Caminhada
solitária (RL)
(Carta duma missionária na Índia)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
Lembro-me que estava em meus primeiros
dias na Índia, ainda em 1995, quando pela primeira vez ouvi da boca de uma amiga
muito querida, a afirmação de que “Seguir a Jesus é uma caminhada
solitária”. Naquele momento ainda um tanto empolgada pela euforia da minha
chegada no campo missionário e com o coração cheio de gratidão e alegria em
Deus por ver Sua fidelidade nesse sentido na minha vida, confesso que
pouquíssima ou nenhuma importância dei para aquela importante informação.
Hoje passados esses quase 12 anos...
admito com muitas lágrimas que eu sei exatamente o que significa isso! Pois
tenho visto em “in loco”, sentindo na minha própria pele a pressão das
emoções reclamando pela companhia de alguém para segurar minha mão ou encostar
minha cabeça enquanto sinto-me triste, cansada ou frustrada. Muitas vezes
sinto-me sozinha....algumas vezes abandonada; preterida; mal entendida; ou
muito cansada.
A solidão enfrentada nessas horas não é
consequência da carência afetiva normal, que todo missionário enfrenta em
terras distantes. Essa solidão pode ser facilmente superada. Pois um telefonema
para a família ou para um amigo achegado pode fazer milagres nesse
sentido!
A solidão resultante da sua firme
decisão de agradar a Deus acima de qualquer coisa ou preço, é bem mais
complexa e profunda e não há telefonema que possa amenizá-la em poucos
segundos.
Tenho aprendido grandes lições de vida
com o meu querido esposo António Francisco. Pois ele também e, penso que bem
mais que eu, sabe o que significa seguir a Jesus não importando o que isso lhe
custe.
Hoje mais do que nunca eu entendo o que
Jesus queria dizer quando mencionou a “porta estreita que dá acesso ao
Céu”.... Hoje eu sei o que significa “negar-se a si mesmo, tomar a sua cruz e
segui-Lo diariamente”.
Hoje eu sei o significado prático do que
seja viver no temor do Senhor... Sei o que é andar na luz da Sua Palavra
e, não se sentar na roda dos escarnecedores ou não fazer “aliança” baixando o
padrão dos princípios estabelecidos por Ele para Seus filhos desfrutarem de
Seus benefícios vivendo em Seu Reino.
Como em toda parte no mundo, a Índia
também tem de tudo! Aqui nós contemplamos a real miséria física experimentada
por um terço da população do mundo. Mas também vemos a exuberância da riqueza
de uma minoria que desfila ouro... cores... novos e importados carros, ou
acumula milhões de rupias nos bancos. E ambos: miseráveis e milionários
morrem do mesmo jeito... e vão “desfrutar” do mesmo destino... porque
estão morrendo sem Jesus. O problema é dar genuíno acesso a
ambos, ao conhecimento do amor de Jesus.
De cristãos nominais.... crentes carnais..... pseudo
seguidores de Jesus que nenhuma influência conseguem fazer nesta cultura ou
sociedade, este país está cheio!
Hoje, mais do que nunca, eu entendo
porque o Pai desta nação – Mahatma Gandhi - disse que “apreciava o Cristo, mas
desconhecia Seus seguidores na Índia, pois não se sentia encorajado pelo estilo
e nível de vida deles”…. Que tristeza, não?
Mas... na realidade... a solidão de que
estou tentando falar neste momento, diz respeito exatamente a esse tipo
de sentimento gerado pela escassez ou ausência de verdadeiros seguidores
de Jesus, ao seu lado enquanto você segue Suas pisadas, obedecendo sua
chamada pessoal e cumprindo Seu propósito para a sua vida.
Se você é do tipo que não se importa com
a “opinião do Senhor ao seu respeito”.... e
prefere seguir com as multidões fluindo na grande corrente.... você nunca vai enfrentar esse tipo de solidão! Você vai
estar sempre “rodeada de muitos amigos”. Vai ser sempre convidada para grandes
festas e comemorações. Seu telefone vai estar sempre tocando pois alguém vai
estar sempre querendo bater papo com você sobre a última novela.... ou a moda em vigor. E etc.
Mas, se você sinceramente decidiu seguir
a Jesus em obediência e temor, vivendo para a Sua glória…. saiba
que você é um candidato em potencial para enfrentar esse tipo de solidão.
E muitas outras.
Se você é o tipo de pessoa que sempre
fala a verdade....não importa a quem você vai desagradar....
Se você decidiu andar na luz, nunca
pagando suborno para conseguir o que deseja ou precisa;
Se você sinceramente costuma corrigir
em amor aqueles a quem você quer bem...
Se você não suporta mentira....balança
enganosa....dois pesos e duas medidas...
Saiba que você também vai enfrentar
muita solidão na sua caminhada seguindo a Jesus!
Não estou querendo aqui passar a imagem
de que eu e meu esposo somos dois “santarrões”....ou
“super-espirituais”....Não! Somos pecadores normais SALVOS PELA INFINITA GRAÇA
DE JESUS. Mas não vivemos deliberadamente pecando ou alargando a porta que o
próprio Jesus disse que era estreita. Somos pecadores salvos cujo
comprometimento com Jesus é sério e definitivo. Não nos comprometemos com esse
mundo nem nos conformamos com seus padrões ou apelos. E por essa razão
enfrentamos tanta solidão. Somos isolados e rejeitados pela maioria dos “pseudo cristãos” que conhecemos neste
lugar. Porque não fluímos com eles nem lhes aprovamos a prática de vida. Penso
que nossa própria vida fala com eles e lhes “aperta a consciência” ....portanto é melhor mesmo não se aproximar muito de
pessoas como nós!
Mas essa realidade nos causa muita
dor....tristeza e nos impõe esse tipo de solidão na nossa sincera caminhada
seguindo a Jesus.
Essa situação se agrava muito quando o
que testemunhamos a nível de vergonha para o nome de Jesus, é algo comum ou
normal na vida de muitos “irmãos” que se dizem “pastores”… “evangelistas”... ou “missionários”... e que se
utilizam do “serviço a Deus” para desenvolver uma “carreira promissora” e
nunca uma genuína chamada ou vocação para o ministério!
Para nós, tem se tornado cansativa e por
demais dolorosa, a prática constante do confrontamento
dessas pessoas! Muitas vezes me surpreendo enfrentando lutas em minha alma; me
questionando se não estou me tornando uma pessoa legalista ou exigente demais,
esquecendo-me de exercer misericórdia. A divina misericórdia que tanto tenho
desfrutado nessa mesma caminhada.
Mas, com estes testemunhos, dos que se
apresentam como pastores e missionários, será que alguns indianos teriam razão
se me respondessem: “Esse evangelho, esse amor, essa forma de viver, esse
testemunho, não queremos… obrigado.” Que poderei eu responder nesse momento, se
o próprio Mestre nos diz, que pelos seus frutos os conhecereis? Mateus 7:20
O pior, é que esse testemunho afecta
todos os evangélicos. Preciso de muita sabedoria e equilíbrio nesse
sentido, pois sei das minhas limitações e tenho consciência de que a obra de
Deus ainda não foi finalizada na minha própria vida.
Eu creio que a presença de Jesus ao
nosso lado é suficiente para nos alegrar em meio à solidão dessas
horas. Mas nem sempre isso tem ocorrido comigo. E o curioso é que tenho
observado que as pessoas mais solitárias são aquelas que andam
próximas de Jesus. Isto é uma verdade espiritual, por mais estranho que possa
parecer. E uma das razões principais para isso é essa que compartilho nesta
pequena meditação tentando destacar meu zelo para com a glória do Seu nome,
tendo inevitavelmente que fazer constantes renúncias em relação às facilidades
desta vida por amor a Jesus.
Sei que pode haver muitas outras
razões, como por exemplo a nossa incapacidade crónica de se abrir e
ser totalmente transparente para com nossos irmãos na fé. Agimos assim muitas
vezes com medo de sermos rejeitados; ou ainda por conta de uma pequena dose de
soberba que escondemos no nosso íntimo. Tudo isso se junta nessas horas e
contribui para nos mantermos isolados, praticando uma comunhão superficial
ou de conveniência.
No entanto honestamente falando... posso
afirmar que tenho alcançado algum progresso nessa área, pois já consigo com
certa facilidade me expor, admitir meus erros e pedir perdão sempre que
se faz necessário!
Na verdade, eu bem sei que posso estar
passando por aquilo que alguns teológos chamam de “sindrome de Elias”. E tenho absoluta convicção de que assim
como ele, eu também não estou só nessa minha caminhada e isolamento. E
nessas horas tento trazer à memória essa verdade, pois sei que ainda existem 7 mil que não se dobraram a Baal. Eu
tenho consciência da existência deles. E quando reflicto sobre essa verdade
isso me encoraja. Porém por conta da minha fragilidade e limitações fico
a me perguntar:
“Aonde estão eles para que nos
consolemos juntos e trabalhemos juntos?”
Não sei. Sinceramente não sei.
Que a doce presença do Consolador possa
nos auxiliar nessa caminhada, mantendo sincera comunhão, com os que,
sinceramente, seguem a Jesus!
Rúbia
Lopes
Índia - Janeiro de 2007
Estudos
bíblicos sem fronteiras teológicas