Evangelho e Cultura (CC)
Lusofonia
(Deverá
“clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)
Em Lucas
11:1 os discípulos pediram a Jesus: Senhor, ensina-nos a orar, como também
João ensinou aos seus discípulos.
Bem gostaríamos que houvesse passagem semelhante, em que pedissem
a Jesus: “Senhor, ensina-nos a pregar, ensina-nos a divulgar o Evangelho”, mas
tal passagem não existe. Não há métodos de pregação. Cada época da história e
cada cultura tem de encontrar o seu próprio método. Mas Jesus deixou-nos
algumas pistas.
Na passagem que acabamos de citar, Jesus responde apresentando a
oração modelo, conhecida pelo nome de “Pai Nosso”, que é repetida nas igrejas
católicas e no protestantismo tradicional. Outros defendem, que Jesus
apresentou essa oração para servir de modelo e não para que fosse repetida,
baseando tal afirmação no facto de Jesus ter apresentado esta oração
provavelmente em duas ocasiões diferentes, mas propositadamente com algumas
diferenças, como vemos em Mateus 6:9/13 e Lucas 11:1/4. Ou
então, se é que os dois evangelistas se referem à mesma ocasião, eles não
tiveram a preocupação de registar rigorosamente as palavras, mas sim o
pensamento de Jesus. No entanto, no livro de Actos há registo de várias
orações, e nunca é utilizado o Pai Nosso, mas os principais pensamentos dessa
oração estão nas orações espontâneas do primitivo cristianismo.
Muito se tem escrito, e muito se poderia ainda aprender com a
oração que Jesus apresentou, mas há só um aspecto que gostaria de destacar e
que muitas vezes passa despercebido nas nossas traduções da Bíblia.
Numa cultura em que se dava grande importância às palavras, em que
os mais “espirituais” utilizavam o hebraico, a língua da religião, a língua dos
intelectuais, a língua da classe mais culta, da classe mais abastada, Jesus
ensina a orar tratando a Deus por Pai, mas utilizou o aramaico em vez do
hebraico. Jesus utilizou a linguagem dos mais humildes, a linguagem do povo que
não percebia de religião, e mais do que isso, empregou a palavra “abba”, cuja tradução mais correcta seria o “papá” ou
paizinho, a linguagem que uma criancinha emprega para o seu pai.
Será essa a linguagem que estamos utilizando na divulgação do
Evangelho?
Qual seria a sensação dum brasileiro, português, angolano,
moçambicano etc. Qualquer leitor de língua portuguesa que entrasse pela
primeira vez na internet para conhecer alguma coisa a nosso respeito através
das páginas evangélicas?
Penso que a primeira coisa a reparar, seria na grande quantidade
de termos estrangeiros, quase todos da língua inglesa, tais como Gospel, music, Church, God bless you,
The best, News, World etc. Certamente que
irá pensar: Mas quem é esta gente? Serão estrangeiros tentando aprender a nossa
língua?
Penso que infelizmente a resposta é outra. São brasileiros e
portugueses tentando “desaprender” a nossa língua.
Mas afinal, para quem falamos nós? Quais os destinatários das
nossas páginas da internet? Falamos para estrangeiros ou é ao nosso povo, aos
nossos concidadãos que queremos levar a mensagem do Evangelho?
Se é aos nossos que falamos, penso que a nossa mensagem está de
alguma forma prejudicada pelo aspecto, que por vezes apresentamos, de
brasileiros e portugueses um tanto estrangeirados, que em parte já esqueceram a
sua língua, e que terão de reaprender a falar com o nosso povo, falar a
linguagem dos mais simples a quem queremos levar o Evangelho. (os entendidos
também a compreendem).
Noto que é utilizado um melhor português nas páginas católicas da
internet, onde não há tanta “poluição linguística”, e como evangélicos, devemos
ser os primeiros a reconhecer e reagir contra tal facto, que por vezes se torna
um obstáculo à aceitação do Evangelho pela classe mais culta que fala a nossa
língua e que tem todo o direito de exigir uma pregação em bom português.
Mas qual será o motivo desta “poluição linguística” entre alguns
evangélicos?
Talvez nalguns casos, os mais simples considerem a utilização
desse “linguajar” como sinal de espiritualidade, ou sinal de intelectualidade,
de cultura etc. Mas penso que esta influência da língua inglesa entre os
evangélicos tem uma explicação histórica. O Evangelho chegou “recentemente” aos
nossos países, pouco mais de um ou dois séculos, através do francês, do inglês
e do alemão, e foi aceite inicialmente pelos mais simples, a classe mais
humilde, que é a menos culta e com maior permeabilidade a este tipo de
“poluição”.
Presentemente, embora o número de evangélicos em Portugal e
principalmente no Brasil tenha crescido muito, julgo que ainda há uma certa influência
das igrejas originais e da língua inglesa, quando a ajuda vem do exterior, pois
embora a maior parte das igrejas sejam teoricamente independentes, ainda se
mantém uma certa influência cultural, por vezes através de pressões económicas.
Lembro-me do caso dum casal de missionários portugueses que antes
de partir para um país africano de língua oficial inglesa, foi primeiro à
Inglaterra aperfeiçoar o seu inglês, por decisão da junta missionária que os
apoiava. Até aqui parece aceitável, mas quando voltam a passar por Portugal a
caminho de África, notei que os seus filhos já falavam com eles em inglês.
Parece que esse aperfeiçoamento do inglês foi além disso, para se tornar uma
acção de perda da sua identidade cultural.
Mas mais incompreensível é o caso dum casal de missionários
brasileiros, que antes de entrar em Moçambique, foram para a Zâmbia aperfeiçoar
o seu inglês!!!
Para entrar em Moçambique, a junta missionária que os apoia,
mandou-os à Zâmbia aperfeiçoar o inglês, sendo eles brasileiros com destino a
uma terra que fala a nossa língua.
Já é tempo de dizer basta!! Se os
pastores e missionários não estiverem em posição de reagir, devido às tais
pressões económicas, é à classe pensante dos evangélicos que compete tomar a iniciativa.
Já é tempo de seleccionar as ajudas que nos interessam, quando forem ajudas
fraternais, sem quaisquer condições que impliquem a subordinação das nossas
igrejas a autoridades ou pressões do exterior.
Não só em Portugal, mas particularmente no Brasil, já temos
significativo número de pessoas com maior cultura comprometidas com o
Evangelho. Os melhores teólogos da actualidade, que conheço, talvez sejam
brasileiros, mas os piores certamente são brasileiros. Já é tempo de falarmos
melhor a nossa língua, de lutarmos por um Evangelho bem integrado na nossa
cultura, e em especial, de irmos ao encontro da linguagem dos mais simples,
como o Mestre nos ensinou.
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