo, talvez por falta de argumentos bíblicos prefiram acusar quem discordar das suas posições doutrinárias de falta de fé e de querer fugir à responsabilidade da sua contribuição, arrumando assim o assunto, ou desviando as atenções para casos pessoais que nada têm a ver com um exame imparcial das Sagradas Escrituras.

Muitas vezes me fizeram tal acusação, mas depois de 30 anos de crente, já estou suficientemente calejado para que me deixe influenciar facilmente no estudo da minha Bíblia que é espada de dois gumes, tanto dá para incentivar à contribuição como dá para moderar os exageros de interpretação da doutrina.

Como disse na minha primeira carta, concordo que se fale no dízimo do V.T. e até que se apresente o dízimo como um incentivo à contribuição, o ponto em que discordo é que se coloque a lei do dízimo em vigor nos nossos dias.

A diferença está neste pormenor. Pormenor talvez pequeno, mas de grande importância doutrinária. Se se consideram obrigados a guardar uma lei, então estão debaixo da lei.

Não vejo a diferença entre o Velho e o Novo Testamento sob o aspecto quantitativo, em que um fala em 10% e o outro em mais ou menos uns tantos %. A diferença está numa nova mentalidade.

O crente do V.T. contribuía para cumprimento duma lei que estabelecia os 10%.

Impor essa lei ao crente neotestamentário ameaçando-o com o castigo do Inferno com a referência a Mateus 7:23 caso o não possa pagar, refiro-me ao artigo que saiu na sua revista, é desvirtuar a mensagem do Evangelho que apela para a espontaneidade, é falta de confiança na generosidade dos remidos, é atitude legalista que transforma Cristo num contabilista ou num fiscal de impostos. Sem qualquer desprestígio para estas duas profissões quando exercidas honestamente, penso que Jesus Cristo não pode ser comparado com qualquer destes profissionais.

Concordo que as passagens que mencionei em Gálatas 5:18 e Filipenses 3:9 nada têm a ver com o dízimo ou a contribuição, nem eu afirmei tal coisa, como pode verificar por uma segunda leitura dessa minha carta. Essas passagens foram mencionadas para afirmar que o crente não está debaixo da lei que foi dada ao povo de Israel. Este ponto não foi mais desenvolvido, pois suponho haver unanimidade entre nós.

Concordo com o Pastor ........... quando diz que não sigo qualquer escola ou linha de pensamento. Talvez essa seja uma das principais diferenças que nos separam. O irmão Pastor segue uma escola ou linha de pensamento a quem procura manter a sua fidelidade. Eu não estou comprometido com nenhuma escola nem tal me interessa. Basta-me a minha Bíblia que é a revelação de Deus ao homem, que não foi escrita para teólogos, mas para o homem vulgar de todos os tempos. Não sou contra a teologia, mas sou contra tudo que possa limitar ou condicionar o estudo das Sagradas Escrituras, para que temos um único mestre, o Espírito Santo.

Quanto à ideia que me leva a identificar a lei com o V.T. e a graça com o N.T., que o irmão Pastor diz ser ideia popular, dou graças a Deus por esta ideia estar difundida entre o nosso povo, pois não estamos sós. João também concorda connosco ao afirmar em João 1:17 Porque a lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo. Também encontro em Lucas 16:16 A lei e os profetas duraram até João; desde então é anunciado o reino de Deus, e todo o homem emprega força para entrar nele.

Na minha carta, afirmo que as passagens em 1ª Coríntios 16:1/2, 2ª Coríntios 8:1/3 e Filipenses 4:14/16 se referem à contribuição dos crentes. Nunca afirmei que eram passagens em apoio do dízimo, simplesmente porque tais passagens não existem.

Uma vez que o dízimo pertencia ao A.T. e uma vez que a lei e os profetas duraram até João Batista, teria de haver referências claras no N.T. para o colocar novamente em vigor.

Ora essas referências não existem, pelo menos eu não as encontrei, e pela carta que me escreveu mais uma vez tive oportunidade de confirmar que não há passagens em que Cristo ou algum dos apóstolos tivessem imposto o dízimo aos crentes do N.T. caso contrário o Pastor as teria mencionado.

Há no entanto uma passagem que o irmão Pastor menciona nesta sua carta que merece um exame mais atento. Refiro-me a Mateus 23:3. De facto, aqui Cristo fala para a multidão que o seguia e para os seus discípulos quando disse, referindo-se aos fariseus, e segundo transcrição da sua carta Fazei, pois, e guardai tudo quanto eles vos disserem... Vejo que teve o cuidado de sublinhar a palavra “tudo”.

Quero respeitosamente chamar a atenção para os greves problemas a que dá origem com a sua precipitação em arranjar argumentos para provar o que o N.T. não diz ...

Vejamos a que nos conduz o seu argumento e a particular ênfase dada ao “tudo” que os fariseus ensinavam.

Eles estavam sob a lei de que eram rigorosos cumpridores. Eles ensinavam a lei do dízimo, é verdade, mas não só o dízimo. Também ensinavam a circuncisão, também ensinavam que os casos de adultério deviam ser punidos com a pena de morte de acordo com Levítico 20:10, também ensinavam que se devia aplicar a pena de morte para quem não guardasse o dia do descanso segundo Números 15:32/36, também ensinavam que se dois irmãos vivessem juntos e um deles morresse sem deixar filhos, a sua mulher deveria juntar-se ao seu cunhado para lhe suscitar descendência de acordo com Deuteronómio 25:5/10 e muitos mais outros ensinamentos eram ministrados pelos fariseus que só podiam ser aceites no contexto cultural dessas épocas tão remotas e que seriam um escândalo à luz da revelação neotestamentária.

Não acredito que seja essa a posição do prezado Pastor ......... ao mencionar Mateus 23:3 em apoio do dízimo na ênfase que deu à palavra “tudo”.

Julgo que será melhor rever o seu argumento.

Quero ainda chamar a vossa atenção para o facto de que nem sequer se trata dum versículo solto, mas de parte do versículo. O versículo completo diz, referindo-se aos fariseus: Observai, pois e praticai tudo o que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não praticam. Uns versículos mais adiante, (vr.23) Cristo volta a referir-se aos fariseus, dizendo que eram dizimistas escrupulosos.

Portanto, se considerasse esta passagem como uma referência ao dízimo, teria de concluir que Cristo proibiu o dízimo, porque os fariseus o davam escrupulosamente. Penso no entanto, que o objectivo desta passagem era a censura aos fariseus e nada tem a ver com o dízimo.

A posição doutrinária assumida pelo Pastor ........... quanto a este pormenor do dízimo estar em vigor nos nossos dias, penso que é mais moderada que grande parte dos nossos pastores que se limitam a apresentar Mateus 23:23 acusando de descrença e de falta de consagração a quem duvidar das suas posições, o que equivale a uma espécie de “excomunhão evangélica”, atitude que me entristece, não só por não ser bíblica como pelo que demonstra de intransigência e de falta de liberdade de expressão.

Alegrei-me por ver que o Pastor ............... publicou a carta que lhe tinha escrito, embora fosse carta pessoal, mas tal facto mostra já uma mentalidade bem diferente dos exemplos que referi.

Duma maneira geral, penso que ambos lemos o N.T. com uma preocupação diferente.

O Pastor ............ procura passagens a provar que a lei do dízimo foi revogada, e como não as encontra apresenta a sua conclusão: Então é porque está em vigor.

Certamente que não há passagens a revogar a lei do dízimo, simplesmente porque não pode ser revogado o que não está em vigor. Pelo seu raciocínio, teríamos de procurar passagens a revogar cada uma das leis do V.T. e como sabe melhor do que eu, há muitas leis no V.T. que seriam escandalosas nos nossos dias e não há referência à sua revogação no N.T. nem se menciona que Cristo não as tivesse cumprido.

Não posso em consciência aceitar qualquer lei do V.T. em vigor nos nossos dias, não só porque é trair o genuíno Evangelho, como pelo facto de se abrir um precedente que nos levaria a ter de guardar toda a lei aplicando os mesmos argumentos que o Pastor apresenta, em relação a todas as leis e tradições do V.T.

Talvez possa exprimir melhor a minha posição em relação à contribuição empregando um paralelo de ideias com o descanso.

No V.T. havia o sábado que devia ser cumprido com uma mentalidade legalista e um rigor que levava a aplicar a pena de morte a quem não o guardasse de acordo com os vários pormenores da lei. No N.T. permanece o princípio moral da necessidade de dar descanso aos trabalhadores e aos animais, tendo-se optado pelo domingo, embora grande parte da nossa população já não trabalhe ao sábado. Qualquer dia da semana seria uma opção possível. Permanece o principio moral do descanso, embora sem o rigor do legalismo do V.T.

Com a contribuição havia o dízimo no V.T., entregue a uma autoridade cívico-religiosa. Havia o rigor do seu cumprimento com a mentalidade legalista característica dessa época. Nos nossos dias, permanece a necessidade da contribuição para as igrejas, mas tal deverá ser feito com uma nova mentalidade. Não com o rigor do legalismo do V.T. mas com alegria e espontaneidade.

Se não considero a lei do sábado em vigor nos nossos dias, também não posso aceitar a lei do dízimo. Ou então, teria de aceitar tanto o dízimo como o sábado. Pelo menos neste ponto os sabatistas são mais coerentes, pois têm um critério uniforme.

Penso que alguns teólogos tentam colocar a lei do dízimo em vigor nos nossos dias mais por motivos económicas do que doutrinários, facto que me entristece, principalmente porque nós os crentes somos em parte responsáveis por tal atitude devido ao pequeno volume das nossas contribuições.

No entanto, continuo a pensar que foi uma má opção, pois a mentalidade neotestamentária dará certamente contribuições mais liberais se dermos ao Espírito do Senhor o seu devido lugar na Igreja, se apelarmos mais para o espírito e menos para o legalismo nas nossas igrejas. E mesmo que as contribuições diminuam, mais vale que cada um contribua segundo propôs no seu coração do que apelar para a lei para obrigar os crentes a contribuir com tristeza ou por necessidade, porque Deus ama ao que dá com alegria.

Esta carta é pessoal, e dirigida ao prezado Pastor ..........., mas poderá divulgá-la e mencionar o meu nome, se assim o entender.

Saudações fraternais em Cristo.

Camilo

 

 

                                

5ª Carta

 

Estimado Irmão;

Desejando muito que esteja a passar bem, bem como todos os que lhe são queridos, agradeço muito as suas estimadas cartas de 9 de Setembro, bem como o livro de estudos do Pastor ........., que esperamos mesmo incluir na Secção, depois de ser examinado com cuidado.

.............................................

E, sem pretender manter e aprofundar mesmo esta questão da contribuição, dízimo, espero que me permita alguns esclarecimentos, pois poderá ser que algumas partes dos textos não tenham sido lidas pausadamente.

A praxis:

Sabemos que na prática e no ministério da contribuição haverá quem se comporte de modo incorrecto, mas isso não interfere com o ensino bíblico global das Escrituras e interpretado igualmente de uma forma global, sem dividir demasiadamente as Escrituras.

O Dízimo como uma lei:

Também nós, de modo algum, interpretamos o Dízimo como uma lei, do tipo do V.T., para ser cumprida no espírito legalista. O que encontramos no N.T., nas referências que citei, são o ensino e a prática do Dízimo tal como outros ensinos. A referência que é feita à danação, pelo autor brasileiro, no primeiro artigo do boletim nº ..., não é própria, já que a justificação do indivíduo baseia-se só na graça de Deus. Fazendo referência a Mateus 7:23, teríamos que concluir que a desobediência a qualquer ensino bíblico seria castigada desse modo! Contudo aquele texto, especialmente o v.21, é muito importante, já que assevera que o discípulo de Cristo está para obedecer à vontade de Deus.

Lei e graça:

É evidente que nós não opomos nada à noção de Lei no V.T. e Graça no N.T., a não ser que no V.T. já havia a manifestação da Graça de Deus, como é evidente, pois nunca alguém foi salvo em outra base, Romanos 4:3. É claro que a Lei como dispensação acabou. Mas, note, João diz “A lei e os profetas...”, o que não significa que os ensinos dos profetas acabaram: eles estão, muitas vezes, no N.T.! Conhecemos muito bem os ensinos da escola dispensacionalista, que tem uma grande tendência para dividir as Escrituras, muitas vezes com consequências prejudiciais, como tem sido comprovado na história, mas, também nós não estamos presos a qualquer linha limitada de interpretação.

O Dízimo no N.T.:

Citamos quatro passagens, no nosso estudo, sob este mesmo tópico do N.T. mostrando claramente a prática do Dízimo no período do N.T., e para nós essas passagens são suficientes porque a Palavra de Deus é para ser obedecida, quer ela seja ampla ou reduzida. Essas passagens, umas citam o Dízimo, outras referem-se a ele indirectamente.

“Praticai Tudo Que Vos Disserem” Mateus 23:3: A saliência dada à palavra tudo foi apenas para lembrar que o Dízimo estava incluído. São palavras de Jesus. Mas, é evidente, era a sociedade judaica; é preciso retirar o que entretanto passou. A própria Igreja, na sua formação, sofreu esse período de Transição durante os Actos. O que o Irmão citou, passou: mas a Dízimo não passou, pois está referido até na Carta aos Hebreus, escrita no ano 67 ou perto disso.

Que o Dízimo não está revogado no N.T.:

Mas a Lei está revogada nos textos que citou, enquanto Jesus disse que “veio para cumprir, não para abrogar”. O nosso argumento é muito simples: não está revogado, mas está afirmado, como já verificou.

A espontaneidade do N.T.:

É evidente que não há nada contra as pessoas entregarem os seus dízimos com alegria, com liberdade, com espontaneidade. Aliás, isso já acontecia no V.T. quando, em relação ao Dízimo do Festival, o povo aparecia diante do Senhor, com a família, em festa e grande alegria, dizem os textos.

No N.T. o Dízimo era o princípio. O povo dava mesmo mais. O Caro Irmão faz eco “do pequeno volume das nossas contribuições”. Estou bem informado do que se passa em algumas Denominações, para o sustento do Ministério, das dificuldades, do recurso a duplo emprego, dos medos que há em relação aos cortes das entidades estrangeiras, da necessidade de aprofundarmos a mordomia. Não tenho dúvida alguma que precisamos de salientar a operação profunda da Graça, na vida do crente, que tira riquezas de onde há pobreza; de salientar a liberdade e o ministério do Espírito.

Com toda a consideração cristã ..............

.....................

 

 

6ª Carta

 

Prezado Pastor ...............

Recebi o numero ... da sua publicação ................... que veio acompanhada do suplemento que me foi dirigido em que me pergunta pela razão do meu silêncio.

Quero em primeira lugar agradecer a sua preocupação e interesse, mas a razão continua a ser a mesma que foquei nas minhas cartas anteriores.

Não me posso identificar com a vossa posição doutrinária sobre a Lei nos nossos dias.

Embora na sua carta de 91/10/01 o Pastor .......... manifeste uma posição mais moderada, não é no entanto esta a posição do vosso Boletim, que no número ... transcreve a minha primeira carta e a sua resposta a confirmar a posição do artigo do boletim nº ..., e vejo que não voltou a abordar o assunto com a publicação da minha segunda carta.

Não voltei a escrever em virtude ao Prezado Pastor me dizer na sua carta de 91/10/01 que não pretendia manter e aprofundar a questão do dízimo nos nossos dias.

Também concordo consigo. Parece que já ambos dissemos o que havia a dizer e eu já estou esclarecido de que a sua posição pessoal é um pouco mais moderada que a posição assumida pelo vosso Boletim, mas eu mantenho a minha posição de firme rejeição da antiga Lei seja ela qual for, quer se trate da circuncisão, do dízimo, do sábado (ou do domingo).

 Penso que o seu tempo é demasiado precioso para continuar a escrever sobre o assunto e sugiro que suspenda o envio do vosso Boletim para minha casa, pois é despesa desnecessária. Embora com todo o respeito que me devem merecer opiniões diferentes da minha, não posso identificar-me com a vossa organização.

Peço que compreenda a minha posição, pois devido às nossas divergências doutrinárias, não me posso considerar como um colaborador da vossa ..................., embora reconheça os seus aspectos positivos em especial o carácter indenominacional do ............. e o trabalho que têm feito o na divulgação da Palavra de Deus.

É pena que no caso da contribuição se desviem do genuíno Evangelho abrindo uma excepção à Velha Lei.

Admito no entanto a possibilidade de ainda vir a colaborar com o Prezado Pastor ............. quando os nossos objectivos forem comuns com todo o respeito pelas diferenças doutrinárias que nos separam.

Fraternalmente em Cristo.

Camilo  Marinha Grande, Portugal

Novembro de 1991

 

 

Veja outros artigos sobre a doutrina do dízimo em Temas polémicos nesta página da internet.

 

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas