CONCORDATA ENTRE A SANTA SÉ E A
REPÚBLICA PORTUGUESA
(Maio de 1940)
Em nome
da Santíssima Trindade
Sua
Santidade o Sumo Pontífice Pio XII, e Sua Excelência o Presidente da República
Portuguesa, dispostos a regular por mútuo acordo e de modo estável a situação
jurídica da Igreja Católica em Portugal, para a paz e maior bem da Igreja e do
Estado,
Resolveram
concluir entre si uma solene Convenção que reconheça e garanta a liberdade da
Igreja e salvaguarde os legítimos interesses da Nação Portuguesa,
inclusivamente no que respeita às Missões Católicas e ao Padroado do Oriente.
Para tal
efeito, Sua Santidade nomeou seu Plenipotenciário Sua Eminência Reverendíssima
o Senhor Cardeal Luigi Maglione, Seu Secretário de
Estado, e o Senhor Presidente da República Portuguesa nomeou Seus
Plenipotenciários: Sua Excelência o Sr. General Eduardo Augusto Marques, antigo
Ministro das Colónias, Presidente da Câmara Corporativa, Gran
Cruz das Ordens militares de Cristo, de S. Bento d'Aviz
e da Ordem do Império Colonial;
Sua
Excelência o Sr. Doutor Mário de Figueiredo, antigo Ministro da justiça e dos
Cultos, Professor e Director da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Deputado e Gran Cruz da Ordem militar de S.
Tiago da Espada;
Sua
Excelência o Sr. Doutor Vasco Francisco Caetano de Quevedo, Enviado
Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto da Santa Sé, Gran Cruz da Ordem militar de Cristo e Cavaleiro de Gran Cruz da Ordem de S. Gregório Magno;
os quais,
trocados os seus respectivos plenos poderes e achados em boa e devida forma,
acordaram nos artigos seguintes:
Artigo
1º
A
República Portuguesa reconhece a personalidade jurídica da Igreja Católica.
As
relações amigáveis com a Santa Sé serão asseguradas na forma tradicional por
que historicamente se exprimiam, mediante um Núncio Apostólico junto da
República Portuguesa e um Embaixador da República junto da Santa Sé.
Artigo
2.º
É
garantido à Igreja Católica o livre exercício da sua autoridade: na esfera da
sua competência, tem a faculdade de exercer os actos do seu poder de ordem e
jurisdição sem qualquer impedimento.
Para
tanto, a Santa Sé pode livremente publicar qualquer disposição relativa ao
governo da Igreja e, em tudo quanto se refere ao seu ministério pastoral,
comunicar e corresponder-se com os prelados, clero e todos os católicos de
Portugal, assim corno estes o podem com a Santa Sé, sem necessidade de prévia
aprovação do Estado para se publicarem e correrem dentro do País as bulas e quaisquer
instruções ou determinações da Santa sé.
Nos
mesmos termos, gozam desta faculdade os Ordinários e demais Autoridades
eclesiásticas relativamente ao seu clero e fiéis.
Artigo
3.º
A Igreja
Católica em Portugal pode organizar-se livremente de harmonia com as normas do
Direito Canónico, e constituir por essa forma associações ou organizações a que
o Estado reconhece personalidade jurídica.
O
reconhecimento por parte do Estado da personalidade jurídica das associações,
corporações ou institutos religiosos, canonicamente erectos, resulta da simples
participação escrita à Autoridade competente feita pelo Bispo da diocese, onde
tiverem a sua sede, ou por seu legítimo representante.
Em caso
de modificação ou de extinção, proceder-se-á do mesmo modo que para a
constituição, e com os mesmos efeitos.
Artigo
4.º
As
associações ou organizações a que se refere o artigo anterior,
podem adquirir bens e dispor deles nos mesmos termos por que o podem fazer,
segundo a legislação vigente, as outras pessoas morais perpétuas, e
administram-se livremente sob a vigilância e fiscalização da competente
Autoridade eclesiástica. Se porém, além de fins religiosos, se propuserem
também fins de assistência e beneficência em cumprimento de deveres
estatutários ou de encargos que onerem heranças, legados ou doações, ficam, na
parte respectiva, sujeitas ao regime instituído pelo direito português para
estas associações ou corporações, que se tornará efectivo através do Ordinário
competente e que nunca poderá ser mais gravoso do que o regime estabelecido
para as pessoas jurídicas da mesma natureza.
Artigo
5.º
A Igreja
pode livremente cobrar dos fiéis colectas e quaisquer importâncias destinadas à
realização dos seus fins, designadamente no interior e à porta dos templos,
assim como dos edifícios e lugares que lhe pertençam.
Artigo
6.º
É
reconhecida à Igreja Católica em Portugal a propriedade dos bens que
anteriormente lhe pertenciam e estão ainda na posse do Estado, como templos,
paços episcopais e residências paroquiais com seus passais, seminários com suas
cercas, casas de institutos religiosos, paramentos, alfaias e outros objectos
afectos ao culto e religião católica, salvo os que se encontrem actualmente
aplicados a serviços públicos ou classificados como "monumentos
nacionais", ou como "imóveis de interesse público".
Os bens
referidos na alínea anterior que não estejam actualmente na posse do Estado
podem ser transferidos à Igreja pelos seus possuidores sem qualquer encargo de
carácter fiscal, desde que o acto de transferência seja celebrado dentro do
prazo de seis meses a contar da troca das ratificações desta Concordata.
Os
imóveis classificados como "monumentos nacionais" e como "de
interesse público", ou que o venham a ser dentro de cinco anos a contar da
troca das ratificações, ficarão em propriedade do Estado com afectação
permanente ao serviço da Igreja. Ao Estado cabe a sua conservação, reparação e
restauração de harmonia com plano estabelecido de acordo com a Autoridade
eclesiástica, para evitar perturbações no serviço religioso; à Igreja incumbe a
sua guarda e regime interno, designadamente no que respeita ao horário de
visitas, na direcção das quais poderá intervir um funcionário nomeado pelo
Estado.
Os
objectos destinados ao culto que se encontrem em algum museu do Estado ou das
autarquias locais ou institucionais serão sempre cedidos para as cerimónias
religiosas no templo a que pertenciam, quando este se ache na mesma localidade
onde os ditos objectos são guardados. A cedência far-se-á a requisição da
competente Autoridade eclesiástica, que velará pela guarda dos objectos
cedidos, sob a responsabilidade de fiel depositário.
Artigo
7.º
Nenhum
templo, edifício, dependência ou objecto do culto católico pode ser demolido ou
destinado pelo Estado a outro fim, a não ser por acordo prévio com a Autoridade
eclesiástica competente ou por motivo de urgente necessidade pública, como
guerra, incêndio ou inundação.
No caso
de expropriação por utilidade pública, será sempre ouvida a respectiva
Autoridade eclesiástica, mesmo sobre o quantitativo da indemnização. Em
qualquer caso, não será praticado acto algum de apropriação sem que os bens
expropriados sejam privados do seu carácter sagrado.
Artigo
8.º
São isentos
de qualquer imposto ou contribuição, geral ou local, os templos e objectos nele contidos, os seminários ou quaisquer estabelecimentos
destinados à formação do clero, e bem assim os editais e avisos afixados à
porta das igrejas, relativos ao ministério sagrado; de igual isenção gozam os
eclesiásticos pelo exercício do seu múnus espiritual.
Os bens
e entidades eclesiásticos, não compreendidos na alínea precedente, não poderão
ser onerados com impostos ou contribuições especiais.
Artigo
9.º
Os
Arcebispos e Bispos residenciais, seus coadjutores cum iure
successionis e auxiliares, os párocos, os reitores
dos seminários, e em geral os directores e superiores de institutos ou
associações dotados de personalidade jurídica com jurisdição em uma ou mais
províncias do Pais, deverão ser cidadãos portugueses.
Artigo
10.º
A Santa
Sé, antes de proceder à nomeação de um Arcebispo ou Bispo residencial ou de um
coadjutor cum iure successionis,
salvo o que está disposto a respeito do Padroado e do Semi-Padroado,
comunicará o nome da pessoa escolhida ao Governo Português a fim de saber se
contra ela há objecções de carácter político geral. O silêncio do Governo,
decorridos trinta dias sobre a referida comunicação, será interpretado no
sentido de que não há objecções. Todas as diligências previstas neste artigo
ficarão secretas.
Artigo
11.º
No
exercício do seu ministério, os eclesiásticos gozam da protecção do Estado, nos
mesmos termos que as autoridades públicas.
Artigo
12.º
Os
eclesiásticos não podem ser perguntados pelos magistrados ou outras autoridades
sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do sagrado
ministério.
Artigo
13.º
Os
eclesiásticos são isentos da obrigação de assumir os cargos de jurados, membros
de tribunais ou comissões de impostos, e outros da mesma natureza, considerados
pelo Direito Canónico como incompatíveis com o estado eclesiástico.
Artigo
14.º
O
serviço militar será prestado pelos sacerdotes e clérigos sob a forma de
assistência religiosa às forças armadas e, em tempo de guerra, também nas
formações sanitárias. Todavia o Governo providenciará para mesmo em caso de guerra o dito serviço militar se
realize com o menor prejuízo possível para a cura de almas das populações na
Metrópole e no Ultramar Português.
Artigo
15.º
O uso do
hábito eclesiástico ou religioso por parte de seculares ou de pessoas
eclesiásticas ou religiosas a quem tenha sido interdito por medida das
competentes Autoridades eclesiásticas, oficialmente comunicada às autoridades
do Estado, é punido com as mesmas penas que o uso abusivo de uniforme próprio
dum emprego público. É punido nos mesmos termos o exercício abusivo de
jurisdição e de funções eclesiásticas.
Artigo
16.º
É
assegurado à Igreja Católica o livre exercício de todos os actos de culto,
privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e trânsito.
Artigo
17.º
Para
garantir a assistência espiritual nos hospitais, refúgios, colégios, asilos,
prisões e outros estabelecimentos similares do Estado, das Autarquias locais e
institucionais e das Misericórdias, que não tenham capela e serviço privativo
para este efeito, é livre o acesso ao pároco do lugar e ao sacerdote
encarregado destes serviços pela competente Autoridade eclesiástica, sem
prejuízo da observância dos respectivos regulamentos, salvo em caso de
urgência.
Artigo
18.º
A
República Portuguesa garante a assistência religiosa em campanha, às forças de
terra, mar e ar e, para este efeito, organizará um corpo de capelães militares
que serão considerados oficiais graduados.
O Bispo
que desempenhar as funções de Ordinário Castrense, será nomeado pela Santa Sé
de acordo com o Governo.
Para as
expedições coloniais poderá ser nomeado Ordinário Castrense um Bispo que tenha
sede na respectiva colónia.
O
Ordinário Castrense pode nomear, de acordo com o Governo, um Vigário Geral.
Os
capelães militares serão nomeados, de entre os sacerdotes apurados para os
serviços auxiliares, pelo Ordinário Castrense, de acordo com o Governo.
Os
capelães militares têm jurisdição paroquial sobre as suas tropas, e estas
gozam, quanto aos seus deveres religiosos, dos privilégios e isenções
concedidos pelo Direito Canónico.
Artigo
19.º
O Estado
providenciará no sentido de tornar possível a todos os católicos, que estão ao
seu serviço ou que são membros das suas organizações, o cumprimento regular dos
deveres religiosos nos domingos e dias festivos.
Artigo
20.º
As
associações e organizações da Igreja podem livremente estabelecer e manter
escolas particulares paralelas às do Estado, ficando sujeitas, nos termos do
direito comum, à fiscalização deste e podendo, nos mesmos termos, ser
subsidiadas e oficializadas.
O ensino
religioso nas escolas e cursos particulares não depende de autorização do
Estado, e poderá ser livremente ministrado pela Autoridade eclesiástica ou
pelos seus encarregados.
É livre
a fundação dos seminários ou de quaisquer outros estabelecimentos de formação
ou alta cultura eclesiástica. O seu regime interno não está sujeito à
fiscalização do Estado.
A este
deverão, no entanto, ser comunicados os livros adaptados de disciplinas não
filosóficas ou teológicas. As autoridades eclesiásticas competentes cuidarão
que no ensino das disciplinas especiais, como no da História, se tenha em conta
o legítimo sentimento patriótico português.
Artigo
21.º
O ensino
ministrado pelo Estado nas escolas públicas será orientado pelos princípios da
doutrina e moral cristãs tradicionais do País.
Consequentemente ministrar-se-á o ensino da religião e moral católicas nas
escolas públicas elementares, complementares e médias aos alunos cujos pais, ou
quem suas vezes fizer, não tiverem feito pedido de isenção.
Nos
asilos, orfanatos, estabelecimentos e institutos oficiais de educação de
menores, e de correcção ou reforma, dependentes do Estado será ministrado, por
conta dele, o ensino da religião católica e assegurada a prática dos seus
preceitos.
Para o
ensino da religião católica, o texto deverá ser aprovado pela Autoridade
eclesiástica e os professores serão nomeados pelo Estado de acordo com ela; em
nenhum caso poderá ser ministrado o sobredito ensino por pessoas que a
Autoridade eclesiástica não tenha aprovado como idóneas.
Artigo
22.º
O Estado
Português reconhece efeitos civis aos casamentos celebrados em conformidade com
as leis canónicas, desde que a acta do casamento seja transcrita nos
competentes registos do estado civil.
As
publicações do casamento far-se-ão não só nas respectivas igrejas paroquiais,
mas também nas competentes repartições do registo civil.
Os
casamentos in articulo mortis,
em iminência de parto, ou cuja imediata celebração seja expressamente
autorizada pelo Ordinário próprio por grave motivo de ordem moral, poderão ser
contraídos independentemente do processo preliminar das publicações.
O pároco
enviará dentro de três dias cópia integral da acta do casamento, à repartição
competente do registo civil para ser aí transcrita; a transcrição deve ser
feita no prazo de dois dias e comunicado pelo funcionário respectivo ao pároco
até ao dia imediato àquele em que foi feita com indicação da data.
O pároco
que, sem graves motivos, deixar de enviar a cópia da acta, dentro do prazo,
incorre nas penas de desobediência qualificada; e o funcionário do registo
civil que não fizer a transcrição no tempo devido incorrerá nas penas cominadas
pela lei orgânica do serviço.
Artigo
23.º
O
casamento produz todos os efeitos civis desde a data da celebração se a
transcrição for feita no prazo de sete dias. Não o sendo, só produz efeitos
relativamente a terceiros, a contar da data da transcrição.
Não
obsta à transcrição a morte de um ou ambos os cônjuges.
Artigo
24.º
Em
harmonia com as propriedades essenciais do casamento católico, entende-se que,
pelo próprio facto da celebração do casamento canónico, os cônjuges renunciarão
à faculdade civil de requererem o divórcio, que por isso não poderá ser
aplicado pelos tribunais civis aos casamentos católicos.
(Ver
Protocolo Adicional de 1975)
Artigo
25.º
O conhecimento
das causas concernentes à nulidade do casamento católico e à dispensa do
casamento rato e não consumado, é reservado aos tribunais e repartições
eclesiásticos competentes.
As
decisões e sentenças destas repartições e tribunais, quando definitivas subirão
ao Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica para verificação, e serão, depois,
com os respectivos decretos daquele Supremo Tribunal, transmitidas, pela via
diplomática, ao Tribunal da Relação do Estado, territorialmente competente, que
as tornará executivas e mandará que sejam averbadas nos registos do estado
civil, à margem da acta do casamento.
Artigo
26.º
A
divisão eclesiástica do Ultramar Português será feita em dioceses e
circunscrições missionárias autónomas. Dentro de umas e de outras podem ser
erectas direcções missionárias pelos respectivos prelados, de acordo com o
Governo.
Os
limites das dioceses e circunscrições missionárias serão fixados de maneira a
corresponderem, na medida do possível, à divisão
administrativa.
Artigo
27.º
A vida
religiosa e o apostolado missionário nas dioceses serão assegurados pelo
respectivo bispo residencial, e nas circunscrições missionárias por corporações
missionárias.
As
corporações missionárias reconhecidas estabelecerão em Portugal continental ou
ilhas adjacentes casas de formação e de repouso para o seu pessoal missionário.
As casas de formação e de repouso de cada corporação constituem um único
instituto, subsidiado pelo orçamento da Metrópole.
Às
dioceses e circunscrições missionários, às outras entidades eclesiásticas e aos
institutos religiosos das colónias, e bem assim aos institutos missionários,
masculinos e femininos, que se estabelecerem em Portugal continental ou ilhas
adjacentes, é reconhecida a personalidade jurídica.
As
dioceses e as circunscrições missionárias serão subsidiadas pelo Estado.
Artigo
28.º
Os
Ordinários das dioceses e circunscrições missionárias, quando não haja
missionários portugueses em número suficiente, podem, de acordo com a Santa Sé
e com o Governo, chamar missionários estrangeiros, os quais serão admitidos nas
missões da organização missionário portuguesa, desde que declarem submeter-se
às leis e tribunais portugueses. Esta submissão será a que convém a
eclesiásticos.
Quando
dentro de cada diocese ou circunscrição missionária forem estabelecidas novas
direcções missionárias, a nomeação dos respectivos directores, não podendo
recair em cidadão português, só será feita depois de ouvido o Governo
Português.
Todos os
missionários, do clero secular ou de corporações religiosas, nacionais ou
estrangeiros, estarão inteiramente sujeitos à jurisprudência ordinária dos
prelados das dioceses e circunscrições missionárias, no que se refere ao
trabalho missionário.
Artigo
29.º
São
consideradas em vigor as disposições da Concordata de 21 de Fevereiro de 1857,
ressalvadas pela Concordata de 23 de Junho de 1886, e as da Concordata de 23 de
Junho de 1886, umas e outras na parte não atingida por acordos posteriores,
designadamente pelos de 15 de Abril de 1928 e de 11 de Abril de 1929 e por esta
Convenção.
Artigo
30.º
Se vier
a surgir qualquer dúvida na interpretação desta Concordata, a Santa Sé e o
Governo Português procurarão de comum acordo uma solução amigável.
Artigo
31.º
A
presente Concordata, cujos textos em língua portuguesa e em língua italiana
farão igualmente fé, será ratificada e entrará em vigor logo que sejam trocados
os instrumentos de ratificação, salvo na parte cuja execução depende de
legislação interna complementar da República Portuguesa, em que entrará em
vigor só com essa mesma legislação. A entrada em vigor desta não poderá
diferir-se além do prazo de dois meses a contar da ratificação.
Feito em
duplo exemplar.
Cidade
do Vaticano, 7 de Maio de 1940.
L.+ S.
L. Card. MAGLIONE
L.+ S.
EDUARDO AUGUSTO MARQUES
L.+ S.
MÁRIO DE FIGUEIREDO
L.+ S.
VASCO FRANCISCO CAETANO DE QUEVEDO
ACORDO MISSIONÁRIO
ENTRE A SANTA SÉ E A REPÚBLICA PORTUGUESA
Acta Apostolicae, Sedis 32 (1940)
235-244.
Diário
do Governo, 1.ª' Série, n.º 158, de 10 de Julho de 1940.
Considerando:
Que na
data de hoje foi assinada a Concordata entre a Santa Sé e a República
Portuguesa;
Que na
dita Concordata nos artigos XXVI-XXVIII estão enunciadas as normas fundamentais
relativas à actividade missionária;
Que durante
as negociações para a conclusão da mesma Concordata o Governo Português propôs
que as ditas normas fossem ulteriormente desenvolvidas numa Convenção
particular;
A Santa
Sé e o Governo Português resolveram estipular um acordo destinado a regular mais
completamente as relações entre a Igreja e o Estado no que diz respeito à vida
religiosa no Ultramar Português, permanecendo firme tudo quanto tem sido
precedentemente convencionado a respeito do Padroado do Oriente.
Para
este fim nomearam Plenipotenciários respectivamente sua Eminência
Reverendíssima o Senhor Cardeal Luigi Maglione,
Secretário de Estado de Sua Santidade; e Sua Excelência o Sr. General Eduardo
Augusto Marques, antigo Ministro das Colónias, Presidente da Câmara
Corporativa, Gran Cruz das Ordens militares de
Cristo, de S. Bento d'Aviz e da Ordem do Império
Colonial; Sua Excelência o Sr. Doutor Mário de Figueiredo, antigo Ministro da
justiça e dos Cultos, Professor e Director da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, Deputado e Gran Cruz da
Ordem militar de S. Tiago da Espada; Sua Excelência o Sr. Doutor Vasco
Francisco Caetano de Quevedo, Enviado Extraordinário e Ministro
Plenipotenciário junto da Santa Sé, Gran Cruz da
Ordem militar de Cristo e Cavaleiro de Gran Cruz da
Ordem de S. Gregório Magno; os quais, sob reserva de ratificação, concordaram
em quanto se segue:
Artigo
1.º
A
divisão eclesiástica das Colónias Portuguesas será feita em dioceses e
circunscrições missionárias autónomas.
Aos
bispos das dioceses cabe organizar, por intermédio do clero secular e regular,
a vida religiosa e o apostolado da própria diocese.
Nas
circunscrições missionários a vida religiosa e o apostolado serão assegurados
por corporações missionárias reconhecidas pelo Governo, sem prejuízo de, com
autorização deste, se estabelecerem, nos ditos territórios, missionários
doutras corporações ou do clero secular.
Artigo
2.º
Os
Ordinários das dioceses e circunscrições missionárias, quando não haja
missionários portugueses em número suficiente, podem, de acordo com a Santa Sé
e com o Governo, chamar missionários estrangeiros, os quais serão admitidos nas
missões da organização missionário portuguesa, desde que declarem submeter-se
às leis e tribunais portugueses. Esta submissão será a que convém a eclesiásticos.
Artigo
3.º
As
dioceses serão governadas por bispos residenciais e as circunscrições
missionárias por Vigários ou Prefeitos Apostólicos, todos de nacionalidade
portuguesa.
Tanto
numas como noutras, os missionários católicos do clero secular ou de
corporações religiosas, nacionais ou estrangeiros, estarão inteiramente
sujeitos à jurisdição ordinária dos sobreditos prelados no que se refere ao
trabalho missionário.
Artigo
4.º
As
dioceses e as circunscrições missionárias serão representadas junto do Governo
da Metrópole pelo respectivo prelado ou por um seu delegado, e as corporações
missionárias pelo respectivo Superior ou por um seu delegado.
Os
Superiores e os delegados, aqui mencionados, terão a nacionalidade portuguesa.
Artigo
5.º
As corporações
missionárias reconhecidas estabelecerão em Portugal continental ou ilhas
adjacentes casas de formação e de repouso para o seu pessoal missionário.
As casas
de formação e de repouso de cada corporação constituem um único instituto.
Artigo
6.º
São
desde já criadas três dioceses em Angola, com sede em Luanda, Nova Lisboa e
Silva Porto; três em Moçambique, com sede em Lourenço Marques, Beira e Nampula;
uma em Timor, com sede em Dili. Além disso, nas ditas
colónias e na Guiné poderão ser erectas circunscrições missionárias.
A Santa
Sé poderá, de acordo com o Governo, alterar o número das dioceses e
circunscrições missionárias. Os limites das dioceses e circunscrições
missionárias serão fixados pela Santa Sé de maneira a corresponderem, na medida do possível, à divisão administrativa e sempre
dentro dos limites do território português.
Artigo
7.º
A Santa
Sé, antes de proceder à nomeação de um arcebispo ou bispo residencial ou de um
coadjutor cum iure successionis,
comunicará o nome da pessoa escolhida ao Governo Português a fim de saber se
contra ela há objecções de carácter político geral. O silêncio do Governo,
decorridos trinta dias sobre a referida comunicação, será interpretado no
sentido de que não há objecções. Todas as diligências revistas neste artigo
ficarão secretas.
Quando
dentro de cada diocese ou circunscrição missionária forem estabelecidos novas
direcções missionárias, a nomeação dos respectivos directores, não podendo
recair em cidadão português, só será feita depois de ouvido o Governo
Português.
Criada
uma circunscrição eclesiástica, ou tornando-se vacante, a Santa Sé, antes do
provimento definitivo, poderá imediatamente constituir um administrador
apostólico provisório, comunicando ao Governo Português a nomeação feita.
Artigo
8.º
Às
dioceses e circunscrições missionários, às outras entidades eclesiásticas e aos
institutos religiosos das colónias, e bem assim aos institutos missionários,
masculinos e femininos, que se estabelecerem em Portugal continental ou ilhas
adjacentes, é reconhecida a personalidade jurídica.
Artigo
9.º
As
corporações missionárias reconhecidas, masculinas e femininas serão,
independentemente dos auxílios que receberem da Santa Sé, subsidiadas segundo a
necessidade pelo Governo da Metrópole e pelo Governo da respectiva colónia. Na
distribuição dos ditos subsídios, ter-se-ão em conta não somente o número dos
alunos das casas de formação e o dos missionários nas colónias, mas também as
obras missionários, compreendendo nelas os seminários e as outras obras para o
clero indígena. Na distribuição dos subsídios a cargo das colónias, as dioceses
serão consideradas em paridade de condições com as circunscrições missionárias.
Artigo
10.º
Além dos
subsídios a que se refere o artigo anterior, o Governo continuará a conceder
gratuitamente terrenos disponíveis às missões católicas, para o seu
desenvolvimento e novas fundações. Para o mesmo fim, as entidades mencionadas
no artigo 8.º poderão receber subsídios particulares e aceitar heranças,
legados e doações.
Artigo
11.º
Serão
isentos de qualquer imposto ou contribuição, tanto na Metrópole como nas
colónias:
a) Todos
os bens que as entidades mencionadas no artigo 8.º possuírem em conformidade
com os seus fins;
b) Todos os actos inter vivos
de aquisição ou de alienação, realizados pelas ditas entidades para satisfação
dos seus fins, assim como todas as disposições mortis
causa de que forem beneficiárias para os mesmos fins.
Além
disso, serão isentos de todos os direitos aduaneiros as imagens sagradas e
outros objectos de culto.
Artigo
12.º
Além dos
subsídios previstos no artigo 9.º, o Governo Português garante aos Bispos
residenciais, como Superiores das missões das respectivas dioceses e aos
Vigários e Prefeitos Apostólicos honorários condignos e mantém-lhes o direito à
pensão de aposentação. Para viagens ou deslocações, porém, não haverá direito a
qualquer ajuda de custo.
Artigo
13.º
O
Governo Português continuará a abonar a pensão de aposentação ao pessoal
missionário aposentado e para o futuro dá-la-á aos membros do clero secular
missionário quanto tiverem completado o número de anos de serviço necessário
para tal efeito.
Artigo
14.º
Todo o
pessoal missionário terá direito ao abono das despesas de viagem dentro e fora das
colónias. Para gozar de tal direito basta que na Metrópole o Ordinário ou seu
delegado apresente ao Governo os nomes das pessoas, juntamente com atestado
médico, que comprove a robustez física necessária para viver nos territórios do
Ultramar, sem necessidade de outras formalidades. Se o Governo, por fundados
motivos, julgar insuficiente o atestado médico, poderá
ordenar novo exame que será feito na forma devida por médico de confiança,
sempre do sexo feminino para as pessoas deste sexo.
As
viagens de regresso à Metrópole por motivo de doença ou em gozo de licença
graciosa serão, por proposta dos respectivos prelados, autorizadas segundo as
normas vigentes para os funcionários públicos.
Artigo
15.º
As
missões católicas portuguesas podem expandir-se livremente, para exercerem as
formas de actividade que lhes são próprias e nomeadamente a de fundar e dirigir
escolas para os indígenas e europeus, colégios masculinos e femininos,
institutos de ensino elementar, secundário e profissional, seminários, catecumenatos,
ambulâncias e hospitais.
De
acordo com a Autoridade eclesiástica local, poderão ser confiados a
missionários portugueses os serviços de assistência religiosa e escolar a
súbditos portugueses em territórios estrangeiros.
Artigo
16.º
Nas
escolas indígenas missionários é obrigatório o ensino da língua portuguesa,
ficando plenamente livre, em harmonia com os princípios da Igreja, o uso da
língua indígena no ensino da religião católica.
Artigo
17.º
Os
Ordinários, os missionários, o pessoal auxiliar e as irmãs missionárias, não
sendo funcionários públicos, não estão sujeitos ao regulamento disciplinar nem
a outras prescrições ou formalidades a que possam estar sujeitos aqueles
funcionários.
Artigo
18.º
Os
Prelados das dioceses e circunscrições missionárias e os Superiores das
corporações missionárias na Metrópole darão anualmente ao Governo informações
sobre o movimento missionário e actividade exterior das missões.
Artigo
19.º
A Santa
Sé continuará a usar da sua autoridade para que as corporações missionárias
portuguesas intensifiquem a evangelização dos indígenas e o apostolado
missionário.
Artigo
20.º
Mantém-se
em vigor o regime paroquial da diocese de Cabo Verde.
Artigo
21.º
Os dois
textos do presente Acordo, em língua portuguesa e em língua italiana, farão
igualmente fé.
Feito em
duplo exemplar.
Cidade
do Vaticano, 7 de Maio de 1940.
L.+ S.
L. Card. MAGLIONE
L.+ S.
EDUARDO AUGUSTO MARQUES
L.+ S.
MÁRIO DE FIGUEIREDO
L.+ S.
VASCO FRANCISCO CAETANO DE QUEVEDO
PROTOCOLO ADICIONAL (1975)
PROTOCOLO
ADICIONAL À CONCORDATA ENTRE A SANTA SÉ E A REPÚBLICA PORTUGUESA DE 7 DE MAIO
DE 1940
Acta Apostoticae Sedis 67 (1975)
435-436.
Diário
do Governo, 1.ª Série, n.º 79, de 4 de Abril de 1975.
A SANTA SÉ E O GOVERNO PORTUGUÊS, afirmando a vontade de
manter o regime concordatário vigente para a paz e o maior bem da Igreja e do
Estado, tomando em consideração, por outro lado, a nova situação apresentada
pela parte portuguesa no que se refere à disposição contida no artigo XXIV da
Concordata de 7 de Maio de 1940, acordaram no que
segue:
I
O artigo
XXIV da Concordata de 7 de Maio de 1940 é modificado da seguinte forma:
"Celebrando
o casamento católico, os cônjuges assumem por esse mesmo facto, perante a
Igreja, a obrigação de se aterem as normas canónicas que o regulam e, em
particular, de respeitarem as suas propriedades essenciais.
A Santa
Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do
vínculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico
o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer
o divórcio".
II
Mantêm-se
em vigor os outros artigos da Concordata de 7 de Maio de 1940.
III
O presente
Protocolo, cujos textos em língua portuguesa e em língua italiana farão
igualmente fé, entrará em vigor logo que sejam trocados os instrumentos de
ratificação.
Feito em
duplo exemplar.
Cidade
do Vaticano, 15 de Fevereiro de 1975.
GIOVANNI
Card. VILLOT.
FRANCISCO
SALGADO ZENHA.