Deus fora-da-lei (AS)
O caminho da espiritualidade ecumênica
(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)
Quando se conversa sobre outras igrejas e religiões,
as idéias costumam tomar um dos seguintes rumos:
1) Só a minha religião ou igreja é
verdadeira = exclusivismo.
2) Todas as religiões e igrejas são
verdadeiras = relativismo.
3) As outras religiões e igrejas são
estágios inferiores da minha = inclusivismo.
4) Respeito a outra religião ou
igreja, mas sigo a minha = diálogo.
O problema do exclusivismo é que quase todas as
religiões e igrejas dizem a mesma coisa, gerando fundamentalismo, isolamento ou
conflito. Já o relativismo ignora que as religiões e igrejas têm
diferenças, e que nem sempre Deus é o mesmo. E o inclusivismo menospreza
a outra religião ou igreja, fazendo algo que não gostaríamos que fizessem com a
nossa.
O diálogo ecumênico e inter-religioso é uma alternativa aos outros três
caminhos. Seu objetivo é promover a unidade entre igrejas e religiões,
afirmando que, embora existam diferenças, é possível a convivência e o
respeito. A palavra ecumenismo significa casa comum, lembrando que toda a
humanidade forma uma só família de filhos e filhas de Deus. Diálogo não
significa unificação de igrejas e religiões, nem mistura de crenças e cultos.
Ao dialogar, cada um recria ou mantém sua identidade própria; as diferenças
religiosas não são escondidas, e nem é deixada de lado a crítica fraterna
mútua. Justamente por isso tem o nome de diálogo, porque é feito entre quem é
diferente e se respeita. As práticas de diálogo ecumênico e inter-religioso
podem acontecer em quatro áreas:
A) Crenças e doutrinas (como cada
religião ou igreja entende a salvação, pecado etc.);
B) Defesa da vida (engajamento comum
pela paz, justiça, ecologia etc.);
C) Comunhão fraterna (viver com
familiares e colegas de outras igrejas, por exemplo);
D) Espiritualidade (oração, canto e
testemunho conjuntos).
Um permanente desafio da fé é equilibrar essa essência ecumênica com a exigência
da Missão. Jesus pede que todos sejam um João 17 e, ao mesmo
tempo, diz para ir ao mundo inteiro anunciando o evangelho Mateus 28:18/20.
Não parece uma contradição? O Conselho Mundial de Igrejas pronuncia-se assim: Não
podemos apontar para nenhum outro caminho para a salvação a não ser Jesus
Cristo; ao mesmo tempo, não podemos fixar limites para o poder salvador de Deus.
Na tradição protestante, Lutero e Calvino resolveram essa conta apelando para a
liberdade soberana de Deus. Lutero gostava da expressão latina Deus ex-lex,
literalmente Deus fora-da-lei. Lendo a Bíblia e contemplando a cruz de
Cristo, Lutero viu que Deus escolhe e se revela naquilo que é loucura 1ª Coríntios 9,
fora do normal. Assim como na Bíblia, hoje essa singular loucura de Deus, a
cruz de Cristo, vai se atualizando de acordo com o contexto. Daí que,
paradoxalmente, é por causa dessa ênfase na cruz de Cristo, como lugar natal de
Deus e da conseqüente liberdade divina, que o povo ecumênico geralmente está
mais à vontade para aceitar comportamentos singulares de Deus, que viceja por
aí no mundo.
No fundo trata-se de conceder a Deus o direito de ser Deus, que está ali onde
lhe aprouver. Em tese, não há religião, igreja, lei, fé ou pessoa que possa
dizer que Deus está apenas ou plenamente nela. Deus não depende da fé cristã
para se comunicar com o mundo, muito menos de uma igreja em especial; age com a
cooperação dela, mas também apesar e para além dela, também ali onde a fé
cristã menos espera! Indígenas da Amazônia, muçulmanos do Afeganistão, bantus
da África ou hinduístas da Índia organizaram religiões porque perceberam a
presença de Deus no mundo ou em suas vidas, e não há como negar que aí Deus dá
vida e salvação. Mas nem por isso a Igreja pode deixar de falar das coisas que
viu e ouviu Actos
4:18/20. Cristãos encontram vida em abundância em Jesus Cristo, seu firme
ancoradouro. Estão cheios do Espírito de Deus Actos 4:8 e, por
isso, não podem resistir a anunciar Jesus Cristo e seus testemunhos Salmos 119,
cooperando para que se façam novos céus e nova terra, nos quais habita justiça 2ª Pedro 3, pois se
sabem parte uns dos outros Romanos 12 e
solidários a todos 1ª
Tessalonicenses 5, imagem e semelhança de Deus Génesis 1:26/30.
No entanto, essa fé é humilde para saber que a Cristo conhecemos apenas em
parte 1ª Coríntios
13, que Deus mostra apenas aquilo que suportamos conhecer dele, e que
entende ainda pouca coisa da largura, o comprimento, a altura, a profundidade
da impenetrável riqueza de Cristo Efésios 3:13/19,
confiando que, quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a
verdade João
16:01/16.
Enquanto isso, para trilhar o caminho do diálogo ecumênico e inter-religioso
são necessários:
1) Confiança em Deus, reconhecendo e
vivendo sua própria religião como sinal verdadeiro de Deus no mundo;
2) Humildade, reconhecendo que nas
outras religiões e igrejas também há presença divina;
3) Sabedoria do ouvir, buscando
conhecer as outras religiões e igrejas antes de julgá-las, ouvir o que elas têm
para dizer;
4) Oração, rogando que a
misericórdia divina supere nossas imperfeições e divisões, e anime para ir ao
encontro de quem é diferente de nós.
Belo
Horizonte – Junho de 2007
Artigo
originalmente publicado em Jornal Diário da Tarde, Belo Horizonte, MG,
em 24 de maio de 2007