Padres podem casar? (CC)

Tentando compreender o celibato clerical

(Poderá “clicar” nas referências bíblicas e passagens sublinhadas a azul para ter acesso aos textos, mas aconselhamos a consulta de várias traduções)

 

 

1 – Introdução

Sobre o celibato, já tenho nesta minha página na internet, o artigo Celibato clerical (CC) publicado em Outubro de 2018, mas apesar de eu não ser católico romano, alguns visitantes da minha página, também me têm feito perguntas sobre este assunto, nomeadamente sobre a abolição ou a continuidade do celibato na Igreja Católica Romana, pelo que procurei investigar melhor o assunto do celibato num contexto de teologia.

Julgo oportuno dizer que me considero cristão, e aceito como inspirado e normativo somente o Novo Testamento, excepto o Apocalipse que foi rejeitado por muitas igrejas do primitivo cristianismo e foi integrado no cânon neotestamentário só no século V na última reunião do Concílio de Cartago, como afirmo no meu artigo Apocalipse e o Cânon neotestamentário (CC) Valorizo mais a opinião do primitivo cristianismo que as decisões dos papas de épocas posteriores. Assim, o que devemos questionar não é, se a Igreja Católica Romana deve ou não, abolir o celibato dos seus clérigos, mas se o Celibato Clerical terá fundamento nos ensinos de Cristo e esteve em vigor no primitivo cristianismo, ou se foi uma decisão da Hierarquia Católica Romana.

Talvez eu possa identificar-me como católico, segundo o seu significado etimológico, pois católico significa geral, ou universal, visto que sou crente em Cristo, mas não estou ligado a nenhuma igreja. Assim, poderei considerar-me católico, mas não católico romano, pois não encontro fundamento teológico para a infalibilidade do Papa e alguns dos seus dogmas.

 

Acabo de ler o livro “Do fundo dos nossos corações”, do Cardeal Robert Sarah que afirma logo na Introdução (pag 6):

Enquanto bispos, somos portadores da solicitude de todas as igrejas. Com um grande desejo de paz e de unidade, oferecemos portanto a todos os nossos irmãos, sacerdotes e fiéis leigos do mundo inteiro o benefício das nossas conversas.

Fazemo-lo num espírito de amor pela unidade da Igreja. Se a ideologia divide, a verdade une os corações. Perscrutar a doutrina da salvação só pode unir a Igreja em torno do seu Divino Mestre.

 

 

2 – Qual a base da nossa teologia?

Tentei compreender a posição teológica do Cardeal Robert Sarah no seu livro Do Fundo Dos Nossos Corações, mas vejo que este (e não sei se também o ex-Papa Joseph Ratzinger), se baseiam nas conclusões dos Concílios e declarações dos vários Papas da história e não propriamente nos ensinos de Jesus, transmitidos por Ele, quer directamente, quer por intermédio dos apóstolos, ensinos que estão registados no Novo Testamento.

Certamente que respeito essa opção do Cardeal Robert Sarah, que não é a minha base de reflexão, pois aceito como normativa somente a mensagem de Jesus, apresentada quer directamente ou através dos seus apóstolos, e até compreendo que antigamente o catolicismo romano proibisse ou dificultasse a leitura da Bíblia, pois no Velho (ou Antigo) Testamento encontramos fundamento para o racismo, escravatura, forte discriminação da mulher, pena de morte por motivos religiosos etc. e há passagens que Jesus não aceitou ou corrigiu o Velho Testamento, como vemos em Mateus 05:21/46 Quem não conhecer essas passagens do Velho Testamento, poderá dar uma olhada em Algumas leis do Velho Testamento. Mas o estudo do Velho Testamento é útil para se conhecer o contexto cultural em que Jesus nasceu e assim melhor entender a sua mensagem.

Para compreender os que defendem o celibato clerical nos nossos dias, penso que teremos de meditar um pouco “a montante” do assunto e investigar em que baseiam os seus argumentos a favor do celibato, a que já me referi no meu primeiro artigo sobre o assunto.

Não tenho dúvidas de que o celibato clerical do Catolicismo Romano tenha fundamento nos vários Concílios da Igreja Católica Romana, mas vejo que o autor do livro Do Fundo Dos Nossos Corações, também menciona algumas passagens bíblicas neotestamentárias em defesa da sua posição, mas não se preocupa com o seu desenvolvimento e nem sempre são passagens didáticas, omitindo outras passagens, bem claras, sobre este assunto, que iremos também examinar.

Possivelmente o Cardeal Robert Sarah, como Cardeal, portanto “quase infalível” de acordo com as suas tradições, não sente necessidade de demonstrar as suas afirmações, apresentando somente as passagens que mais se adaptam às suas ideias, omitindo outras que as contrariam, o que seria tolerável numa homilia apresentada na sua igreja local, mas não num livro que é publicado e cuja leitura está à disposição de todos.

Há outro assunto, também muito importante, para se compreender a defesa do celibato clerical, que é o significado teológico do clero.

Será que o clérigo dos nossos dias continua a ser o mesmo que o sacerdote veterotestamentário?

Isso poderá ser o assunto dum dos próximos artigos.

 

 

3 – Situação da mulher no contexto histórico em que Jesus viveu

Antes de pegar propriamente no assunto do celibato clerical, julgo oportuno investigar a situação da mulher no Velho Testamento, situação que Jesus encontrou no contexto cultural em que nasceu.

Segundo nos informa o historiador Joaquim Jeremias (a), a mulher nessa época, não participava da vida pública e quando saía de casa trazia o rosto escondido por um véu e devia passar despercebida. As “boas regras de educação” proibiam que um homem se encontrasse sozinho com uma mulher, ou olhasse para uma mulher casada, ou a cumprimentasse.

A mulher era também fortemente discriminada no Velho Testamento, a ponto de não poder entrar na parte central do Templo de Jerusalém, pois não podia ir além do Pátio das mulheres, ao lado do Pátio dos estrangeiros. Em 1871 os arqueólogos descobriram a inscrição que proibia a entrada de gentios no Templo de Jerusalém, sendo punidos com a pena de morte em caso de transgressão desta lei. (b)

Era esta aproximadamente a cultura veterotestamentária que Jesus encontrou quando iniciou a sua pregação. Digo “aproximadamente”, pois a civilização, tal como hoje a concebemos, já tinha chegado a Israel com a colonização romana, onde já havia liberdade de religião e não era permitida a pena de morte por motivos religiosos.

Claro que a tradição veterotestamentária tão arreigada, de desprezo e desvalorização da mulher, não podia mudar dum dia para o outro. 

Um dos aspectos mais chocantes para nós, cristãos, que não tem sido mencionado, encontra-se logo no início do Novo Testamento. Tanto Mateus como Lucas, mencionam o nascimento virginal de Jesus, mas não nos apresentam a sua verdadeira genealogia.

Certamente que, numa cultura em que não se podia cumprimentar nem olhar para uma mulher, seria um escândalo investigar a sua genealogia. Assim, ambos os evangelistas limitam-se a apresentar a genealogia de José.

Temos todo o respeito e admiração por José, que até nos levou a escrever o artigo José o carpinteiro (CC), mas se ele não foi o pai biológico de Jesus, que nos interessa a sua genealogia?! Será que essa informação foi apresentada pelos evangelistas pensando que assim dariam mais aceitação e credibilidade aos seus evangelhos, evitando o que seria o escândalo, nessa cultura, de investigar a genealogia duma mulher?!

Nesse contexto cultural, os judeus davam grande importância à genealogia e sobre este assunto havia registos centenários arquivados no Templo de Jerusalém.

Mas José, sendo descendente do rei David, trabalhava como carpinteiro?! Certamente que a profissão de carpinteiro era uma profissão prestigiada nessa cultura, pois a madeira era considerada material nobre, raro e caro. Mas não deveria José, ter alguma função mais prestigiada no Templo de Jerusalém?!  Será que este desprezo pela mulher, que vigorou por toda a idade média e realça os seus defeitos, considerando-a como um mal necessário, ainda se mantém e está como que subentendido no que li sobre o celibato clerical?!

Geralmente fala-se nos perigos da abolição do celibato como se a esposa do clérigo fosse um sério problema. (c). Certamente que uma má esposa de clérigo pode ser um problema para a Igreja, mas não me lembro de mencionarem o que elas poderão fazer para ajudar as igrejas.  

Julgo que uma hipótese a estudar seria as igrejas terem uma palavra a dizer para aceitar as mulheres que tivessem vocação e preparação para serem esposa de clérigo. No século passado no Seminário da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal havia um curso de teologia vivamente aconselhado às esposas de pastor. Infelizmente esse Seminário já não funciona, mas há ainda respeitáveis viúvas desses pastores do século passado, que fizeram um bom trabalho e ainda colaboram, por vezes como pregadoras, o que, numa Igreja Protestante, que aceite o sacerdócio universal, não é de estranhar que a esposa do pastor dê o exemplo em especial às outras mulheres.

Mas apesar da marginalização da mulher no Velho Testamento, havia já alguns indícios de que alguma coisa iria mudar, como vemos em Joel 2:28/29 cerca do ano 400 antes de Cristo, que o Apóstolo Pedro menciona em Actos 2:14/18.

Podemos imaginar o escândalo que seria nesse contexto cultural em que Deus estava de certa maneira refém duma complicada burocracia, pois deveria primeiro transmitir a sua mensagem ao sumo-sacerdote que depois a iria transmitir aos sacerdotes e só muito mais tarde a mensagem talvez chegasse aos mais humildes levitas em contacto com o povo de Israel.

Nessa altura Deus falava por um pescador chamado Pedro que se dirigia a todos. Mas há aqui pormenores que nos passam despercebidos, pois foram de certa forma “atenuados” nas nossas traduções. Numa sociedade em que o pai de família era senhor absoluto, Deus podia falar pelos filhos e até pelas filhas, mas também pelos anciãos ou pelos servos e servas como está na maior parte das traduções. Mas noutras traduções como na Bíblia de Frederico Lourenço está escravos e escravas. Deus até podia falar por qualquer humilde escrava aos grandes patriarcas. Suponho que a palavra em grego tenha os dois significados.

Era o desmoronar completo de toda a antiga teologia, com todas as consequências não só teológicas como sociais e económicas. O Deus Único, o Altíssimo, que no Velho Testamento, de longe só avistava o povo ou a tribo, decide aproximar-se dos seus eleitos para ver o indivíduo isolado.

Claro que não foi fácil abandonar a antiga cultura veterotestamentária, o que julgo ainda estar em curso. Noto isso até na arquitectura das antigas igrejas e das novas.

Nas antigas igrejas (refiro-me ao edifício), há uma zona mais elevada, por vezes com um gradeamento a separar o lugar do clero do lugar ocupado pelos leigos em nível inferior. Isso acontece, tanto nas igrejas católicas como em muitas igrejas protestantes, onde geralmente há uns degraus a separar o lugar dos leigos do lugar onde fica o púlpito e se assentam os pastores, presbíteros ou diáconos.

Mas noto que vinte séculos depois de Cristo, a arquitectura dos templos está a mudar, pelo menos em Portugal. Penso vir a escrever um artigo sobre este assunto, a influência da arquitectura do templo cristão.

 

 

4 –Informação bíblica disponível sobre o casamento ou celibato sacerdotal     

Penso que, para se compreender as diferentes opiniões, teremos de investigar um pouco a “montante” e ver em que se baseiam, pois as conclusões dependem do “alicerce” da nossa fé.

Será possível aceitar como normativas todas as leis da Bíblia, dos vários Concílios através dos tempos e todas as decisões dos Papas?!

Se entre mandamentos que tratem do mesmo assunto, dermos prioridade aos mais recentes, a Bíblia ficará no fim por ser a mais antiga.

Eu não prescindo de colocar, não toda a Bíblia, mas a Palavra de Jesus sempre em primeiro lugar. Sobre este assunto tenho o meu artigo Dogma evangélico e protestante (CC)    

Um dos aspectos que me separa do Catolicismo Romano é a infalibilidade do Papa em que não acredito, e o que me separa do Protestantismo é a inspiração de toda a Bíblia que consideram infalível e normativa do Génesis ao Apocalipse. Não posso colocar a palavra de Jesus, quer directamente quer através dos apóstolos, ao mesmo nível da palavra dos profetas veterotestamentários.

Muitos crentes, quer católicos, protestantes ou evangélicos, não sabem bem o que era o sacerdote veterotestamentário pois essas passagens geralmente não são divulgadas nas igrejas e certamente que não constam dos leccionários nem dos “Planos de leitura da toda a Bíblia em x anos”.

 

4.1 – No Velho Testamento

Será correcto procurar no Velho Testamento normas para o sacerdote cristão? O sacerdote dos nossos dias será o mesmo que o sacerdote do Velho Testamento, quando a poligamia era aceite com naturalidade? Não foi esse o exemplo que nos deixaram quase todos os que consideramos os grandes exemplos veterotestamentários?!

Mas vejamos as condições para que o sacerdote levita pudesse aproximar-se do altar do sacrifício. Levítico 21:16/23 Tinha de obedecer a todas estas condições físicas, mas nada se diz sobre as suas qualidades morais e sua ética, desde que fosse descendente de Aarão. Eu prefiro identificar-me com Cristo que se identificava com os pobres e doentes, que curou cegos, tocou em leprosos tornando-se assim também imundo segundo a Velha Lei de Moisés, mas escorraçou os sacerdotes em João 02:13/16

O sacerdote veterotestamentário tinha de obedecer a todas estas condições físicas, mas parece que podia ser um grande malandro.

Se o Velho Testamento também se aplica aos nossos dias, então todas estas leis que Jesus ignorou, também continuam válidas?! Ou será que ainda estamos sob a maldição da Lei? Gálatas 3:13 

 

Logo no livro de Génesis, que na nossa tradição, é o primeiro livro da Bíblia, temos uma descrição da criação do mundo Génesis 1:28 em que Deus mandou a Adão e Eva: Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a…. Poderia Deus mandar fazer alguma coisa que fosse pecaminosa?!

Segundo nos informa Flávio Josefo na sua autobiografia (d) Em outros povos, critérios diferentes determinam a nobreza; entre nós, é a posse do sacerdócio a prova de origem ilustre”. Tratando-se duma teocracia, os levitas tinham todos os privilégios da nobreza.      

Segundo estimativa do mesmo historiador, Joaquim Jeremias, (e) no tempo de Jesus havia mais de 18 000 sacerdotes e levitas, pois outras estimativas mencionam números ainda mais elevados. Mas, se contarmos com suas esposas, numa época em que a poligamia era aceite com naturalidade, assim como os filhos dos levitas, o número dos que não cultivavam a terra e viviam do dízimo das outras tribos seria bem mais elevado.

 

4.2 - No Novo Testamento

Vemos em João 2:01/11 que Maria e também Jesus estiveram numa festa de casamento em Caná da Galileia. Jesus não celebrou nenhum ritual de casamento, mas identificou-se com os noivos ao transformar a água em vinho. Não sabemos quem seriam os noivos. Possivelmente não seriam levitas, mas de outra tribo.

Não encontrei nenhuma referência didáctica de Jesus quanto ao celibato dos apóstolos ou dos crentes, pois há passagens que defendem o sacerdócio universal.

Em Mateus 8:14Marcos 1:30, ou Lucas 4:38 que são passagens paralelas, Jesus com toda a naturalidade, cura a sogra de Pedro sem nenhuma consideração sobre o celibato ou casamento dos apóstolos. Mas não podemos esquecer de que não estamos perante uma passagem didáctica sobre o assunto do casamento dos clérigos, mas perante uma passagem que somente descreve o que aconteceu, sem mais comentários. Mas o simples facto de Mateus, Marcos e Lucas se referirem à sogra de Pedro com toda a naturalidade, sem mais informações, leva-nos a admitir que o facto deles serem casados era perfeitamente natural no seu contexto histórico o cultural.

Temos também a opinião de Paulo em 1ª Coríntios 7:01/09, passagem a que voltaremos a referir mais adiante.

 

4.3 –Passagens didáticas geralmente apresentadas sobre o celibato clerical

4.3.1 Em apoio ao celibato clerical                                                                                

 

No citado livro “Do fundo dos nossos corações”

 

1º Samuel 21 (todo o capítulo) Trata-se duma passagem veterotestamentária e nem se refere aos levitas.

Em defesa do celibato clerical o livro Do fundo dos nossos corações, afirma na página 31 Como os sacerdotes do Antigo Testamento só deviam dedicar-se ao culto durante determinados períodos, o casamento e o sacerdócio eram compatíveis. E continua afirmando que no caso dum sacerdote dos nossos dias, para estar disponível todos os dias, a sua profissão era incompatível com o casamento.

Mas afinal?! O sacerdote dos nossos dias será uma cópia do sacerdote do Velho Testamento?!

 

Salmo 16:05/06

Na Bíblia de Jerusalém: 5 Iahweh, minha parte na herança e minha taça, és tu que garantes a minha porção; 6 o cordel mediu para mim um lugar delicioso, sim, é magnífica a minha herança.

Os Salmos eram poesia no Velho Testamento e não nos parece muito aceitável de acordo com as regras duma boa hermenêutica fundamentar uma doutrina numa poesia. A autoria de grande parte dos Salmos é atribuída a David e Salomão que não eram celibatários!!

 

Na página 34 o livro “Do fundo dos nossos corações” afirma: No Antigo Testamento, os levitas renunciam à posse de uma terra. No Novo Testamento, essa provação transforma-se e renova-se: os sacerdotes, para serem radicalmente consagrados a Deus, renunciam ao casamento e à família.

É uma ideia interessante. Cada um é livre para pensar como entender, mas se esse mandamento do Velho Testamento tem algum significado nos nossos dias, não seria mais lógico o Papa renunciar ao território do Vaticano a favor da Itália, para seguir o exemplo dos levitas?!

 

1º Reis 21:01/29 

Não compreendemos por que razão, para justificar o celibato do sacerdote católico romano dos nossos dias, o autor (ou autores) do livro “Do Fundo dos Nossos Corações” se baseiam praticamente só no Velho Testamento e decidem apresentar este exemplo da má influência duma esposa, como se esta representasse todas as mulheres, ignorando as passagens neotestamentárias!!!

Como já afirmei, considero como passagens normativas, somente a Palavra de Cristo quer directa, quer através dos apóstolos e outros escritores neotestamentários.

Se considerarmos como normativas para o cristão as passagens do Velho Testamento, então, será que teremos de cumprir Êxodo22:20 atacando todas as outras religiões em cumprimento deste mandamento? Ou no caso de Êxodo 31:14 será que teríamos de aplicar a pena de morte a todo o pessoal em serviço aos fins de semana nos serviços de saúde, ou de segurança e serviços essenciais à vida nos nossos dias?! Eu também não escaparia, pois quando exercia a profissão de observador meteorológico estive muitos sábados e domingos em serviço nos aeroportos. De acordo com este mandamento deveria ter abandonado o meu trabalho colocando em perigo a vida dos viajantes e tripulantes dos aviões?! Não me sinto nada culpado, pois basta lembrar que Jesus curou em dia de sábado e também foi acusado pelos fanáticos do seu tempo.

            

O livro “Do fundo dos nossos corações” prefere ignorar as passagens em 1ª Timóteo e em Tito. Mas apresento a interpretação que encontrei na página da internet Presbíteros que suponho ser uma página de referência para o clero católico

Aconselho a leitura, pelo menos dos últimos capítulos desta página da internet, em que os primeiros capítulos apresentam argumentos baseados na história da Igreja Católica Romana que só tem interesse para quem os aceite, bem como a infalibilidade dos vários Papas ao longo dos tempos, mas leiam pelo menos o capítulo V. FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS DA DISCIPLINA DO CELIBATO: de onde transcrevo as seguintes passagens:

Se São Paulo escreve aos coríntios: “Temos de ser considerados pelos homens como ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus” 1ª Coríntios 4:1, ou então: “Agimos como embaixadores de Cristo, como se Deus mesmo vos exortasse através de nós. Suplicamos-vos, pois, em nome de Cristo, deixai-vos reconciliar com Deus” 2ª Coríntios 5:20 essas expressões podem ser consideradas autênticas ilustrações bíblicas da identificação do sacerdote com Cristo.

As ideias são interessantes, mas a quem se referia Paulo nessas cartas que escreveu aos coríntios?

Pelo que vemos logo no início dessas cartas 1ª Coríntios 1:2 e 2ª Coríntios 1:1, Paulo referia-se à igreja de Corinto, o que significa todos os seus crentes.  Não vejo que se possa limitar a carta aos clérigos dessa igreja. Assim, seria possível uma igreja só com celibatários? Se não houvesse matrimónios, não haveria nascimentos e o que seria do futuro da igreja na cidade de Corinto?!

É verdade que em 1ª Coríntios 7:01/09 Paulo escreve para todos os crentes da Igreja de Corinto, como já vimos no início desta carta e não vejo motivo para privilegiar os clérigos excluindo todos os outros crentes.

Paulo queria que todos os crentes fossem como ele, mas não encontrei passagens bíblicas que nos digam qual era o seu estado civil. Noto em Paulo uma certa aversão pelas mulheres, vendo-as somente pelo aspecto negativo, o que me leva a suspeitar que fosse um divorciado. Mas desejar que todos fossem como ele, que todos se divorciassem?!! Não faz sentido.

Nesse contexto histórico e cultural, em que os pais se apressavam a tratar do casamento dos seus filhos e filhas, devia haver muito poucos solteiros, pois segundo nos informa o historiador Joaquim Jeremias, no Velho Testamento o casamento era assunto geralmente resolvido pelos pais, quando a mulher atingia os 12 ou 12 anos e meio e geralmente casavam com familiares ou pelo menos da mesma tribo devido à distribuição das terras pelas várias tribos. Números 36.

Muitas vezes os noivos nem tinham conhecimento do que se tratava quando preparavam a transferência da jovem de sob o poder do pai para a submissão ao esposo.

Será que esse foi o caso de Paulo que se casou com uma mulher escolhida pelos pais, dando origem a um casamento fracassado?!          

Custa-me aceitar que Paulo fosse celibatário no contexto cultural em que viveu, pois em Actos 9:01/02 o Sumo-sacerdote deu-lhe cartas, certamente cartas de apresentação elogiando Saulo, facto impensável nesse contexto cultural, pois ser solteiro com a idade que tinha, levantaria suspeitas de que não fosse homem normal no aspecto sexual e não podemos esquecer de Levítico 20:13 que condenava à morte os homossexuais. 

Portanto, não cheguei a nenhuma conclusão sobre o estado civil do Apóstolo Paulo, assunto que considero secundário.

 

4.3.2 Passagens em oposição ao celibato clerical

Encontrei duas ou três passagens que se referem ao matrimónio dos clérigos: 1ª Timóteo 3:2, 1ª Timóteo 3:12 e Tito 1:6 a que daremos mais atenção, apresentando em diferentes traduções.

 

Na tradução da Bíblia de Jerusalém:

1ª Timóteo 03

01 Fiel é esta palavra: se alguém aspira ao episcopado, boa obra deseja.

02 É preciso, porém, que o epíscopo seja irrepreensível, esposo de uma única mulher, sóbrio, cheio de bom senso, simples no vestir, hospitaleiro, competente no ensino, 03 nem dado ao vinho, nem briguento, mas indulgente, pacífico, desinteresseiro. 04 Que ele saiba governar bem a sua própria casa, mantendo os seus filhos na submissão, com toda dignidade. 05 Pois se alguém não sabe governar bem a própria casa, como cuidará da Igreja de Deus? 06 Que ele não seja um recém-convertido, a fim de que não se ensoberbeça e incorra na condenação que cabe ao diabo. 07 Além disso, é preciso que os de fora lhe dêem um bom testemunho, para não cair no descrédito e nos laços do diabo.

08 Os diáconos igualmente devem ser respeitáveis, de uma só palavra, não inclinados ao vinho, sem cobiçar lucros vergonhosos, 09 conservando o mistério da fé com uma consciência limpa. 10 Também estes sejam primeiramente experimentados e, em seguida, se forem irrepreensíveis, sejam admitidos na função de diáconos. 11 Também as mulheres devem ser respeitáveis, não maldizentes, sóbrias, fiéis em todas as coisas.

12 Que os diáconos sejam esposos de uma única mulher, governando bem os seus filhos e a sua própria casa. 13 Pois queles que exercem bem o diaconato conquistam para si mesmos um ponto de honra, bem como muita intrepidez fundada em Cristo Jesus,

 

Tito 01

01 Paulo, servo de Deus, apóstolo de Jesus Cristo para levar os eleitos de Deus à fé e ao conhecimento da verdade conforme a piedade, 02 na esperança da vida eterna prometida antes dos tempos eternos pelo Deus que não mente, 03 e que, no tempo próprio, manifestou sua palavra por meio da proclamação de que fui encarregado por ordem de Deus, nosso Salvador, 04 a Tito, meu verdadeiro filho na fé comum, graça e paz da parte de Deus e de Cristo Jesus, nosso Salvador.

05 Eu te deixei em Creta para cuidares da organização e ao mesmo tempo para que constituas presbíteros em cada cidade, 06 cada qual devendo ser, como te prescrevi, homem irrepreensível, esposo de uma única mulher, cujos filhos tenham fé e não possam ser acusados de dissolução nem de insubordinação.

07 Porque é preciso que, sendo ecónomo das coisas de Deus, o epíscopo seja irrepreensível, não presunçoso, nem irascível, nem beberrão ou violento, nem ávido de lucro desonesto, 08 mas seja hospitaleiro, bondoso, ponderado, justo, piedoso, disciplinado, 09 de tal modo fiel na exposição da palavra que seja capaz de ensinar a sã doutrina como também de refutar os que a contradizem.

10 ..

 

Na tradução do Professor Frederico Lourenço:

1ª Timóteo 3

1 Confiável <é> o ditado: «Quem aspira ao episcopado, deseja um excelente ofício.»

2 É preciso que o bispo seja irrepreensível, homem de uma <só> mulher, púdico, respeitável, hospitaleiro, didático, 3 que não seja bêbado nem espancador, mas gentil, não-violento, sem ser amante de dinheiro, 4 que governe bem a própria casa, mantendo os filhos em submissão, com toda a dignidade 5 (pois se alguém não sabe governar a sua própria casa, como cuidará ele da assembleia de Deus?)

6 Que não seja neófito, para que não fique inchado <de arrogância> e caia na mesma condenação do diabo, 7 Mas é preciso que tenha também uma boa reputação entre os de fora, para não cair na censura do diabo.

8 Do mesmo modo, os diáconos «devem ser dignos, sem falas dúplices, não dados ao vinho, não gananciosos de lucro vergonhoso, 9 guardando o mistério da fé em consciência pura. 10 E que estes sejam primeiro postos à prova e que exerçam <só> depois o diaconato, sendo irrepreensíveis.

11 Do meso modo, as mulheres devem ser dignas, não caluniadoras, sóbrias, fiéis em todas as coisas.

12 Que os diáconos sejam maridos de uma <só> mulher, presidindo bem aos filhos e às próprias casas. 13 ….

 

Tito 01

..

5 Foi por isso que te deixei em Creta: para que endireitasses as coisas em falta e estabelecesses presbíteros em cada cidade, tal como te ordenei, 6 no caso de algum ser irrepreensível, homem de uma só mulher, com filhos <que são> crentes, e não um homem sob acusação de depravação ou um insubordinado,  7 …..

 

A página da internet Presbíteros apresenta a seguinte interpretação:

A primeira é a norma que indica São Paulo a Timóteo (1 Tim 3,2 e 3 3,12) e a Tito (1,6): os candidatos casados devem ser só unius uxoris, ou seja, ter sido casado apenas uma vez e também com uma mulher virgem. Tanto o Papa Sirício como Inocêncio I insistiram repetidamente em que esta expressão não significa que eles possam continuar com o desejo de gerar filhos, mas, pelo contrário, foi estabelecido propter continentiam futuram, ou seja, devido à continência que deveria ser vivida desde então

 

Não sei qual a origem deste esclarecimento aos citados versículos em 1ª Timóteo e Tito. Procurei em todas as traduções que tenho, em várias línguas, mas inicialmente nada encontrei, até que vejo numa antiga edição em português, não nos textos bíblicos, mas nos “esclarecimentos” que os acompanham, algumas afirmações com certas semelhanças. Trata-se dum Novo Testamento, tradução da Vulgata, de António Pereira de Figueiredo, publicada em Lisboa no ano de 1780. 

Certamente que essa edição de 1780 está escrita em português dessa época, e vou juntar um scâner dessas páginas para quem queira aprofundar o assunto. Se as letras estiverem muito pequenas, espero que saibam, ou perguntem a alguém, como fazer um “zoom” para as ampliar.    

 

Capa desta edição            1ª Timóteo 03:01/02            1ª Timóteo 03:03            Tito 01:01/05           Tito 01:06/09

 

Para quem tenha, ainda mais dificuldade do que eu, em ler o português do ano MDCCLXXX (ou seja 1780), juntamos esta “tradução” para a nossa escrita actual dos versículos 1 a 3 e comentário. Desde já, agradeço que me alertem para algum erro desta “tradução” da nossa língua.

 

1ª Timóteo 3

Vr.1 – Isto é uma verdade certa: Que se algum deseja o Episcopado, (a) deseja uma obra boa.

vr.2 - Importa logo (b) que o Bispo seja irrepreensível; (c) que não tenha sido casado senão com uma mulher; que seja sóbrio, prudente, concertado, casto, amigo da hospitalidade, capaz de ensinar.

Vr.3 – Que não seja sujeito ao vinho, nem inclinado a espancar, mas moderado; alheio de contestações, desinteressado:

 

(c) Que não tenha sido casado, senão com uma mulher. Isto querem dizer as palavras do Apóstolo, unius uxoris virum; isto é, que quando o Bispo tenha actualmente, ou tivesse tido mulher, não tivesse sido outra, mas uma só. E deste preceito do Apostolo veio a Disciplina da Igreja, que sempre repeliu, não só do Episcopado, Sacerdócio, mas de todos os graus do Clericato, aos bígamos, isto é, aos casados duas vezes.

A questão, que antigamente se debateu foi, se o matrimónio celebrado antes do Batismo, podia fundar esta irregularidade. S. Jerónimo na Carta, ou Livro a Oceano, que o consultara sobre este ponto, e no Comentário à Epístola de Tito, sustentou com grande força, e acrimonia a parte negativa, qualificando de erro intolerável a outra. E Baronio na História do ano 405, confessa, que as razões, em que S. Jerónimo se estribava, são dificultosíssimas de dissolver. Ainda afirma a parte afirmativa foi a que sempre prevaleceu a Igreja:  e este foi um dos pontos, que o Papa S. Inocêncio I declarou, e mandou, que se tivesse por constante e indubitável na Carta que escreveu aos nossos Bispos espanhóis do Concílio Toletano I. Segundo esta disciplina universal, aquele, que tivesse casado, sendo gentio, se depois de convertido à fé tornar a casar, é na mente dos cânones bígamo, e como tal irregular para todas as Ordens.

E pela mesma Decretal de S. Inocêncio I requeriam os cânones, que essa mesma única mulher, com que um se tivesse casado, não fosse nem viúva, nem corrupta, mas que fosse tomada virgem. A grande falta, que naqueles primeiros tempos havia, de sujeitos capazes para as sublimes Funções da Hierarquia Eclesiástica, era a causa de fé elegerem muitas vezes para Bispos homens casados: aos quais todavia depois de Bispos, sempre a Igreja proibiu debaixo de gravíssimas penas o uso do matrimonio, querendo, e mandando que vivessem em perpétua continência todos os que tivessem Ordens Sacras. Sobre o que é famosa a Decretal do Papa S. Siricio a Himério de Tarragona.

E dar porém a razão, por que o Apóstolo repele do Episcopado ao casado duas vezes, não concordam os Santos Padres. Porque S. Jerónimo e S. João Crisóstomo são de parecer, que por isso S. Paulo repele de ser Bispo ao bígamo, porque as segundas núpcias denotam incontinência; e nos Ministros do Altar não deve haver nem suspeita deste vício. Santo Ambrósio tanto nos Ofícios, como na Carta aos Vercellenses, dá esta razão: Que se o Bispo tiver casado mais de uma vez, como há de ele exortar as viúvas a que se conservem nesse estado? Os Sumos Pontífices S. Leão Magno na carta ao Bispos de África e Inocêncio III no Cap. Debitum, De Bigamis non ordinandis, dizem que é porque o Bispo casado duas vezes não pode representar o Sacramento da união de Cristo com a Igreja. Todas esta razões talvez teria o Apóstolo no sentido.   Pereira           

 

Actualmente a Bíblia está traduzida em dezenas, ou centenas de traduções, só na nossa língua. Há variada informação sobre este assunto na internet.

Claro que deveremos dar maior credibilidade às traduções directas do hebraico para português, no Velho Testamento, e do grego para português, no Novo Testamento, pois nos últimos anos têm aparecido, em especial no Brasil, muitas traduções a partir de outras línguas actuais, em especial do inglês.

 

Já vinte séculos nos separam dos escritores neotestamentários. Se quisermos aprofundar determinado assunto ou afirmação da Bíblia, não é possível perguntar pessoalmente ao escritor (neste caso a Paulo) qual a sua ideia. Só temos as nossas bíblias com as traduções do que Paulo escreveu a Timóteo e a Tito, pois as cartas originais já se perderam há séculos. O que temos são as cópias, das cópias, das cópias… ninguém sabe quantas vezes foram copiadas até chegarem aos nossos dias. Mas, graças a Deus que há uma certa unanimidade nas cópias dos manuscritos que chegaram aos nossos dias. Algumas das melhores e mais sérias edições da Bíblia, como a TEB completa ou a Jerusalém, sempre alertam nos comentários quando há diferenças entre algumas cópias dos manuscritos, optando geralmente pelos mais antigos.

Mas, se não podemos consultar as cópias dos manuscritos originais, por não conhecermos a língua grega, em especial o grego escrito no tempo de Jesus, temos ainda uma alternativa. Podemos consultar o “Novo Testamento Interlinear” grego/português, edição da Sociedade Bíblica do Brasil, que vivamente aconselhamos a quem deseja aprofundar os seus conhecimentos bíblicos.

Trata-se, como podem ver a seguir, da transcrição do que Paulo escreveu e na linha abaixo a tradução palavra por palavra. Claro que isso nem sempre faz sentido na nossa língua, mas é o que “vê” quem souber grego dessa época. Depois, será necessário ordenar as palavras e por vezes colocar os verbos que não havia no grego dessa época.

A quem gosta de aprofundar os seus conhecimentos bíblicos, posso dizer que isto é o “mais próximo que conseguimos chegar de Paulo”. É aquilo que ele escreveu, sem os “esclarecimentos” que acrescentaram, sem podermos confirmar se teriam a aprovação de Paulo. Até podemos imaginar que estamos sentados ao lado de Paulo, vendo o que ele acabou de escrever. O mais difícil será imaginar como evoluiu a semântica dessas palavras, num contexto de teologia, depois dos vinte séculos que nos separam de Paulo.

 

1ª Timóteo 3:1/2 em grego                  1ª Timóteo 3:3/12 em grego                          Tito 01:01/05 em grego          Tito 01:06/09 em grego         

 

1ª Coríntios 9:5

            

Quero ser o primeiro a afirmar que esta não é uma passagem didáctica sobre o celibato ou matrimónio do clérigo. É que nessa época não fazia sentido afirmar que o apóstolo, ou clérigo em geral, tinha o direito de se casar, pois ninguém colocava isso em causa. Ainda estavam sob a influência do Velho Testamento em que a poligamia era aceite com toda a naturalidade e como já vimos, há algumas passagens neotestamentárias que passaram a considerar a monogamia mais digna que a poligamia ou o celibato.

Sugerimos que leia este versículo 1ª Coríntios 9:5 em diferentes traduções, da Bíblia, de preferência que sejam traduções das cópias dos originais em grego para português.

 

Tradução de Almeida  

5 Não temos nós direito de levar connosco uma mulher irmã, como também os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas?

Tradução de Jerusalém

5 Não temos o direito de levar connosco, nas viagens, uma mulher cristã, como os outros apóstolos e os irmãos do Senhor e Cefas?

Tradução dos Capuchinhos

5Não temos o direito de levar connosco, nas viagens, uma mulher cristã, como os restantes Apóstolos, os irmãos do Senhor e Cefas? 

Texto das cópias em grego, com tradução palavra por palavra.                                                                                                                                                                                                             

1ª Coríntios 09:03/05

O principal pensamento que Paulo defendia era o direito ao alojamento e alimentação para ele e sua esposa, se fosse casado, enquanto estivesse ao serviço dessa igreja.

Como vemos, quase todos os outros apóstolos eram casados e suas esposas acompanhavam-nos nas suas viagens de evangelização. Para exercerem a sua função de apóstolos, sentiam-se na obrigação de viajar e levar a mensagem do Evangelho a todos os povos, mesmo além das fronteiras do Império Romano, mas nessa cultura, as suas esposas não estavam preparadas para sobreviver sozinhas longe dos seus maridos, e não podiam deixar de os acompanhar. Certamente que elas também deram a sua contribuição na divulgação do Evangelho, mas muito pouco ou nada ficou registado de acordo com a mentalidade dessa época.

Jesus disse que seriam “pescadores de homens” Mateus 4:19 e Marcos 1:17 e muitos dos apóstolos que eram profissionais da pesca, bem sabiam o que isso significava. Não se limitaram a tentar pescar dentro do porto de abrigo, mas fizeram-se ao largo enfrentando o perigo de tempestades e muitos nunca mais regressaram.

A referência aos “irmãos do Senhor” que aparece em 1ª Coríntios 09:05 tem levantado alguma polémica na sua interpretação, mas aconselho a leitura do meu artigo Maria – Mãe de Jesus (CC)  onde tenho mais algumas referências a este assunto.

 

4.4 Será que o celibato clerical tem fundamento bíblico?

Pelas informações que encontrei, tenho de concluir que o Novo Testamento nada nos diz sobre o celibato. Até pelo contrário, o clérigo deverá ser casado com uma só mulher.

A única referência que encontrei foi o “esclarecimento” que suponho estar na versão latina e que foi traduzido nessa versão em português do ano 1780, que evidentemente, não faz parte das Escrituras, mas é da exclusiva responsabilidade do tradutor.     

Penso que no primitivo cristianismo o problema era a poligamia e estas passagens são do apóstolo Paulo que julgo rejeitar ou pelo menos considerar a poligamia como situação menos digna dum clérigo duma igreja cristã.

 

 

5. Conclusão   

 

Não encontrei fundamento bíblico neotestamentário para o celibato clerical nas afirmações de Jesus Cristo nem dos seus apóstolos. Muito menos no Velho Testamento onde estava em vigor a poligamia.

Mas certamente que é possível justificar o celibato clerical na tradição do Catolicismo Romano bem como em vários Concílios e declarações de vários Papas ao longo da história.

Como dissemos no Capítulo 2 – “Qual a base da nossa teologia?” A conclusão depende da base da nossa fé, e todos somos livres para escolher a base da nossa fé.

De acordo com as cartas, de Paulo a Timóteo e a Tito, a que demos maior ênfase por serem as únicas passagens normativas sobre este assunto, penso que o problema do primitivo cristianismo era a poligamia.

Se optarmos por uma interpretação fundamentalista, um clérigo não poderia ser polígamo nem celibatário, pois convinha que fosse monogâmico, com base nestas passagens.

No entanto, embora aceite somente o Novo Testamento como normativo para os nossos dias, compreendo que não é possível alterar as velhas tradições dum dia para outro, tanto mais que há muitos clérigos na Igreja Católica Romana, que aceitaram o celibato e se sacrificaram por essa tradição.

Como vemos em 1ª Coríntios 16:17 Paulo foi contactado pelos enviados da Igreja de Corinto, para a resolução duma infinidade de prolemas que certamente ultrapassavam a sua capacidade de dar resposta a tudo. Certamente que coisa semelhante deve acontecer com o actual Papa Francisco.

A solução de Paulo foi destacar o que era mandamento de Deus que deveria ser cumprido, diferenciando-o da sua opinião pessoal, que embora importante, poderia ser adaptada às várias condições históricas e culturais, como vemos em 1ª Coríntios 7:06 , 1ª Coríntios 7:10 e 1ª Coríntios 7:12

Parece que ele “sentia” quando Deus o inspirava e devia falar em Seu Nome, e quando não sentia a inspiração divina, mas tinha de tomar decisões. Nestes casos, procurava Paulo deixar bem claro que não era mandamento do Senhor, mas somente a sua opinião, deixando as dúvidas ao critério de quem o consultava.

Assim, no caso do celibato clerical, o mais realista, atendendo a que não se trata duma doutrina fundamental, seria deixar as duas opções ao critério do próprio clérigo, como acontece noutras igrejas cristãs, tanto ortodoxas como protestantes.

Bem sei que me irão dizer que tal não seria possível no Catolicismo Romano, pois poderia dar origem a novo cisma.

Julgo que o verdadeiro problema não está numa divergência, num pormenor que nunca foi dogma. Divergências de opinião sempre haverá entre crentes que meditem e não se limitem à simples aceitação da “verdade oficial” numa cómoda posição heterónoma. O perigo está em certas tradições católico romanas, que não admitem divergências de opinião e até, no passado, já deram origem à luta armada onde muita coisa horrível aconteceu devido a divergências doutrinárias.

Assim, se Jesus nada disse sobre este assunto, ou pelo menos, nada ficou registado nos evangelhos.

Se não é assunto de principal importância.

Se nunca foi dogma na Igreja Católica Romana.

Talvez o Senhor necessite dos três: Do clérigo celibatário, do clérigo casado e da esposa do clérigo, mas por opção pessoal de cada um.

No Velho Testamento, aceitava-se que Deus falava através do Sumo-Sacerdote, mas no Novo Testamento Deus fala quando e onde entender, pelos meios que entender e a quem Ele escolher.

Se Jesus nada disse sobre o assunto, deixem que seja Ele e revelar-se aos futuros clérigos, segundo os Seus planos.

A monogamia está a impor-se a nível mundial, talvez mais por motivos económicos do que éticos ou religiosos, mesmo nos países em que a poligamia era uma antiga tradição.

Parece-nos inevitável o regresso às Escrituras neotestamentárias, que aliás estará de cordo com a tendência do nosso tempo. Não defendo que as igrejas devam seguir a mentalidade dos nossos dias, mas não podem ignorar o problema.

É urgente meditar no que deve ser a “esposa do clérigo” com os inúmeros problemas relacionados com o assunto, pois grande será a responsabilidade das primeiras esposas dos clérigos.

Será que “Esposa de Clérigo” deverá ser um cargo na Igreja Católica? Deverá essa Igreja ter alguma interferência na sua aceitação? Qual deverá ser a sua preparação secular e teológica? Deverá ela agir como uma delegada do clérigo nos contactos com o grande público? Deverá tentar ser uma “Maria” dos nossos dias? (f)

Não me parece que este assunto, do celibato ou matrimónio do clérigo, seja assunto importante sob o aspecto teológico, caso contrário, Jesus teria dado alguma informação mais desenvolvida, mas no aspecto prático, reveste-se de grande importância pelas consequências que terá no futuro.

Quando surgem estes problemas, os católicos procuram resposta em toda a informação dos Papas e dos Concílios através dos tempos, os protestantes procuram informação em toda a Bíblia e quando não encontram respostas, todos nos sentimos como órfãos indefesos sem orientação.

Qual será a melhor solução? Julgo que Jesus previu que estes problemas iriam surgir através dos tempos. Mas a quem devemos pedir orientação?

Vejam o que disse o Mestre em   João 14:14/18

Camilo – Marinha Grande

Novembro de 2020

 

 

(a)  Joaquim Jeremias no seu livro Jerusalém no tempo de Jesus Página 473 e seguintes.

(b)  Dicionário da Bíblia de Davis página 586

(c)  Do fundo dos nossos corações página 57

(d)  Joaquim Jeremias no seu livro “Jerusalém no tempo de Jesus” Página 208. Flávio Josefo foi um sacerdote e escritor.

(e)  Joaquim Jeremias no seu livro “Jerusalém no tempo de Jesus” Página 279.

(f) Convidamos a ler o nosso artigo “Maria