PRESIDÊNCIA
DA REPÚBLICA
Lei nº 4/71
(de 21 de Agosto)
Em
nome da Nação, a Assembleia Nacional decreta e eu promulgo a lei seguinte:
I
- Princípios fundamentais
Base
I
O
Estado reconhece e garante a liberdade religiosa das pessoas e assegura às
confissões religiosas a protecção jurídica adequada.
Base
II
1.
O Estado não professa qualquer religião e as suas relações com as confissões
religiosas assentam no regime de separação.
2.
As confissões religiosas têm direito a igual tratamento, ressalvadas as
diferenças impostas pela sua diversa representatividade.
II
- Conteúdo e extensão da liberdade religiosa
Base
III
É
lícito às pessoas, em matéria de crenças e de culto religioso:
a)
Ter ou não ter religião, mudar de confissão ou abandonar a que tinham, agir ou
não em conformidade com as prescrições da confissão a que pertençam;
b)
Exprimir as suas convicções;
c)
Difundir, pela palavra, por escrito ou outros meios de comunicação, a doutrina
da religião que professam;
d)
Praticar os actos de culto, particular ou público, próprios da religião
professada.
Base
IV
1.
Ninguém será obrigado a declarar se tem ou não religião, nem qual a religião
que professa, a não ser, com carácter confidencial, em inquérito estatístico
ordenado por lei.
2.
Ninguém pode ser perseguido, nem privado de um direito ou isento de um dever,
por causa das suas convicções religiosas; e nenhuma discriminação se fará, por
motivo delas, no acesso aos cargos públicos ou na atribuição de quaisquer
honras ou dignidades oficiais.
Base
V
1.
É lícita a reunião de pessoas para a prática comunitária do culto ou para
outros fins específicos da vida religiosa.
2.
Não dependem de autorização oficial nem de participação às autoridades civis as
reuniões com as finalidades indicadas no nº 1 promovidas pelas confissões
religiosas reconhecidas, desde que se realizem dentro de templos ou lugares a
elas especialmente destinados, bem como a celebração dos ritos próprios dos actos
fúnebres dentro dos cemitérios.
Base
VI
1.
A assistência a actos de culto religioso, ainda que celebrados em unidades
militares ou em estabelecimentos públicos, é facultativa.
2.
Podem, todavia, os actos de culto religioso ser prescritos com carácter
obrigatório, em estabelecimentos educativos ou de formação ou em instituições
penitenciárias ou de reeducação, para os menores cujos pais ou tutores não
hajam pedido isenção.
Base
VII
1.
O ensino ministrado pelo Estado será orientado pelos princípios da doutrina e
moral cristãs, tradicionais no País.
2.
O ensino da religião e moral nos estabelecimentos de ensino será ministrado aos
alunos cujos pais, ou quem suas vezes fizer, não tiverem pedido isenção.
3.
Os alunos maiores de 18 anos, poderão fazer eles próprios o pedido de isenção.
4.
Para o efeito, no acto de inscrição em qualquer estabelecimento em que se
ministre o ensino de religião e moral aquele a quem competir declarará se o
quer ou não.
5.
A inscrição em estabelecimentos de ensino mantidos por entidades religiosas
implica a presunção da aceitação do ensino da religião e moral da respectiva
confissão, salvo declaração pública em contrário dos seus dirigentes.
Base
VIII
1.
A ninguém será lícito invocar a liberdade religiosa para a prática de actos que
sejam incompatíveis com a vida, a integridade física ou a dignidade das
pessoas, os bons costumes, os princípios fundamentais da ordem constitucional
ou os interesses da soberania portuguesa.
2.
Não são consideradas religiosas as actividades relacionadas com os fenómenos
metapsíquicos ou parapsíquicos.
III
- Do regime das confissões religiosas
A)
Das confissões religiosas em geral
Base
IX
1.
As confissões religiosas podem obter reconhecimento que envolverá a atribuição
de personalidade jurídica à organização correspondente ao conjunto dos
respectivos fiéis.
2.
O reconhecimento será pedido ao Governo, em requerimento subscrito por um
número não inferior a 500 fiéis, devidamente identificados, maiores e
domiciliados em território português.
3.
O requerimento será instruído com os documentos necessários à prova da
existência da confissão em território nacional e dele constarão os princípios
essenciais da sua doutrina, o nome da confissão, a descrição geral dos actos de
culto, as regras de disciplina e hierarquia da organização, a identidade dos
dirigentes e a duração da sua prática no País. Na falta de indicações
suficientes, a entidade competente fixará o prazo dentro do qual o requerimento
haja de ser completado.
4.
Se a organização tiver estatuto estrangeiro ou depender de outra com estatuto
estrangeiro, poderá o Governo exigir não só os meios de prova necessários ao
pleno conhecimento do regime a que ela fica sujeita, como a subscrição do
requerimento por parte das entidades responsáveis.
5.
O Governo pode ordenar os inquéritos que julgue indispensáveis à prova, tanto
da existência da confissão como da prática efectiva do seu culto em território
nacional, e pode dispensar a prova de qualquer destes requisitos quanto às
confissões há mais tempo radicadas em território português.
6.
O requerimento será recusado:
a)
Se a doutrina, as normas ou o culto da confissão contrariarem o disposto na
base VIII;
b)
Se o requerimento não obedecer aos requisitos exigidos nesta base ou as suas
indicações não forem verdadeiras.
Base
X
1.
O reconhecimento pode ser revogado pelo Governo quando se mostre que a
organização é responsável pela violação do disposto na base VIII, actua por
meios ilícitos ou se dedica a actividades estranhas aos fins próprios das
confissões religiosas.
2.
Notificada a revogação do reconhecimento, cessarão imediatamente as actividades
da organização, incorrendo em crime de desobediência, todos os que nela
prosseguirem.
Base
XI
1.
As confissões religiosas legalmente reconhecidas, podem organizar-se de
harmonia com as suas normas internas.
2.
Às confissões reconhecidas é permitido formar, dentro de cada uma delas,
associações ou institutos destinados a assegurar o exercício do culto ou a
prossecução de outros fins específicos da vida religiosa.
Base
XII
1.
São consideradas religiosas as associações ou institutos constituídos ou
fundados com o fim principal da sustentação do culto de uma confissão religiosa
já reconhecida ou qualquer outra actividade especificamente religiosa, desde
que se constituam de harmonia com as normas e disciplina da respectiva
confissão.
2.
As associações ou institutos religiosos adquirem personalidade jurídica
mediante o acto de registo da participação escrita da sua constituição pelo
órgão competente da confissão religiosa reconhecida; a participação será
apresentada e o registo efectuado nos termos que em regulamento forem fixados.
3.
Em caso de modificação ou extinção da associação ou instituto, far-se-á
participação e registo nos termos estabelecidos para a sua constituição.
Base
XIII
A
revogação do reconhecimento de uma confissão religiosa determina a extinção das
respectivas associações ou institutos religiosos, e bem assim das outras pessoas
colectivas que dela dependam.
Base
XIV
1.
As organizações correspondentes às confissões religiosas e as associações e
institutos religiosos administram-se livremente, dentro dos limites da lei, sem
prejuízo do regime vigente para as associações religiosas que se proponham
também fins de assistência ou de beneficência e para os institutos de
assistência ou de beneficência fundados, dirigidos ou sustentados por
associações religiosas.
2.
As organizações correspondentes às confissões religiosas e as associações ou
institutos religiosos não podem ser submetidos ao regime de tutela.
Base
XV
1.
As pessoas colectivas religiosas não carecem de autorização para a aquisição
dos bens necessários à realização dos seus fins, mesmo quando se trate de bens
imóveis e a aquisição se faça a título oneroso, nem para a alienação ou
oneração dos bens imóveis a qualquer título.
2.
Os bens destinados a proporcionar rendimento não são considerados necessários à
prossecução dos fins das pessoas colectivas religiosas e a sua aquisição está
sujeita ao disposto na lei geral.
Base
XVI
1.
As confissões religiosas reconhecidas têm o direito de assegurar a formação dos
ministros do respectivo culto, podendo criar e gerir os estabelecimentos
adequados a esse fim.
2.
Os estabelecimentos referidos no número anterior estão sujeitos à fiscalização
do Estado, mas apenas para o efeito de ser garantido o respeito das leis e dos
limites impostos pelo nº 1 da base VIII.
3.
Os estabelecimentos que não se restrinjam a ministrar a formação e ensino
religiosos ficam submetidos, nessa medida, ao regime previsto para os
estabelecimentos de ensino particular.
Base
XVII
A
construção ou instalação de templos ou lugares destinados à prática do culto só
é permitida quando este seja de confissões religiosas reconhecidas, mas não
depende de autorização especial, estando apenas sujeita às disposições
administrativas de carácter geral.
B)
Do regime especial da Igreja Católica
Base
XVIII
1.
Ficam salvaguardadas todas as disposições da legislação vigente, nomeadamente
as contidas na Concordata de 7 de Maio de 1940, que respeitam à religião e à
Igreja Católica.
2.
São aplicáveis às pessoas colectivas católicas as disposições desta lei que não
contrariam os preceitos concordatariamente estabelecidos.
IV
- Do sigilo religioso
Base
XIX
1.
Os ministros de qualquer religião ou confissão religiosa devem guardar segredo
sobre todos os factos que lhes tenham sido confiados ou de que tenham tomado
conhecimento em razão e no exercício das suas funções, não podendo ser
inquiridos sobre eles por nenhuma autoridade.
2.
A obrigação do sigilo persiste, mesmo quando o ministro tenha deixado de
exercer o seu múnus.
3.
Consideram-se ministros da religião ou da confissão religiosa aqueles que, de
harmonia com a organização dela, exerçam sobre os fiéis qualquer espécie de
jurisdição ou cura de almas.
Base
XX
A
violação do sigilo religioso é punida com a pena de prisão maior de dois a oito
anos, quando consista na revelação de factos conficenciados segundo as práticas
da religião ou confissão religiosa, e com pena de prisão até seis meses, nos
outros casos.
Base
XXI
Fica
o Governo autorizado a estender ao ultramar, com as necessárias adaptações, o
regime da presente lei.
Marcello
Caetano.
Promulgada
em 9 de Agosto de 1971
Publique-se
O
Presidente da República, Américo Deus Rodrigues Thomaz.
NOTA:
Esta legislação foi revogada pelo artº 62 da Lei 16/2001.