Marta / Maria (CC)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
Na
tradução da Boa Nova
38
Jesus e os discípulos seguiam o seu caminho. Ao entrarem numa aldeia, uma
mulher chamada Marta recebeu Jesus em sua casa. 39 Ela tinha uma irmã chamada Maria, que
se sentou aos pés do Senhor para o ouvir. 40
Ora Marta andava muito atarefada, por ter muito que fazer. Aproximou-se e
disse: Senhor, não te preocupa que a minha irmã me deixe só com todo o
trabalho? Diz-lhe então que me venha ajudar. 41 Mas Jesus respondeu: Marta, Marta, andas preocupada e aflita com tantas coisas, 42 quando uma só é
necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.
Marta
e Mariam, como está nos textos originais e que está
traduzido por Maria, mas também podia ser Miriã, que
também existe em português, são as duas principais personagens desta passagem
bíblica. Sabemos no entanto, pelo evangelho de João, em João 11:1, que eram
irmãs e que havia mais um familiar que vivia com elas, que os irmãos conhecem.
Também lá estava Lázaro que Lucas não menciona, porque a sua intenção foi
somente descrever a atitude de Jesus neste caso e o evangelista não se
preocupou em nos “apresentar toda a família”.
Lucas
diz que Marta recebeu Jesus em sua casa, pelo que suponho que seria uma viúva,
que tinha herdado a casa do seu marido, pois se a herdassem dos seus pais, a
casa seria só de Lázaro, de acordo com as leis dessa época em que as filhas só
eram herdeiras se não houvesse filhos. Deuteronómio 21:15/17
Talvez
Lázaro fosse o mais novo, ainda um jovem, pelo que nem é mencionado por Lucas.
Estas duas irmãs, Marta e Maria, pode-se dizer que representam dois tipos diferentes de
crentes, duas tendências opostas, ou duas maneiras de seguir a Jesus, que ainda
hoje vemos nas nossas igrejas.
É
interessante que Lucas descreve este acontecimento logo a seguir à parábola do
Bom Samaritano.... Haverá alguma relação nesta
sequência que Lucas dá no seu evangelho?
Penso
que sim, pois na parábola do Bom Samaritano, que os irmãos conhecem bem, temos
uma exortação à prática da religião que produz frutos, que mostra as suas
obras. Talvez Lucas, quando escreveu a parábola do Bom Samaritano, tenha pensado....... Quem ler isto, vai certamente dizer: Então é
isto que Cristo deseja. Nesta parábola do Bom Samaritano está bem claro que o
importante são as acções e não a parte devocional, pois Jesus elogiou o
Samaritano que teve a iniciativa de ajudar e não o sacerdote ou levita...
Então, para que ninguém pensasse numa salvação através das obras, Lucas coloca
esta descrição do que se passou em casa de Marta, em que Jesus elogiou Maria
que esteve aos seus pés, ouvindo os seus ensinos.
Vejamos,
como conciliar estes dois ensinos, aparentemente opostos, da parábola do Bom
Samaritano, e da atitude de Jesus em casa de Marta.....
Se
olharmos para o que se passa nas nossas igrejas, penso que todos nós temos uma
certa tendência para enveredar pela nossa identificação com um destes dois
tipos de crente, pois raros são os que conseguem manter um equilíbrio entre o
que poderíamos chamar de “cristianismo devocional” e um “cristianismo
operacional”.
Normalmente,
ou nos tornamos cada vez mais eficientes na parte operacional como a elaboração
das Actas das Assembleias, ou o arranjo das flores, os relatórios, os chás das
senhoras, as contas da igreja... etc, acabando por
negligenciar a parte devocional, ou pelo contrário, nos dedicamos às pregações
e estudos bíblicos e não temos tempo para os outros trabalhos duma igreja.
Estive
a pensar na pergunta do domingo passado: Qual a nossa escolha? Marta ou Maria?......
É
uma pergunta difícil, que me levou a pensar no assunto e daí resultou esta
mensagem. Na minha precipitação, a primeira tendência que tive foi dizer: Vamos
todos fazer como Maria. Deixem lá os outros trabalhos. Esse foi o pecado de
Marta.
Mas
então.... quem irá limpar e
preparar o salão de cultos? Quem irá preparar e arranjar as flores?
Não
é nada fácil responder à pergunta que nos foi colocada.
Depois
de pensar no assunto, julgo que ambas as irmãs, tanto Marta como Maria, eram
crentes muito dedicadas e comprometidas com o Reino de Deus, mas o
relacionamento delas com o Mestre apontava para direcções e objectivos
completamente opostos:
Maria
queria estar diante de Jesus, para aprender, para ouvir, para adorar, para
alegrar-se, para se aconselhar expondo os seus sentimentos abrindo a sua alma
perante o Senhor.
Marta,
queria apresentar um bom trabalho, a casa limpa e bem arrumada, a comida
gostosa, queria tudo impecável para receber o Mestre.
Mas........ então? Haverá algum mal nisso? Não fazia Marta, todo esse
trabalho por amor do Mestre?........
Certamente
que as duas atitudes são necessárias. Jesus não disse que Marta tivesse
procedido mal. Coitada.... ela
era bem intencionada, mas com a sua preocupação com as coisas materiais, ela
descurava, esquecia-se do seu próprio alimento espiritual.
Penso
que Marta não estava em pecado, mas estava no que poderíamos chamar de pobreza
espiritual.
Ela
foi talvez a primeira dum tipo de pessoas do cristianismo dos nossos dias, que
são pessoas boas, pessoas muito comprometidas com um cristianismo social,
inteiramente absorvidas nos seus trabalhos, mas interiormente desiludidas,
frustradas espiritualmente, porque toda a sua atenção está tão voltada para o
seu serviço que nem têm tempo para buscar a comunhão com o Senhor.
Perderam
o hábito de buscar a comunhão com o Senhor em oração, que consideram pura perda
de tempo. Todo o tempo disponível é para o seu trabalho na igreja, mas sempre
em aspectos materiais, pois não lhes resta tempo para ouvir a Jesus.
Pensando
na parábola do Bom Samaritano, isto seria como que uma interpretação exagerada,
ou talvez deturpada, pois a parábola do Bom Samaritano, que é uma parábola importantíssima,
mas como todas as ilustrações, tem de ser interpretada tendo em atenção todos
os ensinos de Jesus.
Esta
atitude poderá até conduzir a um estado se semi-conversão, se é que se pode
chamar assim.
Marta
não compreendeu o que mais agradaria a Jesus.
Ela
utilizou outras prioridades que não eram as prioridades do Mestre, mas as
prioridades da sua própria maneira de pensar, da sua tradição, da sua cultura.
Ela
quis iniciar logo o trabalho, sem ouvir primeiro a Jesus.
Penso
que foi o Pastor Caio Fábio que contou que certo dia estava a orar de manhã,
muito cedo, quando um jovem veio procurá-lo e disse: Pastor, desculpe
incomodá-lo a esta hora, mas temos um assunto urgente para resolver.
O
Pastor respondeu: A esta hora estou em oração, mas logo que puder eu vou. Ao
ouvir isso, o jovem responde: Então... se está em
oração.... se não tem nada que fazer...
Não
será este o pensamento de Marta? O importante é actuar. Estar com o Senhor em
oração não conta, é o menos importante. Vamos todos trabalhar. Agora não há
tempo para oração. Depois pensamos nisso.
Quando
dizemos que a reunião do Conselho da Comunidade ou a Assembleia da Igreja ou o
Sínodo correu bem, se perguntarmos porque é que correu bem, normalmente as
respostas que ouvimos são: Correu tudo bem porque todos os relatórios foram
aprovados, as contas estavam certinhas, houve bons alojamentos para todos... a comida estava óptima....
Será
que a mentalidade de Marta já passou à história, ou ainda permanece nos nossos
dias?
Certamente
que tudo isso é importante. O serviço de Marta é importante, é imprescindível
nas igrejas dos nossos dias.
Mas,
há tempo para tudo. Tempo para estar com Jesus e tempo para servir a Jesus.
Esta
sequência é muito importante e não pode ser invertida. Não podemos começar por
servir ao Senhor, sem primeiro o ouvir.
Se
queremos ser crentes eficientes, primeiro temos de estar com Jesus, ouvir os
seus ensinos, compreender os seus métodos de trabalho, receber as suas
instruções, porque só depois disso, estaremos aptos para trabalhar para ele.
O
grande perigo, não só da IEPP, mas duma maneira geral, das igrejas dos nossos
dias é a mentalidade de Marta.
É o
perigo de nos transformarmos em Martas com muita actividade e pouca dependência
do Senhor.
É
essa mentalidade que pode levar as igrejas a esquecer a pregação do genuíno
Evangelho, para se transformarem em instituições de solidariedade social.
Certamente
que a Igreja não pode ser indiferente aos problemas sociais, mas essa não é a
sua principal função. A principal função da Igreja, que está um pouco esquecida
nos nossos dias, é a proclamação da mensagem do Evangelho, é a mensagem de que
o homem está perdido e condenado à eterna destruição (eles já contam com isso),
mas que a solução não está nos sistemas económicos, não está no acumular das
riquezas, nem está nas igrejas, mesmo nas igrejas evangélicas.
Todas
as nossas igrejas falham, e cometem graves erros... Elas não são a solução,
pois somente Jesus Cristo é a solução.
Até
que o Senhor volte, haverá sempre Marias e haverá sempre Martas, e graças a
Deus pelas duas. É bom que cada um de nós tenha um pouco de Maria e um pouco de
Marta, pois a igreja necessita das duas.
Geralmente
as pequenas missões, têm-se mantido afastada dos vários problemas das igrejas
que roubam muito tempo aos crentes, por vezes até com certo prejuízo dos
cultos, quando estes são encurtados e o mais grave é quando após os cultos, a
atenção dos crentes é desviada pelos vários anúncios de assuntos a tratar e os
crentes terminam o culto, não a pensar na mensagem que ouviram, mas a apensar
nos vários assuntos que têm de resolver... Penso que é um mal necessário, pois
há sempre trabalhos que têm de ser feitos, mas devemos estar atentos para não
nos acontecer como aconteceu a Marta, para não nos deixarmos absorver pelos
vários assuntos a tratar a ponto de prejudicarmos a nossa comunhão com o
Senhor.
É
por isso, que quando dirijo um culto, prefiro fazer os anúncios, tirar a
colecta e tratar de todos os assuntos primeiro, deixando a pregação para o fim.
Depois
da pregação só deve haver a oração de encerramento e um hino apropriado à
mensagem, para que possamos sair do culto a pensar na Palavra do Senhor e não
nos vários assuntos a tratar.
Devemos
defender intransigentemente que a mentalidade de Maria continue a ser a
principal, sem descurar os trabalhos de Marta.
Mas
vejamos a atitude de Marta quando disse: Senhor, não te preocupa que a minha
irmã..... Há geralmente uma certa tendência dos crentes tipo Marta julgarem que
o seu trabalho é o mais importante. Marta não compreendeu a atitude de Maria e
tentou converter Maria à sua mentalidade, pois para ela, só o trabalho material
é que contava.
Marta
é o tipo de crente que dá nas vistas... poderá ser até o presbítero ou o pastor
que é responsável por isto e por aquilo e mais aquilo, é o “crente
indispensável” que acumula todos os cargos possíveis, que corre para cá e para
lá e nunca tem tempo para nada, nem mesmo para orar...
Muitas
vezes, não tanto por culpa dele próprio, mas as circunstâncias e a falta de
colaboração dos outros, podem transformar-nos em Martas, acumulando-nos com
responsabilidades a ponto de nos roubar o tempo para estar a sós com o Mestre e
compreender as suas prioridades.
Quantas
pessoas há nas igrejas, que apresentam trabalho eficiente e útil sob o aspecto
material, mas que são incapazes de dirigir uma oração ao Senhor.
Situação
bem triste, pois afinal, toda a Igreja beneficia do trabalho desse tipo de
crentes continuando eles próprios em pobreza espiritual por falta de tempo para
estar com Jesus.
Esta
passagem mostra, que não é só o pecado que nos pode afastar de Jesus.
Muitas
vezes, pode acontecer-nos como aconteceu a Marta em que foram os próprios
trabalhos que ela fazia para Jesus, que a impediram de estar com o Mestre.
Mas
qual será o significado da afirmação de Jesus de que Uma só coisa é necessária?
Será
que as outras coisas não eram necessárias?
Penso
que Jesus, com essa expressão, queria realçar a suprema necessidade da proclamação
do Evangelho.
Há
muitas coisas que são boas.... e
são lícitas: A saúde, o dinheiro, a posição social, a
prosperidade, tudo isso é bom e é lícito. Não há mal nenhum nisso.
Mas,
há muitos que vivem sem ter saúde, sem ter o dinheiro necessário e sem terem
uma vida próspera.
Não
devemos ser indiferentes a essas necessidades, mas o que não podemos é
considerá-las prioritárias em relação à pregação do Evangelho.
A
Graça de Deus e a salvação de Jesus é a maior prioridade.
A
princípio isto pode levantar algumas dúvidas, mas à medida que os anos vão
passando, por mais que se faça, os cabelos brancos aparecem, a saúde vai
enfraquecendo, o dinheiro acaba-se, ou pelo menos diminui, a posição social
também se acaba quando chegamos à idade da aposentação e quando já velhos, não
podemos trabalhar, não podemos pensar em prosperidade, mas a salvação de Jesus,
essa nunca acaba.
Não
será essa a única coisa necessária? As outras são lícitas, mas são secundárias.
A salvação de Jesus é a única coisa que é prioritária.
Há
um ditado popular que diz que nada levaremos deste mundo,.... mas penso que não é verdade.
A
salvação de Jesus, essa permanece para sempre. Essa levaremos
connosco, pois foi o Mestre que assim o prometeu.
Podemos
dizer que ambas as actividades, de Maria e de Marta, são necessárias, mas se
queremos ser crentes conscientes, crentes adultos espiritualmente, crentes
úteis à igreja, temos de nos preocupar com ambas as actividades, mas, como já
dissemos, há uma sequência que é muito importante:
Primeiro
devemos acompanhar Maria, devemos sentar-nos aos pés de Jesus, para ouvir o
Mestre, pois sem ele, nada de útil poderemos fazer.
O
mal de Marta, não foi o facto de trabalhar para Jesus, mas o facto de ter
tentado ser útil sem primeiro tentar compreender o que o Mestre queria dela.
Trabalhar
para Jesus sem primeiro o ouvir, apesar de toda a nossa boa vontade, certamente
que nos levará a servi-lo de acordo com os métodos deste mundo, que nem sempre
são válidos no Reino de Deus.
Há
uma diferença básica entre a visão do homem secularizado e a visão do crente.
O
homem secularizado, o homem do nosso tempo, regula-se pelo que se chama a
deificação da mente humana, pois em última instância, é o seu raciocínio que
decide o que deve fazer. Embora possa ponderar toda a informação que lhe chega,
do que aprendeu, da mensagem de Jesus e da sua experiência, as instruções do
Mestre estão em pé de igualdade com muita outra informação e é somente o seu
raciocínio que decide o que fazer.
O
crente, não pode, nem deve de maneira alguma,
prescindir do seu raciocínio, pois este não só, é criação do Senhor, como a
própria Bíblia nos incentiva a servir ao Senhor com todo o nosso coração, toda
a nossa alma, todas as nossas forças e todo o nosso entendimento.
Mas
o homem natural necessita dum novo nascimento, duma nova maneira de pensar,
pelo que primeiro temos de compreender o pensamento de Jesus, para podermos
actuar em sintonia com os seus pensamentos, para podermos falar como ele deseja
e como ele falaria se estivesse fisicamente presente. Temos de nos tornar.... mais parecidos com
Jesus, se queremos ser úteis no seu Reino.
Para
terminar, podemos dizer que a mentalidade de Marta continua bem viva nos nossos
dias, sempre que nos preocupamos demasiado com o que Deus quer fazer por nós,
quer fazer por nosso intermédio, julgando-nos preparados para o servir e
ignoramos o muito que Deus tem de fazer previamente em nós, para que possamos
ter alguma utilidade na sua obra.
Espero
que não me levem a mal, se lhes disser que,.... o que Deus quer fazer em nós, deve ser sempre muito mais
importante do que aquilo Deus quer fazer por nosso intermédio.
Se
queremos ser úteis no serviço do Mestre, que possamos em primeiro lugar
implorar ao Senhor que nos conceda a todos nós, a compreensão necessária do seu
pensamento, da sua vontade, que nos conceda o novo pensamento, a nova
mentalidade e que possa purificar e aumentar as nossas capacidades
intelectuais, para que possam estar ao seu serviço, para que possa surgir uma
nova igreja em que Jesus não seja somente um símbolo do passado, mas que seja o
verdadeiro dirigente e orientador de cada um dos seus membros.
Marinha
Grande, Portugal
Abril
de 1999
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