(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
Fui ordenado
pastor há trinta anos e, desde então, tenho celebrado muitos baptismos, sendo os
baptizandos, na sua quase totalidade, crianças. Só uma vez um casal usou da
faculdade que a Igreja Presbiteriana reconhece de fazer o que se tem chamado a
“apresentação de crianças”, em
substituição do baptismo.
Obviamente, tenho celebrado o baptismo infantil de boa consciência, com muito prazer. Mas nunca instei com quaisquer pais para que levassem os filhos ao baptismo. A jovens e a adultos baptizados tenho encorajado a fazerem a Profissão de Fé, que é a cerimónia em que fazem, com consciência, confirmação pública do baptismo recebido na infância, mas não me preocupa que uma criança fique muito tempo por baptizar. Se todos os pais me dissessem como o fizeram os da única “apresentação” que oficiei, preferir que os seus filhos viessem a pedir o baptismo quando chegassem à idade da razão, eu não contestaria a sua escolha.
O facto é que,
à luz da revelação bíblica, as crianças não correm qualquer perigo se não forem
baptizadas. Nunca, de resto, nenhum casal pediu o baptismo para uma criança com
o receio do risco da morte sem esse sacramento. Nesse caso, eu teria mostrado o
infundado de tal receio. Bastava lembrar-lhes a palavra de Cristo que diz que
as crianças estão no Reino dos Céus E disse: Em
verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como meninos,
de modo algum entrareis no reino dos céus. Mateus 18:3.
Baptizar porquê?
Sendo assim,
porquê então baptizar crianças? Até há poucos anos, compreendia-se na lógica do
Catolicismo que aí se baptizassem crianças o mais cedo possível, pois
acreditava-se que, sem baptismo, ninguém entrava no céu. A criança que morresse
por baptizar não iria para o céu, mas para o Limbo. Mas o Catolicismo já
abandonou essa ideia do Limbo ( limbus infantium) e o Protestantismo nunca
sequer a aceitou e nunca teve dúvidas de que as crianças sem baptismo não
corriam perigo. Como se explica, então,
esta prática do pedobaptismo? (Esta palavra vem de
“criança”, em grego, paidion).
Apenas para cumprir um preceito social? Preceito social por preceito, não seria
mais aceitável fazer a tal “apresentação”?
Não
desencorajei o único casal que pediu para “apresentar”" a sua menina, mas,
francamente, acho que, se um casal tem problemas de consciência em baptizar o seu
filho, fará melhor, nesse caso, nada fazer. Porque aquilo que
chamam “apresentação” é um hibridismo sem sentido. Não é bíblico, porque
é um arremesso pálido da apresentação que os judeus faziam dos seus rapazinhos
no Templo, faltando os animais do sacrifício e a circuncisão. Que significado
tem copiar, e copiar pela metade, uma cerimónia da antiga dispensação? Trata-se
de uma espécie de regresso ao Judaísmo e à Lei, e com a agravante de ser um
falso Judaísmo, por incompleto. Não é plausível que no Cristianismo primitivo,
de maioria judaica, se inventasse uma cerimónia parecida com a da apresentação
dos meninos no Templo, nem é também plausível que nada fizessem, eles que
achavam ser o nascimento de uma criança uma bênção de Deus.
Os anti-pedobaptistas afirmam que o baptismo de crianças não
tem fundamento bíblico. Eu mostrarei textos bíblicos que legitimam esta prática
e que, pelo contrário, tem toda a razão o grande teólogo luterano Gustav Aulen ao escrever: “A oposição ao
baptismo infantil não encontra base no Novo Testamento” (Á Fé Cristã, pág.326,
ASTE).
Antes de referir os textos bíblicos que justificam o baptismo infantil, parece útil lembrar que esta prática existe em toda a história do Cristianismo. Não é argumento decisivo claro, (por isso o colocamos antes do decisivo, que é o fundamento escriturístico) mas é um aspecto que merece alguma atenção. A prova de que esta prática existia pelo, menos desde cedo está na condenação que dela faz Tertuliano. Perto do ano 200, este severo teólogo condenou o costume de baptizar crianças. Não haveria a condenação se a prática não estivesse difundida. Também Hipólito (c.170-c.236) fez menção, com reprovação, dessa prática. Não se conhece depois, durante todo o período que vai até à Reforma do século XVI, oposição ao baptismo infantil. A oposição regular veio dos Anabaptistas. Estes condenavam os Reformadores porque, tendo recebido na Igreja Católica, ao “tornarem-se” protestantes não se tinham voltado a baptizar - e ainda mantiveram nas novas Igrejas a prática pedobaptista. Calvino, que também fora baptizado na infância e nunca aceitou um rebaptismo, teve o cuidado de dedicar um longo capítulo das suas Institutas a este assunto (Livro IV, cap. XVI), para mostrar o erro das conclusões anabaptistas, que, como outros radicalismos, ameaçavam a obra da Reforma. Até por esse capítulo de Calvino podemos ver que os argumentos dos anabaptistas eram os mesmos que hoje são usados contra as Igrejas que baptizam crianças, mas ao grande teólogo de Genebra não faltaram textos bíblicos para justificar aquela prática.
A questão
continuou sem polémica dentro das chamadas “Igrejas históricas”, pondo-se
somente nas Igrejas herdeiras do Anabaptismo e em algumas formas do
Congregacionalismo. Mas estas Igrejas anti-pedobaptistas
nunca apresentaram uma refutação de fundo que provocasse verdadeira crise no
Protestantismo. Mesmo em Portugal, quando, no princípio do século XX,
missionários baptistas, vindos dos Estados Unidos e do Brasil, introduziram a
polémica, criando a divisão, a justificação do baptismo infantil foi feita com
profundidade e saber pelo pastor presbiteriano luso-brasileiro Mota Sobrinho
com a obra em dois volumes Palestras
sobre o Baptismo, mas do lado contestatário não se publicou nenhuma
refutação de valor.
Foi Karl Barth
o primeiro grande teólogo quem levantou o problema com uma argumentação
aparentemente arrasadora. Paradoxalmente, porém, Barth pertence à área do
Protestantismo pedobaptista! Em 1948, apareceu um
pequeno volume deste teólogo, então já considerado um nome fundamental da
Teologia, a pôr em causa o baptismo infantil. O livro teve na sua versão em
inglês o título de The
Teaching og the Church Regarding
the Baptism e o seu
conteúdo foi mais tarde integrado na sua Dogmática.
Os meios anti-pedobaptistas, que já vinham combatendo o que chamavam
o “neo-modernismo” de Barth, desta vez saudaram
festivamente uma obra deste professor. Quando a versão francesa da Dogmática chegou a Portugal na década de
60 e começou a circular a tradução que o estimável pastor baptista José
Gonçalves fez de O Ensino da Igreja sobre
o Baptismo, começámos a ouvir também no seio das Igrejas que tinham como
referência teológica o Seminário de Carcavelos reservas acerca do pedobaptismo. Foram apenas um ou dois estudantes que
mostraram essas reservas e pode ser que além da admiração por Barth contasse
também a influência anti-pedobaptista do
Congregacionalismo português.
Fui útil a contestação de Karl Barth, mas é necessário ver essa contestação no contexto em que foi feita. Barth era suíço e vivia dentro de um Cristianismo na sua maioria sociológico, a que chamam “multitudinário”, isto é, em que as pessoas se sentem membros de uma paróquia pelo nascimento, por ali morarem, enchendo os templos nos dias de festa, mas não necessariamente por adesão pessoal a Cristo. Essa era também a situação na Alemanha hitleriana que Barth conheceu e combateu, e pode dizer-se era o caso da Igreja Católico-Romana, pelo menos nos dias em que o livrinho de Barth apareceu entre nós. Em tais situações o baptismo infantil tem de ser combatido numa perspectiva pastoral, porque na maioria esmagadora dos casos trata-se apenas de um rito social. Mas esse não é o caso da Igreja Presbiteriana de Portugal (e penso poder dizer o mesmo da Igreja Metodista e da Igreja Lusitana). A Igreja Presbiteriana em Portugal tem muito de “Igreja confessante”, requerendo-se dos seus membros que frequentem assiduamente os cultos e dêem bom testemunho da sua fé, estabelece um dos artigos da sua Constituição.
Alan
Richardson, referindo-se ao livro de Barth sobre o baptismo, lembra que “o
panfleto (originalmente escrito em 1943) reflecte a luta da Igreja Confessante sob os nazistas contra os “Cristãos
Germânicos”, que, embora baptizados na infância, não eram verdadeiros cristãos” (Introdução à Teologia do Novo Testamento, pág. 336, ASTE, S. Paulo,
1966). Em 1950, portanto bem em cima do estrondo causado pelo livro de Karl
Barth, o teólogo luterano francês Oscar Cullman publicou um livro em alemão também de poucas
páginas, mas de sólida e sóbria argumentação, cuja versão inglesa teve o título
Baptism in the New Testament (SMC - London). Mas é
preciso lembrar que o prestígio de Barth nesses anos era enorme. Principalmente na França e na Suiça francófona o barthianismo
era dominante, havendo discípulos de um dogmatismo arrogante que desdenhava
todo o pensamento divergente do fundador da Teologia Dialética. Penso que Cullman foi vítima desse domínio do pensamento barthiano que ofuscou outros valores. Os seus argumentos
contra as reservas de Barth ao baptismo infantil não mereceram na época a
atenção merecida.
Creio que a
melhor maneira de começar a abordagem bíblica numa reflexão sobre o baptismo
infantil é desde logo realçar que na Bíblia a família é vista como uma unidade
profunda, um só corpo. Jean-Jacques Von Allmen escreve no Vocabulário
Bíblico: “Enquanto o pai vive ou quando é cristão -
toda a casa recebe o nome dele, sendo uma cédula social totalmente dependente dele
até ao ponto de poder tomar o pai decisões em nome de todos e que a todos
comprometem perante Deus. O facto consta especialmente nas narrativas de
conversão ou de baptismo Mateus 18:25,
João 4:53, Actos 10:2, Actos 11:14, Actos 16:31, Actos 18:8, 1ª Coríntios 1:16.
Vemos que há na casa de Deus, provavelmente como células de base, famílias
inteiras, cristãs, honradas e abençoadas, a cujo respeito não cabe a pergunta,
para afirmar sua integração na família de Deus, se devem dividir-se ou atomizar
humanamente Actos 21:5, 1ª Coríntios 16:15,
2ª Timóteo 1:16,
2ª Timóteo 4:19
(op. Cit. Página 111, ASTE, S. Paulo, s/d).
Isto que Von Allmen diz da família no Novo
Testamento verifica-se também no Antigo Testamento. As crianças, na verdade
apenas os rapazes, eram introduzidos na Aliança com Iahweh
aos oito dias de idade, pela circuncisão, sem que, obviamente, pudessem decidir
por eles próprios se queriam ou não pertencer ao Povo de Deus. Como o homem e a
mulher se tornam pelo casamento “uma só carne” Portanto,
deixará o varão o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão
ambos uma carne Génesis 2:24 E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe se unirá a sua
mulher, e serão dois numa só carne? Mateus 19:5, os
filhos que deles nascerem fazem parte dessa unidade, enquanto eles próprios não
deixarem a casa do seu pai e formarem a sua casa.
A Bíblia é um livro cheio de realismo, e com realismo é fácil perceber que uma criança, antes de atingir a idade da razão (12-13 anos), está naturalmente dependente dos seus progenitores ou substitutos e incapacitada de, por si só, sobreviver. Sem ainda capacidade para compreender, como poderia ser abandonada a si no que diz respeito ao que chamaremos “vida religiosa”? Nesta perspectiva, é inimaginável este raciocínio na cabeça de um pai israelita: “Não introduzirei o meu filho na fé deste povo enquanto for criança. Deixá-lo-ei crescer e logo depois ele próprio escolherá”. Não: assim como não espera que uma criança chegue à idade da razão para escolher se há-de ser vegetariana ou omnívora, ser analfabeta ou saber ler e escrever, ter este ou aquele nome, também não se pode esperar até à idade da razão para essa criança entrar nos caminhos do Senhor. Introduzir uma criança no Povo de Deus tem de ver com a fé de quem provisoriamente escolhe por essa criança. O que não retira definitivamente à criança, o direito a vir a escolher se quer ou não permanecer nesse Povo, como veremos.
Os textos
neotestamentários citados por Von Allmen
são muito expressivos:
Cornélio foi baptizado com “toda a sua casa”
vr.2 Piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa, o qual
fazia muitas esmolas ao povo, e de contínuo orava a Deus.
vr.24 E no dia imediato, chegaram a Cesareia. E Cornélio os estava
esperando, tendo já convidado os seus parentes e amigos mais íntimos. vr.44 E, dizendo Pedro
ainda estas palavras, caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviram a
palavra.
vr.48 E mandou que
fossem baptizados em nome do Senhor. Então rogaram-lhe que ficasse com eles por
alguns dias.
Lídia, a vendedora de púrpura, foi baptizada “com toda a
sua casa”
Vr.15 E, depois que foi
baptizada, ela e a sua casa, nos rogou, dizendo: Se haveis julgado que
eu seja fiel ao Senhor, entrai em minha casa, e ficai ali. E nos constrangeu a
isso.
O carcereiro de Filipos foi baptizado
“com toda a sua casa”
Vr.33 E, tomando-os ele
consigo, naquela mesma hora da noite, lavou-lhes os vergões; e logo foi
baptizado, ele e todos os seus.
Aconteceu o
mesmo com Crispo
Vr.8 E Crispo,
principal da sinagoga, creu no Senhor, com toda a sua casa; e muitos dos
coríntios, ouvindo-o, creram e foram baptizados.
E ainda com “a
casa de Estéfanas”
Vr.16 E baptizei, também, a família de Estéfanas; além
destes, não sei se baptizei algum outro.
Casa significa “família”, incluindo-se nela os escravos,
quando os tinham. Os anti-pedobaptistas defendem-se
dizendo que em nenhum destes casos há referências a crianças nas famílias. Mas
seria estranha a coincidência de, em tantos casos, não haver menores, numa,
época em que os casais até muito tarde enchiam as suas casas de filhos. Seriam
Cornélio e o anónimo carcereiro, Lídia, Crispo, Estéfanas, todos pessoas
idosas, com filhos adultos apenas e já formando outras “casas”? É uma hipótese
pouco plausível. Se a partir destes textos não é possível dizer categoricamente
que o baptismo infantil está explícito
no Novo Testamento, muito menos é possível afirmar categoricamente que no Novo
Testamento não há baptismo infantil.
A ausência de uma referência explícita no Novo Testamento que justifique um sim ou um não absoluto ao baptismo infantil devia, a meu ver, levar os cristãos, principalmente os ministros que têm de celebrar, a não terem problemas de consciência nesta matéria. Se os escritores neotestamentários não acharam importante este assunto, a ponto de não precisarem se sim ou não se deve baptizar as crianças, porquê fazer dele um “cavalo de batalha”? (A propósito lembramos que nem no Credo Apostólico nem no Credo Niceno, preparados quando ainda não havia Igreja Católico-Romana nem, muito menos, Protestantismo, e que resumem o que a Igreja então considerou essencial para a fé dos cristãos, se diz se o baptismo só é válido em adultos ou em crianças, se deve ser por aspersão ou por imersão... Seria, porém, exagerado dizer que a Igreja do Novo Testamento de desinteressava do baptismo. O facto é que em Éfeso, S. Paulo, tendo encontrado um grupo de discípulos baptizados mas com o baptismo de João, achou necessário dar-lhes novo baptismo, “em nome do Senhor Jesus”)
Vr.1 E sucedeu que, enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo,
tendo passado por todas as regiões superiores, chegou a Éfeso; e, achando ali
alguns discípulos,
Vr.2 Disse-lhes: Recebestes vós já o Espírito Santo, quando
crestes? E eles disseram-lhe: Nós nem ainda ouvimos que haja Espírito Santo.
Vr.3 Perguntou-lhes, então: Em que sois baptizados então? E eles
disseram: No baptismo de João.
Vr.4 Mas Paulo disse: Certamente João baptizou com o baptismo do
arrependimento, dizendo ao povo que cresse no que após ele havia de vir, isto
é, em Jesus Cristo.
Vr.5 E os que ouviram foram baptizados em nome do Senhor Jesus.
Uma conclusão que se é forçado a tirar, quando se reflecte sobre este tema à luz da Sagrada Escritura, é a seguinte: o baptismo infantil não é explicitamente mencionado no Novo Testamento porque ele se inscreve na lógica de toda a mensagem cristã.
Primeiro é
preciso lembrar que no primeiro século são conhecidos no mundo judaico três
tipos de baptismo: 1) o baptismo dos prosélitos; 2) o baptismo do
arrependimento (de João Baptista) e 3) o baptismo de Jesus. O primeiro começou a ser praticado com
os pagãos que se convertiam ao Judaísmo. O segundo era praticado com os judeus
ou prosélitos que, em resposta à pregação de João, se arrependiam e, assim, nas
águas, dramatizavam a mudança que queriam na sua vida. O terceiro tipo de
baptismo foi instituído por Jesus Cristo, para assinalar a entrada, no novo
Povo de Deus, a sua Igreja. Óscar Cullmann mostrou
que o baptismo cristão do que mais se aproxima é do baptismo dos prosélitos,
porque assim como este era o baptismo para entrada na Aliança de Abraão, o
baptismo instituído por Jesus é para a entrada na Nova Aliança. Reconhecendo os
valiosos estudos feitos por Joachim Jeremias nesta área, Cullmann
assinala que “quando os pagãos entravam no Judaísmo as suas
crianças eram também sujeitas com eles ao baptismo dos prosélitos” (Op. Cit. Pág. 25) E a
razão, naturalmente, era esta: a já referida unidade da família.
Estão errados os que discutem o baptismo cristão tomando como modelo o baptismo de João, e argumentam contra o baptismo infantil dizendo: “Não se deve baptizar crianças porque elas não se podem arrepender dos seus pecados”. Alguns juntam mesmo este argumento tirado de Marcos 16:16 Quem crer e for baptizado será salvo: mas quem não crer será condenado. “Uma criança não pode ser baptizada, porque não tem capacidade para crer”. Mas assim como no baptismo dos prosélitos não se podia esperar que as crianças cressem e aceitassem pessoalmente entrar na Aliança, mas eram baptizadas na aceitação de seus pais, assim também as crianças entram na Nova Aliança, em Jesus Cristo, são baptizadas, por causa da adesão pela fé, dos pais.
Só o
Catolicismo sacramentalista dos piores momentos é que
baptiza crianças cujos pais ou seus substituintes nada têm a ver com a fé
cristã, como era o caso dos pobres pequenos índios baptizados à revelia dos
pais. Era boa a intenção na lógica dessa Igreja: fazer tais baptismos era
salvar as crianças da condenação eterna. Mas essa nunca foi a doutrina das
Igrejas da Reforma! E hoje, dentro da Igreja Católico-Romana, podem ouvir-se
muitas vozes com aprovação oficial como a do Oratoriano Michel Quesnel, que diz: “Toda a pessoa que morre, com ou sem baptismo, criança ou
adulta, é acolhida por um Pai que ama e que julga em função desse amor. Isto
não implica que todo o homem seja necessariamente salvo. Mas Deus tem critérios
muito diferentes dos nossos; e não há dúvida de que os Seus são bem melhores!” (Pastoral e Doutrina do Baptismo, pág. 17, Ed. São Paulo, Lisboa,
1994).
As igrejas
protestantes que baptizam crianças confessam todas este
princípio fundamental da Reforma: é pela fé apenas que o ser humano é
justificado. Qualquer adulto que ouça a Palavra de Deus e queira receber a
salvação, tem de tomar uma decisão pessoal. Desde o
Novo Testamento, qualquer adulto que se juntou ao Povo de Deus fê-lo com fé
pessoal e por baptismo. Mas já vimos que houve pessoas da “casa” de Cornélio,
do carcereiro, de Lídia, etc. que também se juntaram à Igreja (sendo
baptizadas), sem que tenham expresso a sua fé pessoal. Pode ser que a adultos
subalternizados (mulheres não-viúvas, escravos, por exemplo) fossem
simplesmente baptizadas sem se lhes perguntar pela fé, mas é perfeitamente
verosímil que membros menores da família fossem baptizados na fé do chefe da família.
Isto leva-nos a relacionar o baptismo com a circuncisão. Aliás, já o fizemos
atrás quando lembrámos que os rapazes judeus eram introduzidos na Aliança aos
oito dias pela circuncisão. Esta associação é correcta e foi feita já no Novo
Testamento.
Vr.25 Porque a circuncisão é, na verdade,
proveitosa, se tu guardares a lei; mas, se tu és transgressor da lei, a tua
circuncisão se torna em incircuncisão.
Vr.26 Se, pois, a incircuncisão guardar os preceitos da lei,
porventura a incircuncisão não será reputada como circuncisão?
Vr.27 E a incircuncisão que o é por natureza, se cumpre a lei, não
te julgará, porventura, a ti, que pela letra e circuncisão és transgressor da
lei?
Vr.28 Porque não é judeu o que
o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne.
Vr.29 Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que o é
do coração, no espírito, não na letra, cujo louvor não provém dos homens, mas
de Deus.
Porque, em Jesus Cristo, nem a circuncisão nem a incircuncisão têm virtude alguma; mas, sim, a fé que opera por amor.
Vr.11 Portanto,
lembrai-vos de que vós, noutro tempo, éreis gentios na carne, e chamados
incircuncisão pelos que, na carne, se chamam circuncisão, feita pela mão dos
homens;
Vr.12 Que, naquele tempo, estáveis sem Cristo,
separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos da promessa, não
tendo esperança, e sem Deus no mundo.
Colossenses
2:11 No qual, também, estais circuncidados, com a
circuncisão não feita por mão, no despojo do corpo da carne, a circuncisão de
Cristo;
A comparação é útil para nos mostrar que não teria sentido que os primeiros cristãos, vindos do Judaísmo, quando lhes nascesse um filho não procurassem fazer com ele algo que substituísse a cerimónia até então celebrada pelas famílias. Se Deus, na Lei recebia “os filhos dos seus filhos”, como pode, na Graça, não o fazer? A Boa Nova é para pais e filhos Actos 2:39, os filhos são santificados pelos pais. 1ª Coríntios 7:14. Se os rapazes entravam na Antiga Aliança antes da idade da razão, ficariam de fora na Nova Aliança? Onde estaria a superioridade desta? A superioridade, entre muitas outras coisas, está nisto: não só os meninos mas também as meninas entram no Novo Pacto, e não é pela marca na carne, mas pelo singelo derramamento da água que a entrada é feita.
Se olharmos o
baptismo infantil fundamentalmente como expressão do desejo dos pais de que os
seus filhos, introduzidos no Povo da Aliança, venham, quando chegar o tempo da
sua decisão, a permanecer nela, não temos motivo para requerer desde já a fé
dos baptizados porque essa fé terá de ser testemunhada quando a decisão chegar.
As Igrejas pedobaptistas sempre estabelecem uma
cerimónia posterior em que o baptizado confirma
a sua adesão pessoal pela fé. A essa cerimónia chama-se Confirmação ou Profissão de
Fé.
O baptismo não é para salvação, que só é alcançada pela fé. Não se nega a afirmação de que “quem crer e for baptizado será salvo”. Marcos 16:16, mas conclui-se que a ordem pode, sem prejuízo, ser alterada: quem for baptizado e crer será salvo. Se “das crianças é o Reino dos Céus. Marcos 10:14, elas não precisam do baptismo, mas se, quando chega à idade da razão, o jovem afirmar solenemente, por pública Profissão de Fé, que crê em Jesus Cristo, fica cumprida a exigência deste texto bíblico.
O mais
importante é a fé e não o baptismo. Gálatas 5:6. Imagine-se,
que um jovem de 20 anos, que não fora baptizado na sua infância, se junta a uma
igreja, dá sinais exteriores de adesão a Cristo e é baptizado. Dez anos depois,
esse homem reconhece que quando pediu o baptismo estava totalmente errado nas
suas concepções da mensagem cristã. Deve então pedir novo baptismo,
considerando o primeiro inválido por causa da incredulidade dos seus 20 anos?
Naturalmente que não. A situação normal para o adulto é crer e ser baptizado,
mas se foi baptizado sem uma fé verdadeira esse baptismo é válido quando a fé
posterior o confirmar.
A minha Igreja,
sublinho, não coloca o baptismo infantil como uma obrigação dos pais ou de quem
os substitui, podendo ser escolhida outra cerimónia e eventualmente nenhuma.
Não se celebram “baptismos de urgência”, para livrar a criança de uma
hipotética passagem por um fictício “Limbo” e, portanto, não há razão para
fazer deste assunto um problema de consciência, nem para os pais, porque
escolhendo o que escolherem nenhum mal farão às suas crianças nem ofenderão
Deus, nem para os ministros celebrantes que, se conhecerem bem a Bíblia e
reflectirem com objectividade, sabem que, baptizando crianças ou apenas orando
por elas, estarão agindo correctamente. Um pastor deve estar pronto a celebrar
uma ou outra das cerimónias (baptismo ou “apresentação”), assegurando o mesmo
valor a ambas.
Numa situação em que o baptismo infantil é pedido por famílias mais ou menos participantes da vida da Igreja (ou em que um dos pais participa) parece-nos aconselhável manter sem sobressalto o baptismo infantil. No desenvolvimento da criança tem mais força pedagógica o saber que é membro “não-comungante”, que tem um estatuto próprio, expresso por uma cerimónia, o baptismo, de que os seus amigos do jardim-escola e do ensino-básico lhe falam, do que a vaga ideia de uma “apresentação”. Não há estatísticas feitas, suponho, mas ao nível da observação pessoal constato que os jovens das nossas congregações que receberam o baptismo estão, em geral, mais receptivos ao convite para a Profissão de Fé (decisão da fé), do que os que estão por baptizar.
Numa
perspectiva ecuménica, é particularmente positivo podermos falar dos cristãos,
para além das confissões e denominações, como “baptizados” e da Igreja como
Povo de Deus, onde há homens e mulheres, velhos e novos, incluindo crianças de
colo.
Penso que se
deve reafirmar que o baptismo infantil não só está implícito no Novo Testamento
como corresponde ao espírito da mensagem cristã. E mais ainda: trata-se
da prática que melhor exprime o princípio da justificação pela graça.
Receber no Corpo de Cristo, a Igreja, aquele que ainda não compreende e não
pode dizer “eu creio!”, é sublinhar a descoberta de que Deus é quem toma a
iniciativa, que não é por qualquer mérito nosso que somos parte do Povo de
Deus. É um escândalo que uma Igreja, pela sua prática ou pelos seus documentos
não reconheça como membros senão os adultos! Por isso a Igreja Presbiteriana
teve na sua Constituição de 1952 e manteve na de 1977 um artigo em que as crianças
eram referidas como membros, com a designação de “membros não-comungantes”, por
não poderem participar da Ceia do Senhor. Pessoalmente, preferia a designação
“membros não-professos”; mas seja qual for a designação a usar o importante é
que fique claro que, se às crianças Deus assegura o Reino, nada justifica que
fiquem fora da Igreja.
Nesta questão
da legitimidade ou não do baptismo infantil o que mais me preocupa é que quando
esta prática é posta em questão observa-se da parte dos seus opositores uma crispação
difícil de compreender. Rapidamente os anti-pedobaptistas
fazem afirmações cheias de dogmatismo e discutem o assunto com calor, como se
estivesse em jogo a salvação de uma vida, a ponto poder dividir uma Igreja. O
que é ainda mais espantoso se essa atitude se manifesta em pessoas que atacam o
sacramentalismo. Que grupos como as Testemunhas de
Jeová, totalmente opostos à afirmação central do Novo Testamento da “sola
gratia”, rejeitem com crispação o baptismo infantil, compreende-se. Está dentro
da lógica do seu sistema. Mas que essa crispação se observe entre quem
reconhece Cristo como o “autor e consumador da fé”, segundo a expressão de Hebreus 12:2, é
deveras singular.
Estudos
bíblicos sem fronteiras teológicas