Decreto-Lei
134/2003 (28 de Junho)
Registo das pessoas colectivas religiosas
A Lei da Liberdade Religiosa, que foi aprovada pela
Lei nº 16/2001, de 22 de Junho, prevê a publicação de diplomas que regulamentem
o registo das pessoas colectivas religiosas e a Comissão da Liberdade
Religiosa.
O XV Governo Constitucional, em cumprimento do seu
Programa, deu início ao procedimento legislativo conducente à regulamentação do
registo das pessoas colectivas religiosas.
No que se refere à questão do organismo competente,
entendeu-se como mais adequado enquadrá-lo na Direcção-Geral dos Registos e do
Notariado, do Ministério da Justiça, tendo em conta a seriedade e a dignidade
atribuídas a este sistema de registos. Por outro lado, considerando o número de
entidades a registar e o tipo de informação aí contida, o registo das pessoas
colectivas religiosas deve ser inserido no Registo Nacional de Pessoas
Colectivas.
Foi prestada especial atenção à protecção dos dados do
registo, nomeadamente os relativos às pessoas individuais. Adoptou-se, por
isso, o regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, permitindo o acesso à
informação patrimonial nos termos desse regime e proibindo a transmissão dos
dados a terceiro, salvo autorização prévia escrita do director-geral dos
Registos e do Notariado.
Foi também estabelecida a regra de que a recusa da
inscrição por violação dos limites constitucionais da liberdade religiosa só
pode ser decidida após emissão de parecer vinculativo da Comissão da Liberdade
Religiosa.
Os procedimentos necessários à concretização do
registo das pessoas colectivas religiosas já em curso aconselham que a entrada
em vigor do presente diploma ocorra no último trimestre do ano em curso, de
modo que, por um lado, as diversas pessoas colectivas religiosas possam
adaptar-se ao novo regime e, por outro, que sejam finalizadas e testadas as
aplicações necessárias ao sistema.
Neste contexto, o Governo aprovará também o diploma
que regulamenta a Comissão da Liberdade Religiosa, organismo fundamental para
um correcto funcionamento do sistema ora instituído e já previsto na citada Lei
da Liberdade Religiosa.
No que se refere à tributação emolumentar,
a regular em decreto-lei de revisão do Regulamento Emolumentar
dos Registos e do Notariado actualmente em vigor, pretende-se reduzir a metade
os valores normalmente cobrados, atendendo ao interesse público no registo das
entidades em causa, cuja tutela especial do Estado se funda no direito à
liberdade religiosa constitucionalmente consagrado.
O regime transitório, de grande importância para
centenas de associações religiosas, orientou-se pelo respeito das situações
estabelecidas previamente à Lei nº 16/2001, de 22 de Junho. Deste modo, é
mantida a personalidade jurídica das associações actualmente registadas nos
governos civis ou na Secretaria-Geral do Ministério da Justiça. Estas
associações devem apenas requerer a conversão do seu registo no prazo de três
anos a contar da entrada em vigor deste diploma. Decorrido este prazo, serão
extintos os serviços de registo de associações religiosas não católicas nos
governos civis e na Secretaria-Geral do Ministério da Justiça.
Foram consultadas diversas confissões e associações
religiosas.
Foram ainda ouvidas a Comissão Nacional de Protecção
de Dados e a Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas.
Assim:
Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 198º da
Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Objecto e âmbito pessoal do registo
Artigo 1º
Objecto
1 — É criado o registo de pessoas colectivas
religiosas (RPCR), no âmbito da competência funcional do Registo Nacional de
Pessoas Colectivas (RNPC).
2 — O registo de pessoas colectivas religiosas é
constituído por uma base de dados informatizados contendo informação organizada
e actualizada destinada à identificação das entidades religiosas e à
publicitação da sua situação jurídica.
3 — Sem prejuízo do disposto no nº 1 do artigo 20º, a
inscrição no RPCR tem por efeito a atribuição de personalidade jurídica.
Artigo 2º
Âmbito pessoal do registo
Podem inscrever-se no RPCR:
a) As igrejas e demais comunidades religiosas de
âmbito nacional ou, em sua vez, as organizações representativas dos crentes
residentes em território nacional;
b) As igrejas e demais comunidades religiosas de
âmbito regional ou local;
c) Os institutos de vida consagrada e outros
institutos, com a natureza de associações ou de fundações, fundados ou
reconhecidos pelas pessoas colectivas referidas nas alíneas a) e b) para a
prossecução de fins religiosos;
d) As federações ou as associações de pessoas
colectivas referidas nas alíneas anteriores.
CAPÍTULO II
Requisitos e formalidades de inscrição
Artigo 3º
Requisitos gerais de inscrição no registo
O pedido de inscrição no registo é formalizado por
escrito e instruído com os estatutos da entidade requerente e qualquer outra
documentação que permita inscrever:
a) O nome, que deve permitir distingui-la de qualquer
outra pessoa colectiva religiosa existente em Portugal;
b) A constituição, instituição ou estabelecimento em
Portugal da organização correspondente à igreja ou comunidade religiosa ou o
acto de constituição ou fundação e, eventualmente, também o de reconhecimento
da pessoa colectiva religiosa;
c) A sede em Portugal;
d) Os fins religiosos;
e) Os bens ou serviços que integram ou devem integrar
o património;
f) As disposições sobre formação, composição,
competência e funcionamento dos seus órgãos;
g) As disposições sobre a extinção da pessoa
colectiva;
h) O modo de designação e os poderes dos seus
representantes;
i) A identificação dos titulares dos órgãos dirigentes
em efectividade de funções e dos representantes e a especificação da
competência destes últimos.
Artigo 4º
Inscrição de igrejas ou comunidades religiosas
A inscrição das igrejas ou comunidades religiosas de
âmbito nacional, ou de âmbito regional ou local quando não sejam criadas ou
reconhecidas pelas anteriores, é instruída adicionalmente com prova documental:
a) Dos princípios gerais da doutrina e da descrição
geral de prática religiosa e dos actos de culto e, em especial, dos direitos e
deveres dos crentes relativamente à igreja ou comunidade religiosa, devendo
ainda ser apresentado um sumário de todos estes elementos;
b) Da sua existência em Portugal, com especial
incidência sobre os factos que atestam a sua presença social organizada, a
prática religiosa e a duração em Portugal.
Artigo 5º
Inscrição de organização representativa dos crentes
residentes em território nacional
1 — As igrejas e comunidades religiosas que tenham
âmbito supranacional podem instituir uma organização representativa dos crentes
residentes no território nacional, que requererá a sua própria inscrição no
registo, em vez da inscrição da parte da igreja ou comunidade religiosa
existente no território nacional.
2 — A inscrição está sujeita às mesmas condições da
inscrição de igrejas ou comunidades religiosas de âmbito nacional.
Artigo 6º
Registo de radicação no País
1 — A qualificação de uma igreja ou comunidade
religiosa como radicada no País, através de atestado emitido pelo Ministro da
Justiça, é averbada à respectiva inscrição de pessoa colectiva religiosa.
2 — O averbamento a que se refere o número anterior é
pedido pela entidade interessada através de requerimento escrito instruído com
o atestado referido no número anterior.
Artigo 7º
Diligências instrutórias complementares
1 — No caso de o requerimento de inscrição estar
insuficientemente instruído, o requerente é notificado para suprir as faltas no
prazo de 60 dias.
2 — Com vista à prestação de esclarecimentos ou de
provas adicionais, o requerente pode ser notificado para uma audiência da
Comissão da Liberdade Religiosa, especificando-se a matéria e a ordem de
trabalhos.
3 — Qualquer das notificações previstas nos números
anteriores deve ser feita no prazo de 90 dias após a recepção do requerimento
de inscrição.
Artigo 8º
Parecer da Comissão da Liberdade Religiosa
O RNPC pode requerer à Comissão da Liberdade Religiosa
a emissão de parecer sobre qualquer requerimento de inscrição de pessoa
colectiva religiosa no RPCR que lhe ofereça dúvidas de admissibilidade.
Artigo 9º
Recusa de inscrição
1 — A inscrição no RPCR só pode ser recusada por:
a) Falta dos requisitos legais;
b) Falsificação de documento;
c) Violação dos limites constitucionais da liberdade
religiosa.
2 — A intenção de recusa de inscrição é comunicada
pelo RNPC à entidade requerente, acompanhada dos fundamentos da recusa, para
que esta se pronuncie, querendo, no prazo de 30 dias.
3 — A intenção de recusa de inscrição fundada na
aplicação do número anterior é comunicada pelo RNPC, de modo fundamentado e
acompanhada da oposição do requerente, quando esta exista, à Comissão da
Liberdade Religiosa, só podendo ser proferida decisão definitiva da inscrição
após a emissão de parecer, vinculativo, por parte daquela entidade.
Artigo 10º
Obrigatoriedade da inscrição
1 — Decorrido o prazo de um ano sobre a apresentação
do requerimento de inscrição sem que esta última tenha sido efectuada e sem que
o requerente tenha sido notificado por carta registada da sua recusa, a
inscrição é obrigatoriamente efectuada, a título oficioso.
2 — O prazo referido no número anterior, no caso da
inscrição de igrejas ou comunidades religiosas ou de respectiva organização
representativa, é suspenso pelo prazo do suprimento das faltas ou da audiência
previsto no artigo 7º
Artigo 11º
Modificação dos elementos da inscrição
1 — As modificações dos elementos da inscrição da
pessoa colectiva religiosa devem ser comunicadas ao registo através de
requerimento escrito e no prazo de 90 dias a contar da sua verificação.
2 — O RNPC pode averbar oficiosamente as modificações
dos elementos da inscrição que não lhe tenham sido comunicados no prazo
referido no número anterior.
3 — Da intenção de averbamento oficioso será dado
conhecimento à pessoa inscrita a fim de que esta se possa pronunciar, no prazo
de 30 dias.
Artigo 12º
Extinção das pessoas colectivas religiosas
1 — A extinção da pessoa colectiva religiosa implica o
cancelamento da inscrição no respectivo registo.
2 — A extinção da pessoa colectiva deve ser comunicada
ao RPCR, aplicando-se o disposto no artigo anterior.
CAPÍTULO III
Actos de registo
Artigo 13º
Termos em que são feitos os registos
1 — As inscrições e os averbamentos são efectuados por
extracto.
2 — Sempre que a extensão das menções a efectuar o
justifique, o extracto do registo pode remeter, por forma parcial ou total,
para os documentos depositados que servem de base àquele.
Artigo 14º
Depósito
1 — Nenhum acto sujeito a registo pode ser lavrado sem
que os respectivos documentos se encontrem depositados na pasta própria.
2 — A omissão ou a deficiência da inscrição ou
averbamento não prejudica os efeitos atribuídos por lei ao registo desde que o
depósito dos respectivos documentos esteja efectuado.
CAPÍTULO IV
Identificação
Artigo 15º
Número de identificação
Às pessoas colectivas religiosas inscritas no RPCR é
atribuído pelo RNPC um número de identificação próprio, aplicando-se o disposto
nos artigos 13º a 15º do regime do RNPC, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 129/98, de 13 de Maio, com as devidas adaptações.
Artigo 16º
Cartão de identificação
A emissão de cartão de identificação das pessoas
colectivas religiosas rege-se, com as necessárias adaptações, pela legislação
específica relativa à emissão de cartão de identificação fiscal de pessoa
colectiva ou entidade equiparada.
CAPÍTULO V
Denominações
Artigo 17º
Admissibilidade de denominações
1 — A admissibilidade das denominações das pessoas
colectivas religiosas rege-se, com as necessárias adaptações, pelos princípios
gerais e pelas regras especiais constantes dos artigos 32º a 35º e 36º, nº 3,
do regime do RNPC.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, deve
entender-se como referido ao RPCR o registo previsto no nº 1 do artigo 35º do
mesmo regime.
3 — São igualmente aplicáveis, com as necessárias
adaptações, as regras do regime referido nos números anteriores relativas à
informação sobre viabilidade de denominação e reserva de denominação, bem como,
nos casos de entidades cuja constituição seja formalizada em acto público
previamente ao registo no RPCR, as regras do mesmo regime que regulam o certificado
de admissibilidade de denominação.
4 — O uso da denominação por parte das pessoas
colectivas religiosas inscritas no RPCR está sujeito ao artigo 60º, à alínea b)
do nº 1 do artigo 61º e ao artigo 62º do regime referido nos números
anteriores, aplicáveis com as necessárias adaptações.
CAPÍTULO VI
Protecção e comunicação dos dados
Artigo 18º
Protecção e comunicação de dados
1 — Os dados constantes do RPCR estão sujeitos ao
previsto nos artigos 21º a 31º do regime do RNPC, com as devidas adaptações e
salvo o disposto nos números seguintes.
2 — Sem prejuízo do acesso, para efeitos fiscais, à
informação de natureza patrimonial nos termos da alínea a) do artigo 21º do
regime do RNPC, os dados comunicados não podem ser transmitidos a outros
terceiros, salvo interesse especialmente atendível e mediante autorização
escrita do director-geral dos Registos e do Notariado, ouvida a Comissão da
Liberdade Religiosa.
3 — A Comissão da Liberdade Religiosa beneficia de
especial prioridade na comunicação de dados que sejam requeridos no cumprimento
das atribuições daquela entidade, nomeadamente através do estabelecimento de
linha de comunicação de dados ou através de cedência regular de cópias parciais
da base de dados informatizados do RPCR.
4 — O estabelecimento de linha de comunicação de dados
ou a possibilidade de cedência regular de cópias parciais da base de dados
informatizados do RPCR depende da celebração de protocolo entre a
Direcção-Geral dos Registos e do Notariado e a Comissão da Liberdade Religiosa
e do envio de cópia deste à Comissão Nacional de Protecção de Dados.
CAPÍTULO VII
Disposições finais e transitórias
Artigo 19º
Direito subsidiário
São aplicáveis ao RPCR, com as necessárias adaptações
e na medida do indispensável ao preenchimento das lacunas da regulamentação
própria, as disposições do regime do RNPC e as normas aplicáveis ao registo
comercial que não sejam contrárias aos princípios enformadores do presente
diploma.
Artigo 20º
Registos e requerimentos de registo anteriores à
vigência deste regime
1 — As confissões religiosas e as associações
religiosas não católicas inscritas nos governos civis ou na Secretaria-Geral do
Ministério da Justiça em momento anterior ao do início de vigência da Lei n.o 16/2001, de 22 de Junho, conservam a sua personalidade
jurídica.
2 — As confissões religiosas e as associações
religiosas não católicas referidas no número anterior podem requerer a sua
conversão em pessoa colectiva religiosa, verificando-se o preenchimento dos
requisitos previstos, no prazo de três anos desde a entrada em vigor do
presente diploma.
3 — O requerimento de conversão é dirigido aos
governos civis ou à Secretaria-Geral do Ministério da Justiça, que, verificando
o preenchimento dos requisitos legais, o remete oficiosamente ao RNPC,
acompanhado do processo respectivo.
4 — Decorrido o prazo referido no nº 2 sem que a
conversão tenha sido requerida pela forma e sob as condições previstas nos
números anteriores, os governos civis e a Secretaria-Geral do Ministério da
justiça remetem ao RNPC o processo respeitante à inscrição da entidade
religiosa naquele serviço, constituído por cópias certificadas dos registos
lavrados e pelos documentos que serviram de base a estes últimos, a fim de a
mesma entidade ser oficiosamente inscrita no ficheiro central de pessoas
colectivas, se antes o não tiver sido, nos termos regulados pelo regime do
RNPC.
5 — Passado o prazo previsto no nº 2, é extinto o
actual registo de confissões religiosas e associações religiosas não católicas
do Ministério da Justiça.
Artigo 21º
Emolumentos
Pelos actos praticados no RNPC no âmbito do RPCR são
devidos os emolumentos fixados no regulamento respectivo.
Artigo 22º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia 1 de Dezembro
de 2003.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 14 de
Maio de 2003. —José Manuel Durão Barroso — Maria
Manuela Dias Ferreira Leite — João Luís Mota de Campos— Nuno Albuquerque Morais
Sarmento.
Promulgado em 13 de Junho de 2003, na ilha das Flores,
Açores.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 18 de Junho de 2003.
O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.