Ainda as Indulgências!

Reacção da IEPP ao Jubileu 2000

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

 

 

Perante a publicação da Bula de Proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000 - Incarnationis mysterium -, a Comissão Executiva (C.E.) da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal (IEPP), reunida no dia dezasseis de Janeiro de 1999, na sua sede sinodal, vem manifestar a sua preocupação pelas implicações teológicas e as repercussões ecuménicas deste documento.

Num breve comunicado como este, dirigida à família presbiteriana e ao público em geral, a C.E. da IEPP entende não haver lugar para a análise exaustiva do texto papal, nem sequer a referência a alguns pontos com os quais nos identificamos enquanto cristãos protestantes.

Não podemos, no entanto, deixar de manifestar a nossa surpresa e perplexidade perante um texto que apresenta, salutarmente, uma certa preocupação ecuménica mas, simultaneamente, inclui alguns temas que, infelizmente, continuam a marcar as razões que ditaram a separação entre a Igreja de Roma e outras Igrejas Cristãs oriundas da Reforma do século XVI e mesmo em séculos anteriores, entre as quais a questão de Maria como Mãe da Igreja, a figura e o ministério do Papa como sucessor de Pedro, e a concessão de indulgências para vivos e para mortos.

Como é ainda possível a Igreja Católica Romana convidar os outros cristãos para um caminho no qual a totalidade do perdão divino só é possível pela concessão de indulgências? Com que intenção somos convidados a fazer a peregrinação às Basílicas Patriarcais, de Roma ou de outros lugares, aos Santuários Marianos ou a passar pelas Portas Santas (cuja santidade ignoramos de onde provém ou por quem foi estabelecida), sabendo-se que estes são alguns dos pontos que histórica, doutrinal e eclesialmente mais têm dividido os cristãos ao longo do tempo?

É certo que o diálogo ecuménico tem de ser feito com verdade e na verdade.

Porém, não é menos certo que essa verdade não só se apresenta hierarquizada, como deve ser sempre acompanhada do amor e da oportunidade que lhe são inerentes. Ou será que está na mente do papa, e da cúria romana, fazer com que o Jubileu do ano 2000 seja para nós, cristãos reformados, o ano do esquecimento e da retractação dos grandes princípios dessa mesma Reforma, nos quais se incluem a doutrina da justificação pela fé, o perdão gratuito de Deus em Cristo e a autoridade suprema das Escrituras?

Ou a palavra de Deus é mentirosa ou as indulgências não passam de uma fraude.

Porque Cristo se nos ofereceu no Evangelho na plenitude dos bens celestes, com todos os seus méritos, toda a sua justiça, sabedoria e graça, sem excepção alguma. Assim se exprimiu João Calvino contra a prática das indulgências no seu tempo (Institutas III, 5, 5), seguindo os passos iniciados por Martinho Lutero.

Fazendo nossas as palavras destes Reformadores, e ainda que nos nossos dias, e no documento em análise, não esteja em causa o comércio das indulgências como existiu no passado, a C.E. da IEPP não pode deixar de manifestar o seu mais vivo repúdio por tudo que possa relacionar-se com a chamada “teologia dos méritos” segundo a qual ainda se encoraja a participação humana a completar o ministério salvífico de Jesus Cristo e se põe em causa a graciosidade e a eficácia total do perdão de Deus, fazendo com que algumas das penas dividas ao pecado sejam apagadas, total ou parcialmente, por meio de algumas orações, peregrinações a santuários específicos ou pela renúncia, durante um dia, ao tabaco ou ao álcool.

“Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras para que ninguém se glorie.” Efésios 2:8/9

A C.E. rende graças a Deus por a IEPP ter sido uma pioneira do diálogo, acção e testemunho ecuménicos no nosso país, muito antes da realização do Concílio Vaticano II. Membro do Conselho Mundial de Igrejas, da Conferência das Igrejas Europeias, fundadora do Conselho Português de Igrejas Cristãs (COPIC) e do Centro Ecuménico Reconciliação, abrindo as portas do seu Seminário de Teologia não só a estudantes, mas também a professores e directores oriundos de diversas Igrejas, a IEPP tem estado, e assim quer continuar, na primeira linha de todas as iniciativas de carácter ecuménico que se vêm desenvolvendo em Portugal. Este é o seu modo de ser e estar na sociedade que pretende servir. Fá-lo porque está convicta que a dimensão ecuménica não é o resultado de uma opção a ser feita, mas sim a marca inerente à Igreja, una e plural, a que pertence.

Para além das preocupações acima mencionadas e da frontal oposição a alguns dos caminhos apresentados nesta última Bula papal, a IEPP, correndo o risco de passar a viver um ecumenismo a “duas velocidade”, reafirma o seu empenho no desenvolvimento do diálogo ecuménico a nível local, regional e nacional.

Juntamente com outros irmãos e irmãs de confissões e tradições diferentes, crê continuar a ser cada vez mais importante a manifestação da unidade visível de toda a família cristã já unida “num só Senhor, numa só fé, num só baptismo; num só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos.  Efésios 4:5/6

É com este compromisso e esta visão que todos damos as mãos para, com louvor e confiança, entrarmos juntos no novo milénio que se aproxima, celebrando nele um verdadeiro Jubileu no espírito bíblico Levítico 25 em que o perdão da dívida, particularmente a dos países mais pobres, possa ser uma realidade.

 

Comissão Executiva da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal