Leia abaixo a íntegra do discurso do papa na Universidade de Regensburg. O título da palestra de Bento XVI é “Fé, Razão
e a Universidade: Memórias e Reflexões”.
(atualizado em 20 de setembro,
em substituição aos trechos selecionados)
Ilustres Senhores, gentis Senhoras!
É emocionante para mim estar novamente na cátedra da universidade e
poder dar uma vez mais uma aula. Meu pensamento volta àqueles anos em que,
depois de um maravilhoso período no Instituto Superior de Freising,
iniciei minha atividade de professor acadêmico na Universidade de Bonn.
1959 era ainda o tempo da velha universidade dos
professores ordinários. Para as cátedras individuais não existiam nem
assistentes nem datilógrafos, mas em compensação
havia um contato muito direto
com os estudantes e principalmente também entre os professores. Davam-se
encontros antes e depois das lições nos quartos dos docentes. Os contatos com os historiadores, os filósofos, os filólogos e
naturalmente também entre as duas faculdades teológicas eram muito estreitos.
Uma vez por semestre havia um assim chamado dies academicus, em que os professores de todas as faculdades se
apresentavam diante dos estudantes de toda a universidade, fazendo possível uma
verdadeira experiência de universitas: o fato de que
nós, não obstante todas as especializações, que às vezes nos fazem incapazes de
nos comunicar entre nós, formamos um todo e trabalhamos no todo da única razão
com suas várias dimensões, estando assim juntos também na comum
responsabilidade pelo reto uso da razão; convertia-o
em experiência viva. A universidade, sem dúvida, estava orgulhosa também de
suas duas faculdades teológicas. Era claro que também elas, interrogando-se
sobre a racionalidade da fé, desenvolvem um trabalho que necessariamente faz
parte do "todo" da universitas scientiarum, inclusive se não todos podiam compartilhar a
fé, por cuja correlação com a razão comum se esforçam os teólogos. Esta coesão
interior no cosmos da razão tampouco foi perturbada quando se soube que um dos
colegas havia dito que em nossa universidade havia uma estranheza: duas faculdades que se ocupavam de uma coisa que não existia:
Deus. Que também frente a um ceticismo assim radical
permanece necessário e razoável interrogar-se sobre Deus por meio da razão e
aquilo deva ser feito no contexto da tradição da fé cristã; no conjunto da
universidade era uma convicção indiscutível.
Tudo isto veio à minha mente quando recentemente li a parte editada pelo
professor Theodore Khoury (Münster) do diálogo que o douto Imperador bizantino Manuel
II Paleólogo, talvez durante o tempo de inverno do
1391 em Ankara, teve com um persa culto sobre o Cristianismo e o Islã, e a verdade de ambos. Foi provavelmente o Imperador
mesmo quem anotou, durante o assédio de Constantinopla entre 1394 e 1402, este
diálogo. Explica-se isto porque seus raciocínios são reportados muito mais
detalhadamente que as respostas do erudito persa. O diálogo trata o âmbito das
estruturas da fé contidas na Bíblia e no Corão e se
detém sobretudo na imagem de Deus e do homem, mas necessariamente também na
relação entre as “três Leis”: Antigo Testamento – Novo Testamento – Corão. Queria tocar nesta lição só um argumento – mais que
nada marginal na estrutura do diálogo– que, no
contexto do tema "fé e razão" me fascinou e que servirá como ponto de
partida para minhas reflexões sobre este tema.
Na sétima conversa editada pelo professor Khoury,
o imperador toca o tema da jihad (guerra santa).
Certamente o imperador sabia que na sura 2, 256 se
lê: "Nenhuma constrição nas coisas da fé". É uma das suras do período inicial em que Maomé mesmo ainda não tinha
poder e estava ameaçado. Mas, naturalmente, o Imperador conhecia também as
disposições, desenvolvidas sucessivamente e fixadas no Corão,
aproxima a guerra santa. Sem deter-se nos particulares, como a diferença de
tratamento entre aqueles que possuem o "Livro" e os
"incrédulos", ele, de modo surpreendentemente brusco, dirige-se a seu
interlocutor simplesmente com a pergunta central sobre a relação entre religião
e violência, em geral, dizendo: "mostre-me também aquilo que Maomé trouxe
de novo, e encontrará somente coisas malvadas e desumanas, como sua diretiva de difundir por meio da espada a fé que ele
pregava". O Imperador explica assim minuciosamente as razões pelas quais a
difusão da fé mediante a violência é uma coisa irracional. A violência está em
contraste com a natureza de Deus e a natureza da alma. "Deus não goza do
sangue; não atuar segundo a razão é contrário à
natureza de Deus. A fé é fruto da alma, não do corpo. Quem portanto quer
conduzir o outro à fé necessita da capacidade de falar bem e de raciocinar corretamente, não da violência nem da ameaça… Para
convencer uma alma racional não é necessário dispor nem do próprio braço, nem
de instrumentos para agredir nem de nenhum outro meio com o que se possa
ameaçar uma pessoa de morte…".
A afirmação decisiva nesta argumentação contra a conversão mediante a
violência é: não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus. O editor,
Theodore Khoury, comenta
que para o imperador, como bizantino crescido na filosofia grega, esta
afirmação é evidente. Para a doutrina muçulmana, ao contrário, Deus é
absolutamente transcendente. Sua vontade não está ligada a nenhuma de nossas
categorias, inclusive àquela da racionalidade. Neste contexto Khoury cita uma obra do conhecido islamista francês R. Arnaldez, que a destaca a Ibh Hazn que vai até o ponto de declarar que Deus não estaria
ligado nem sequer por sua mesma palavra e que nada o obrigaria a nos revelar a
verdade. Se fosse sua vontade, o homem deveria praticar também a idolatria.
Aqui se abre, na compreensão de Deus e portanto na realização concreta
da religião, um dilema que hoje nos desafia de um modo muito direto. A convicção de atuar
contra a razão está em contradição com a natureza de Deus, é somente um
pensamento grego ou vale sempre por si mesmo? Penso que neste ponto se
manifesta a profunda concordância entre aquilo que é grego no melhor sentido e
aquilo que é fé em Deus sobre o fundamento da Bíblia. Modificando o primeiro
verso do Livro do Gênesis, João iniciou o prólogo de
seu Evangelho com as palavras: "Ao princípio era o logos".
É justamente esta palavra a que usa o imperador: Deus atua
com logos. Logos significa
conjunto de razão e palavra, uma razão que é criadora e capaz de comunicar-se,
mas, como razão. João com aquilo nos doou a palavra conclusiva sobre o conceito
bíblico de Deus, a palavra em que todas as vias freqüentemente
fatigantes e tortuosas da fé bíblica alcançam sua meta, encontrando sua síntese.
No princípio era o logos, e o logos
é Deus, diz-nos o evangelista. O encontro entre a mensagem bíblica e o
pensamento grego não era uma simples casualidade. A visão de São Paulo, diante
do qual se fechou os caminhos da Ásia e que, em sonhos, viu um macedônio e escutou sua súplica: "Vem à Macedônia e nos ajude!", esta visão pode ser
interpretada como uma "condensação" da necessidade intrínseca de uma
aproximação entre a fé bíblica e o interrogar-se
grego.
Na verdade, esta aproximação já se iniciou desde há muito tempo. Já o
nome misterioso de Deus da sarça ardente, que separa
Deus do conjunto das divindades com múltiplos nomes afirmando somente seu ser,
é, confrontando-se com o mito, uma resposta com a que está em íntima analogia a
tentativa de Sócrates de vencer e superar o mito mesmo. O processo iniciado para
a sarça alcança, ao interior do Antigo Testamento, uma nova maturidade durante
o exílio, onde o Deus de Israel, agora privado da Terra e do culto, anuncia-se como o Deus do céu e da terra, apresentando-se
com uma simples fórmula que prolonga as palavras da sarça: "Eu sou".
Com este novo conhecimento de Deus vai ao mesmo paso
uma espécie de iluminismo, que se expressa de modo drástico na mofa das
divindades que são somente obra das mãos do homem. Assim, não obstante toda a
dureza do desacordo com os soberanos helenísticos, que queriam obter com a
força a adequação ao estilo de vida grego e a seu culto idolátrico, a fé
bíblica, durante a época helenística, ia interiormente ao encontro da melhor
parte do pensamento grego, até um contato recíproco
que depois se realizou especialmente na tardia literatura sapiencial.
Hoje nós sabemos que a tradução grega do Antigo Testamento, realizada na
Alexandria – a Bíblia dos "Setenta" –, é mais que uma simples (por
avaliar de modo talvez pouco positivo) tradução do texto hebraico: é de fato um
testemunho textual a si devido, e um específico e importante passo da história
da Revelação, no qual se realizou este encontro de um modo que para o
nascimento do cristianismo e sua divulgação teve um significado decisivo. No
fundo, trata-se do encontro entre fé e razão, entre autêntico iluminismo e
religião. Partindo verdadeiramente da íntima natureza da fé cristã e, ao mesmo
tempo, da natureza do pensamento helenístico fundido já com a fé, Manuel II
podia dizer: Não atuar "com o logos " é contrário à natureza de Deus.
Honestamente é necessário anotar, que na tardia Idade Média, desenvolveram-se na teologia tendências que rompem esta
síntese entre espírito grego e espírito cristão. Em contraste com o assim
chamado intelectualismo agostiniano e tomista que
iniciou com o Duns Scoto uma impostação
voluntarística, a qual ao final levou a afirmação que
nós conheceremos de Deus somente a voluntas ordinata. Além desta existiria a liberdade de Deus, em
virtude da qual Ele teria podido criar e fazer também o contrário de tudo
aquilo que efetivamente tem feito. Aqui se perfilam
posições que, sem lugar a dúvidas, podem aproximar-se daquelas do Ibn Hazn e poderiam levar até a
imagem de um Deus- Árbitro,
que não está ligado nem sequer à verdade e ao bem. A trascendência
e a diversidade de Deus são acentuadas de modo tão exagerado, que também nossa
razão, nosso sentido do verdadeiro e do bem não são mais um verdadeiro espelho
de Deus, cujas possibilidades abismais permanecem para nós eternamente inalcançáveis
e escondidas atrás de suas decisões efetivas. Em
contraste com isso, a fé da Igreja ateve-se sempre à convicção de que entre
Deus e nós, entre seu eterno Espírito criador e nossa razão criada, existe uma
verdadeira analogia, em que certamente as dessemelhanças
são imensamente maiores que as semelhanças, mas não ao ponto de abolir a
analogia e sua linguagem. Deus não se faz mais divino pelo fato de que o
empurremos longe de nós em um voluntarismo puro e impenetrável, mas sim o Deus
verdadeiramente divino é aquele Deus que se mostrou como o logotipos
e como logotipos atuou e atua cheio de amor a nosso favor. Certo, o amor "sobrepassa" o conhecimento e é por isso capaz de
perceber mais que o simples pensamento, entretanto permanece como o amor de Deus
– logos, pelo qual o culto cristão é um culto que
concorda com o Verbo eterno e com nossa razão.
A aqui mencionada recíproca aproximação interior, que se teve entre a fé
bíblica e o interrogar-se
sobre o plano filosófico do pensamento grego, é um dado de importância decisiva
não só do ponto de vista da história das religiões, mas também desde aquilo da
história universal – um dado que nos obriga também hoje. Considerado este
encontro, não é surpreendente que o cristianismo, não obstante sua origem e importante
desenvolvimento no Oriente, tenha encontrado seu rastro historicamente decisivo
na Europa. Podemos expressá-lo também inversamente: este encontro, ao qual se
adiciona ainda sucessivamente o patrimônio de Roma,
criou a Europa e permanece como fundamento daquilo que, com razão, pode-se
chamar a Europa.
À tese de que o patrimônio grego, criticamente
purificado, seja uma parte integrante da fé cristã, opõe-se o pedido da deselenização do cristianismo, um pedido que desde o início
da idade moderna domina de modo crescente a busca teológica. Visto mais de
perto, podem-se observar três ondas no programa da deselenização:
embora relacionadas entre si, em suas motivações e em seus objetivos
são claramente distintas uma da outra.
A deselenização emerge primeiro em conexão com
postulados fundamentais da Reforma do século XVI. Considerando a tradição das
escolas teológicas, os reformadores se viam diante de uma sistematização da fé
condicionada totalmente pela filosofia, diante, quer dizer, de uma determinação
da fé do externo com força em um modo de pensar que não derivava desta. Assim,
a fé não aparecia mais como vivente palavra histórica, mas sim como elemento
inserido na estrutura de um sistema filosófico. A sola Scriptura
ao contrário, busca a pura forma primitiva da fé, como esta mesma está presente
originariamente na Palavra bíblica. A metafísica aparece como um pressuposto
derivado de outra fonte, da que ocorre libertar a fé para fazê-la retornar a
ser totalmente ela mesma. Kant atuou baseado neste
programa com uma radicalidade imprevisível para os reformadores. Com isso ele
ancorou a fé exclusivamente à razão prática, negando-lhe o acesso ao todo da
realidade.
A teologia liberal dos séculos XIX e XX acompanha a segunda etapa do
processo de deselenização, com Adolf
von Harnack, como seu
máximo representante. Quando era estudante e em meus primeiros anos como
docente, este programa influenciava altamente a teologia católica também. Tomou
como ponto de partida a distinção que Pascal faz entre o Deus dos filósofos e o
Deus de Abraão, Isaac e Jacob. Em meu discurso inaugural em Bonn
em 1959 tratei de me referir a este assunto. Não repetirei aqui o que disse
naquela ocasião, mas eu gostaria de descrever, ao menos brevemente, o que era
novo neste processo de deselenização. A idéia central de Harnack era
voltar simplesmente ao homem Jesus e a sua mensagem simples, sem as adições da
teologia e inclusive com a helenização: Esta simples mensagem foi vista como a
culminação do desenvolvimento religioso da humanidade. Dizia-se que Jesus pôs
fim ao culto em favor da moralidade. Ao final era apresentado como o pai da
mensagem moral humanitária. A meta fundamental era fazer que o Cristianismo
estivesse em harmonia com a razão moderna, quer dizer, liberando-o dos elementos
aparentemente filosóficos e teológicos, como a fé na divindade de Cristo e em
Deus Uno e Trino. Neste sentido, a exegese histórica-crítica do Novo Testamento restaurou o lugar da
teologia na universidade: Para Harnack, a teologia é
algo essencialmente histórico e portanto estritamente científico. O que se pode
dizer criticamente de Jesus, é por assim dizer, expressão da razão prática e conseqüentemente se pode aplicar à Universidade como um
tudo. Neste pensamento se apóia a própria limitação
da razão, classicamente expressa nas "Críticas" de Kant, mas nesse
momento radicalizada pelo impacto das ciências naturais. Este conceito moderno
está apoiado, para dizê-lo brevemente, na síntese entre o Platonismo (Cartesianismo) e o empirismo, uma síntese confirmada pelo
sucesso da tecnologia. Por um lado pressupõe a estrutura matemática da matéria,
e sua intrínseca racionalidade, que faz possível entender como a matéria
funciona e a usa eficientemente: Esta premissa básica é, por assim dizer, o
elemento platônico no entendimento moderno da
natureza. Por outro lado, existe a capacidade da natureza de ser explorada para
nossos propósitos, e neste caso só a possibilidade da verificação ou
falsificação através da experimentação pode chegar à certeza final. O peso
entre os dois pólos pode, dependendo das circunstâncias, mudar de um lado ao
outro. Como fortemente o fez o pensador positivista J. Monod,
que declarou a si mesmo um convencido platonista/cartesiano.
Isto permite que emerjam dois princípios que
são cruciais para o assunto ao que chegamos. Primeiro, só a classe de certeza
que resulta de interpolar elementos matemáticos com empíricos pode se
considerar científica. Qualquer disciplina que queira exigir status de ciência
deve ser medido com este critério. Daí que as ciências humanas, como a
história, psicologia, sociologia e filosofia, não possam se conformar a este
cânon de cientificidade. Um segundo ponto que é
importante para nossas reflexões, é que por sua
própria natureza este método exclui a pergunta de Deus, fazendo-a aparecer como
não científica ou pré-científica. Conseqüentemente, enfrentamos uma redução do raio da ciência e da razão, que
precisa ser questionado.
Devemos retornar ao problema depois. Enquanto isso, há que observar-se
que desde este lugar, qualquer tentativa da teologia de manter seu status de
"científica" terminaria por reduzir o Cristianismo a um simples
fragmento de si mesmo. Mas temos que dizer mais: É o homem mesmo quem termina
sendo reduzido, as perguntas especificamente humanas sobre nossa origem e nosso
destino, as perguntas originadas da religião e da ética, já não têm lugar no
modo de ver da razão coletiva definida como
"ciência" e tem que relegar-se ao espaço do subjetivo.
É o sujeito quem decide então, apoiado em sua experiência, o que considera é
matéria da religião, e a "consciência" subjetiva
se converte somente no árbitro do que é ético. Desta maneira, entretanto, a
ética e a religião perdem seu poder de criar uma comunidade e se convertem em
um assunto completamente pessoal. Este é um estado perigoso para os assuntos da
humanidade, como podemos ver nas diversas patologias da religião e a razão que
necessariamente emergem quando a razão é tão reduzida que as perguntas da
religião e a ética já não preocupam. Tentativas de construir a ética a partir
das regras da evolução ou a psicologia terminam sendo simplesmente inadequados.
Antes de esgrimir as conclusões às que tudo isto leva, tenho que me
referir brevemente à terceira etapa de deselenização,
que ainda está acontecendoe. À luz de nossa
experiência com o pluralismo cultural, com freqüência
se diz em nossos dias que a síntese com o Helenismo obtida pela Igreja em seus
inícios foi uma inculturação preliminar que não deve
ser vinculante para outras culturas. Este último se
diz para ter o direito a voltar para simples mensagem do Novo Testamento
anterior à inculturação, para inculturá-lo
novamente em seus meios particulares. Esta tese não é falsa, mas sim é
ordinária e imprecisa. O Novo Testamento foi escrito em grego e traz consigo a
estampagem do espírito grego, que chegou à maturidade dado que o Antigo
Testamento se desenvolveu. Certo, há elementos na evolução da Igreja em seus
inícios que não devem se integrar em todas as culturas. Entretanto, as decisões
fundamentais sobre as relações entre a fé e o uso da razão humana são parte da fé mesma, são desenvolvimentos conseqüentes com a natureza da própria fé.
E assim chego à conclusão. Esta tentativa, feita com umas poucas
pinceladas, de uma crítica à razão moderna desde dentro, não tem nada a ver
pondo o relógio no tempo anterior ao Iluminismo e rejeitar as perspectivas da
era moderna. Os aspectos positivos da modernidade devem ser conhecidos sem
reserva: Estamos todos agradecidos pelas maravilhosas possibilidades que
abriram para a humanidade e para o progresso que nos deu. O ethos
científico, além disso, deve ser obediente à verdade, e, como tal, leva uma
atitude que se reflete nos princípios do
Cristianismo. A intenção aqui não é o reducionismo ou
a crítica negativa, mas sim ampliar nosso conceito de razão e sua aplicação.
Enquanto nos regozijamos nas novas possibilidades abertas à humanidade, também
podemos contemplar os perigos que emergem destas possibilidades e temos que nos
perguntar como podemos superá-las. Teremos êxito ao fazê-lo somente se a razão
e a fé avançarem juntas de um modo novo, se superarmos a limitação imposta pela
razão mesma ao que é empiricamente verificável, e se uma vez mais gerarmos
novos horizontes. Neste sentido a teologia pertence corretamente
à universidade e está dentro do amplo diálogo das ciências, não só como uma
disciplina histórica e ciência humana, mas precisamente como teologia, como uma
aprofundamento na racionalidade da fé.
Só assim nos fazemos capazes de obter este diálogo genuíno de culturas e
religiões que necessitamos com urgência hoje. No mundo ocidental se sustenta
amplamente que somente a razão positivista e as formas da filosofia apoiadas
nela são universalmente válidas. Inclusive as culturas profundamente religiosas
vêem esta exclusão do divino da universalidade da razão como um ataque a suas
mais profundas convicções. Uma razão que é surda ao divino e que relega a
religião ao espectro das subculturas é incapaz de
entrar em diálogo com as culturas. Ao mesmo tempo, como tratei que demonstrar,
a razão científica moderna com seus elementos intrinsecamente platônicos gera uma pergunta que vai além de si mesmo, de
suas possibilidades e de sua metodologia. A razão científica moderna
simplesmente tem que aceitar a estrutura racional da matéria e sua
correspondência entre nosso espírito e as estruturas racionais que prevalecem
como nos deu, nas que sua metodologia deve se apoiar. Inclusive a pergunta por
que isto tem que ser assim? é uma questão real, que
tem que ser dirigida pelas ciências naturais a outros modos e planos de
pensamento: À filosofia e à teologia. Para a filosofia e, embora seja certo que
de outra forma, para a teologia, escutar as grandes experiências e perspectivas
das tradições religiosas da humanidade, de maneira particular aquelas da fé
cristã, é fonte de conhecimento; ignorá-la seria uma grave limitação para nossa
escuta e resposta. Aqui recordo algo que Sócrates disse a Faedo.
Em conversas anteriores, verteram-se muitas opiniões filosóficas falsas, e por
isso Sócrates diz: "Seria mais facilmente compreensível se a alguém
incomodassem tanto todas estas falsas noções que pelo resto de sua vida
desdenhasse e se burlasse de toda conversação sobre o ser, mas desta forma
estaria privado da verdade da existência e sofreria uma grande perda".
O Ocidente foi posto em perigo por muito tempo por esta aversão em que
se apóia sua racionalidade, e portanto só pode sofrer
grandemente. A coragem para comprometer toda a largura da razão e não a negação
de sua grandeza: Este é o programa com o que a teologia ancorada na fé bíblica
ingressa no debate de nosso tempo. "Não atuar
razoavelmente (com logos) é contrário à natureza de
Deus" disse Manuel II, de acordo com o entendimento cristão de Deus, em
resposta a seu interlocutor persa. É a este grande logos,
à largura da razão, onde convidamos a nossos companheiros no diálogo das
culturas. É a grande tarefa da universidade redescobri-lo constantemente.
Nota: O Santo Padre deseja proporcionar uma versão posterior deste
texto, complementado com notas de rodapé. Portanto, o presente texto deve ser
considerado provisório.
Texto original
em alemão.
Fonte:
Sala de Imprensa da Santa Sé.
Tradução:
ACI Prensa.
Transcrição de www.casadehon.org
NOTA em 2006/11/02: Veja
também a nova versão do discurso do Papa Bento XVI, já disponível na página do
Vaticano, depois de rectificado e com esclarecimentos, “clicando”
em