Apóstolos nos nossos dias?! (CC)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
Recebi a tua mensagem, caro
irmão Maicy em que me colocas a questão da ordenação de
Apóstolos nos nossos dias, como está a acontecer no Brasil. Haverá ainda
apóstolos nos nossos dias? Será correcta a ordenação de apóstolos nos nossos
dias?
Esse assunto dos nomes dos vários cargos na
Igreja, sempre foi um tema um tanto polémico.
Vejamos em primeiro lugar as passagens que
nos podem suscitar dívidas:
Hebreus
3:1 refere-se a Jesus como apóstolo.
Efésios 4:11 “... deu uns para apóstolos, e
outros para profetas...”
1ª Coríntios 12:28
“...E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente
apóstolos, em segundo lugar profetas...”
Romanos 16:7 “Saudai a Andrónico e a Júnia.... os quais se distinguiram entre os apóstolos...”
Actos 14:4 “...uns eram pelos judeus e outros pelos apóstolos.”
Etimologia
da palavra “apóstolo”
A palavra
“apóstolo” só aparece no grego neotestamentário e não no Velho Testamento. Mas
esta palavra, que foi transliterada para a nossa língua, já existia antes dos
textos do Novo Testamento serem escritos, pelo que temos de distinguir entre o
seu significado etimológico ou original e o significado que adquiriu através
dos tempos devido a ter-se tornado um termo da teologia, uma “palavra de
igreja” com toda a sua carga teológica, tal como a entendemos nos nossos dias.
Segundo o
dicionário etimológico de José Pedro Machado, a palavra “apóstolo” vem do grego
“apóstolos” que significava enviado para longe; enviado; deputado; envio
de expedição, particularmente expedição naval.
É esse significado
original, que encontramos em Hebreus 3:1
referindo-se a Jesus que foi enviado pelo Pai, sendo portanto apóstolo =
enviado.
O mesmo significado
original de enviado encontramos em Romanos 16:7
referindo-se a Andrónico e Júnia, assim como em Actos 14:4 que se refere aos
apóstolos que estavam presentes, e nesta altura só lá estavam Paulo e Barnabé.
Portanto, Barnabé também foi considerado como apóstolo.
Quanto às outras
duas passagens, atendendo a que em Efésios 4:11 o
verbo “deu” está no passado, assim como em 1ª Coríntios 12:28
“pôs” também está no passado, penso que se referem aos apóstolos iniciais que
acompanharam a Jesus. Mas também é possível interpretar nestas passagens, de
acordo com o significado etimológico.
Semântica
da palavra “apóstolo”
Penso que bem cedo a
palavra apóstolo adquiriu um significado teológico no primitivo cristianismo, a
ponto de alguns negarem esse termo ao apóstolo Paulo, apesar das suas viagens
missionárias. Todos conhecemos essas passagens, pelo que não as vou mencionar.
Assim, apóstolos passaram
a ser somente os doze que Jesus escolheu para o acompanharem no seu ministério.
Eles seriam as testemunhas oculares de todos os acontecimentos da sua vida e da
sua ressurreição.
Vemos em Actos 1:15/26
que os apóstolos estavam preocupados em manter o seu número de doze apóstolos,
possivelmente por influência das tribos de Israel que eram doze. Mas, será que
estamos perante uma passagem normativa, ou perante uma passagem histórica, que
simplesmente descreve o que aconteceu? E, será que esta preocupação era
correcta?!!
Nos versículos 21 e
22, temos uma descrição do que a palavra “apóstolo” significava para os doze. Actos 1:21/22 “É necessário, pois, que, dos varões que conviveram connosco, todo o tempo em que o
Senhor Jesus entrou e saiu entre nós, começando desde o batismo de João, até ao
dia em que de entre nós foi recebido em cima, um deles se faça connosco testemunha da
sua ressurreição.”
Pelo que vemos em Actos 16:4, os
apóstolos, ligados à Igreja Mãe de Jerusalém, tinham autoridade para tomar
decisões válidas em todas as igrejas, pois estas aceitavam a autoridade da
Igreja Mãe de Jerusalém, onde eles estavam.
Será
correcto ordenar apóstolos nos nossos dias?
Não está em dúvida
a liberdade que cada igreja tem de utilizar os termos que entender para
designar os seus dirigentes, embora o significado dessas palavras só tenha
sentido para quem aceitar a teologia dessa igreja, mas o problema que me foi
colocado é a minha opinião sobre a ordenação de apóstolos nos nossos dias.
Esta palavra
“apóstolo” já há dois milénios que está relacionada com os doze homens que
seguiram a Cristo durante o seu ministério. Embora não seja esse o seu
significado etimológico, não podemos ignorar a época em que vivemos em que o
significado da palavra apóstolo está limitado aos doze iniciais. É esse o
significado na nossa língua, os doze homens que conviveram com Jesus.
Penso que um
problema semelhante se pode colocar com a palavra “pastor” ou “missionário”.
Nas igrejas mais sérias, como as do protestantismo histórico, não é possível
imaginar um pastor que não tenha pelo menos o bacharelato em teologia, enquanto
noutras, qualquer um pode ser pastor. E que diremos da palavra “missionário”
que antigamente era sempre pessoa altamente habilitada não só no campo da
teologia como em algum curso superior. Os primeiros missionários que entraram
em Portugal ou no Brasil, além de terem um curso de teologia, ou eram médicos
como o caso de Robert Kalley, ou engenheiros
agrónomos etc. Tinham sempre, profissões que os tornavam muito úteis no seu
campo missionário, o que tornava o Evangelho respeitado, prestigiado e desejado
entre os não crentes. Também no livro de Actos, vemos que Paulo era fabricante
de tendas Actos 18:3
e o seu companheiro Lucas era médico. Colossenses 4:14.
Eram dois homens válidos e preparados para sobreviver em qualquer local pelo
seu trabalho, sem estarem dependentes das contribuições dos crentes.
No passado, muitos
verdadeiros missionários vieram do Brasil para trabalhar em Portugal, assim
como alguns outros foram de Portugal para o Brasil. Mas, nos últimos anos têm
vindo do Brasil muitos jovens “missionários” que nem sequer têm a nossa
escolaridade mínima, o nono ano de escolaridade. Julgo que esses mesmos jovens, poderiam e deveriam ser melhor aproveitados e apoiados se
lhes dessem uma melhor preparação teológica e profissional e se houvesse uma
melhor organização das nossas igrejas.
Não é possível as
nossas autoridades portuguesas ou brasileiras impedir que utilizem os termos de
pastor ou missionário sem estarem devidamente habilitados, como fazem quando
alguém que se apresenta como médico ou engenheiro etc. sem a necessária
preparação, pois isso seria uma indesejável interferência nas igrejas. Mas
julgo que compete às próprias igrejas reagir contra esta indevida utilização
destas palavras que tem trazido o descrédito das igrejas evangélicas.
Qual
o motivo que leva certas igrejas a ordenar apóstolos nos nossos dias?
Em primeiro lugar,
esta pergunta deverá ser respondida pelas igrejas que utilizam tal termo, mas
na época em que vivemos, penso que o principal motivo será a falta de aceitação
que têm as palavras “Pastor” ou “Missionário” em ambiente secular.
Eu não vou dizer
nenhuma novidade que os crentes mais experientes não saibam, mas muitas vezes
os nossos jovens tornam-se “missionários”, simplesmente como alternativa ao
desemprego no Brasil. Até há organizações americanas, bem conhecidas em todo o
Brasil, que oferecem um “curso de teologia” em que para ser admitido basta
saber ler e escrever e ao fim de cinco meses de estudo, são considerados como
“missionários” e espalhados por todo o mundo. Isso tem levado ao descrédito não
só desses “missionários” como infelizmente até dos verdadeiros missionários dos
nossos dias.
Lembro-me dum
verdadeiro Pastor indiano, na Índia, me dizer que prega o Evangelho, mas não
quer ser tratado por pastor ou missionário e prefere que o considerem como um sadú evangélico. Como sabem, o sadú
é o homem santo do hinduísmo que por todos é respeitado devido à sua
tradicional santidade e honestidade.
Mas, poderão
perguntar-me: Se o objectivo é somente pregar o evangelho, que impede que
alguém pregue o Evangelho, mesmo sem o título de pastor? Haverá algum outro
motivo que justifique essa preocupação de utilizar estes títulos de pastor ou
missionário e agora até apóstolo?
Penso que sim, que
é o aspecto económico. Como protestantes, aceitamos a ideia do sacerdócio
universal do crente. Assim, todos podem e devem pregar, mas o problema é que
geralmente só os pastores ou missionários é que vivem do evangelho e geralmente
reivindicam o dízimo para seu sustento. Esses títulos de pastor ou missionário
ou apóstolo, são importantes para de certa forma
“legalizar” a cobrança do dízimo.
Tenho encontrado em
África e na Índia, bons profissionais das mais diversas actividades que
contribuem e trabalham activamente nas igrejas e bem mereciam o título de
Pastor ou Missionário, embora esses verdadeiros servos do Senhor, nunca se tenham
preocupado com esses termos tão apetecíveis para os que não têm uma profissão
com que possam sobreviver em ambiente secular. Também no Brasil e em Portugal,
conheço os mais diversos profissionais, desde técnicos a trabalhadores sem
especialização, que depois de muitas e cansativas horas de trabalho, sacrificam
as suas bem merecidas horas de descanso, que deveriam dedicar às suas famílias,
em benefício do trabalho da Igreja além da sua contribuição económica. Não
serão esses mais dignos de louvor do que os seus Pastores que muitas vezes
levam uma vida de rotina, limitando-se a assegurar a continuidade dos cultos
sem grandes preocupações com o crescimento das igrejas?
Será
que todos estes problemas serão ultrapassados se utilizarem o título de
Apóstolo em vez de pastor ou missionário?
Enquanto os
apóstolos viviam, o seu trabalho foi abençoado pelo Senhor.
Mas, eles não foram
prestigiados por terem o título de Apóstolo. Bem pelo contrário, foi o seu comportamento
e a sua fidelidade, muitas vezes até à morte, que prestigiou a palavra
Apóstolo. Não se trata dum título apetecível pelos direitos e privilégios que
concede, mas dum dom que o Senhor concedeu para benefício da sua Igreja. Basta
abrir as nossas Bíblias para ver como viveram e como morreram os verdadeiros
Apóstolos.
O importante, para
a nossa época, não é utilizar abusivamente o título de Apóstolo, muitas vezes
para definir uma certa hierarquia ou justificar um salário mais elevado que o
dos seus colegas, mas o importante é seguir os passos dos apóstolos, e ter a fé
apostólica e a consagração dos verdadeiros Apóstolos.
Tenho receio de que
os pastores que utilizam o título de apóstolo queiram somente apropriar-se do
prestígio dos verdadeiros Apóstolos para seu proveito pessoal. Mas, estarão
eles preparados para ter a mesma consagração apostólica e a enfrentar as
provações apostólicas que resultaram na morte de quase todos os verdadeiros
Apóstolos?!!
Camilo -
Julho de 2004
Estudos bíblicos sem fronteiras
teológicas