Cultos
em residências particulares
Fonte: Nilson De Godoi / Advogado franco@aasp.org.br -
Boletim da Associação dos Advogado de São Paulo - Brasil - AASP 2277
Jurisprudência
Direito Civil
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Colaboração do TJRJ - Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - Brasil
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Acórdão
Vistos, relatados
e discutidos os autos de Apelação Cível nº 9675/2001, em que são apelantes M.
V. S. O. e D. L. S. O. e apelada S. M. A. P. I.,
Acordam os
Desembargadores da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro, por unanimidade, em dar provimento parcial ao recurso, nos termos
do voto da Relatora.
Relatório
Insurgem-se os apelantes
contra sentença, às fls. 162/170, que julgou procedente o pedido para que os
réus se abstivessem de realizar cultos religiosos em sua residência situada na Rua ..., sob pena de multa diária de R$
1.000,00 (hum mil reais), condenando-os também ao pagamento de custas judiciais
e honorários advocatícios na base de quinze por cento
sobre o valor da causa, além dos juros e da correção
monetária dos acessórios.
Razões de
apelação, às fls. 172/189, pugnando os réus pela reforma da sentença, pois
inexiste prova quanto ao uso nocivo da propriedade, inexistindo nos autos
perícia comprobatória do excesso de barulho. Que o direito à liberdade
religiosa e o exercício de culto não podem ser restringidos, desde que
exercidos nos termos autorizados pela lei. Que os condôminos
que depuseram, às fls. 142/147, devem ser considerados como mero informantes
ante seu interesse direto no deslinde da controvérsia.
A autora
contrariou o recurso, às fls. 193/200, sustentando a manutenção da decisão monocrática visto que suficientemente comprovados os fatos
alegados em sua inicial a indicar as perturbações causadas à coletividade pelo mau uso da propriedade feito pelos
apelantes.
Rio de Janeiro, 20
de julho de 2001.
Relatora
Por um lado, a
pretensão dos condôminos, membros da associação
autora, de terem preservados seus direitos de sossego e recato e de exigirem do
vizinho a correta utilização de sua propriedade, de
acordo com as normas vigentes. De outro, temos os réus, na qualidade de
proprietários também amparados juridicamente no sentido de dar ao seu imóvel a
pretendida destinação, bem como a possibilidade de cultivarem sua fé religiosa
com plena liberdade.
Diante desta
situação, deve o intérprete do direito sopesar as argumentações e avaliar a
possibilidade de convivência harmônica entre as duas
espécies de direitos. Nos direitos de vizinhança, efetivamente,
em espaço a máxima segundo a qual o direito de cada um termina onde começa o
direito de seu semelhante.
Nenhum dos
direitos consagrados em nosso ordenamento jurídico é de natureza absoluta. Até
mesmo o direito à vida cede quando verificamos a possibilidade da instauração
da pena de morte em tempos de guerra e ante a licitude da conduta daquele que
mata em legítima defesa.
O direito do
proprietário deve se compatibilizar com as normas de ordem pública
e edílicas, bem como com o interesse privado dos confinantes e vizinhos,
de modo a se garantir a paz social. Nestes termos, a referência constitucional
do art. 5º, XXIII, referente ao cumprimento da função
social da propriedade, deve ser entendida amplamente, com o fito de resguardar
as duas hipóteses.
No caso sob
análise, ao contrário do que sustentam os recorrentes,
ficou efetivamente provado que estes não fazem o uso correto de sua propriedade. A prova documental carreada aos autos, bem como o depoimento das testemunhas efetivamente demonstrou que, no imóvel dos réus, são
realizadas cerimônias de cunho religioso, com
cânticos e acompanhamento de instrumentos musicais, em horários tardios. Por
ocasião destes eventos, há também um grande tráfego de veículos estranhos ao
condomínio, os quais, muitas vezes, estacionam em locais proibidos, não
permitindo a entrada e saída dos vizinhos.
A fim de que ambos
os preceitos constitucionais sejam respeitados, prudente se faz a normatização do uso da propriedade por parte dos réus, de
forma a permitir que estes também usufruam de seu direito, não menos protegido,
de liberdade de culto e de reunião.
Desta feita, correto que os apelantes possam realizar os pretendidos
encontros religiosos em sua propriedade, desde que estes terminem até as 22h,
impreterivelmente, inclusive no que se refere à saída dos visitantes, que
também é um fator de perturbação do sossego da
vizinhança.
Por outra, somente
se faz possível o acesso de dois veículos (além daqueles que ocupem a garagem
interna), sendo que estes devem obrigatoriamente ficar estacionados na àrea reservada a visitantes ou na calçada dos réus, sem
prejudicar a fluência do trânsito.
O descumprimento destes preceitos importará no pagamento de
multa no valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais) por dia
e por veículo, em favor do condomínio.
Nestes termos,
conhece-se do recurso e lhe é dado provimento parcial.
Rio de Janeiro, 30
de agosto de 2001.
Des. Gustavo Kuhl Leite
Presidente
Relatora