Velho Testamento (CC)
(Aconselho a ler em primeiro lugar os artigos Fanatismo Evangélico
(CC), e Fanatismo
Evangélico (Comentários)
a fim
de compreender a razão deste artigo.)
(Clicar nas referências sublinhadas para ter acesso aos
textos)
1 – Introdução
A principal
finalidade deste artigo é responder à pergunta que me dirigiu o irmão Carlos
Albino - Crente indenominacional, residente em
São José da Boa Vista – São Paulo, Brasil.
Como deve o cristão
considerar o Velho Testamento? Um livro histórico apenas, um livro histórico
que não tem o dedo de Deus mas que serve para entender o Novo, um livro
histórico que foi guiado por Deus em sua formação, mas que teve já o seu
propósito cumprido?
Então, na sua visão,
qual é o entendimento correto que devemos ter sobre o
Velho Testamento? Mas gostaria que o irmão respondesse principalmente (pois é
aqui neste ponto que tenho tido mais dúvidas e dificuldades para discernir) sobre
a visão de valor didático-histórico-espiritual. Não
sei se consegui expressar, mas assim, independente do lugar, da função do VT na
história, tanto do povo de Israel, quanto da Igreja atual,
independente de tudo isso, podemos considerá-lo como plano de Deus também, ou
seja, podemos considerá-lo como um livro de valor diferenciado dos outros
materiais históricos?
Mas esta
pergunta não é caso isolado. Alguns outros irmãos me têm feito perguntas
idênticas, e possivelmente muitos mais têm a mesma dúvida sobre um assunto que
não pode ser aprofundado nas igrejas, pois é dogma para católicos e assunto
tabu para evangélicos, que até têm receio em manifestar a sua dúvida. Pior
ainda se essa dúvida for dum padre católico ou dum pastor evangélico, pois
esses são os que menos liberdade têm para divergir da posição oficial das suas
igrejas.
Posso citar,
por exemplo, a mensagem que recebi do irmão Leandro Oliveira, também do Brasil,
sobre o mesmo assunto.
Querido e amado irmão
Camilo tenho por vezes visitado sua pag. na internet e tenho
aumentando de maneira significativa meus conhecimentos no âmbito teológico,
portanto desde já agradeço pela sua dedicação e cuidado por todos os temas que
ali são abordados. Mas a pergunta que tenho para fazer-te dizer respeito a um
assunto bastante polémico que eu comecei a estudar. È sobre o facto de Jeová
ser ou não o Pai do Senhor Jesus, e achei-me muito duvidoso e a palavra diz que
não devemos ser confundidos. Gostaria que o irmão pudesse se ater um pouco mais
nesse tema, já que na sua página não existem fronteiras teológicas, como
encontramos nas congregações evangélicas aqui no Brasil. Meu Nome È Leandro.
Deus te abençoe e te dê muita ousadia e sabedoria ao abordar tal tema.
2 - O que é o Velho Testamento
Esta questão, que
alguns irmãos me têm colocado, é assunto bem antigo, que tem preocupado os
crentes através dos tempos.
Já no século
II, Marcião (110 a 160) afirmava que o Velho
Testamento deveria ser rejeitado, pois esse deus vingativo do Velho Testamento
era o oposto ao Deus Pai que Jesus revelou. Mas as informações que temos sobre Marcião, chegaram aos nossos dias
através dos seus inimigos, pois praticamente não temos, nos nossos dias,
informação credível sobre o chamado marcionismo.
Através dos
tempos estas ideias sempre foram defendidas por alguns e combatidas pela Igreja
dominante, não com argumentos teológicos, mas pela violência. Mas mesmo assim,
alguma informação chegou aos nossos dias, como é o caso dos bogomilos
(século XII) e os cátaros (século XIII) que defendiam ideias semelhantes, mas
todos eles foram exterminados pela Santa Inquisição.
Certamente que irei desiludir aos que me
fizeram esta pergunta por não lhes poder dar uma resposta clara e simples. Mas
isso não significa que não possamos meditar sobre o assunto.
A única coisa
que posso dizer aos irmãos que me contactaram, é a minha opinião pessoal sobre
o Velho Testamento ou Antigo Testamento, como pretendem os que afirmam que
ainda está em vigor em igualdade com o Novo, pois aceitam a igual inspiração do
Génesis ao Apocalipse.
Quero ser o
primeiro a alertá-los para o facto de eu não ser católico nem me considerar
evangélico. Certamente que a opinião da grande maioria dos Padres e Pastores é
diferente da minha. Também tirei algumas cadeiras em Seminários evangélicos de
Teologia e sei o que ensinam.
Os seminários
mais fundamentalistas, geralmente, ensinam que toda a
Bíblia é infalível na dimensão espiritual, moral, ética, cultural, filosófica,
psicológica, antropológica, histórica, científica ou outra qualquer, e tentam
provar tal afirmação, pela própria Bíblia.
Afinal, quase
todos os livros que são a base das outras grandes religiões que conheço, dizem o mesmo de si próprios.
Penso que os
vários irmãos que nos colocaram a questão, como evangélicos, se baseiam na
Bíblia, possivelmente na tradução de João Ferreira de Almeida (que aliás,
considero das melhores), e sempre lhes ensinaram que esta é a Palavra de Deus,
procurando portanto estudar e raciocinar com base nos textos bíblicos, de
acordo com o dogma católico, aceite também pelos evangélicos, de que a Bíblia é
a inerrante e eterna Palavra de Deus.
No entanto, não
podemos esquecer de que não estamos perante um livro, mas perante uma série de
livros que em vários Concílios, foram seleccionados entre muitos outros livros
até formar o cânon, numa escolha nem sempre pacífica, em que muita coisa
vergonhosa aconteceu. Sobre o assunto, aconselho uma leitura do meu artigo A Bíblia é a
Palavra de Deus? (CC)
Como vimos, no
referido artigo, a inerrância dos textos bíblicos,
também é invenção relativamente recente, assim como é recente a Bíblia impressa
num único livro, o que só foi possível após a invenção da imprensa.
No século III,
o teólogo do primitivo cristianismo, Eusébio de Cesareia, considerava os vários
livros que constituem a actual Bíblia, que nessa altura, muito antes da
invenção da imprensa, eram diversos livros em formato de rolos de papiro ou
pergaminho, em:
1) Livros homologúmenos, que fossem
aceites por todas as igrejas.
2) Livros antilegúmenos quando fossem
aceites por algumas igrejas, mas rejeitados por outras.
3) Livros
adulterados que são citados por vários escritores eclesiásticos e que
circulavam pelas igrejas, que embora não fossem considerados canónicos, não
continham ideias heréticas. É este o caso do “Evangelho dos Judeus”,
“Apocalipse de Pedro”, “Actos de Paulo”, “Apocalipse de João”, “Pastor de Hermas”, entre muitos outros.
4) Livros heréticos, que pretendiam substituir os textos
canónicos, utilizando o nome de algum apóstolo, como por exemplo o “Evangelho
de Pedro”, “Evangelho de Tomé”, “Evangelho de Matias”, “Actos de João” etc. (a)
Quero em
primeiro lugar, dizer que a escolha dos livros (rolos) que constituem o Velho
Testamento (assim como o Novo) é produto da teologia, pois na antiguidade havia
vários livros em separado, que hoje são, não só os livros canónicos, como os
deuterocanónicos, e ainda os outros que foram rejeitados pelas igrejas, e nada
havia que os diferenciasse entre si. Todos esses livros (rolos) eram as
Escrituras (no plural) a que eles se referiam no contexto histórico em que
Jesus viveu.
Penso que essa
análise que me pede o irmão Carlos Albino, não pode ser efectuada para todo o
Velho Testamento, como se estivéssemos perante um único livro. Tem de ser
efectuada para cada livro (rolo), pois são de autores diferentes e de épocas
bem diferentes. Somente cerca do ano 90, já depois de Cristo, os chefes
religiosos dos judeus, reunidos na cidade de Jâmnia
escolheram os livros que ficaram no cânon veterotestamentário e rejeitaram os
outros.
Para aceitar
que está correcto tudo aquilo que contém o que hoje chamamos de Velho
Testamento, teria de aceitar a infalibilidade desse grupo de judeus que se
reuniu em Jâmnia, e não é essa a minha posição.
As igrejas
evangélicas e protestantes, aceitam o dogma do cânon
veterotestamentário estabelecido no ano 90. Os católicos também aceitam esse
cânon, embora acrescentando os livros deuterocanónicos. Sobre este assunto,
sugiro a leitura do meu artigo A Bíblia é a Palavra de Deus? (CC)
3 - Inerrância bíblica?
Há um
pensamento arreigado nos crentes evangélicos, que leva a considerar qualquer
livro canónico como absolutamente correcto, “sem sombra de erro”, e qualquer
livro deuterocanónico ou apócrifo como absolutamente errado e perigoso, cuja
leitura é desaconselhada. Alguns fundamentalistas vão ao extremo de considerar
toda a Bíblia (só com os livros canónicos) como inerrante
no aspecto espiritual, moral, histórico e até científico.
Não é essa a
minha posição, pois considero que só Cristo é a Palavra de Deus. É Ele a
principal revelação de Deus, embora Deus se possa ter também manifestado a
outras pessoas, inclusive noutras culturas e noutras religiões e/ou
civilizações. Não posso limitar o poder de Deus para se manifestar quando
quiser, onde quiser e a quem quiser, utilizando inclusive os meios que a
ortodoxia cristã considera inconvenientes, pois acredito no Deus que Cristo
revelou, que é o Pai de toda a humanidade.
O Deus Pai em
que acredito, não pode ser aprisionado na Bíblia, nem limitado por dogmas ou
declarações de fé, nem pressionado por quaisquer condicionalismos teológicos,
políticos, culturais, económicos ou outros, como acontece com o ser humano,
pois só Ele é o supremo Pai de toda a humanidade.
4 - Como interpretar o Velho Testamento
4.1 – Textos históricos
Não sendo
possível ter uma opinião sobre todo o Velho Testamento, devo dizer que nele
encontro livros históricos que têm de ser ponderados, não na perspectiva
literal e simplista da maioria dos evangélicos, mas na observação isenta, feita
por historiadores. Estes têm condições objectivas de analisar esse relato
milenar duma cultura em que não havia liberdade de pensamento nem de expressão
ou de religião, que só chegou a Israel com a colonização romana. O Velho
Testamento aplicava a pena de morte em caso de blasfémia, mas não encontrei
nenhuma definição de blasfémia. Assim, tudo quanto divergisse da ortodoxia
religiosa veterotestamentária, principalmente as outras religiões com outros
ensinos, era blasfémia punida com a pena de morte, situação que só terminou com
a colonização romana, que levou a Israel a civilização, tal como hoje a entendemos,
inclusive a liberdade de expressão e a liberdade de religião.
4.1.1 – Textos históricos que representam somente a
interpretação dos judeus
Penso que
alguns textos históricos, embora não representem a Verdade imparcial, como
seria de esperar dum historiador dos nossos dias, são contudo a “verdade” desse
contexto histórico e cultural.
Posso citar por
exemplo o que se passou no ano 705 AC, quando um poderoso exército da Assíria,
comandado por Senaqueribe, sucessor de Sargão II, entrou em Israel e depois de conquistar os
reinos do norte, invadiu também os reinos do sul, ocupando todos os locais de
interesse económico, acabando por retirar para acorrer a outros conflitos no
enorme império da Assíria dessa época.
Chegaram aos
nossos dias, duas descrições diferentes. A descrição dos judeus em 2º Reis 19 e a
descrição dos assírios, que a arqueologia descobriu, que dá conta de mais uma
campanha militar, que correu normalmente, sem que encontrassem verdadeira
reacção da parte do inimigo.
Afinal, qual a
descrição correcta?!
Ouvi uma vez
uma explicação dum historiador, num dos nossos canais da TV. Se a memória não
me falha, julgo que foi o Prof. Hermano Saraiva. Foi pena não ter gravado esse
programa, pelo que não poderei citar as mesmas palavras, mas o que entendi, foi
mais ou menos o seguinte:
As
duas descrições podem-se considerar verdadeiras, pois estamos perante a
descrição do mesmo facto em dois contextos culturais bem diferentes.
Certamente
que Senaqueribe andou por onde quis. Tomou posse dos
melhores terrenos com interesse para exploração agrícola ou mineira. Só
faltavam alguns locais sem interesse, incluindo Jerusalém, que para os judeus
era a cidade santa, mas para Senaqueribe era um aglomerado
de velhas casas no alto dum rochedo, sem qualquer interesse económico. O
problema para Senaqueribe seria o correcto sob o
aspecto técnico, militar e económico. Valeria a pena manter por mais uns dias
um exército tão grande para cercar Jerusalém até que os últimos judeus se
rendessem? Quanto custaria um só dia de campanha dum exército tão grande?
Deveria atacar essa velha cidade no alto do monte, sacrificando certamente
muitos dos seus soldados?
Como
justificar perante o seu imperador Sargão II todo o
esforço de guerra e toda a despesa para conquistar um monte com casas velhas e
terreno rochoso que nada produzia, só para trazer mais um deus para essa
espécie de museu da Assíria onde estavam os deuses dos povos conquistados? Pior
ainda, se for verdade o que lhe contaram, que nem havia nenhum deus lá em cima,
que pudesse levar para a Assíria.
Senaqueribe
toma a decisão mais indicada. “-Missão cumprida. Vamos voltar à civilização e
deixar este país tão atrasado.”
Mas…
do alto das muralhas, os judeus observam a retirada do grande exército e
gritam: Vitória... Jerusalém não foi conquistada.
Certamente
que no registo dos judeus, elaborado anos mais tarde, estes factos são
organizados para mostrar a intervenção do seu Deus.
Mas há também os
livros “históricos” escritos com motivações políticas. Sobre este assunto
aconselho a leitura do meu artigo David ou Davi
(CC) em que o Rei David é transformado em herói e em santo pelo seu filho
Salomão a fim de defender os seus próprios interesses e os da sua dinastia.
4.2 – Textos devocionais
Encontro também
livros devocionais, que duma maneira geral são aplicáveis aos nossos dias, mas com
certas precauções, pois há passagens, como no caso de Salmo 137:8/9 que
não estão em sintonia com a mensagem do Mestre que mandou amar os inimigos.
Admito que
algumas passagens do Velho Testamento sejam revelações do Deus supremo e único,
que Jesus revelou, mas penso que, duma maneira geral, a maior parte do Velho
Testamento apresenta o deus da tribo, deus da cidade, ou dum povo, que como era
habitual nesse contexto histórico, lutava a favor do seu povo, contra todos os
outros povos. Foi mais uma religião que se formou por influência de outras mais
antigas.
Até o próprio
Decálogo, a principal lei do Velho Testamento, afinal não trouxe nada de novo à
humanidade. Penso que foi uma cópia simplificada das Tábuas de Esconjurar assiro-babilónicas que por sua vez foram influenciadas pelo
Capítulo 125 do Livro dos Mortos do
Velho Egipto. A forma como Moisés registou o decálogo, em tábuas de pedra, foi
nitidamente egípcio. Se Moisés foi educado no Egipto, certamente que devia
conhecer bem o correspondente ao “decálogo” da religião egípcia.
4.3 – Textos científicos
Encontro também
textos, ou pelo menos afirmações com carácter científico, facto que não costuma
ser mencionado. Muitos seriam tentados a dizer que são textos que pretendem ser
científicos. Todo o Velho Testamento e também o Novo, foi escrito numa cultura
que concebia todo o Universo segundo a antiga concepção cosmogónica, que
imaginava a terra como plana à superfície das águas, assente em colunas,
ficando os vários céus por cima e o Inferno por baixo.
Na época das
grandes navegações e das descobertas dos portugueses e espanhóis, diziam os
mais “entendidos”: Mas que grande estupidez… querer chegar à Índia navegando
para ocidente? A Bíblia não diz que a terra é redonda.
Mas, penso que
esta antiga concepção cosmogónica da antiguidade tem certa lógica, pois o mar,
visto ao longe é azul, mas quando conseguimos chegar ao mar, vemos que é água.
Então, o céu que vemos, também é azul e se pudermos lá chegar, certamente que
também será outro oceano superior, aliás isso é comprovado com a chuva, quando
Deus abre as … janelas dos céus… Génesis 7:11
Também por baixo da terra, há outro oceano, pois ao
abrir um poço aparece água, que em algumas zonas de Israel está a dezenas de
metros de profundidade. É necessário escavar muito, certamente escavação manual
numa época em que não havia máquinas de perfuração, mas a certa altura aparecia
água, e quanto mais se escavava, mais água aparecia, até que esta impedia os
trabalhos de escavação. Então, se quanto mais fundo mais água aparecia, se
fosse possível continuar a escavação, a certa altura só haveria água, o tal
oceano inferior, possivelmente de água doce.
5 – Utilidade do Velho Testamento
Duma maneira
geral, considero todo o Velho Testamento como muito importante para se
compreender o contexto cultural em que Jesus viveu, bem como pelas informações
históricas que nos apresenta, embora estas tenham de ser ponderadas com a
lucidez do historiador, mas não o posso considerar como normativo para os
nossos dias. Isso seria um desastre. Teríamos de apedrejar os leprosos que
estão nos hospitais, condenar à morte os homossexuais e quem comesse mariscos
ou outras comidas proibidas, a escravatura voltaria a estar legalizada, bem
como a poligamia, a pena de morte etc.
Tentei fazer um
apanhado dos mandamentos da Velha Lei de Moisés, que muitos defendem como
eterna e imutável, que não considero aceitáveis depois de Cristo apresentar a
sua mensagem, mas são tantos que acabei por desistir dessa listagem. Mas
poderão ver o que compilei até aqui em Leis do VT
Como disse no
meu anterior artigo Fanatismo Evangélico
(CC), estas horrorosas passagens são pouco conhecidas dos católicos e
protestantes tradicionais por não constarem dos textos do leccionário
que se repete de três em três anos, e muito raramente, estas passagens são
mencionadas nas igrejas evangélicas, pois geralmente os pastores têm o bom senso
de evitar essas passagens que nunca, ou muito raramente são utilizadas nos
estudos e pregações.
Penso que, só
quando algum crente resolve começar em Génesis para ler toda a Bíblia, acaba
por tomar conhecimento destas leis de Moisés que muitos afirmam serem
inspiradas, eternas e imutáveis.
Se por acaso
(embora hipótese pouco provável), algum ateu ou agnóstico encontrar estas
passagens, não deixará de notar uma grande diferença entre a mensagem de Cristo
e a de Moisés (ou do Deus de Moisés). Mas se for um “crente experiente” que já
muitas vezes tenha afirmado que vê na sua Bíblia uma perfeita sintonia, o tal
fio condutor do Génesis ao Apocalipse, será muito difícil mudar de ideias, se
já passou pelo processo a que indevidamente chamam de “conversão”, quando na
maior parte das vezes não passa dum “suicídio intelectual”. Esses são os
fanáticos mais perigosos, quando deixam de raciocinar por maiores que sejam as
evidências de que alguma coisa está mal e muito mal, pois nada compreenderam da
mensagem de Cristo e estão prontos a seguir a Lei de Moisés que consideram
eterna e imutável.
Na verdade, é
muito mais fácil seguir a Lei de Moisés que a Lei que o Mestre apresentou no
Sermão do Monte.
Quando João Batista
iniciou a sua pregação, fez estremecer toda a antiga teologia. Mas quando Jesus
o Cristo apresenta a sua mensagem, todo o Velho Testamento se tornou
deuterocanónico, isto é, menos inspirado ou de inspiração duvidosa.
O Pastor
Orlando Caetano refere-se ao lugar de Cristo, a Sua primazia, e a
subordinação a Ele, dos escritos anteriores e posteriores aos “evangelhos”.
Deus enviou o
seu próprio Filho, para sabermos que Ele existe e para sabermos como Deus é.
Colocar essa revelação ao lado da palavra de homens pecadores, dizendo que tudo
é igualmente inspirado, não será incorrecto e até uma ofensa ao próprio Deus?
Admito que
esses jovens que atacaram o Centro Espírita tenham sido vítimas dessa
orientação teológica fundamentalista, muito vulgar entre evangélicos que
consideram toda a Bíblia igualmente inspirada e seguem exemplos de
comportamento do Velho Testamento.
6 – Como explicar as diferenças entre o Deus de Moisés e
o Deus Pai, que Jesus revelou?
Várias
explicações têm sido apresentadas para a diferença de comportamento do Deus de
Moisés, e do Deus Pai, que Jesus revelou:
a)
Revelação gradual de Deus ao homem, que sempre foi a revelação possível de ser
compreendida pelo ser humano. No tempo de Moisés, a esse grupo de ex-escravos
indisciplinados, inconstantes, habituados à lei do chicote, a revelação não
podia ser a mesma que aos judeus helenizados e intelectualizados do tempo de
Cristo.
b) São
dois deuses diferentes, como alguns têm sugerido. Veja, por exemplo, a página
da internet
http://www.verdadesbiblicas.com.br/
c)
Deus mudou e já não é o mesmo Deus sanguinário do tempo de Moisés que decretava
a pena de morte por tudo e por nada, com manifesto desprezo pela vida humana.
d) A
mensagem original de Deus foi deturpada para servir os interesses políticos e
económicos do imperialismo de Israel e da classe dos levitas.
Vendo o que tem
acontecido nos últimos dois mil anos, em que a mensagem de Cristo também foi
deturpada e utilizada para encobrir outros objectivos, como foi o caso das
cruzadas para “libertar” a terra Santa, a conquista pelo europeu, do continente
Africano e Americano para “evangelização”, e até nos nossos dias, a cruzada
americana contra o mundo árabe, para “libertar” os seus poços de petróleo,
pessoalmente inclino-me para esta última hipótese. Até nos nossos dias, muitas
vezes, o evangelho serve para a exploração dos mais ingénuos, que geralmente
são os mais pobres.
Mas a
verdadeira explicação, só a conheceremos quando Jesus voltar, quando os que são
considerados os grandes exemplos de fé, forem rejeitados e chamados outros,
inclusive nossos contemporâneos, e de quem nunca ouvimos falar. Mas o Pai bem
sabe quem são. Mateus 25:31/46
Na antiguidade,
os textos não estavam acessíveis a todos devido ao seu elevado custo, pelo que
não se deu tanta importância à meditação pessoal. Foi só depois de Lutero
traduzir a Bíblia para a linguagem popular e da invenção da imprensa, que o
povo teve livre acesso aos textos bíblicos e apareceu a livre e pessoal
meditação teológica. Estava para sempre ultrapassada a velha afirmação de Tertuliano que afirmou no século II “Credo quia absurdum”, querendo
afirmar que o crente deve acreditar, mesmo que seja um absurdo, alguma coisa
que ninguém compreende.
7 - Não é possível ser um verdadeiro cristão sem
raciocínio e espírito crítico
O Velho
Testamento diz em Deuteronómio
6:5 - Amarás o Senhor, teu Deus, de todo
o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças.
Exige-se cega obediência sem qualquer referência ao entendimento.
Porém, no Novo Testamento, vemos em Marcos 12:28/31
– Um dos escribas que ouvira a discussão,
reconhecendo que respondera muito bem, perguntou-lhe: “Qual é o primeiro de
todos os mandamentos?” Jesus respondeu: “O primeiro mandamento é: Ouve ò
Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor, e amarás o Senhor teu Deus de
todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento, e
com toda a tua força. O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti
mesmo. Não existe mandamento maior do que esses”.
Certamente que
os judeus, assim como todos os povos, deveriam aceitar o Deus supremo e único,
que se terá manifestado a Israel, mas não exclui a possibilidade de se ter
também manifestado a outros povos, pois Ele é o Pai de toda a humanidade.
Aliás, Cristo não homologou tudo quanto estava nas Escrituras dessa época pois
muita coisa Ele corrigiu Mateus 5:21/45 e
o cânon do Velho Testamento ainda não tinha sido organizado. Nessa época (antes
do cânon veterotestamentário), quando se falava em Escrituras, estavam
incluídos os deuterocanónicos além de outros livros que foram rejeitados tanto
por judeus como por cristãos.
Entre os outros
povos a que Deus se manifestou, estavam certamente os samaritanos que, fartos do
racismo dos judeus, construíram outro Templo em Garisim
(ou Gerisim), para cultuar o mesmíssimo Deus supremo
e único, Templo que foi atacado e destruído pelos judeus, poucos anos antes de
Jesus nascer. Qual terá sido o motivo? Julgo que não foi por nenhum motivo
teológico, mas por motivos económicos, pois os crentes que frequentassem Garisim, era lá que entregavam as suas contribuições e não
em Jerusalém.
O nosso
pensamento é o maior bem que o Senhor nos concedeu e Deus não prescinde de
todo o nosso entendimento, que deve ser apresentado ao nosso Criador,
para que através do seu Espírito Santo, Ele o purifique e o amplifique, para
estar ao Seu serviço, completamente livre de quaisquer fronteiras teológicas ou
culturais, segundo o exemplo que o Mestre nos deixou.
Sem
entendimento e espírito crítico NÃO pode haver verdadeiros cristãos, e o nosso
mundo necessita urgentemente dos verdadeiros adoradores a que o Mestre se
referiu em João
4:23/24 Mas vem a hora, e já chegou, em que
os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em
espírito e verdade, e são esses adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito, e
os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade. Se não
encontrarmos a Deus nas igrejas, (nem neste monte, nem em Jerusalém) o melhor será
procurá-lo nos ambientes que o seu Filho costumava frequentar. Embora Jesus
tivesse entrado no Templo de Jerusalém e nas sinagogas, os seus principais
ensinos foram apresentados nos campos e nas praias, nos montes e nos lugares
públicos, pois Jesus não era o tipo de homem religioso, não era “homem de
sinagoga”, mas era o homem do seu tempo, que nos nossos dias não hesitaria em
utilizar os órgãos de informação e a internet. É isso que ele espera dos seus verdadeiros
adoradores.
Camilo –
Marinha Grande, Portugal
Agosto de 2008.
(a)
Esta posição de Eusébio de Cesareia, foi transcrita do livro “Evangelhos
Apócrifos” de Luigi Moraldi,
Professor de hebraico e filologia semítica na Universidade de Pavia. O livro foi traduzido do italiano para português e
está à venda nas livrarias da Paulus.
MENSAGENS RECEBIDAS
Renato
Braguiroli Krauser –
Metodista de Santo André - São Paulo - Brasil.
A paz do Senhor
Jesus irmão Camilo.
Muito bom
receber seus e-mails com suas reflexões.
Nesse caso, o
artigo sobre o Velho Testamento e sobre o Fanatismo Evangélico, achei muito interessante, pois é algo que assola nossa sociedade
hoje em dia. Intolerância e ódio são postos à frente da compaixão e amor. Onde
muitos se apoiam? Em textos bíblicos.
Ao lado de
textos completamente límpidos encontramos também passagens obscuras. Tanto
Daniel que vivia se perguntando a cerca dos oráculos quanto o etíope que
reconheceu sua dependência de uma melhor explicação das Escrituras são exemplos
de que nada é tão simples assim. É preciso um estudo e uma boa interpretação
para que um erro como esse dos jovens cariocas possa ser evitado.
Que o Senhor
continue abençoando sua vida Camilo.
Grande abraço
Nelson
Kilpp – Luterano de Porto
Alegre R.S. – Brasil.
Prezado Camilo,
Recebi cópia de
sua carta eletrônica, na qual indicas um artigo seu sobre
o Velho Testamento e sua relevância ou “utilidade” para a comunidade cristã e
para os nossos tempos. Achei o artigo bastante rico. Aqui na Escola Superior
de Teologia (de tradição luterana) de São Leopoldo tenho tratado do
assunto com estudantes da graduação e também da pós-graduação. O livro texto
que tenho utilizado e que traz de forma sistemática e histórica toda essa sua
preocupação é o livro de Antomius H.J.Gunneweg.
Hermenêutica do Antigo Testamento. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2003. O autor
não tem medo de colocar as questões problemáticas e de apresentar de forma
honesta as possíveis respostas. Os estudantes avaliaram a obra muito
positivamente, apesar de ser um escrito denso (típico de teólogos alemães -
aliás Gunneweg é holandês, mas lecionou
longos anos na Universidade de Bonn, onde ainda
reside sua viúva).
Abraço
Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas